Acessibilidade / Reportar erro

É preciso prever a falha de extubação

EDITORIAIS

É preciso prever a falha de extubação

Julio A. FariasI; Ezequiel MonteverdeII

IMD. Jefe, Unidad de Cuidados Intensivos Pediátricos, Departamento de Urgencia, Hospital de Niños R Gutiérrez, Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina

IIMD. Médico residente, Unidad de Cuidados Intensivos Pediátricos, Departamento de Urgencia, Hospital de Niños R Gutiérrez, Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina

Um de cada três pacientes pediátricos admitidos à unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica irá exigir suporte respiratório por uma média de 5 dias1. Mesmo diante dos benefícios universalmente aceitos da ventilação mecânica (VM) em crianças com insuficiência respiratória, os riscos associados a essa prática exigem que a equipe de cuidado intensivo busque constantemente compreender melhor a fisiopatologia dessa situação especial e desenvolver índices ou parâmetros que possam embasar a decisão de interromper a VM o mais cedo possível. O espectro da falha do desmame ronda a cena, enquanto, ao mesmo tempo, os médicos se deparam com a ameaça de prolongar desnecessariamente a VM.

A retirada da VM se refere à transferência, rápida ou gradativa, do esforço respiratório do ventilador para o paciente (desmame), enquanto que a extubação se refere à remoção da cânula endotraqueal. Freqüentemente encarada como uma continuação natural do desmame, a extubação tem suas próprias características e fatores preditivos de desfecho, que levam em consideração, principalmente, a capacidade de oferecer proteção à via aérea, o manejo de secreções e a desobstrução das vias aéreas superiores2.

Cinqüenta e cinco estudos, totalizando aproximadamente 33.000 pacientes, demonstraram que 12.5% (intervalo: 2-25%) dos pacientes adultos extubados exigem reintubação 24-72 h depois da remoção da cânula endotraqueal2. Da mesma forma, o intervalo de falha de extubação em crianças é bastante heterogêneo, variando de 4,9 a 29%1,3-11. A taxa ótima de falha de extubação na UTI pediátrica permanece controversa. De um lado, a extubação injustificadamente tardia está associada a um tempo maior de permanência na UTI, maior risco de pneumonia associada à ventilação e maior mortalidade. De outro lado, a interrupção prematura da ventilação está intimamente relacionada à falha de extubação e à necessidade de reintubação, com desfechos adversos que incluem hospitalização prolongada, custos mais elevados, maior necessidade de traqueotomia e, em alguns estudos, maior mortalidade1,8,10,11,12. Na ausência de um consenso claro do que seja uma taxa ideal de falha de extubação, os médicos precisam refletir sobre a melhor escolha entre limitar o período de VM ou minimizar a falha de extubação.

Os resultados negativos da extubação tanto tardia quanto prematura, assim como a recente informação de que a ventilação não-invasiva pode ser ineficaz nesse contexto13, fizeram com que se intensificassem os esforços para otimizar os fatores preditivos para o desfecho da extubação. A capacidade dos tradicionais indicadores de desmame (freqüência respiratória, volume corrente, pressão inspiratória máxima e razão entre freqüência e volume corrente) de discriminar entre crianças com extubação bem-sucedida e aquelas que exigem reintubação já se mostrou muito limitada4,5,8,12. As análises multivariáveis indicam que status pré-morbido, gravidade da doença subjacente e complicações associadas à reintubação não se correlacionam com o aumento da mortalidade por falha de extubação. Uma hipótese alternativa é a deterioração clínica que ocorre entre o momento da extubação e o restabelecimento da ventilação. É nessa direção que se estabeleceu uma relação entre mortalidade e reintubação tardia12.

Por aproximadamente 50 anos, os médicos intensivistas que tratam adultos têm investigado o papel da relação espaço morto/volume corrente (VD/VT) em diversos cenários clínicos. Contudo, essa relação nunca foi usada como indicador para desmame da ventilação mecânica, talvez porque fosse uma medida muito trabalhosa - antes do desenvolvimento de métodos mais novos, automatizados (como o CO2SMO usado por Bousso et al.14). Outra razão, como apontaram Hubble et al.11, poderia ser o fato de que a doença pulmonar crônica é muito comum em adultos e, nesse caso, o médico precisaria ter informações sobre o status respiratório anterior à doença aguda, o que impossibilitaria a aplicação do VD/VT. Por outro lado, a maioria das crianças têm função pulmonar basal normal, e, conseqüentemente, uma relação VD/VT normal antes do estabelecimento da doença.

Considerando os índices de desmame previamente empregados, e já que não há um indicador único ou fórmula que tenha se mostrado útil para prever a falha de extubação em crianças, Bousso et al.14 conduziram um estudo prospectivo usando a relação VD/VT como marcador de maturidade para extubação em crianças com VM. Até agora, o único precedente de uso do VD/VT como fator preditivo de maturidade para extubação foi um estudo clínico prospectivo feito por Hubble et al.7 com 45 pacientes clínicos e cirúrgicos, com idade entre 1 semana e 18 anos, intubados e com VM. Se os pacientes satisfizessem os critérios de extubação, conforme avaliação da equipe médica, eram submetidos a uma prova de suporte de pressão e, depois de 20 minutos, eram extubados. A análise de regressão logística mostrou que o ponto de corte de VD/VT < 0,5 era um fator preditivo independente do desfecho da extubação, com uma sensibilidade e especificidade de 0,75 e 0,92, respectivamente. Os valores preditivos positivo (VPP) e negativo (VPN) foram de 0,96 e 0,60, respectivamente. Os autores constataram que, além de identificar crianças que teriam sucesso na extubação, a relação VD/VT também era útil para identificar as crianças em risco para falha respiratória após a extubação (VPN de 0,8 para VD/VT > 0,65).

