Acessibilidade / Reportar erro

Recomendações para o manejo da tromboembolia pulmonar, 2010

Recommendations for the management of pulmonary thromboembolism, 2010

Resumos

A tromboembolia pulmonar constitui, juntamente com a trombose venosa profunda, a condição denominada tromboembolismo venoso. Apesar dos avanços, a morbidade e a mortalidade atribuídas a essa doença ainda são elevadas, pois os pacientes apresentam doenças mais complexas, são submetidos a um maior número de procedimentos invasivos e sobrevivem por mais tempo. Embora existam inúmeras diretrizes internacionais disponíveis, optou-se por redigir estas recomendações para sua aplicação na prática médica nacional, embasadas nas melhores evidências na literatura e na opinião do grupo de consultores. Este documento é apenas uma ferramenta para o atendimento dos pacientes, e, embora possa ser aplicado na maioria das situações, o médico deve adaptar as informações a sua realidade local e ao caso específico. O diagnóstico de tromboembolia pulmonar é realizado através da combinação da probabilidade clínica pré-teste (escores) com o resultado dos exames de imagem, sendo atualmente o método de eleição a angiotomografia computadorizada. É fundamental a estratificação do risco de desfecho desfavorável, sendo a instabilidade hemodinâmica o preditor mais importante. Pacientes de baixo risco devem ser tratados com heparina, comumente as de baixo peso molecular. Pacientes de alto risco requerem vigilância intensiva e uso de trombolíticos em alguns casos. A longo prazo, os pacientes devem receber anticoagulantes por no mínimo três meses, sendo sua manutenção decidida pela presença de fatores de risco para a recorrência e a probabilidade de sangramento. A profilaxia é altamente eficaz e deve ser amplamente utilizada, tanto em pacientes clínicos como cirúrgicos, conforme os grupos de risco. Finalmente, são feitas recomendações relacionadas ao diagnóstico, tratamento e prevenção da tromboembolia pulmonar.

Tromboembolia venosa; Trombose venosa; Tromboembolia


Pulmonary thromboembolism and deep vein thrombosis together constitute a condition designated venous thromboembolism. Despite the advances, the morbidity and the mortality attributed to this condition are still high, because the patients present with more complex diseases, are submitted to a greater number of invasive procedures and survive longer. Although there are various international guidelines available, we decided to write these recommendations for their application in medical practice in Brazil. These recommendations are based on the best evidence in the literature and the opinion of the advisory committee. This document is only a tool for use in the management of patients. Although the recommendations it contains can be applied to most situations, physicians should adapt its content depending on their local context and on a case-by-case basis. Pulmonary thromboembolism is diagnosed by evaluating pre-test clinical probability (scores) together with the results of imaging studies, the current method of choice being CT angiography. Stratification of the risk for an unfavorable outcome is fundamental. Hemodynamic instability is the most important predictor. Low-risk patients should be treated with heparin, commonly low-molecular-weight heparins. High-risk patients require intensive monitoring and, in some cases, thrombolytic therapy. In the long term, patients should receive anticoagulants for at least three months. The decision to prolong this treatment is made based on the presence of risk factors for the recurrence of the condition and the probability of bleeding. Prophylaxis is highly effective and should be widely used in clinical and surgical patients alike, according to their risk group. Finally, we include recommendations regarding the prevention, diagnosis and treatment of pulmonary thromboembolism.

