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Pluralismo cultural e cidadania democrática

Cultural pluralism and democratic citizenship

Resumos

Com base no exame da questão do "multiculturalismo" da perspectiva do pluralismo em sociedades democráticas, discute-se, num registro normativo, a tensão intrínseca à combinação desses termos, para finalmente enfrentar a dimensão institucional do problema.


On the basis of an examination of the question of "multiculturalism" from the perspective of pluralism in democratic societies the tension intrinsic to the combination of these terms is discussed in its normative dimension. Finally, the institutional dimension of the problem is addressed.


EQÜIDADE COSMOPOLITA

Pluralismo cultural e cidadania democrática* * "Cultural Pluralism, Nationalism and Federalism. A Revision of Democratic Citizenship in Plurinational States" . Este artigo é uma versão revista do texto que recebeu o Premio Rudolf Wildemann (Berna, março de 1997) para o melhor texto de workshop apresentado nas sessões conjuntas de Oslo do European Consortium para Pesquisa política. Agradeço os comentários dos participantes do workshop do ECPR e também os recebidos em Baltimore, na Universidade John Hopkins, e em Barcelona, na Universidade Pompeu Fabra. Tradução de Clarice Cohn.

Cultural pluralism and democratic citizenship

Ferran Requejo

Professor no Departamento de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Pompeu Fabri, em Barcelona

RESUMO

Com base no exame da questão do "multiculturalismo" da perspectiva do pluralismo em sociedades democráticas, discute-se, num registro normativo, a tensão intrínseca à combinação desses termos, para finalmente enfrentar a dimensão institucional do problema.

ABSTRACT

On the basis of an examination of the question of "multiculturalism" from the perspective of pluralism in democratic societies the tension intrinsic to the combination of these terms is discussed in its normative dimension. Finally, the institutional dimension of the problem is addressed.

No campo da teoria política, os anos 90 têm se provado cada vez mais abertos ao revisionismo. Conceitos como pluralismo, cidadania ou federalismo foram sempre considerados como firmemente estabelecidos pela tradição liberal-democrática. No entanto, esses conceitos se encontram na difícil posição de ter que lidar com situações empíricas caracterizadas por internacionalização e pluralismo cultural crescentes, para as quais eles não parecem estar tão bem preparados como uma primeira impressão levaria a crer.

Esse artigo apresenta três questões relativas à revisão corrente da cidadania democrática e seu caráter integrador em estados plurinacionais. A primeira é uma questão analítica e tem duas partes: por um lado, será o termo "multicultural" adequado ao estudo do pluralismo em democracias contemporâneas? Por outro, onde os movimentos nacionalistas se situam no pluralismo cultural? A segunda questão é de natureza normativa: será possível superar as dificuldades intrínsecas ao conceito tradicional de cidadania liberal-democrática em estados plurinacionais? Finalmente, a terceira questão é de natureza institucional e se baseia no Estado espanhol: será o federalismo um molde adequado para regular um conceito revisto de cidadania democrática em estados plurinacionais?

Essas três questões serão desenvolvidas em três seções. Na primeira, apresentarei uma tipologia que nos permite identificar quatro tipos de movimentos de pluralismo cultural que estão presentes nas democracias liberais dos anos 90: aqueles que defendem uma "questão única" (feminismo, minorias sexuais, etc); aqueles de natureza nacionalista; aqueles que representam imigrantes; e aqueles que defendem os direitos dos povos indígenas. Na segunda seção, identificarei alguns dos limites do conceito tradicional de cidadania liberal-democrática no que se refere à integração plurinacional de algumas democracias. Aqui, farei referência à versão liberal convencional expressa no Political Liberalism de J. Rawls (1993). Defenderei a inclusão do direito dos nacionalismos liberais na revisão do conceito de cidadania democrática para o próximo século. Finalmente, discutirei o papel do federalismo na regulação de uma legitimidade estável e forte em democracias liberais plurinacionais. Deter-me-ei especialmente no caso da Catalunha e da Espanha no interior da Europa, e de possíveis reformas "assimétricas" no conceito de cidadania democrática. Uma revisão do liberalismo e do nacionalismo democrático envolve a readaptação de algumas das características normativas e institucionais das democracias liberais contemporâneas para aprimorar a ligação entre suas premissas teóricas e sua expressão prática.

