Acessibilidade / Reportar erro

Bullying e autoestima em adolescentes de escolas públicas

Resumos

OBJETIVOS: realizar diagnóstico situacional do bullying e autoestima em unidades municipais de ensino, por meio de estimativa da prevalência do bullying, segundo o sexo, faixa etária e situação do ator; identificar o nível de autoestima dos escolares segundo sexo e situação do ator e correlacionar com o envolvimento em situações de bullying. MÉTODOS: estudo transversal, realizado com 237 alunos, do 9º ano do ensino fundamental, em escolas públicas municipais do Programa Saúde na Escola de Olinda (PE). Foi utilizado um questionário dividido em três blocos, um sociodemográfico, outro sobre bullying, validado por Freire, Veiga e Ferreira, e um para avaliar a autoestima, de Rosenberg. RESULTADOS: a prevalência de bullying foi de 67.5%. A população do estudo foi composta por adolescentes do sexo feminino (56,4%), na faixa etária de 15-19 anos (51,3%), de raça/cor preta (69,1%). Grande parte mora com quatro ou mais pessoas (79,7%), em casa própria (83,8%) e com cinco ou mais cômodos na residência (79,1%). Presenciar ou sofrer bullying foram às situações mais registradas (59,9% e 48,9%, respectivamente); Quando se associou os papéis de bullying e autoestima em relação ao sexo verificou-se que no grupo de vítimas/agressores e agressores (p = 0,006 e 0,044; respectivamente), o sexo masculino apresentou escores de autoestima superiores estatisticamente significativos em relação aos do sexo feminino. CONCLUSÃO: os achados apontam para um número grande de alunos envolvidos nos diversos papéis do bullying, identificando-se associação entre estas características e o sexo/gênero e autoestima dos envolvidos. Identifica-se a necessidade de estudos adicionais sobre a natureza do evento.

Prevalência; Adolescentes; Violência; Saúde escolar


OBJECTIVES: to perform a situational analysis of bullying and self-esteem in municipal school units, by estimating the prevalence of bullying, according to gender, age, and role in bullying situations; and to identify the level of self-esteem of students by gender and role in bullying situations and correlate with the involvement in bullying situations. METHODS: this was a cross-sectional study with 237 students in the ninth grade of middle school from public schools participating in the School Health Program in the city of Olinda (PE). The questionnaire used in the study was divided into three blocks: a sociodemographic block; a block on bullying, validated by Freire, Simão, and Ferreira (2006); and a block to assess self-esteem, by Rosenberg (1989). RESULTS: the prevalence of bullying was 67.5%. The study population consisted of adolescents, mostly female (56.4%), aged 15-19 years (51.3%), of black ethnicity (69.1%). Most students lived with four or more people (79.7%) in their family-owned homes (83.8%), which had five or more rooms (79.1%). Observing bullying or being bullied were the most often reported situations (59.9% and 48.9%, respectively); when the roles of bullying are associated with self-esteem in relation to gender, it was observed that in the group of victims/aggressors and aggressors (p = 0.006 and 0.044, respectively), males had higher statistically significant self-esteem scores when compared to females. CONCLUSION: the findings indicate a large number of students involved in the several roles of bullying, identifying an association between these characteristics and sex/gender and self-esteem of those involved. The present study has identified the need for further studies on the nature of the event.

Prevalence; Adolescents; Violence; School health


ARTIGO ORIGINAL

Bullying e autoestima em adolescentes de escolas públicas

Camila C. Brito* * Autor para correspondência. E-mail: camilation2002@yahoo.com.br (C.C. Brito). ; Marluce T. Oliveira

Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: realizar diagnóstico situacional do bullying e autoestima em unidades municipais de ensino, por meio de estimativa da prevalência do bullying, segundo o sexo, faixa etária e situação do ator; identificar o nível de autoestima dos escolares segundo sexo e situação do ator e correlacionar com o envolvimento em situações de bullying.