Venous thromboembolism; Venous thrombosis; Thromboembolism


Recomendações para o manejo da tromboembolia pulmonar, 2010* * Trabalho realizado pela Comissão de Circulação Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia - SBPT - Brasília (DF) Brasil

Recommendations for the management of pulmonary thromboembolism, 2010

Mario Terra-Filho; Sérgio Saldanha Menna-Barreto e Colaboradores** ** Colaboradores: Ana Thereza Rocha, Ângela Beatriz John, Carlos Jardim, Dany Jasinowodolinsky, Eloara Vieira Machado Ferreira, Hugo Hyung Bok Yoo, Jamocyr Marinho, Jaquelina Sonoe Ota Arakaki, João G. Pantoja, Jorge Luiz Pereira e Silva, Marcelo Basso Gazzana, Nelson Morrone, Paulo Henrique Feitosa, Patrícia Kfiter, Renato Maciel, Rogério Souza, Thais Helena Abrahão Thomaz Queluz, Verônica Amado, Walter Roriz

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Comissão de Circulação Pulmonar da SBPT, SEPS 714/914 - Bloco E - Sala 220/223 - Asa Sul CEP 70390-145 - Brasília (DF) Brasil Fone/fax: 0800 61 6218/ (55) (61) 3245 1030/ (55) (61) 3245 6218

RESUMO

A tromboembolia pulmonar constitui, juntamente com a trombose venosa profunda, a condição denominada tromboembolismo venoso. Apesar dos avanços, a morbidade e a mortalidade atribuídas a essa doença ainda são elevadas, pois os pacientes apresentam doenças mais complexas, são submetidos a um maior número de procedimentos invasivos e sobrevivem por mais tempo. Embora existam inúmeras diretrizes internacionais disponíveis, optou-se por redigir estas recomendações para sua aplicação na prática médica nacional, embasadas nas melhores evidências na literatura e na opinião do grupo de consultores. Este documento é apenas uma ferramenta para o atendimento dos pacientes, e, embora possa ser aplicado na maioria das situações, o médico deve adaptar as informações a sua realidade local e ao caso específico. O diagnóstico de tromboembolia pulmonar é realizado através da combinação da probabilidade clínica pré-teste (escores) com o resultado dos exames de imagem, sendo atualmente o método de eleição a angiotomografia computadorizada. É fundamental a estratificação do risco de desfecho desfavorável, sendo a instabilidade hemodinâmica o preditor mais importante. Pacientes de baixo risco devem ser tratados com heparina, comumente as de baixo peso molecular. Pacientes de alto risco requerem vigilância intensiva e uso de trombolíticos em alguns casos. A longo prazo, os pacientes devem receber anticoagulantes por no mínimo três meses, sendo sua manutenção decidida pela presença de fatores de risco para a recorrência e a probabilidade de sangramento. A profilaxia é altamente eficaz e deve ser amplamente utilizada, tanto em pacientes clínicos como cirúrgicos, conforme os grupos de risco. Finalmente, são feitas recomendações relacionadas ao diagnóstico, tratamento e prevenção da tromboembolia pulmonar.

Descritores: Tromboembolia venosa; Trombose venosa; Tromboembolia.

ABSTRACT

Pulmonary thromboembolism and deep vein thrombosis together constitute a condition designated venous thromboembolism. Despite the advances, the morbidity and the mortality attributed to this condition are still high, because the patients present with more complex diseases, are submitted to a greater number of invasive procedures and survive longer. Although there are various international guidelines available, we decided to write these recommendations for their application in medical practice in Brazil. These recommendations are based on the best evidence in the literature and the opinion of the advisory committee. This document is only a tool for use in the management of patients. Although the recommendations it contains can be applied to most situations, physicians should adapt its content depending on their local context and on a case-by-case basis. Pulmonary thromboembolism is diagnosed by evaluating pre-test clinical probability (scores) together with the results of imaging studies, the current method of choice being CT angiography. Stratification of the risk for an unfavorable outcome is fundamental. Hemodynamic instability is the most important predictor. Low-risk patients should be treated with heparin, commonly low-molecular-weight heparins. High-risk patients require intensive monitoring and, in some cases, thrombolytic therapy. In the long term, patients should receive anticoagulants for at least three months. The decision to prolong this treatment is made based on the presence of risk factors for the recurrence of the condition and the probability of bleeding. Prophylaxis is highly effective and should be widely used in clinical and surgical patients alike, according to their risk group. Finally, we include recommendations regarding the prevention, diagnosis and treatment of pulmonary thromboembolism.

