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Alterações da histoarquitetura pulmonar de camundongos neonatos expostos à hiperóxia

Resumos

OBJETIVOS: Analisar os efeitos da exposição à hiperóxia (100% de oxigênio) sobre a histoarquitetura pulmonar de camundongos neonatos. MÉTODOS: Camundongos neonatos da linhagem Balb/c foram expostos à hiperóxia (GH) (100% de oxigênio) (n = 10) em uma câmara (15 x 20 x 30 cm) por 24 horas, com fluxo de 2 L/min. O grupo controle (GC) (n = 10) foi exposto a normóxia em um mesmo tipo de câmara e pelo mesmo tempo. Após a exposição, os animais foram sacrificados por decapitação, os pulmões foram removidos para análise histológica e processados de acordo com a rotina do laboratório. Cortes de 3 µm de espessura foram corados com hematoxilina e eosina (H&E). A análise morfométrica foi realizada com o objetivo de analisar macrófagos presentes na luz alveolar, densidade de superfície (Sv) de trocas gasosas, densidade de volume (Vv) de parênquima pulmonar e áreas de atelectasias. RESULTADOS: Foi verificada diminuição do número de macrófagos alveolares (MØ) no GH (GH = 0,08±0,01 MØ/mm²; GC = 0,18±0,03 MØ/mm²; p = 0,0475), Sv de troca gasosa no GH (GH = 8,08 ± 0,12 mm² /mm³; GC = 8,65 ± 0,20 mm² /mm³; p = 0,0233), Vv de parênquima pulmonar no GH (GH = 54,7/33,5/83,5 %/mm²; GC = 75/56,7/107,9 %/mm²; p < 0.0001) quando comparado com o GC. Entretanto, houve aumento de áreas de atelectasias no GH (GH = 17,5/11,3/38,4 atelectasia/mm²; GC = 14/6,1/24,4 atelectasia/mm²; p = 0,0166) quando comparado com o GC. CONCLUSÃO: Nossos resultados indicam que a hiperóxia promoveu alterações na histoarquitetura pulmonar, aumentando áreas de atelectasia e hemorragia alveolar difusa.

Hiperóxia; Pulmão; Animais recém-nascidos


OBJECTIVES: To analyze the effects of exposure to hyperoxia (100% oxygen) on the lung histoarchitecture of neonatal mice. METHODS: Neonatal Balb/c mice were exposed to hyperoxia (HG) (100% oxygen) (n = 10) in a chamber (15 x 20 x 30 cm) for 24 horas ours with a flow of 2 L/min. The control group (CG) (n = 10) was exposed to normoxia in the same type of chamber and for the same time. After exposure, the animals were euthanized by decapitation; the lungs were removed and processed for histological examination according to the laboratory routine. Three-mm thick sections were stained with hematoxylin and eosin (H&E). The morphometric analysis was performed with in order to analyze the macrophages present in the alveolar lumen, surface density (Sv) of gas exchange, volume density (Vv) of lung parenchyma, and areas of atelectasis. RESULTS: A decrease in the number of alveolar macrophages (MØ) was observed in the HG (HG = 0.08±0.01 MØ/mm², CG = 0.18±0.03 MØ/mm², p = 0.0475), Sv of gas exchange in HG (HG = 8.08±0.12 mm² /mm³, CG = 8.65±0.20 mm² /mm³, p = 0.0233), Vv of lung parenchyma in HG (HG = 54.7/33.5/83.5%/ mm²; CG = 75/56.7/107.9%/mm², p < 0.0001) when compared with the CG. However, there was an increase in areas of atelectasis in HG (HG = 17.5/11.3/38.4 atelectasis/mm², CG = 14/6.1/24.4 atelectasis/mm², p = 0.0166) when compared with the CG. CONCLUSION: The present results indicate that hyperoxia caused alterations in lung histoarchitecture, increasing areas of atelectasis and diffuse alveolar hemorrhage.