MÉTODOS: estudo transversal, realizado com 237 alunos, do 9º ano do ensino fundamental, em escolas públicas municipais do Programa Saúde na Escola de Olinda (PE). Foi utilizado um questionário dividido em três blocos, um sociodemográfico, outro sobre bullying, validado por Freire, Veiga e Ferreira, e um para avaliar a autoestima, de Rosenberg.

RESULTADOS: a prevalência de bullying foi de 67.5%. A população do estudo foi composta por adolescentes do sexo feminino (56,4%), na faixa etária de 15-19 anos (51,3%), de raça/cor preta (69,1%). Grande parte mora com quatro ou mais pessoas (79,7%), em casa própria (83,8%) e com cinco ou mais cômodos na residência (79,1%). Presenciar ou sofrer bullying foram às situações mais registradas (59,9% e 48,9%, respectivamente); Quando se associou os papéis de bullying e autoestima em relação ao sexo verificou-se que no grupo de vítimas/agressores e agressores (p = 0,006 e 0,044; respectivamente), o sexo masculino apresentou escores de autoestima superiores estatisticamente significativos em relação aos do sexo feminino.

CONCLUSÃO: os achados apontam para um número grande de alunos envolvidos nos diversos papéis do bullying, identificando-se associação entre estas características e o sexo/gênero e autoestima dos envolvidos. Identifica-se a necessidade de estudos adicionais sobre a natureza do evento.

Palavras-chave: Prevalência;Adolescentes; Violência; Saúde escolar

Introdução

A violência é definida pela Organização Mundial da Saúde1 (OMS) como o "uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações".

Diversas formas de violência têm adquirido crescente magnitude no Brasil, vinculadas a uma vontade de destruição ou aniquilamento do outro, causando danos em vários graus, seja a integridade física, moral, posses ou participações culturais de uma ou diversas pessoas.2 Como fato social, atinge variados espaços, entre eles o ambiente escolar por meio de intolerâncias, preconceitos e outras expressões.3

Os tipos mais observados de violência são: a física, verbal, violência simbólica e o bullying, definido por atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, que acontecem sem motivo evidente, realizadas numa relação desigual de poder, ocasionando intimidação do outro.4,5

Bullying é um problema mundial, podendo ser observado em qualquer escola, não sendo exclusivo de nenhuma instituição - pública, privada, primária ou secundária, urbana ou rural,6 que traz como consequência: sentimentos de medo, diminuição do rendimento e evasão escolar, podendo chegar ao suicídio daqueles que são vítimas. Os agressores podem ter comportamentos antissociais que provavelmente repercutirão em outros ambientes.7,8

Fante5 relata o comportamento agressivo por meio de classificação dos papéis desempenhados: vítima típica (quando o sujeito passa por repetidos casos de agressão); vítima provocadora (aquele que causa e sofre reações agressivas e não enfrenta as consequências); vítima agressora (alunos que repetem os maus tratos sofridos, descontando em crianças mais frágeis) e o agressor (indivíduo que pratica a violência).

Existem relatos de que a violência nas escolas esteja ligada aos níveis de autoestima dos alunos.9 Estudos descrevem-na como forma significativa de bem-estar e avaliação do valor ou importância que cada um faz de si próprio,10 referendada por pessoas significativas na formação de crianças e adolescentes, principalmente, pais, professores e amigos.11 Um grau benéfico de autoestima é decisivo para o bom relacionamento do adolescente, dado que ela os auxilia a crer e confiar em si próprios.12 Avalia-se que se as relações são constituídas de violência, é provável estarem mais associadas à baixa autoestima dos envolvidos.9

Os prejuízos financeiros e sociais trazidos pelo bullying são muitos, assim, os envolvidos nesse processo tendem a precisar de ajuda multidisciplinar que engloba educação, saúde e o direito.13