Keywords: Venous thromboembolism; Venous thrombosis; Thromboembolism.

1. Introdução

A necessidade de otimizar a conduta nos níveis de profilaxia, diagnóstico e tratamento da TEP origina-se num conjunto de características próprias dessa pleomórfica e complexa condição.

A TEP é um dos componentes da TEV. A TEV é constituída por duas condições inter-relacionadas: a trombose venosa e a TEP. A expressão aguda básica da TEV é a TVP, e sua complicação aguda potencialmente fatal é a TEP aguda. A TVP pode evoluir cronicamente, com o quadro de síndrome pós-flebítica, e a TEP pode evoluir cronicamente com o desenvolvimento de HPTC.

A ocorrência de TEP é uma situação clínica comum, de alta prevalência relativa em faixas mais altas de idade e em ambiente hospitalar. Suas manifestações clínicas podem ser inaparentes, dissimuladas ou sugestivas. Pode ser um achado incidental, uma complicação de alta morbidez ou levar a morte súbita. Na TEP, os óbitos ocorrem precocemente. Não é uma condição de diagnóstico clinico, exigindo confirmação objetiva com recursos nem sempre disponíveis nos lugares em que ocorrem. O diagnóstico correto e o tratamento imediato fazem diferença na mortalidade. A morte por TEP não é comum quando é instituído tratamento para prevenir a recorrência imediata. A terapia com anticoagulantes e trombolíticos oferece risco aos pacientes e exige cuidados específicos. O tratamento prolonga-se bem além do processo inicial e mesmo depois de desaparecerem os efeitos ostensivos. A ocorrência de um episódio tromboembólico vincula o paciente ao diagnóstico de forma indelével, sendo as recorrências comuns. Têm-se identificado fatores de risco que precisam ser considerados nas situações de potencialização de sua presença. A profilaxia é muito útil e está hierarquizada nos níveis de risco. A TEP pode ocorrer em situações de doença grave, sendo uma complicação que pode ser fator contribuinte ou causa eficiente de óbito. Por outro lado, muitos pacientes vivenciando morbidades que são fatores de risco de TEP não morreriam pela doença de base não fosse a ocorrência de TEP. Na prática de várias especialidades clinicas e cirúrgicas, podem ocorrer episódios de TEP, mas os médicos individualmente acabam acompanhando poucos casos, o que é insuficiente para formar uma experiência sólida para manejar a situação quando ela ocorrer. Como não há um quadro clínico específico de TEP, faz-se necessário um alto grau de suspeição.(1,2)

A extensão do evento tromboembólico foi inicialmente avaliada em termos anatômicos por meio da cintilografia perfusional ou da angiografia pulmonar por cateter pulmonar. A TEP maciça corresponde à obstrução de pelo menos duas artérias lobares ou mais de 50% da perfusão pulmonar, e a TEP submaciça corresponde à obstrução de pelo menos uma artéria segmentar e extensão menor do que duas artérias lobares ou menos de 50% da perfusão.

Considerando-se que a repercussão da TEP aguda depende da carga embólica e da condição cardiopulmonar subjacente do paciente, atualmente têm-se valorizado mais as implicações do ponto de vista funcional; sendo assim, a TEP de risco alto ou maciça é aquela que se acompanha de colapso circulatório (hipotensão e choque); a TEP de risco intermediário ou submaciça é a que apresenta sobrecarga do coração direito, preservando a circulação sistêmica; e a TEP de risco baixo é a focal, subpleural, sem comprometimento significativo das circulações pulmonar e sistêmica. No estudo PIOPED, em 117 pacientes sem doença cardíaca ou pulmonar de base, 65% dos eventos de TEP aguda foram de extensão não maciça, 22% foram de eventos com repercussão submaciça, e 8% foram de apresentação maciça.(3-5)