Hyperoxia; Lung; Newborn animals


ARTIGO ORIGINAL

Alterações da histoarquitetura pulmonar de camundongos neonatos expostos à hiperóxia

Renata B. ReisI; Akinori C. NagatoII; Clarissa R. NardeliIII; Isadora C.P. MatiasIII; Wanderson G. LimaIV; Frank S. BezerraV,* * Autor para correspondência. E-mail: frank@iceb.ufop.br (F.S. Bezerra).

IAcadêmica. Curso de Fisioterapia, Laboratório de Biomorfologia e Patologia Experimental, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Severino Sombra (USS), Vassouras, RJ, Brasil

IIMestre em Ciências. Professor-assistente, Laboratório de Biomorfologia e Patologia Experimental, Centro de Ciências da Saúde, USS, Vassouras, RJ, Brasil

IIIAcadêmica. Curso de Biomedicina, Laboratório de Biomorfologia e Patologia Experimental, Centro de Ciências da Saúde, USS, Vassouras, RJ, Brasil

IVDoutor em Patologia. Professor Adjunto, Laboratório de Imunopatologia, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, MG, Brasil

VDoutor em Ciências Morfológicas. Professor Adjunto, Laboratório de Bioquímica Metabólica, Departamento de Ciências Biológicas, UFOP, Ouro Preto, MG, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: Analisar os efeitos da exposição à hiperóxia (100% de oxigênio) sobre a histoarquitetura pulmonar de camundongos neonatos.

MÉTODOS: Camundongos neonatos da linhagem Balb/c foram expostos à hiperóxia (GH) (100% de oxigênio) (n = 10) em uma câmara (15 x 20 x 30 cm) por 24 horas, com fluxo de 2 L/min. O grupo controle (GC) (n = 10) foi exposto a normóxia em um mesmo tipo de câmara e pelo mesmo tempo. Após a exposição, os animais foram sacrificados por decapitação, os pulmões foram removidos para análise histológica e processados de acordo com a rotina do laboratório. Cortes de 3 µm de espessura foram corados com hematoxilina e eosina (H&E). A análise morfométrica foi realizada com o objetivo de analisar macrófagos presentes na luz alveolar, densidade de superfície (Sv) de trocas gasosas, densidade de volume (Vv) de parênquima pulmonar e áreas de atelectasias.

RESULTADOS: Foi verificada diminuição do número de macrófagos alveolares (MØ) no GH (GH = 0,08±0,01 MØ/mm2; GC = 0,18±0,03 MØ/mm2; p = 0,0475), Sv de troca gasosa no GH (GH = 8,08 ± 0,12 mm2 /mm3; GC = 8,65 ± 0,20 mm2 /mm3; p = 0,0233), Vv de parênquima pulmonar no GH (GH = 54,7/33,5/83,5 %/mm2; GC = 75/56,7/107,9 %/mm2; p < 0.0001) quando comparado com o GC. Entretanto, houve aumento de áreas de atelectasias no GH (GH = 17,5/11,3/38,4 atelectasia/mm2; GC = 14/6,1/24,4 atelectasia/mm2; p = 0,0166) quando comparado com o GC.

CONCLUSÃO: Nossos resultados indicam que a hiperóxia promoveu alterações na histoarquitetura pulmonar, aumentando áreas de atelectasia e hemorragia alveolar difusa.