Para enfrentar as vulnerabilidades que danificam o pleno desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens brasileiros, foi criado no Brasil em 2007, o Programa Saúde na Escola14 (PSE). A finalidade deste programa é colaborar para a formação de alunos, por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde. Dentre os objetivos do PSE estão promover a saúde e a cultura da paz, reforçando a prevenção de agravos à saúde e fortalecer o enfrentamento das vulnerabilidades, que possam comprometer o pleno desenvolvimento escolar.15

A grande relevância da investigação do bullying centra-se na identificação de fatores favorecedores da sua emergência e manutenção, para que se possam empreender políticas para redução do seu impacto, necessitando de estudos para melhor compreensão e desenvolvimento de ações mais efetivas de promoção e prevenção.16

A ausência de informações a respeito do bullying e autoestima nas escolas municipais de Olinda/PE sinaliza para a necessidade de estudos que visem compreender o fenômeno, de modo a contribuir para estabelecimento de linha de base que permita acompanhamento longitudinal do problema para o município e servir de subsídio para planejamento de ações de vigilância à saúde, incluindo a implantação de um sistema de informação para a violência escolar.

Este estudo se propõe a realizar diagnóstico situacional do bullying em Unidades de Ensino do município Olinda, participantes do PSE, correlacionado ao perfil sócio demográfico, situação do ator e nível de autoestima dos escolares.

Métodos

Estudo desenvolvido em escolas públicas, parceiras do Programa Saúde na Escola - PSE do município de Olinda, Pernambuco, no período de junho a novembro de 2012. Olinda está localizada na Região Metropolitana do Recife, a 6 km da capital, com população de 377.779 habitantes (16,41%, adolescentes), numa área de 41,66 km2. Conta com 46 escolas municipais de ensino fundamental I e II, com 17.875 alunos matriculados; taxa de analfabetismo em maiores de 15 anos de 9,3%.17 Atualmente 43 escolas participam do PSE, implantado em 2009, distribuídas nas dez Regiões Político-Administrativas (RPA) do município, estabelecendo canais de comunicação que garantam o desenvolvimento das ações e ampliação do seu alcance aos estudantes e famílias.

Utilizou-se estudo transversal, recomendado para estimativas de frequência de eventos e associação de fatores em populações específicas; com baixo custo, realização rápida e objetividade na coleta de dados.18

A população do estudo foi composta por alunos do 9º ano (antiga 8ª série) do ensino fundamental II, matriculados nas escolas do PSE, identificados na relação de escolas e alunos regulares, nos bancos de dados da Secretaria Municipal de Educação. A escolha pelo último ano baseou-se na influência da maior escolaridade para a compreensão das questões investigadas.

A seleção dos participantes ocorreu por amostra probabilística de múltiplos estágios. No primeiro estágio selecionaram-se conglomerados de escolas por distribuição espacial (RPA). No segundo estágio procedeu-se uma amostra probabilística simples para seleção de uma turma para cada escola, na dependência do peso relativo da escola no universo de estudantes elegíveis.

Para fins de cálculo do tamanho amostral utilizou-se o Statcalc do Epiinfo for Windows versão 3.5.2, com os seguintes parâmetros: prevalência de bullying, de 17% (menor valor em estudos brasileiros como relatado por Moura, Cruz e Quevedo19); população candidata de 17.875 alunos17; power de 20% e p < 0,05.

Utilizado questionário semiestruturado, composto por instrumentos previamente aplicados em estudos com adolescentes escolares, semelhantes à população alvo da presente pesquisa, organizado em três blocos temáticos.

Para o primeiro bloco temático - Perfil sócio demográfico - utilizou-se questionário sócio demográfico do IBGE, aplicado na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PeNSE,20 com variáveis categorizadas como: Sexo (masculino/feminino); Faixa etária (13-14 / 15 e + anos); Cor (preta/não preta); Moradia (própria/alugada), Cômodos (2-4/ 5 e + ) e Pessoas no domicílio (2-3 / 4 e +).

