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Qualidade de vida em crianças asmáticas

CARTAS AO EDITOR

Qualidade de vida em crianças asmáticas

Sr. Editor,

A publicação do artigo de La Scala et al.1 é relevante e oportuno por abordar um assunto de grande importância em relação à asma em crianças, embora seja pouco difundido no Brasil. Hoje sabemos que é uma doença complexa, cuja abordagem, certamente, deve ir além dos parâmetros objetivos de função pulmonar2. Nesse sentido, se a educação do paciente asmático é fundamental, o que o paciente tem a dizer sobre sua doença também deveria ser.

O estudo da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) é de uso relativamente recente, e a sua integração com outras variáveis nos ensaios clínicos controlados, embora pouca, vem aumentando na literatura3. A seleção do questionário para avaliar QVRS dependerá da população, e a doença a estudar, do interesse nessa população e da conveniência em usar um instrumento genérico ou um específico, porquanto não existe a escala única4.

O processo de construção das escalas é muito complexo e demorado. Por isso, recomenda-se a adaptação cultural de escalas conhecidas, desenvolvidas com outras populações. Essa adaptação cultural, embora menos complexa que a construção original do questionário, deve seguir, igualmente, um processo rigoroso, para o qual também existem recomendações5.

Em relação ao trabalho de La Scala et al.1, apresentamos alguns questionamentos e comentários de natureza metodológica.

1. Por que decidiram traduzir o PAQLQ, ao invés de utilizar a versão em português para o Brasil, desenvolvida pelo MAPI Research Institute? O que os fez desqualificar essa versão? Quais as diferenças entre ambas?

2. Na página 56, afirmam que "não houve discrepâncias entre o QE original e a versão". Contudo, não relatam ter feito uma harmonização internacional. Considerando que realizaram uma adaptação cultural completa, recomenda-se a discussão conjunta entre tradutores e autores de ambas as versões, para avaliar se os termos e palavras usadas mantêm o espírito da versão original, a critério dos criadores do instrumento. Caso contrário, corre-se o risco de que ocorram desvios da versão original.

3. Por que não realizaram cálculo amostral, como no estudo original? Já existem recomendações para esse cálculo, como as do European Regulatory Issues on Quality of Life Assesment Group, ERIQA, publicadas em 2002. Uma amostra calculada conforme metodologia apropriada favoreceria a validade externa dos resultados.

4. Algum critério cognitivo de inclusão foi considerado? Por exemplo, descreve-se, nos resultados, que algumas crianças foram excluídas por "incapacidade de compreender as perguntas" e, logo, na discussão, afirmam que, para certo número de crianças (quantas?), diante da dificuldade em entender o significado de "moderadamente", "frustrado" (...) "o termo sempre foi esclarecido de acordo com o dicionário da língua portuguesa". Acredito que ambos são erros metodológicos fundamentais, em se tratando de questionário que, como instrumento, deve ser auto-explicativo ou, do contrário, os resultados mudariam conforme a interpretação ou a(s) definição(ões) do dicionário utilizado.

Ou seja, se a criança não entendeu as perguntas, foi porque a tradução tem um nível cognitivo maior do correspondente para a sua idade, ou porque seu nível cognitivo é inadequado para a idade que ela tem? A equipe da Dra. Juniper aplicou, em crianças, um teste de leitura padronizado para cultura norte-americana e, partindo dos resultados, definiram os 7 anos como idade mínima para responder o PAQLQ6. Será adequada a mesma idade para a nossa população? Qual a capacidade cognitiva necessária? Na Espanha, também utilizaram teste de leitura para padronizar a população incluída na adaptação do questionário ao espanhol7. No Brasil, porém, além de ser questionado esse tipo de avaliações pelos nossos educadores, não existe um teste de leitura similar ou equivalente aos usados nesses estudos.

Em conclusão, as limitações metodológicas previamente descritas não permitem concluir, nesse contexto, que os objetivos propostos por La Scala et al.1 tenham sido alcançados, independentemente do fato de que a confiabilidade e a validade encontradas sejam similares com as do instrumento na versão original.

Referências

1. La Scala C., Naspitz C, Solé D. Adaptação e validação do PAQLQ-A em crianças e adolescentes brasileiros com asma. J Pediatr (Rio J). 2005;81:54-60.

2. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia III Consenso Brasileiro de Asma. J Pneumol. 2002;28(S1):2002.

3. Clarke S, Eiser C. The measurement of health-related quality of life in paediatric clinical trials: a systematic review. Health and Quality of Life Outomes 2004,2:66. Disponível em: www.hqlo.com/content/2/1/66.

4. Hyland M. Recommendations from quality of life scales are not simple (Commentary). BMJ. 2002;325:599.

5. Guillermin F. Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46:1417-32.

6. Juniper E, Guyatt G, Feeny D, Griffith L, Ferrie P. Minimum skills required by children to complete health-related quality of life instruments for asthma: comparison of measurement properties; Eur Respir J. 1997;10:2286-94.

7. Badía X, García-Hernández F, Cobos N, López-David C, Nocea G, Roset M. Validación de la versión española del PAQLQ en la valoración de la calidad de vida del niño asmático. Med Clin (Barc). 2001;116:565-72.