Palavras-chave: Hiperóxia; Pulmão; Animais recém-nascidos

Introdução

Estima-se que 3,9 milhões de 10,8 milhões de mortes de crianças no mundo ocorram nos primeiros 28 dias de vida. Mais de 96% de todas essas mortes ocorrem em países em desenvolvimento. A pneumonia pode estar associada a um baixo índice de Apgar (alteração respiratória grave ao nascimento) que, comumente, está associada à corioamnionite - inflamação nas membranas fetais (ânion e córion) devido a uma infecção bacteriana, geralmente relacionada a partos vaginais demorados e ainda pela aspiração de líquido amniótico infectado. Essa situação leva, na maioria dos casos, à asfixia do feto. Uma das manifestações clínicas mais evidentes é a hipoxemia, seguida pela tiragem subcostal e a cianose. Como forma de tratamento os estudos mostram a terapia medicamentosa através de antibióticoterapia e o uso do oxigênio, com objetivo de reverter o quadro inicial de hipoxemia e reduzir os riscos de mortalidade.1 Entre as formas terapêuticas para os quadros de hipoxemia oriundas de doenças cardíacas e pulmonares está o uso da oxigenoterapia,2-4 que envolve tratamento da hipóxia por meio da inalação de oxigênio a uma pressão maior que a do ar ambiente, o que facilita a hematose e reduz o trabalho ventilatório, com o objetivo de manter uma oxigenação adequada com PaO2 maior que 50 mmHg e menor que 70 mmHg.5

Embora o O2 medicinal seja considerado essencial à vida, estudos apontam relação da toxicidade do oxigênio com a retinopatia da prematuridade, doença pulmonar crônica, displasia broncopulmonar, atelectasia por reabsorção, traqueobronquite, depressão da atividade mucociliar, náuseas, anorexia, cefaleia, dano epitelial pulmonar, destruição da barreira hematoaérea e edema pulmonar. Ainda, a lesão pode ser intensificada quando associada à ventilação mecânica.6 Estudos recentes apontam que o dano epitelial pulmonar induzido pela exposição às concentrações elevadas de oxigênio, especificamente, tem sido associado ao estresse oxidativo,7 baseado na hipótese de que a hiperóxia induz o aumento do número de radicais livres de oxigênio, espécies reativas capazes de interagir com as biomoléculas e causar dano direto a proteínas de membrana e ao DNA.8 Após a lesão do epitélio pulmonar, sobretudo, há ativação de macrófagos e da cascata inflamatória, seguido de edema pulmonar, presença de fibrina, colágeno e agregado neutrofílico.9 A literatura descreve modelos de animais expostos à hiperóxia apenas em camundongos adultos, quando seus pulmões já estão completamente formados. Os efeitos de altas concentrações de oxigênio, no momento de formação pulmonar, ou seja, no pulmão do recém-nascido, ainda não são claramente descritos em camundongos da linhagem Balb/c. Portanto, o presente estudo objetivou avaliar os padrões histológicos pulmonares de camundongos neonatos com 12 horas de vida e expostos durante 24 horasoras à hiperóxia.

Métodos

Aspectos éticos

O experimento foi conduzido de acordo com as determinações da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da Universidade.

Animais

Foram utilizados 20 camundongos neonatos da linhagem Balb/c, com aproximadamente 12 horas de vida, com média de peso 1,5 g (apesar do baixo peso do camundongo recém-nascido, suas estruturas anatômicas são bem delimitadas, o que permite a sua manipulação experimental), provenientes do Laboratório de Biomorfologia e Patologia Experimental do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Severino Sombra, Brasil. A nutrição do animal do período pós-natal até a eutanásia foi feita por aleitamento materno ad libitum (a amamentação dos camundongos dura em média de 19 a 21 dias após o nascimento).