Para investigação da experiência de violência na escola (bloco 2) foi utilizado instrumento validado por Freire, Veiga e Ferreira,21 com algumas adaptações ao linguajar regional (ex. ao termo humilhou acrescentou-se fez pouco; surrou, deu uma pisa). A utilização desse instrumento permite identificar e caracterizar a participação dos alunos em situações de bullying nas últimas duas semanas: a) Papel desempenhado: não envolvidos; agressores, vítimas, vítimas/agressores, observadores; b) Tipos de agressão/vitimação; c) Espaços de ocorrência: em sala de aula, fora da sala, imediações da escola. Para definição caso, foi utilizada resposta positiva a pelo menos uma das questões do instrumento, referente às diversas manifestações do bullying.

No terceiro bloco foi aplicado o questionário de Avaliação da Autoestima de Rosenberg,12 validado para escolares brasileiros,22 constituído por dez questões fechadas, com opções de resposta tipo Likert, onde cada item de resposta varia de 1 a 4 pontos. Quanto maior o escore, maior o nível da autoestima, sendo 30 o ponto de corte, acima do qual os autores classificam alta autoestima.

A coleta dos dados, autopreenchidos pelos alunos, foi conduzida pela autora principal da pesquisa; processados com dupla digitação no módulo Enter do Epi-info 3.5.2 e os bancos resultantes confrontados por meio do módulo Validate.

No que se refere aos aspectos analíticos,18 foram processadas no Epi-Info estatísticas descritivas das variáveis sociodemográficas, papéis de bullying e autoestima (percentuais e médias de ocorrência). Para análise de confundimento, avaliou-se a interação entre variáveis através do teste do Qui-quadrado de Mantel-Haenszel (c2 MH). Em seguida foram realizadas as análises das possíveis relações entre bullying e as variáveis de interesse. A principal medida de associação foi o Odds ratio, para medir a associação entre as prováveis situações de risco/exposição e o evento investigado, com seus respectivos intervalos de confiança - IC ao nível de 95%. A medida de significância estatística para as diferenças de proporções foi o c2 MH, escolhido por ser mais conservador, considerando o valor de p < 0,05.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Plataforma Brasil e pautado nos termos da Resolução 196/1997, do Conselho Nacional de Saúde,23 sendo o material aqui apresentado fruto de pesquisa original. A aplicação dos questionários ocorreu após consentimento dos diretores das escolas, agendamento prévio, explicação da pesquisa e sensibilização dos alunos e esclarecimento de todas as dúvidas no sentido de evitar recusas e melhorar a qualidade dos dados coletados. A aceitação dos envolvidos foi referendada pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos alunos e responsáveis. Como estratégia de anonimato dos questionários o nome do/a entrevistado/a não consta no mesmo.

Resultados

Participaram da pesquisa 237 alunos de escolas municipais de Olinda/PE. Não ocorreram recusas. Os resultados são baseados nas respostas preenchidas pelos alunos, algumas variáveis podem não ter sido respondidas. Nove escolas participaram da investigação, sendo uma escola por cada Região Político-Administrativa (RPA) do município, exceto para RPA 10, por não ter escola municipal do PSE com o 9º ano. Para fins de análise das associações de interesse para o estudo, foi considerado o somatório dos participantes de todas as escolas, considerando que não houve diferença estatisticamente significante para as variáveis demográficas, sexo e faixa etária.

A população do estudo (tabela 1) foi composta em pequena maioria por adolescentes do sexo feminino (56,4%), na faixa etária de 15-19 anos (51,3%), com pequena predominância daqueles que se consideram de raça/cor preta (69,1%). Grande parte mora com quatro ou mais pessoas (79,7%), em casa própria (83,8%) e com cinco ou mais cômodos na residência (79,1%).