TIPOS DE PLURALISMO CULTURAL

Será o termo "multicultural" adequado a uma análise do pluralismo em democracias contemporâneas? Acredito que a resposta é "não". Isso porque o conceito de multiculturalismo cobre um número de fenômenos muito distintos que requerem tratamentos teóricos e empíricos diversos. É um conceito confuso em termos descritivos, e não muito útil em termos explanatórios ou normativos. Acredito que, antes de discutir questões normativas ou institucionais, seja necessário diferenciar entre os principais tipos de fenômenos "multiculturais" presentes em sociedades democráticas no fim desse século1 1 Por exemplo, quando nos questionamos se é apropriado formalizar certos direitos de grupos culturais no interior do conceito de cidadania em sistemas democráticos. Uma péssima abordagem é a de opor direitos de grupos a direitos e valores individuais. Em primeiro lugar, porque muitos direitos de grupos reivindicados por movimentos pelo pluralismo cultural atuais - os quais a tradição liberal-democrática tem tendido a ignorar - são ainda direitos exercidos individualmente. Em segundo lugar, porque a tradição liberal, em sua defesa dos direitos "individuais", com freqüência favoreceu implicitamente direitos de grupos específicos em detrimento de outros. Prefiro o uso analítico do termo "direitos de grupos" ao mais comum "direitos coletivos" por uma questão de precisão. Direitos coletivos incluem uma grande variedade de direitos que não são especificamente de grupos, tais como aqueles de natureza associativa e sindical, aqueles relativos a bens públicos (p. ex. direitos ecológicos), etc. Em termos históricos, podemos dizer que as democracias liberais estão entrando em um quarto estágio de regulação de direitos, após os estágios civil, político e social. Veja-se J. Spinner (1994), W. Kymlicka (1995), A. Gutmann (1993), N. Fraser (1995). Veja-se também R. Bellamy (1993). .

As duas últimas décadas assistiram à emergência de uma variedade de novos movimentos sociais e políticos, como os dos feministas e ecologistas, ou aqueles que defendem os direitos de minorias sexuais ou imigrantes. Ao mesmo tempo, reaparece uma variedade de movimentos políticos mais antigos, tais como aqueles que representam as minorias nacionais. Cada um desses movimentos constitui uma série de desafios à teoria e especialmente à prática institucional das democracias liberais. Uma característica comum aos diferentes movimentos pelo pluralismo cultural tem sido tanto a crítica de alguns dos princípios que as democracias liberais têm há tempos assumido sem discussões quanto uma defesa da dimensão coletiva negligenciada nas pressuposições teóricas do liberalismo tradicional. No entanto, as diferenças entre esses movimentos são tão significativas quanto suas semelhanças. Consideremos então algumas dessas semelhanças e diferenças com o auxílio de alguns critérios discriminatórios: temporalidade, territorialidade, objetivos políticos básicos, e a demanda por ou a ausência de representação coletiva e autogoverno (self-government).

O primeiro critério é a temporalidade, ou seja, a natureza transitória ou permanente dos diferentes movimentos pelo pluralismo cultural em relação às suas reivindicações, sejam de direitos, instituições ou princípios de procedimentos a serem incluídos nas regras democráticas do jogo. Como resultado, os movimentos que centram sua atenção em uma única questão são em geral transitórios porque suas reivindicações são temporárias e duram apenas até que eles adquiram equidade frente ao resto da sociedade com respeito a uma desigualdade percebida. É esse o caso, por exemplo, de direitos igualitários específicos ou das políticas de discriminação positiva defendidas por algumas organizações feministas ou por certas minorias sexuais. Por outro lado, muitas das reivindicações dos movimentos nacionalistas, de imigrantes ou de povos indígenas são de natureza permanente. Essas são geralmente reivindicações coletivas articuladas para manter ou desenvolver características culturais específicas (religião, língua, costumes, etc.) consideradas válidas por si.

O segundo critério é a territorialidade. Enquanto alguns movimentos ligam suas reivindicações a grupos dispersos por todo um estado nacional, outros se centram em coletividades que são encontradas principalmente em um território específico. Aqueles incluem movimentos que defendem uma única questão de grupos de imigrantes, enquanto estes últimos referem-se principalmente aos nacionalismos não-estatais.

O terceiro critério são os objetivos políticos mantidos pelos diversos movimentos. Esses objetivos podem ser classificados em dois aspectos: cultural e político. O primeiro aspecto depende de se o objetivo último for incluir no conceito de cidadania democrática certos aspectos culturais que até o momento haviam sido excluídos, ampliando o alcance do conceito clássico de igualdade política, ou incorporar certos aspectos culturais que diferenciam alguns cidadãos de outros, criando o que é usualmente chamado "cidadania diferenciada". O primeiro caso envolve uma extensão do conceito de cidadania de modo a abranger um conjunto de direitos e regras comuns a todos os cidadãos. O segundo envolve também uma extensão do conceito de cidadania, mas que será agora baseada na normatização de um conjunto de direitos culturais específicos que, em vez de incluir todos os cidadãos do estado, são voltados a um grupo específico. Nesse caso, o conceito de cidadania democrática deve incluir uma série de diferenças de grupos, contrastando-se à visão tradicional de cidadania como um status uniforme para todos os indivíduos. A maioria das reivindicações feministas, por exemplo, pertence a essa primeira categoria, enquanto alguns aspectos dos movimentos nacionalistas ou de grupos imigrantes (isenção em códigos de vestimenta e alimentação, feriados religiosos, etc.) pertencem à segunda categoria2 2 A afirmação de que movimentos pelos direitos feministas ou gays são de "questão única" pode parecer enganosa, já que eles às vezes se voltam a um amplo arco de temas sociais. No entanto, tomá-los como uma forma de "pluralismo cultural" pode também ser controverso. Certamente, há razões para apoiar ambas as críticas. Porém, penso ser melhor incluí-los quando tratarmos da revisão do significado tradicional de "cidadania democrática" baseados em um conceito não-utiliarista ou homogêneo de igualdade política. Veja-se I. M. Young (1990, cap. 6). . O segundo aspecto desse critério depende de se o objetivo político é a integração igualitária e efetiva de coletividades específicas no sistema político aos quais têm sido parcamente integrados em termos práticos, ou se o que se propõe é a diferenciação política dessas coletividades no quadro institucional do Estado3 3 Em termos gerais, integração política igualitária, mais do que diferenciação política, tem sido uma característica dos movimentos imigrantes. De uma perspectiva normativa, essa é mais do que uma característica contigente na maioria dos movimentos de imigrantes em democracias liberais. De uma perspectiva empírica, esse é um aspecto temporário que pode mudar no futuro próximo. Integração política não significa assimilação cultural. Porém, como diversos autores têm demonstrado, penso que há razões normativas baseadas na articulação de processos históricos com o conceito de cidadania democrática para a exclusão de imigrantes da participação como grupo específico no quadro institucional do estado. Não desenvolvo essas afirmações aqui; veja-se Kymlicka (1995 cap. 4). No entanto, "culturas" não são apenas "contextos de escolha" mas também molduras de identidades que devem ser reconhecidas. .