Delineamento experimental

Exposição ao oxigênio

Os animais foram divididos em dois grupos: grupo controle (GC) - camundongos expostos ao ar ambiente e às mesmas condições do grupo experimental, e grupo hiperóxia (GH) - camundongos expostos à hiperóxia por 24 horasoras (24 horas). Para a exposição dos animais à hiperóxia, foi utilizada uma câmara de inalação em acrílico (30 cm de comprimento, 20 cm de largura e 15 cm de altura), como descrito por Nagato.10 O oxigênio 100% foi adquirido da empresa White Martins® (White Martins Praxair Inc., São Paulo, Brasil). A bala (torpedo) de oxigênio foi acoplada à câmara de inalação através de um conduto de silicone. O gás foi liberado na câmara com fluxo constante de 2 L/min, garantindo, dessa forma, uma oferta de oxigênio que suprisse e saturasse o ambiente. Após um período de preenchimento do espaço pelo oxigênio, todos os grupos (exceto o grupo controle, que inalou ar ambiente) foram colocados na câmara de inalação e retirados após 24 horas. A concentração de oxigênio foi mensurada continuamente através de uma célula de oxigênio (C3, Middlesborough, Inglaterra). Os camundongos receberam água e ração ad libitum e foram mantidos em gaiolas individuais, com temperatura e umidade controladas (21 ± 2 ºC, 50 ± 10%, respectivamente), submetidos aos ciclos invertidos claro/escuro de 12 h (luzes artificiais, 19-7 h).

Ao propor esse modelo, desenhamos um modelo experimental que mimetiza as condições de oxigênio suplementar que recém-nascidos recebem em unidades de terapia intensiva nos primeiros dias de vida, quando associado um quadro patológico, momento esse de formação pulmonar.

Eutanásia e remoção dos órgãos

Ao término do tempo de exposição ao O2, foi realizada a eutanásia através de decapitação. Uma incisão mediana ventral foi realizada para retirada do tegumento, partindo da região torácica até a região abdominal. O acesso à cavidade torácica foi feito através de uma incisão subxifoidea com a remoção do músculo diafragma e osteotomia costal, para a exposição do mediastino. Após a exposição do mediastino, foi realizada a perfusão pulmonar com um corte no átrio esquerdo, seguido por uma punção no ventrículo direito, injetando-se 1 mL de solução salina com NaCl 0,9% com pressão constante controlada por uma bomba (Sykam, Gewerbering, Alemanha). Após a perfusão, os pulmões foram retirados e pinçados pelo mediastino.

Processamento histológico

Ambos os pulmões foram fixados através de uma cânula inserida na traqueia por instilação de formalina (Vetec Química Fina, Duque de Caxias, Brasil) tamponada (10%) com pressão constante controlada por uma bomba. Após 48h, foram processados seguindo as seguintes etapas: desidratado em concentrações crescentes de álcool (50%, 70%, 92,8% e 99,3%), diafinizados em xilol e incluídos em parafina. Cortes de três µm foram corados em hematoxilina e eosina (H&E).

Análise morfométrica

Amostras representativas e proporcionais dos pulmões coradas com H&E foram estudadas randomicamente, avaliando 15 campos aleatórios por lâmina histológica, sob o aumento de 40x. O corte analisado provinha dos pulmões igualmente incluídos em parafina e seccionados no mesmo sentido com o objetivo de analisar partes representativas de todo e pulmão e de forma proporcional, em todas as análises. Foram realizadas análises para a determinação do número de macrófagos presentes na luz alveolar, da densidade de volume (Vv) de parênquima, densidade de superfície (Sv) de trocas gasosas, áreas de atelectasia e eritrócitos nos espaços aéreos. Ambas as análises foram realizadas através da observação da lâmina microscópica em um monitor de TV (Sharp - 14"), onde um sistema teste foi sobreposto à tela, sendo feitas análises referentes aos tecidos. A Sv de trocas gasosas foi verificada através do sistema teste de arcos cicloides, com orientação proporcional ao seno do ângulo do eixo vertical. A medida foi realizada através da contagem de pontos coincidentes na porção de superfície de troca gasosa, quando o sistema teste é sobreposto à imagem do tecido pulmonar.11

A Vv de parênquima pulmonar foi mensurada através do sistema Teste M42, em arranjo irregular de pontos. A análise foi realizada através da sobreposição do sistema teste a uma imagem de tecido pulmonar, sendo contados os pontos coincidentes de parênquima pulmonar.11