Em relação à variável bullying, uma grande parte (67,5%) revelou ter participado de alguma forma, nas duas últimas semanas. Presenciar ou sofrer bullying, isoladamente, foram situações mais registradas (141/236 e 115/236; respectivamente); enquanto pouco mais de um em cada quatro alunos assumiu duplicidade de papéis: vítimas e agressores (tabela 2). Os que sofreram bullying relataram a intriga e o apelido como os tipos mais sofridos isoladamente. Entre os agressores, pouco mais de 15% (12/76) disseram que apelidar o outro é uma forma frequente de praticar o evento. Mais da metade (139/242) dos eventos ocorreram em ambientes fora da sala de aula (pátio, escadas, refeitório ou banheiro).

Na avaliação da autoestima (tabela 2), o total dos adolescentes se distribuiu equitativamente entre os dois polos de classificação (alta e baixa) com um escore médio de 29,97 pontos e desvio padrão de 4,99 (29,97 ± 4,99). O mesmo comportamento se observou intragrupo para o sexo feminino (29,92 ± 5,53) e masculino (30,03 ± 4,20).

Na análise de associação entre o papel de bullying e o sexo e a faixa etária do/a adolescente envolvido/a (tabela 2), encontrou-se discreto predomínio do sexo feminino e da faixa etária de 13-14 anos, em todas as categorias. Em relação à autoestima, pouco mais da metade situada na categoria alta (escore > 30) é do sexo feminino e da faixa etária mais elevada (58,2% e 52,4%; respectivamente). Estas associações foram estatisticamente não significantes.

Na avaliação da interação entre bullying e autoestima, 53,7% dos adolescentes tiveram escores de autoestima baixos e verifica-se uma concentração da prevalência de casos entre os atores com média de escore menor que 30 para todos os papéis de bullying (vítima, agressor, vitima/agressor e testemunha), correspondente à categoria de baixa autoestima, em contraste com os que não participaram de bullying que se encontravam com escore maior (alta autoestima), embora os valores médios assumidos nas duas categorias sejam relativamente próximos (fig. 1). O comportamento dessa interação por sexo evidenciou que os homens ultrapassam o limiar da alta autoestima, quando assumem o duplo papel de vítima/agressor, enquanto as mulheres permanecem classificadas como baixa autoestima em todas as situações de bullying, em contraste com aquelas que referiram não estar envolvidas no evento.


Quando se associou os papéis de bullying em relação ao sexo, controlado pelo nível de autoestima verificou-se que no grupo de vítimas/agressores e agressores (p = 0,006 e 0,044; respectivamente), o sexo masculino apresentou escores de autoestima superiores estatisticamente significativos em relação aos do sexo feminino (tabela 3).

Discussão

Os resultados desta pesquisa revelaram um número alto de alunos que disseram ter se envolvido com bullying, similares aos encontrados por Bandeira e Hutz,24 com níveis de vitimização semelhantes para meninos e meninas, mas esta última afirmação não foi corroborada pelos achados de Liang, Flisher e Lombard,25 que relatam a agressividade e vitimação ocorrendo mais comumente em meninos.

A forma mais referida no estudo foi presenciar bullying (59,7% dos participantes) que se mantém em outras situações relacionadas ‒ vítima e agressor (48,9% e 32,1%; respectivamente). Estes resultados estão em acordo com estudo realizado por Silva et al.,2 embora os percentuais descritos por esses autores sejam mais elevados (82%, como testemunhas, 56,9% vítimas e agressores, 38,5%). Situação semelhante ocorre para a condição concomitante de vítima/agressor descritos por Moura, Cruz e Quevedo,19 que encontraram percentuais mais altos em comparação com o presente estudo (47,1% e 27,4%; respectivamente).