Finalmente, o quarto e o quinto critérios discriminatórios para os movimentos pelo pluralismo cultural são aqueles referentes, por um lado, à demanda por ou à falta de representação coletiva em instituições democráticas e, por outro lado, à demanda por ou a falta de autonomia política. Em um extremo encontra-se a maioria dos movimentos de questão única, os quais não fizeram nenhuma dessa reivindicações, e no outro encontram-se uma variedade de movimentos nacionalistas e indígenas, que têm tradicionalmente expressado sua preferência por ambas as reivindicações. Contrastando com aqueles, esses dois movimentos exigem representação política e auto-governo a partir de pontos de vista empíricos e normativos.

A aplicação conjunta desses critérios nos permite distinguir ao menos quatro tipos básicos de movimentos no pluralismo cultural contemporâneo: movimentos de questão única, nacionalistas não-estatais, de imigrantes e indígenas. Esses quatro tipos de movimentos apresentam diferenças qualitativas que necessitam ser tratadas diferentemente pelas versões mais refinadas de democracia liberal do século XXI. A tabela abaixo resume a tipologia proposta4 4 Obviamente, podemos dizer de tipologias o mesmo que se dizia de dicionários e relógios antes da era atômica: nenhum é perfeito, mas é melhor ter um do que não ter nenhum. Como acontece com outras tipologias, há alguns grupos que não se encaixam nestas que estou propondo, como, por exemplo, os afro-americanos ou os Amish. Porém, por um lado, essa tipologia dá um passo além de outras propostas como a diferenciação feita por Kymlicka entre situações "plurinacionais" ou "poliétnicas". Por outro lado, seus cinco critérios são complementares àqueles critérios voluntários e prescritos levantados por J. Spinner para a distinção de diferentes formas de pluralismo cultural. Veja-se Kymlica (1995 cap. 3), Spinner (1994, cap. 1,2). O que é mais importante, como esses dois autores afirmam, é perceber que esses movimentos culturais apresentam diferenças qualitativas, e não apenas quantitativas, e que essa diferenças devem também ser diversamente tratadas nas esferas normativas e institucionais das democracias liberais atuais. . Dedicar-me-ei aos conceitos de cidadania e federalismo nas seções que se seguem da perspectiva dos movimentos nacionalistas não-estatais (segunda linha da tabela) e sua relação com as premissas liberal-democráticas5 5 As duas últimas colunas da tabela focam a adequação de soluções federalistas e o isolamento constitucional potencial desses diferentes movimentos. Essas duas colunas referem-se à terceira seção desse artigo. .

NACIONALISMO LIBERAL E CIDADANIA DEMOCRÁTICA

Liberalismo político e nacionalismo

As relações entre os defensores dos nacionalismos não-estatais e da tradição liberal têm sido, freqüentemente, tensas. Devemos nos perguntar o porquê disso. Em termos gerais, esse é o resultado de mal-entendidos mútuos que têm suas origens nas lógicas diversas que impregnam os dois pontos de vista. As dificuldades explicadas pelas principais versões da tradição liberal quando tentam entender aqueles nacionalismos que falham em se conformar ao modelo de Estado-Nação referem-se a três características da teoria liberal: individualismo, universalismo e estatismo. Por outro lado, algumas tradições nacionalistas têm defendido uma forma de organização política mais coletiva ou "orgânica" que individual, bastante afastada das premissas do liberalismo. Esse é um fato que tem causado também a rejeição "liberal" aos nacionalismos não-estatais por serem "particularistas" ou "emocionais", longe dos princípios "racionais" que supostamente existem nas democracias ocidentais liberais.