Análise estatística

Para determinação do número amostral foi adotado o poder estatístico de 0,9. Os dados utilizados para este cálculo foram obtidos de estudos prévios realizados por nosso grupo,10 levando em conta os dados esperados de maior erro padrão da média. Com isso, obtivemos um resultado onde o número amostral foi de 10 para cada grupo. A normalidade de todos os dados foi testada por meio do teste de Kolmogorv-Smirnov. Os dados paramétricos foram expressos em média ± erro padrão da média seguido do teste t-Student não pareado. Os dados não paramétricos foram expressos em mediana/valor mínimo/valor máximo e foi utilizado o teste Mann-Whitney. A diferença significativa foi considerada quando o valor de p < 0,05.

Resultados

Após a exposição à hiperóxia por 24 horas, observou-se que o GH (GH = 0,08±0,01 MØ/mm2) apresentou uma redução de macrófagos alveolares na luz alveolar (p = 0,0475) em relação ao GC (GC = 0,18±0,03 MØ/mm2) (fig. 1).


Quanto às análises morfométricas, observamos uma diminuição da Vv do parênquima pulmonar do GH = 54,7/33,5/83,5 %/mm2; GC = 75/56,7/107,9 %/mm2; p < 0,0001) (fig. 2A), bem como a Sv de troca gasosa do GH (GH = 8,08 ± 0,12 mm2 /mm3; GC = 8,65 ± 0,20 mm2 /mm3; p= 0,0193 (fig. 2B).


Histologicamente, o GC foi caracterizado por apresentar parênquima pulmonar de aspecto normal (fig. 3A). O GH apresentou alterações parenquimatosas de forma difusa com grau de intensidade variando de leve a intenso. A presença de áreas com atelectasias e a presença de hemácias na luz alveolar, figura 3B, foram as alterações mais encontradas e significativamente aumentadas em GH (GH = 17,5/11,3/38,4 atelectasia/mm2; GC = 14/6,1/24,4 atelectasia/mm2; p = 0,0166) quando comparadas ao GC (fig. 4).



Discussão

O presente estudo analisou os efeitos da exposição às altas concentrações de oxigênio sobre o padrão histológico pulmonar de camundongos neonatos da linhagem Balb/c.

Foi observado que a hiperóxia induziu a diminuição do número de macrófagos alveolares, modificou a histoarquitetura pulmonar e elevou a quantidade de eritrócitos nos espaços aéreos.

O GH apresentou diminuição dos macrófagos na luz alveolar após 24 horas de exposição. Em seus estudos, Petrache et al.12 demonstraram, in vitro(após 24 horas de exposição ao O2 a > 95%) e in vivo(após os camundongos permanecerem por 72 h expostos ao O2 a 100%), que macrófagos alveolares sofreram apoptose quando comparados aos macrófagos em normóxia. Também foi demonstrado que, nos primeiros 30 minutos de hiperóxia, o aumento da atividade da ERK (quinase relacionada à sinalização extracelular) protegeu os macrófagos alveolares, diminuindo a taxa de apoptose. Entretanto, o mesmo não acontecia no tempo de 8 às 24 horas, pois a atividade da ERK retornou aos valores de normalidade. Nyunoya et al.13 observaram que, durante a hiperóxia, a diminuição da atividade das fosfatases, incluindo PP2A e MKP-3, relaciona-se à inibição da atividade da ERK, o que diminuiu a sobrevida de macrófagos. Em nosso estudo, encontramos resultados similares, pois houve uma diminuição significativa de macrófagos alveolares no parênquima pulmonar dos animais recém-nascidos expostos à hiperóxia por 24 horas. Em outro estudo, culturas de macrófagos expostas a 95% de oxigênio (hiperóxia) apresentaram redução da proliferação quando comparadas a culturas expostas a 21% de oxigênio (normóxia). Essa redução ocorreu, provavelmente, mediada pela polimerização de actina induzida por estresse oxidativo, o que alterou a capacidade fagocítica a patógenos.14 Com isso, sugerimos que a hiperóxia pode influenciar tanto no aumento da apoptose quanto na diminuição da proliferação de macrófagos alveolares.