A metodologia do presente documento ocorreu da seguinte forma. Foi elaborada, pelos organizadores, uma lista de tópicos essenciais, os quais foram distribuídos para pneumologistas de reconhecida experiência no tema, visando a elaboração de um texto preliminar. Recomendou-se que fosse utilizada uma bibliografia atualizada (selecionada a partir de Medline, SciELO Brasil e LILACS, sobretudo dos últimos cinco anos) e com a melhor evidência disponível (ensaios clínicos, meta-análises e revisões sistemáticas). Após a reunião de todo material, o grupo editorial procurou padronizar os textos, os níveis de evidência e os graus de recomendação. Por fim, houve a discussão do documento final por um grupo de especialistas para dirimir eventuais dúvidas.

Fornecemos uma lista de abreviaturas dos termos recorrentes neste documento (Quadro 1). Na elaboração dessas considerações, utilizou-se a classificação de níveis de evidência e graus de recomendação semelhantes à Diretriz Britânica para Manejo da Suspeita de Tromboembolia Pulmonar Aguda (Quadros 2 e 3).(6-8)




  • 1. Alpert JS, Dalen JE. Epidemiology and natural history of venous thromboembolism. Prog Cardiovasc Dis. 1994;36(6):417-22.
  • 2. Dalen JE. Pulmonary embolism: what have we learned since Virchow? Natural history, pathophysiology, and diagnosis. Chest. 2002;122(4):1440-56.
  • 3. Urokinase pulmonary embolism trial. Phase 1 results: a cooperative study. JAMA. 1970;214(12):2163-72.
  • 4. Urokinase-streptokinase embolism trial. Phase 2 results. A cooperative study. JAMA. 1974;229(12):1606-13.
  • 5. Value of the ventilation/perfusion scan in acute pulmonary embolism. Results of the prospective investigation of pulmonary embolism diagnosis (PIOPED). The PIOPED Investigators. JAMA. 1990;263(20):2753-9.
  • 6. British Thoracic Society Standards of Care Committee Pulmonary Embolism Guideline Development Group. British Thoracic Society guidelines for the management of suspected acute pulmonary embolism. Thorax. 2003;58(6):470-83.
  • 7. Harbour R, Miller J. A new system for grading recommendations in evidence based guidelines. BMJ. 2001;323(7308):334-6.
  • 8. Knottnerus JA, van Weel C, Muris JW. Evaluation of diagnostic procedures. BMJ. 2002;324(7335):477-80. Erratum in: BMJ. 2002;324(7350):1391.8.
  • Endereço para correspondência
    Comissão de Circulação Pulmonar da SBPT, SEPS
    714/914 - Bloco E - Sala 220/223 - Asa Sul
    CEP 70390-145 - Brasília (DF) Brasil
    Fone/fax: 0800 61 6218/ (55) (61) 3245 1030/ (55) (61) 3245 6218
  • *
    Trabalho realizado pela Comissão de Circulação Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia - SBPT - Brasília (DF) Brasil
  • **
    Colaboradores: Ana Thereza Rocha, Ângela Beatriz John, Carlos Jardim, Dany Jasinowodolinsky, Eloara Vieira Machado Ferreira, Hugo Hyung Bok Yoo, Jamocyr Marinho, Jaquelina Sonoe Ota Arakaki, João G. Pantoja, Jorge Luiz Pereira e Silva, Marcelo Basso Gazzana, Nelson Morrone, Paulo Henrique Feitosa, Patrícia Kfiter, Renato Maciel, Rogério Souza, Thais Helena Abrahão Thomaz Queluz, Verônica Amado, Walter Roriz
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCS Quadra 1, Bl. K salas 203/204, 70398-900 - Brasília - DF - Brasil, Fone/Fax: 0800 61 6218 ramal 211, (55 61)3245-1030/6218 ramal 211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: jbp@sbpt.org.br