Podemos dizer em termos gerais que, da perspectiva do pluralismo cultural, o que mais aterroriza os liberais é a violação dos direitos e valores da cidadania democrática em favor de "identidades culturais" particulares. E que o que mais aterroriza um nacionalista é a violação de características nacionais lingüísticas ou culturais que constituem a maior parte de sua identidade individual em favor de um universalismo normativo, o que, na realidade, impõe uma aceitação implícita de outro conjunto de características particulares lingüísticas ou culturais que são hegemônicas em seu território. Na raiz desses mal-entendidos está uma visão diferente do que "democracia" deveria significar, a ponto de, em um extremo, o nacionalismo ser, para alguns, incompatível com democracia, enquanto para outros, sem o reconhecimento de identidades nacionais o sistema não pode ser considerado verdadeiramente democrático. No entanto, em meu ponto de vista, a questão não é tão simples em teoria nem necessita ser tão dramática na prática se certas características nacionais de ambas as perspectivas se sobrepuserem6 6 Não há um conceito universalmente aceito de nacionalismo que cubra todos os casos empíricos conhecidos. Os estudos que têm proliferado em anos recentes têm enfatizado tanto a pluralidade quanto a complexidade teórica e empírica dos movimentos nacionalistas. Depois de muitas análises dos diversos tipos de nacionalismos, um acordo ainda está por ser alcançado em duas questões básicas: 1) a relação entre nação e nacionalismo quando aquela não pode mais ser incluída em outras variáveis, tais como a de etnicidade ou os processos estatais de construção da nação, e 2) uma explicação de porque, partindo de condições sociais similares, os movimentos nacionalistas se desenvolvem em alguns lugares e não em outros. Até muito recentemente, análises reducionistas no método e particularistas no objeto têm predominado nas ciências política e social. Assim, por exemplo, os nacionalismos não-estatais têm sido reduzidos, freqüentemente sem se distinguir aqueles de natureza liberal-democrática daqueles de natureza antiliberal, a uma conseqüência de fatores exógenos tais como industrialização, modernização, interesses de classe, etc., com base em concepções que têm pouca validade em um nível empírico. Há também lacunas importantes na consideração de conseqüências normativas e culturais do processo crescente de estado-nacionalização promovido pelos processos de democratização dos séculos XIX e XX. Análises de diferentes tipos de nacionalismos continuam a ser um campo da ciência social contemporânea parcamente explicado e inadequadamente considerado de um ponto de vista normativo. .

É bem conhecido o fato de que o liberalismo político clássico foi, fundamentalmente, uma teoria do Estado. Uma teoria que estabeleceu a conveniência de um "Estado limitado" capaz de garantir a proteção de certos direitos da cidadania. Contrastando com o caráter hierárquico e desigual do Anclen Régime, pensava-se que os indivíduos, considerados em termos abstratos como "livres e iguais", deveriam se mover em duas esferas que tinham suas próprias regras: a pública e a privada. Na maioria das tendências liberais, a maior parte das características distintivas que permitem aos indivíduos "entender" ou "reconhecer" a si e aos outros como tais estão fora da esfera pública. Esse é o caso das diferenças "nacionais" que não coincidem com a "nação" que todos os estados tentam criar por meio de suas instituições. De acordo com a abordagem liberal convencional, um reconhecimento igualitário e universal deve prevalecer na esfera pública: o reconhecimento dos direitos individuais de cidadania. Esse é o único reconhecimento que é concebido como compatível com a organização liberal-democrática da esfera pública. Além disso, somos advertidos de que devemos desacreditar todos os tipos de perspectivas que envolvam "direitos de grupos" - há apenas direitos individuais7 7 Essa última idéia é intelectualmente incapaz de conceber as "diferenças" culturais da identidade. Em outras palavras, de pensar em termos de direitos e valores de grupos no interiordas fronteiras do estado que constituem também uma realidade política particular, mas que comumente legitimam suas políticas internas mediante uma linguagem universalista e que, na prática, estabelece um discurso homogenizador que é "cego" (ou ao menos míope) quando se depara com essas diferenças. Para uma análise do universalismo, veja o contraste estabelecido por Walzer (1989) entre a versão universalista "reiterativa" e sua posterior aplicação ao caso dos nacionalismos. A respeito da discussão do liberalismo e do comunitarismo americano, o qual se refere ao problema do nacionalismo, veja Avineri-Shalit (1992), J. Budziszewski (1992), W. Kymlicka (1988), Ch. Larmore (1990), M. Sandel (1983), Ch. Taylor (1992, 1989), M. Walzer (1990, 1984). . Porém, na prática o estado não pode ser culturalmente neutro. Além de reconhecer os direitos da cidadania, as instituições liberais introduzem um espectro de traços e valores culturais e lingüísticos hegemônicos na esfera pública de modo a criar, de cima, uma identidade "nacional" homogênea, o que tem um efeito direto nos direitos individuais. O resultado disso em um Estado plurinacional é que é muito mais difícil para alguns grupos se adequar confortavelmente a um Estado do que para outros, já que eles têm que pagar um preço mais elevado em termos de sua própria identidade pessoal - em nome da igualdade e não-discriminação, diferenças de identidade são discriminadas e excluídas. Para algumas coletividades, o preço a pagar pela igualdade de cidadania tem sido sua própria desigualdade e assimilação, principalmente em termos de identidade lingüística e cultural8 8 Sobre a compatibilidade potencial entre nacionalismo e liberalismo, veja M. Canovan (1996), D. Miller (1995), A. Smith (1995), Y. Tamir (1993), G. Laforest (1993), G. Nopdia (1992), Margalit-Raz (1990) e também Kymlicka (1995) e Spinner (1994). Para uma crítica do etnocentrismo demonstrado nas concepções liberal e nacionalistas, veja B. Parekh (1995). Veja-se também W. Norman (1995), M. Williams (1995) e J. Baker (1995). .