No presente estudo, Bousso et al.14 seguem um protocolo semelhante, estabelecendo um ponto de corte de VD/VT > 0,65 para detectar a falha de extubação. Utilizando esse ponto de corte menos específico e mais sensível, os autores diminuíram a probabilidade de identificar pacientes que terão sucesso na extubação (menor VPP), mas aumentaram a probabilidade de selecionar corretamente aqueles em alto risco para falha (maior VPN). Diferentemente dos resultados do estudo anterior, eles não detectaram diferença significativa entre os grupos, com uma relação VD/VT de 0,62 (±0,17) e 0,65 (±0,21) para as crianças com sucesso e falha na extubação, respectivamente. O VPN para prever a falha de extubação foi de 41,9%, contra 80% no estudo de Hubble et al.11.

Ao analisar as circunstâncias que poderiam ter causado essa diferença de resultados, Bousso et al. apontam a idade média de 17 meses em seu estudo em comparação com a média de 43 meses no estudo de Hubble. Outra diferença importante entre os estudos é o predomínio de pacientes com cirurgia eletiva, com pulmões aparentemente normais, na amostra estudada por Hubble, enquanto a população de Bousso incluiu crianças com doença respiratória aguda grave. É digno de nota o fato de que, no momento da hospitalização, havia mais de um diagnóstico para muitas das crianças (142 diagnósticos para 86 pacientes), dificultando a caracterização da amostra. A PaO2/FiO2 menor no momento da admissão, como fator independente relacionado à falha de extubação, refletindo uma doença mais grave, está de acordo com estudos anteriores6.

Bousso et al. afirmam que a diferença nos resultados poderia ser o reflexo da inclusão de populações com características diferentes entre si. Essa é uma situação comum nos estudos feitos na América Latina, onde há uma predominância de doenças respiratórias primárias1,5,8-10,14 em comparação a Estados Unidos e Europa, onde predominam os pacientes de cirurgia eletiva4,6,11,15.

Atualmente, ainda não há critérios confiáveis para prever quais pacientes exigirão reintubação após tolerar um teste de ventilação espontânea. Novos estudos devem enfocar a busca por fatores que nos permitam determinar o momento apropriado para a retirada da sedação antes do desmame e extubação e para evitar infecção respiratória após a extubação. O pronto manejo da insuficiência respiratória pós-extubação também é muito importante, Como a ventilação não-invasiva pode ser ineficaz nessa situação, a VM invasiva deve ser reiniciada assim que possível13.

Referências

1. Farias JA, Frutos F, Esteban A, Flores JC, Retta A, Baltodano A, et al. What is the daily practice of mechanical ventilation in pediatric intensive care units? A multicenter study. Intensive Care Med. 2004;30:918-25.

2. Rothaar RC, Epstein SK. Extubation failure: magnitude of the problem, impact on outcomes, and prevention. Curr Opin Crit Care. 2003;9:59-66.

3. Baisch SD, Wheeler WB, Kurachek SC, Cornfield DN. Extubation failure in pediatric intensive care incidence and outcomes. Pediatr Crit Care Med. 2005;6:312-8.

4. Khan N, Brown A, Venkataraman ST. Predictors of extubation success and failure in mechanically ventilated infants and children. Crit Care Med. 1996;24:1568-79.

5. Farias JA, Alia I, Esteban A, Golubicki AN, Olazarri FA. Weaning from mechanical ventilation in pediatric intensive care patients. Intensive Care Med. 1998;24:1070-5.

6. Manczur TI, Greenough A, Pryor D, Rafferty GF. Comparison of predictors of extubation from mechanical ventilation in children. Pediatr Crit Care Med. 2000;1:28-32.

7. Hubble CL, Gentile MA, Tripp DS, Craig DM, Meliones JN, Cheifetz IM. Deadspace to tidal volume ratio predicts successful extubation in infants and children. Crit Care Med. 2000;28:2034-40.

8. Farias JA, Alia I, Retta A, Olazarri F, Fernandez A, Esteban A, et al. An evaluation of extubation failure predictors in mechanically ventilated infants and children. Intensive Care Med. 2002;28:752-7.

9. Fontela PS, Piva JP, Garcia PC, Bered PL, Zilles K. Risk factors for extubation failure in mechanically ventilated pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2005;6:166-70.

10. Farias JA, Retta A, Alia I, Olazarri F, Esteban A, Golubicki A, et al. A comparison of two methods to perform a breathing trial before extubation in pediatric intensive care patients. Intensive Care Med. 2001;27:1649-54.

11. Kurachek SC, Newth CJ, Quasney MW, Rice T, Sachdeva RC, Patel NR, et al. Extubation failure in pediatric intensive care: a multiple-center study of risk factors and outcomes. Crit Care Med. 2003;31:2657-64.

12. Epstein SK, Ciubotaru RL. Independent effects of etiology of failure and time to reintubation on outcome for patients failing extubation. Am J Respir Crit Care Med. 1998;158:489-93.

13. Esteban A, Frutos-Vivar F, Ferguson ND, Arabi Y, Apezteguia C, Gonzalez M, et al. Noninvasive positive-pressure ventilation for respiratory failure after extubation. N Engl J Med. 2004;350:2452-60.

14. Bousso A, Ejzenberg B, Ventura AM, Fernandes JC, Fernandes IC, Goes PF, et al. Evaluation of the dead space to tidal volume ratio as a predictor of successful extubation. J Pediatr (Rio J). 2006;82:347-53.

15. Chavez A, dela Cruz R, Zaritsky A. Spontaneous breathing trial predicts successful extubation in infants and children. Pediatr Crit Care Med. 2006;7:324-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2006
Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: jped@jped.com.br