Outro estudo realizado, Thébaud et al.15 demonstraram que a exposição ao oxigênio medicinal em altas concentrações interferiu no desenvolvimento do parênquima pulmonar, já que ratos neonatos apresentaram uma menor expressão de VEGF (Fator de Crescimento Endotelial e Vascular) e, consequentemente, uma diminuição do número de capilares sanguíneos, o que resultou no aumento dos espaços aéreos. Mascaretti et al.16 também relataram essa diminuição do número de alvéolos em um modelo experimental de exposição à hiperóxia em coelhos pré-termos da linhagem Nova Zelândia. Modelos de animais têm demonstrado alterações estruturais pulmonares resultantes da exposição à hiperóxia.17,18 Os neonatos estão sujeitos a alterações provenientes da exposição ao oxigênio, visto que seu sistema antioxidante se desenvolve tardiamente. Essas alterações permitem que o neonato esteja vulnerável a essas lesões, inclusive às parenquimatosas, que podem ser irreversíveis.19 Dauger et al.20 estudaram camundongos expostos à hiperóxia a 65% durante um período de 28 dias pós-natais, demonstrando menor número de alvéolos, porém com luz alveolar aumentada. As alterações perduraram por sete meses após a exposição, e foi evidenciado que a hiperóxia causa uma alteração permanente na estrutura pulmonar. Camundongos neonatos encontram-se no estágio sacular do desenvolvimento pulmonar e a diminuição da alveolarização é uma característica prevalente.21 De fato, em nosso estudo, esse padrão foi demonstrado. Entretanto, a exposição à hiperóxia acentuou a diminuição da densidade de volume de parênquima pulmonar e de superfície de trocas gasosas, se comparado aos animais expostos ao ar ambiente.

Na prática clínica, a atelectasia é frequentemente encontrada durante a anestesia geral, principalmente no período pós-operatório e/ou durante a ventilação mecânica.6 Nossos resultados indicam que a exposição à hiperóxia por 24 horas resultou em um aumento das zonas de atelectasia pulmonar. Isto pode ser explicado pela indução de atelectasia por reabsorção, mecanismo responsável pelo comprometimento do intercâmbio gasoso e estrutural do parênquima pulmonar.22 Loewen et al.23 estudaram coelhos da linhagem Nova Zelândia e demonstraram o efeito benéfico da suplementação de surfactante exógeno em pulmões expostos à hiperóxia. Nesse estudo, nos animais expostos à hiperóxia a 100% associado à suplementação de surfactante, foi observada uma diminuição de áreas de atelectasia, quando comparado aos animais expostos apenas à hiperóxia. Isso sugere que a redução da produção de surfactante induzida por altas doses de oxigênio promove o aumento de áreas de atelectasia, o que também foi confirmado por Buonocore et al.24

Estudos em animais experimentais demonstraram que a hiperóxia promove um aumento da permeabilidade capilar, o extravasamento de proteínas plasmáticas para o interstício e o espaço alveolar e, tardiamente, após um tempo prolongado de exposição, a fibrose na parede alveolar.25 Tokieda et al.26 estudaram camundongos com deficiência da proteína B do surfactante (SP-B) expostos à hiperóxia a 95%, e observaram susceptibilidade para congestão e hemorragias pulmonares. Todavia, Lian et al.27 demonstraram os efeitos protetores contra os danos causados pela exposição ao oxigênio medicinal. Nesse estudo, animais transgênicos com superexpressão de Stat3C (Sinal transdutor e ativador de transcrição 3) e, consequentemente, uma maior produção de proteína SP-B, apresentaram resistência à hemorragia alveolar. A hemorragia alveolar,20 o edema pulmonar não cardiogênico,28 o dano ao pneumócito tipo I27 e a hiperplasia do pneumócito tipo II têm sido citados como alterações resultantes das altas concentrações de oxigênio na prática clínica.29