Os direitos e as regras do jogo liberal-democrático constituem as fundações normativas mínimas que respaldam a esfera pública das democracias liberais na qual nos reconhecemos como cidadãos. Mas, ao contrário do que alguns liberais conhecidos querem nos fazer crer, essas fundações nunca foram "neutras", ao menos no que se refere a identidades individuais, porque esses direitos e regras incluem um arco de valores culturais particularistas implícitos (tais como língua, reconstruções de história, tradições "comuns", etc.) que ultrapassam questões meramente procedimentais ou universalistas.

Um dos aspectos envolvidos na revisão do liberalismo comunitarista é um maior entendimento do que se quer dizer por "neutralidade" liberal, e como devem ser as "fundações" para se adequarem à realidade contemporânea. Nesse sentido, o objetivo dessa revisão é não apenas mudar o que vemos, mas como o vemos; em outras palavras, isso implica uma mudança de perspectiva. Uma mudança que nos permita ir além das desigualdades inerentes ao reconhecimento das identidades nacionais contemporâneas que caracterizam o universalismo professado pela igualdade liberal tradicional, a um reconhecimento e regulação organizados de diferenças nacionais. Da perspectiva da identidade pessoal, a língua, por exemplo, jamais é uma questão "neutra". Ela consiste em todo um conjunto de referências semânticas e pragmáticas que perfazem a identidade (Wittgenstein). Para que um estado liberal-democrata "reconheça" as identidades nacionais que existiram e ainda existem em seu território, ele as deve pôr em um mesmo patamar e na mesma esfera pública dos direitos individuais de cidadania9 9 "A tese - escreve Taylor - é a de que a nossa identidade é parcialmente moldada pelo reconhecimento de sua ausência, freqüentemente pelo ,desconhecimento de outros (...) Não reconhecimento ou desconhecimento pode infligir males, pode ser uma forma de opressão, aprisionando alguém em um modo de ser falso, distorcido e reduzido" (Taylor 1992: 25, grifo no original). Veja também J. Tully (ed) (1994), Milligan-Watts (ed) (1992), A. Gutmann (1993). . Não estou sugerindo que os direitos e princípios organizacionais do liberalismo, ou o que já se chamou de sua "arte de separação"10 10 Veja-se Walzer (1990, 1994). , devam ser jogados fora, mas que ambos deviam ser postos em prática de um modo mais radical do que as versões estritamente uniformes, individualistas e estatistas que caracterizam o liberalismo tradicional. Para resumir, é necessário que se "aprimorem" os valores liberais da liberdade, igualdade e dignidade de forma a que incluam as diferenças coletivas que conformam a individualidade; e que se valorize o pluralismo, entendido segundo a premissa de que a diversidade é válida por si e não, como acontece com freqüência, um fato inconveniente que deve ser regulado para que se garanta melhor uma "coexistência"11 11 "O pluralismo de valor" - escreve Raz - "é a visão de que muitas atividades diferentes e formas de vida incompatíveis são válidas (...). O multiculturalismo liberal surge de uma preocupação com o bem-estar dos membros de uma sociedade. Esse bem-estar pressupõe respeito por um grupo cultural e sua prosperidade. Mas nada disso se opõe à mudança. Resiste-se à mudança principalmente quando ela é um resultado da hostilidade da cultura dominante. Resiste-se a ela também quando ela leva ao medo de que uma cultura vá desaparecer de todo - diluída e então assimilada a outras. Em um país em que o multiculturalismo é praticado pelo governo e aceito pela população, o primeiro medo não deveria aparecer. O segundo é mais difícil de enterrar". J. Raz (1994: 72, 74). Uma posição crítica pode ser encontrada em Bi-Hwan Kim (1996). .