Estas diferenças nos resultados encontram explicação na literatura26 que diz existir grandes variações na frequência e tipo de bullying entre as nações, regiões de um mesmo país e escolas. O bullying sendo um fenômeno multicausal existe diversos fatores envolvidos que podem contribuir para estas diferenças, tais como a metodologia utilizada na coleta de dados, as diferenças entre as escolas estudadas, a cultura de cada local, a classe social, a raça, idade e sexo dos participantes.26

O tipo de bullying mais empregado pelos adolescentes foi o verbal, com destaque para apelidar e fazer intriga. Estes dados também foram encontrados em outros estudos19,24 que afirmam o tipo verbal como sendo o mais utilizado para provocar bullying nesta fase de vida. O apelido, muitas vezes pejorativo, pode explicar o predomínio desse tipo.19

O pátio, escadas, refeitório ou banheiro foi o local de ocorrência mais frequente referido, que é corroborado com os achados de Moura, Cruz e Quevedo19 e Silva et al.2 que encontraram a maioria das agressões acontecendo fora do ambiente de aulas.

Não foram encontrados resultados estatisticamente significantes para as variáveis bullying e autoestima quando analisadas isoladamente em relação ao sexo, o que pode ser devido tanto ao tamanho amostral relativamente pequeno, como ao instrumento de abordagem que, ao incorporar com mesmo peso as diversas manifestações do bullying, melhora a sensibilidade do mesmo ao fenômeno, constituindo-se em importante teste de screening de evento, mas com escasso poder discriminatório (baixa especificidade). No estudo de Bandeira e Hutz24 não foi encontrado diferenças na vitimização do bullying em relação ao sexo e no estudo de Silva et al. 2 não houve significância estatística entre gênero e ser vítima ou agressor, fato este que foi encontrado no estudo de Moura, Cruz e Quevedo19 que achou uma predominância do bullying em adolescentes do sexo masculino.

Quanto à interação entre papéis de bullying e autoestima em relação ao sexo, resultados estatisticamente significantes foram encontrados, vítimas/agressores e agressores do sexo masculino têm alta autoestima; enquanto no sexo feminino predomina escores inferiores ao escore 30 (baixa autoestima), também descritos nos estudos de Bandeira.27 Uma explicação possível relaciona-se aos diferentes fatores que influenciam a autoestima na formação identidária dos meninos, focada no sucesso dos objetivos e das meninas, dominada pelos sentimentos.28

Em relação ao sexo masculino, verificou-se que as vítimas têm média de autoestima baixa, caso não observado quando se trata dos papéis de agressor, vítima/agressor e testemunha que apresentaram médias mais altas. O fato da vítima não conseguir se defender ou reagir ao bullying pode causar impacto na sua autoestima, achados também encontrados por Bandeira.26

Este estudo objetivou pesquisar o bullying, a autoestima e as frequências por sexo e tipo de autor. Verificou-se que este é um fenômeno de ocorrência comum, representando um fato universal, observável em todas as escolas. Os resultados mostraram um número grande de alunos envolvidos nos diversos papéis do bullying, identificando-se relações entre estas características e o sexo/gênero e autoestima dos envolvidos, o que poderá servir de informações úteis para o desenvolvimento de políticas locais de intervenções e fonte de inspiração para pesquisas futuras.

Salienta-se que este estudo não pretende esgotar a discussão sobre o fenômeno, mas contribuir para dar visibilidade ao evento bullying e auxiliar na elaboração de projetos para atuação sobre o mesmo, que envolvam toda a comunidade escolar e suas especificidades.

Entre as recomendações que se colocam para uma maior compreensão do bullying e sua interação com autoestima, identifica-se a necessidade de estudos adicionais sobre a natureza do evento, abrangendo a dinâmica familiar e outras situações de vulnerabilidade, bem como estratégias qualitativas de investigação do fenômeno.