Os estágios do desenvolvimento estrutural pulmonar são semelhantes em humanos e camundongos. No camundongo, após o nono dia do desenvolvimento gestacional se inicia a formação pulmonar, caracterizada por eventos embrionários dependentes da interação entre células epiteliais e mesenquimais. O período de 12 horas pós-natal, tempo escolhido para iniciar nossa intervenção, é descrito como crucial para o desenvolvimento de alterações histológicas e bioquímicas que podem ser avaliadas neste modelo experimental. Além disso, nesse tempo, os animais encontram-se no período sacular intermediário do desenvolvimento pulmonar e as estruturas pulmonares são formadas de forma significativa.30 Nosso objetivo foi investigar como o pulmão em desenvolvimento seria capaz de responder à exposição ao oxigênio em altas concentrações, visto que, na prática clinica, recém-nascidos recebem como tratamento o oxigênio medicinal suplementar, nas unidades de terapia intensiva.

A limitação em mimetizar o tempo e a intensidade de administração de oxigênio nos modelos experimentais ocorre devido à escassez de estudos clínicos que apontem o tempo médio e a fração média inspirada de oxigênio medicinal utilizada pelos recém-nascidos durante o período de internação hospitalar. Todavia, o estudo estimula o desenvolvimento de outras pesquisas experimentais e clínicas, como, por exemplo, estudos de viabilidade e marcadores específicos de apoptose para macrófagos alveolares, todos com a finalidade de alcançar alternativas terapêuticas para o tratamento da exposição ao oxigênio medicinal em altas concentrações.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

À FAPERJ pela bolsa de iniciação científica da acadêmica Renata Reis e à FAPEMIG pelo apoio financeiro do pós-doutorado do Professor Frank Silva Bezerra DECBI/UFOP, através do projeto aprovado no Edital 15/2010 - Programa Primeiros Projetos.

Recebido em 10 de setembro de 2012; aceito em 29 de outubro de 2012

ERRATA

Erratum de ''Alterations in the pulmonary histoarchitecture of neonatal mice exposed to hyperoxia''

Renata B. ReisI; Akinori C. NagatoII; Clarissa R. NardeliIII; Isadora C.P.MatiasIII; Wanderson G. LimaIV; Frank S. BezerraV,* * Autor para correspondência. E-mail: frank@iceb.ufop.br (F.S. Bezerra).

IAcadêmica, Curso de Fisioterapia, Laboratório de Biomorfologia e Patologia Experimental, Centro de Ciências da Saúde,Universidade Severino Sombra (USS), Vassouras, RJ, Brasil

IIMestre em Ciências, Professor Assistente, Laboratório de Biomorfologia e Patologia Experimental, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Severino Sombra (USS), Vassouras, RJ, Brasil

IIIAcadêmica, Curso de Biomedicina, Laboratório de Biomorfologia e Patologia Experimental, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Severino Sombra (USS), Vassouras, RJ, Brasil

IVDoutor em Patologia, Professor Adjunto, Laboratório de Imunopatologia, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, MG, Brasil

VDoutor em Ciências Morfológicas, Professor Adjunto, Laboratório de Bioquímica Metabólica, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, MG, Brasil

No artigo original ''Alterations in the pulmonary histoarchitecture of neonatal mice exposed to hyperoxia'' (J Pediatr (RioJ). 2013;89(3):300-306), na titulação 'e', onde se lê "Laboratório de Medicina Metabólica", deve-se ler "Laboratório de Bioquímica Metabólica".

Doi: 10.1016/j.jpedp.2012.10.010

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    Autor para correspondência.
    E-mail:
    frank@iceb.ufop.br (F.S. Bezerra).
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    Autor para correspondência.
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    frank@iceb.ufop.br (F.S. Bezerra).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Set 2012
    • Aceito
      29 Out 2012
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