A cidadania democrática em estados plurinacionais

O conceito de cidadania tem sido interpretado de diversos modos ao longo da história. No entanto, desde o tempo da Grécia clássica ele tem sido sempre tomado como referente a um membro individual da comunidade política, e considerado como uma das referências básicas da identidade individual e coletiva dessa comunidade12 12 Há de fato duas interpretações do conceito de cidadania em estados contemporâneos, as quais, para simplificar, são geralmente referidas como os conceitos "francês" e "alemão". São dois tipos teóricos que, embora tenham tomado parte na evolução da França e da Alemanha contemporâneas, não estão presentes em sua forma original na realidade empírica desses dois países. Na realidade, o processo de construção das instituições européias diminuiu as diferenças entre os dois países. O conceito francês é inclusivo e territorial. Define-se por nascimento e residência e, a despeito de uma variedade de restrições legais, a segunda geração de uma família imigrante pode geralmente adquirir a cidadania. O conceito alemão é, em contraste, exclusivo e etnocultural. Aqui, nascimento e residência não são fatores decisivos, sendo esses fatores definidos por um número de critérios culturais que conformam a "identidade". Isso significa que os imigrantes têm mais dificuldade para obter a cidadania. Veja R. Brubaker (1992). Se compararmos esses dois conceitos de cidadania com as duas formas básicas de nacionalismo, estatal e não-estatal, quatro grupos de interseção possíveis são formados. Veja F. Requejo (1996). . O conceito liberal e democrático de cidadania nunca foi estático. É uma noção que estabeleceu uma série de princípios normativos liberais, democráticos, sociais, nacionais e funcionais nos últimos 200 anos. Agora parece ser a vez do princípio do pluralismo cultural. Neste século, a concepção convencional de cidadania liberal-democrática, associada a um conjunto uniforme de direitos e deveres individuais, passou por duas grandes "revisões". Uma delas está fortemente vinculada às reformas democratizantes que ocorreram depois da Primeira Guerra Mundial e aos estados de bem-estar que surgiram depois da Segunda Guerra Mundial. Os últimos dois séculos testemunharam uma crescente universalização da cidadania enquanto as diferenças de gênero, raça e propriedade foram descartadas como condição de aquisição dos direitos e deveres da cidadania. No entanto, o processo de integração européia e a emergência recente dos movimentos pelo pluralismo cultural no fim deste século apresentaram um tipo diferente de desafio ao conceito de cidadania. O que está sendo questionado agora não é apenas o status do cidadão democrático como depositário de um conjunto de direitos, deveres e mesmo de "virtudes" públicas e responsabilidades, mas também a inclusão da cidadania como identidade, ou, em outras palavras, a idéia de indivíduos pertencentes a um coletivo político específico13 13 Sigo nesse ponto dois aspectos da discussão atual sobre a cidadania democrática examinados por Norman e Kymlicka (1994). De um lado, o debate sobre a cidadania como status se relaciona à revisão dos estados de bem-estar nos anos 80 e 90, e às responsabilidades econômicas e políticas de indivíduos no que se refere a eles mesmos, à família, ao estado e à esfera internacional. A discussão questiona se e em que extensão é desejável que se construa um modelo de uma "cidadania democrática ativa" em esferas diferentes (o mercado, associativismo, educação, participação, etc). Por outro lado, a discussão sobre a cidadania democrática como identidade refere-se aos movimentos pelo pluralismo cultural. Em ambos os aspectos a discussão normativa se insere no paradigma liberal. Este artigo é essencialmente centrado no aspecto da cidadania como identidade. Para ambos os aspectos, veja também J. Cohen - A. Arato (1992), esp. cap. 3; S. Wolin (1993). . A extensão do conceito de cidadania modifica o que se entende por uma "política liberal de reconhecimento" tanto para organizações supra-estatais quanto para estados democráticos.

Meu objetivo é realizar uma revisão interna do liberalismo da perspectiva dos nacionalismos não-estatais de natureza liberal. Em outras palavras, não se propõe uma espécie de síntese entre liberalismo e um "comunitarismo" não-liberal que defende 'Valores coletivos" culturais. O que se está defendendo é uma revisão das regras e direitos das democracias liberais que lhes permita alcançar seu próprio ideal de criação de uma sociedade tolerante e pluralista de pessoas livres e iguais. O objetivo é incluir o pluralismo cultural como um valor que valha a pena proteger, e não apenas como um fato indesejado que deve ser tolerado do melhor jeito possível14 14 O conceito de pluralismo é às vezes pouco claro nas análises de ciência política, nas quais cobre sentidos descritivos e normativos diferentes. O que entendo por "pluralismo cultural" é a crença e atitude intelectual de que diferenças culturais são válidas tanto por princípios políticos quanto pelo "viver bem" em democracias liberais. Não desenvolvo esse argumento aqui, mas sustento que as fronteiras do pluralismo cultural em sociedades liberais necessitam uma revisão e se referem aos conceitos de racionalidade pública, autonomia pessoal e cidadania democrática. .