Conflitos de interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 28 de janeiro de 2013; aceito em 23 de abril de 2013

  • 1. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editores. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization; 2002.
  • 2. Silva CE, Oliveira RV, Bandeira DR, Souza DO. Violence among peers: a case study in a public school in Esteio/RS - Brazil. Psicol Esc Educ. 2012;16:83-93.
  • 3. Leme MI. The management of school violence. Rev Diálogo Educ. 2009;9:541-55.
  • 4. Camacho LM. Violência e indisciplina nas práticas escolares de adolescentes: um estudo das realidades de duas escolas semelhantes e diferentes entre si [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2000.
  • 5. Fante C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2a ed. Campinas (SP): Versus Editora; 2005.
  • 6. Almeida SB, Cardoso LR, Costac VV. Bullying: knowledge and practices of pedagogy in school environment. Psicol Argum. 2009;27:201-6.
  • 7. Oliveira FF, Votre SJ. Bullying in physical education classes. Movimento (Porto Alegre). 2006;12:173-97.
  • 8. Milan CG. Bullying: discussão sobre atitudes escolares. In: III CELLI Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários: Anais; 2007; Maringá, Brazil. Maringá: CELLI; 2009. p. 221-9.
  • 9. Marriel LC, Assis SG, Avanci JQ, Oliveira RV. Violence at school and teenager's self-esteem. Cad Pesqui. 2006;36:35-50.
  • 10. Freire T, Tavares D. Influence of self-esteem and emotion regulation in subjective and psychological well-being of adolescents: contributions to clinical psychology. Rev Psiq Clin. 2011;38:184-8.
  • 11. Assis SG, Avanci JQ, Santos NC, Malaquias JV, Oliveira RV. Violence and social representation in teenagers in Brazil. Rev Panam Salud Publica. 2004;16:43-51.
  • 12. Rosenberg M. Society and the adolescent self-image. Princeton: Princeton University Press; 1989.
  • 13. Lopes Neto AA. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. J Pediatr (Rio J). 2005;81:S164-72.
  • 14
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Ministério da Educação. Step by step PSE: Health Program: weaving paths towards intersectorality. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
  • 15
    Brasil. Decreto Nº 6.286, de 5 de Dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil; 2007.
  • 16. Paula AS, Kodato S. Life histories and social representations of violence by public school teachers. Temas Psicol. 2010;18:177-89.
  • 17
    Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contagem Populacional. Características da população e dos domicílios. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.
  • 18. Lilienfeld AM, Lilienfeld DE. Foundations of epidemiology. 2a ed. New York: Oxford University Press; 1980.
  • 19. Moura DR, Cruz AC, Quevedo L de Á. Prevalence and characteristics of school age bullying victims. J Pediatr (Rio J). 2011;87:19-23.
  • 20
    Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquise Nacional de Saúde do escolar. Rio de Janeiro: IBGE; 2009.
  • 21. Freire IP, Simão AM, Ferreira AS. Violence among school peers in basic education: a questionnaire surveyed for the portuguese school population. Rev Port de Educação. 2006;19: 157-83.
  • 22. Avanci JQ, Assisa SG, Santosa NC, Oliveira RV. Cross-cultural adaptation of self-esteem scale for adolescents. Psicol Refl Crit. 2007;20:397-405.
  • 23
    Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional da Saúde. Resolução nº 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde; 1996.
  • 24. Bandeira CM, Hutz CS. Bullying: prevalence, implications and gender differences. Psicol Esc Educ. 2012;16:35-44.
  • 25. Berger KS. Update on bullying at school: science forgotten? Dev Rev. 2007;27:90-126.
  • 26. Liang H, Flisher AJ, Lombard CJ. Bullying, violence, and risk behavior in South African school students. Child Abuse Negl. 2007;31:161-71.
  • 27. Bandeira CM, Hutz CS. Implications of bullying in adolescents' self-esteem. Psicol Esc Educ. 2010;14:131-8.
  • 28. Anton IC. Homem e mulher: seus vínculos secretos. Porto Alegre (RS): Artmed Editora; 2002.
  • *
    Autor para correspondência.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Jan 2013
    • Aceito
      23 Abr 2013
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br