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Crescimento de recém-nascidos pré-termo

EDITORIAIS

Crescimento de recém-nascidos pré-termo

Francisco E. Martinez

Professor titular de Pediatria, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP

Ao final do século XIX e início do século XX, Stephane Tarnier (1828-1897) e seu aluno Pierre Budin (1846-1907), ambos obstetras atuando no L'Hôpital Maternité de Paris, ocupavam-se da sistematização dos cuidados com os recém-nascidos pré-termo1. Em suas lições, cuja leitura recomendo firmemente, mostravam preocupação com controle térmico, prevenção de infecções e nutrição. A adequação nutricional deveria ser verificada pelo ganho de peso das crianças1. Budin considerava que essas crianças deveriam apresentar um ritmo de crescimento semelhante ao intra-uterino. Passados mais de um século, esses princípios continuam atuais.

Em meados do século XX, criaram-se curvas de crescimento intra-uterino, sendo clássicos os dados apresentados por Lubchenco et al., coletados entre 1948 e 19612. Com o tempo, muitas outras curvas de crescimento intra-uterino foram publicadas, e diversos aspectos passaram a ser ponderados. Freqüentemente, considerou-se que as curvas eram oriundas de nascimentos e, por conseguinte, não deveriam ser legítimas representantes das crianças não-nascidas. Os dados eram transversais, coletados de diferentes fontes, com amostras de tamanho nem sempre adequado, com dificuldade de estabelecimento da idade gestacional correta, raças diferentes e mesmo ponderações sobre a influência da altitude do local onde os dados eram coletados3. A despeito de todas as críticas, essas curvas trouxeram muitas informações. Uma constatação importante foi a dificuldade de se conseguir o crescimento planejado para os pré-termos. Comparando-se o crescimento dos pré-termos com o do feto de referência intra-útero, verifica-se que a grande maioria dos pré-termos, mesmo nascendo com peso adequado para a idade gestacional, sofre um processo de perda de peso inicial que os leva abaixo do percentil 10, caracterizando restrição nutricional4. Ainda hoje, continuamos a desnutrir nossos pré-termos no berçário, chegando a quase 90% por ocasião da alta hospitalar5.

Outra abordagem de avaliação do crescimento do pré-termo é o cotejamento com curvas de crescimento pós-natal, como a apresentada no estudo de Anchieta et al., publicado neste número6. Esse tipo de curva, baseada em crianças sobreviventes, traz a vantagem de ser proveniente de dados longitudinais e prever a perda de peso inicial. No entanto, essa abordagem também não é isenta de críticas. Essas curvas, evidentemente, dependem das práticas de cuidados com os pré-termos, especialmente as nutricionais. Como as condutas felizmente evoluem, os resultados ficam obsoletos com o tempo. É importante que se atente para a época de coleta dos dados e as práticas então vigentes. A restrição ao uso de diuréticos e corticosteróides pós-natais e as novas práticas nutricionais devem causar alterações significantes nas futuras curvas7.

Se, por um lado, a carência nutricional leva a conseqüências duradouras, por outro lado, a procura da manutenção de um ritmo de crescimento semelhante ao intra-útero, com excesso de oferta, também pode ter conseqüências. Tem-se sugerido que a aceleração do crescimento com a utilização de fórmulas enriquecidas, quando comparadas com o leite humano, poderia programar a síndrome metabólica com a conseqüente hipertensão, dislipidemia, obesidade e resistência à insulina, atuando como facilitador da emergência de doença cardiocirculatória8.

Assim, curvas de crescimento como a apresentada nesta edição são de grande importância. Colaboram para a melhor compreensão do crescimento pós-natal, podem servir para detectar crianças com problemas de crescimento e mesmo ajudar a desenhar futuros estudos de intervenção. No entanto, precisam ser constantemente redesenhadas, devido à mudança contínua dos cuidados neonatais. Registros multicêntricos sistematizados poderiam constituir uma base de dados contínua, visando à manutenção de curvas de crescimento pós-natais atualizadas para nosso país.

Referências

1. Budin PC. Le nourrison: alimentation et hygiene. Enfants debile et enfants nes a terme. Paris: Doin; 1900.( http://www.neonatology.org/classics/default.html )

2. Lubchenco LO, Hansman C, Dressler M, Boyd E. Intrauterine growth as estimated from liveborn birth-weight data at 24 to 42 weeks of gestation. Pediatrics. 1963;32:793-800.

3. Anderson DM. Nutritional assessment and therapeutic interventions for the preterm infant. Clin Perinatol. 2002;29:313-26.

4. Ehrenkranz RA, Younes N, Lemons JA, Fanaroff AA, Donovan EF, Wright LL, et al. Longitudinal growth of hospitalized very low birth weight infants. Pediatrics. 1999;104:280-9.

5. Dusick AM, Poindexter BB, Ehrenkranz RA, Lemons JA. Growth failure in the preterm infant: can we catch up? Semin Perinatol. 2003;27:302-10.

6. Anchieta LM, Xavier CC, Colosimo EA. Crescimento de recém-nascidos pré-termo nas primeiras doze semanas de vida. J Pediatr (Rio J). 2004;80:267-76.

7. Ziegler EE, Thureen PJ, Carlson SJ. Aggressive nutrition of the very low birthweight infant. Clin Perinatol. 2002;29:225-44.

8. Singhal A, Lucas A. Early origins of cardiovascular disease: is there a unifying hypothesis? Lancet. 2004;363:1642-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2004
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