É sabido que a relação histórica entre as perspectivas liberal e democrática foi sempre tensa. Elas são duas perspectivas normativas dominadas por conceitos, valores e lógicas diferentes que freqüentemente se mostraram contraditórios na prática. No entanto, isso não impediu que ambas acabassem se vinculando por princípios institucionais nesses surpreendentes produtos históricos que são as democracias liberais15 15 Desenvolvi esse argumento em F. Requejo (1990, 1994 caps. 5 e 6). . É interessante ressaltar aqui que os componentes liberais e democráticos mantêm também diferentes relações com grupos nacionalistas de acordo com seus próprios conceitos e valores. De fato, muitas das críticas dirigidas aos grupos nacionalistas (e a outros fenômenos do pluralismo cultural) em nome da democracia têm por base a perspectiva liberal mais do que a perspectiva estritamente democrática16 16 Focamos aqui a revisão normativa do liberalismo político no que diz respeito aos direitos de grupos relativos ao pluralismo cultural no fim desse século. Porém, deve-se notar que a tradição estritamente democrática emprega também uma série de conceitos que favorecem uma visão convencionada do coletivo como submetido a um estado particular. Esse é o caso dos conceitos de "soberania popular" ou da concepção "democrática", não liberal, de igualdade política. . Muitas dessas críticas se assemelham àquelas apresentadas no século passado para restringir o estabelecimento de instituições e regras democráticas que se chocavam com o liberalismo da época (direitos de associação e referendo, voto universal, etc.). A oposição à democratização do liberalismo se baseava em dois elementos fundamentais das teses contratualistas, os quais são repetidos até hoje: individualismo e universalismo. Porém, nas versões normativas do liberalismo tradicional e nessas de hoje, o que poderia ser chamado de "o elemento oculto" do contratualismo liberal convencional é negligenciado: o estatismo. Esse elemento define a interpretação dos outros dois. Portanto, as concepções liberais nem sempre distinguem os dois sentidos do conceito de universalidade. Esse conceito se refere às vezes a todos os elementos de um coletivo político específico (quando se fala, por exemplo, que o atendimento à saúde em estados de bem-estar deveria ser "universal" para todos os cidadãos independente de sua renda), e em outras ocasiões é usado para se referir a todos os indivíduos que formam a humanidade, independente de a qual coletivo político eles pertencem (esse é o caso de certas éticas liberais "universalistas", ou da justificativa comum dos direitos humanos). Desse modo, quando se diz que certos direitos ou obrigações de qualquer ser humano devem ser "universalizáveis" em certas condições, como por exemplo os direitos relativos à identidade nacional (língua, cultura, etc), isso não deve ser interpretado de acordo com o primeiro sentido da universalidade, "estatal", mas no sentido de que esses direitos devem se aplicar a todos os indivíduos, independente de a qual coletivo nacional eles pertencem.

Além disso, quando se tenta discutir a normalização de alguns direitos de grupo que são defendidos pelos diferentes movimentos do pluralismo cultural contemporâneo, o que foi definido como a versão liberal convencional se opõe a ela em nome do individualismo: apenas indivíduos têm direitos, e não grupos. No entanto, em realidade, o que freqüentemente é defendido pela versão convencional não é que a inadmissibilidade da normalização de direitos de grupos se deva ao fato de que esses direitos não são individuais, porque eles às vezes o são, mas que eles não são "universais" no primeiro dos dois sentidos mencionados. Em outras palavras, esses direitos são considerados inadmissíveis porque eles não se voltam a todos os cidadãos de um Estado particular, mas apenas a alguns deles. Acredito que parte da incompreensão do liberalismo tradicional frente aos direitos de grupo se deva ao fato de que ele se utiliza de uma linguagem universalista para se referir a um grupo particular, os cidadãos de um Estado, o que dá como certo uma identidade uniforme da cidadania criada pelas premissas de um nacionalismo estatista implícito. O resultado é uma forma de liberalismo que chama de "particularista" e "contrária ao interesse comum" qualquer tentativa de regular os direitos de um grupo nacional sempre que ela não coincida com os interesses particulares de um grupo hegemônico que o Estado define como "nacional".

Muito paradoxalmente, pode-se dizer que o ponto de vista liberal convencional dá vazão a interpretações comunitaristas do universalismo que ele diz defender. Não é apenas que o liberalismo universalista é o comunitarismo particular das sociedades ocidentais, como foi sugerido por Walzer e Parekh a partir de pontos de vista diversos, mas também que foi nessas sociedades que os liberalismos estatistas promoveram uma série de valores e identidades coletivas particularistas de uma natureza nacional, em detrimento dos valores e identidades nacionais de outras coletividades minoritárias. Em nome de um suposto universalismo baseado no indivíduo, os valores coletivos de grupos minoritários são sacrificados em favor dos valores, também coletivos, de grupos majoritários. Na realidade, todas as democracias defenderam o nacionalismo estatal. E, na minha opinião, esse fato danifica o núcleo normativo da perspectiva liberal em estados plurinacionais quando ela falha em incluir o pluralismo cultural interno das diferentes coletividades nacionais no conceito de cidadania democrática.

Uma revisão do conceito de cidadania afinado com a defesa do pluralismo cultural, considerado como um valor que seja válido proteger e não apenas como um fato indesejado, implica a presença desse pluralismo nas estruturas normativas e organizacionais das democracias liberais. Levando-se em consideração a estrutura normativa, "levar a sério os direitos" em um estado plurinacional deverá significar a inclusão de certos valores e direitos de diferentes grupos nacionais. Levando-se em consideração a estrutura organizacional, deverá significar incluir os componentes territorial e de autogoverno dessas coletividades nos níveis simbólico, institucional e de poder das regras do jogo liberal-democrático. Tanto na esfera normativa quanto na organizacional, tratar o que é diferente como uma igualdade uniforme não é adequado hoje em dia, não apenas em termos "democráticos", mas mesmo em termos "liberais".