Edgar Sarria

Mestre. Serviço de Pneumologia Pediátrica, Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA). Doutorando em Pneumologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

Resposta dos autores

Prezado Editor,

Foi com grande satisfação que recebemos os comentários do Dr. Edgar Sarria a respeito do nosso trabalho, recentemente publicado neste periódico1. À semelhança do colega, cremos que o tema abordado é de grande importância na prática clínica e que, cada vez mais, se torna necessária a sua abordagem em nosso meio. De fato, o estudo da qualidade de vida (QV) em doença está em voga e, nas últimas décadas, tem se tornado um importante foco na complementação da avaliação clínica do indivíduo como um todo2. A utilização de questionários escritos (QE) para tal avaliação, bastante utilizada em adultos, carecia em pediatria.

Nos últimos anos, as pesquisas envolvendo instrumentos qualitativos de avaliação ganharam grande destaque e, conseqüentemente, tais instrumentos têm sido aprimorados com o aumento do interesse pelos mesmos. Como avaliar uma variável qualitativa tem sido uma de suas maiores dificuldades. Embora vários sejam os métodos de avaliação, o ideal ainda está por surgir. Os QE tentam avaliar de maneira objetiva a QV, de acordo com uma doença específica ou de modo geral. Os primeiros pecam por não permitirem comparar doenças diferentes e ser necessário haver um QE escrito para cada tipo de doença. Já os QE gerais são úteis na comparação de doenças distintas, mas não avaliam adequadamente o impacto real da doença sobre o indivíduo, uma vez que cada doença tem um impacto em diferentes áreas que compõem um indivíduo3.

A escolha do Pediatric Asthma Quality of Life Questionnaire (PAQLQ) para a avaliação da QV em crianças com asma baseou-se no fato desse QE já ter sido validado na língua inglesa, assim como em espanhol4,5. A nosso ver, o PAQLQ é o mais abrangente, pois aborda áreas importantes ao avaliar a QV em crianças e adolescentes, aliado ao fato da facilidade de sua aplicação.

Optamos por traduzir o QE original, pois desconhecíamos a versão do MAPI Research Institute, bem como de qualquer outro estudo que a tivesse utilizado. Apesar disso, tentamos consegui-la sem sucesso, portanto não nos sentimos aptos a externar qualquer manifestação sobre essa versão. Ao comentarmos sobre o fato de não ter havido discordância com o QE original, nos ativemos às comparações realizadas entre o QE original e a versão obtida após a back translation para o inglês.

Juniper et al.4, no estudo original, validaram o PAQLQ utilizando uma população composta de 52 pacientes. Tomando-o como base, objetivamos obter uma casuística semelhante. A análise dos nossos dados revelou a ocorrência de significâncias estatísticas, à semelhança do observado por aqueles autores.

Para que houvesse uma padronização dos vocábulos utilizados no PAQLQ, pautamos nosso trabalho na utilização da lexicografia e sinonímias contidas no Moderno Dicionário da Língua Portuguesa da Editora Melhoramentos – 19986, o qual, como todos os bons dicionários da língua portuguesa, toma como base a norma culta proposta pela Academia Brasileira de Letras. Embora não tenhamos feito uma avaliação formal, só foram admitidos no estudo os pacientes com nível cognitivo suficiente para lhes permitir a leitura e compreensão das questões. Apenas duas crianças com idades entre 7 e 8 anos incompletos foram incluídas no estudo, pois sabiam ler e entenderam de modo apropriado os termos utilizados. Cerca de 10 crianças, com idade inferior a 8 anos, foram excluídas por serem analfabetas funcionais, ou apresentarem baixo intelecto ou, ainda, apresentarem agnosia têmporo-espacial. As demais exclusões foram relacionadas ao não comparecimento à consulta no tempo previamente determinado. A limitação de espaço para a apresentação de todos os resultados nos fez omitir essas informações, em detrimento de outras que julgamos de maior relevância.

Finalmente, discordamos da opinião do leitor, pois, à semelhança do observado na literatura, demonstramos na população avaliada que o instrumento analisado teve alta confiabilidade e validade. Embora não tenhamos realizado nenhum teste formal de leitura padronizada, somente participaram do estudo os que efetivamente estavam alfabetizados e tinham nível bom de compreensão. Esse fato, aliado aos comentários do leitor, nos permite corroborar a necessidade de um instrumento diferente para avaliar crianças de menor idade, já mencionada em nosso estudo.

Referências

1. La Scala C, Naspitz C, Solé D. Adaptação e validação do Pediatric Asthma Quality of Life Questionnaire (PAQLQ-A) em crianças e adolescentes brasileiros com asma. J Pediatr (Rio J). 2005;81:54-60.

2. Higginson IJ, Carr A. Using quality of life measures in the clinical setting. BMJ. 2001;322:1297-1300.

3. Fernandes AL, Oliveira MA. Avaliação da qualidade de vida na asma. J Pneumol. 1997;23:148-52.

4. Juniper EF, Guyatt GH, Feeny DH, Ferrie PJ, Griffith LE, Townsend M. Measuring quality of life in children with asthma. Qual Life Res. 1996;5:35-46.

5. Badia X, Garcia-Hérnandez G, Cobós N, López-David C, Nocea G, Rosel M, em representación Del grupo VALAIR. Validación de la version española del Pediatric Quality of Life Questionnaire em la valoración de la calidad del nino asmático. Med Clin. 2001;116:565-72.

6. Michaelis: moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.

Cíntia Sayuri Kurokawa La Scala

Mestre. Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP

Charles Kirov Naspitz

Professor titular, Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, UNIFESP-EPM, São Paulo, SP

Dirceu Solé

Professor titular e livre-docente, Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, UNIFESP-EPM, São Paulo, SP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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