O objetivo liberal e democrático é a inclusão das "políticas de reconhecimento" das nações nos princípios, instituições e regras de tomada de decisão coletiva das democracias liberais, em uma maior extensão do que seu nacionalismo de Estado inerente permitiu até hoje. Isso não implica a adoção de uma posição favorável em relação a algo como a justaposição de uma variedade de comunitarianismos uniformes. Atualmente, por sorte, nenhuma nação é, ou necessita se tornar, homogênea. O exemplo recente da Bosnia deveria servir como um lembrete do que deve ser evitado: um nacionalismo obsoleto baseado na "pureza étnica" que reúne os piores aspectos dos nacionalismos estatais e não-estatais. Quando reivindicamos a inclusão de direitos de grupo nas esferas normativa e organizacional das democracias, fazemo-lo partindo da perspectiva "liberal" de garantir um conjunto de direitos protetores externos para minorias nacionais em relação à maioria, e nunca em termos de uma interpretação puramente comunitarista ou "democrática", não-liberal em todos os sentidos, daqueles direitos que podem levar a legitimações padronizadas no interior das minorias17 17 A distinção entre proteções externas e restrições internas é comum no debate atual sobre cidadania e direitos de grupo. Veja referências em W. Kymlicka, 1995 cap. 3. Veja também Y. Tamir 1993, cap. 2-4. . Isso implica um conjunto de mudanças nas esferas simbólica, institucional e de poder no interior do Estado (como veremos adiante), sem minar a perspectiva liberal de que os indivíduos devem sempre estar capacitados, se o desejarem, a romper seus vínculos com o grupo18 18 O objetivo é manter o caráter "subversivo" do liberalismo com respeito às identidades individuais, enquanto se apóiam os valores coletivos que as sociedades empíricas mantêm, como seus símbolos, instituições e mecanismos procedimentais. . Em outras palavras, ir além do estatismo uniforme da visão liberal convencional envolve a constitucionalização de uma pluralidade de modos de pertencer e participar de uma comunidade política. Ou ainda, nas diferentes comunidades políticas de um mundo cada vez mais interdependente, no qual o conceito de Estado-nação se torna cada vez menos decisivo.

"No princípio era John Rawls " (ou ao menos assim parece às vezes)

Em termos gerais, acredito que, dos quatro movimentos de pluralismo cultural mencionados na última seção, a concepção de Rawls é a mais adequada ao primeiro caso: movimentos de uma única questão. Ela oferece possibilidades de adaptação de algumas das reivindicações dos movimentos de imigrantes, mas não é muito adequada àqueles que combinam as características de territorialidade e autogoverno, ou, em outras palavras, aos movimentos nacionalistas e indígenas19 19 S. Moller Okin apontou com razão as possibilidades da teoria de Rawl quando lidamos com desigualdades de gênero, a despeito de suas ambigüidades inerentes no que diz respeito à relação entre as famílias e a esfera pública. Veja S. M. Okin (1994, 1989). .

Uma das diferenças principais entre Political Liberalism e seu mais conhecido A Theory of Justice é a importância crescente da categoria de "cidadão" em oposição àquela de "pessoa". O que importa agora ao se estabelecerem os princípios de justiça em uma sociedade "bem ordenada" é, antes de tudo, o estabelecimento de uma "concepção política"20 20 "primeiro, a prioridade do direito significa (em seu sentido geral) que as idéias do bem utilizadas devem ser idéias políticas, de modo a não precisarmos nos fiar em concepções abrangentes do bem mas apenas em idéias confeccionadas para se ajustar à concepção política. Segundo, a prioridade do direito significa (em seu sentido particular) que os princípios de justiça traçam limites aos modos de vida permissíveis: as reivindicações que os cidadãos fazem para alcançar fins que transgridam esses limites não têm nenhum peso. A prioridade do direito dá aos princípios de justiça uma precedência estrita nas deliberações dos cidadãos e limita sua liberdade de promover certos modos de vida". J. Rawls (1993: 209). Uma discussão crítica de Rawls, da perspectiva da legitimação política, pode ser encontrada em G. Klosko (1993). . Assim, nos confrontamos com uma apresentação desses princípios mais política e menos ética. Essa mudança parece sugerir de partida que haverá mais oportunidades de ligar o pluralismo cultural de estados plurinacionais aos princípios da justiça. No mínimo, essas oportunidades parecem maiores do que aquelas sugeridas por focos mais individualistas e menos tradicionais de seu trabalho mais antigo. Parece que uma dimensão ética precisa ser acrescentada à perspectiva mais "moral" incluída nos princípios de TJ, especialmente quando essa dimensão se baseia em conceitos como os de "fato do pluralismo razoável" e "limitações do julgamento".

No entanto, a adoção de uma concepção implicitamente estatista, de acordo com a qual uma sociedade liberal é a sociedade "nacional" definida pelo Estado, limita grandemente a capacidade do consenso por sobreposição, que opera na vida política, de incorporar o pluralismo das identidades nacionais dos diferentes cidadãos. Rawls confunde as perspectivas de cidadania como status e de cidadania como identidade. A cidadania, que governa a esfera pública, continua a ser concebida como uma identidade homogênea, em oposição à heterogeneidade que governa a esfera de identidades "privadas". E parece que, para proteger o caráter "neutro" da cidadania de qualquer suposta contaminação, quaisquer identidades nacionais que não coincidam com aquela do Estado podem ser acomodadas apenas no pluralismo da sociedade civil e são excluídas das regras que regulam a esfera pública. A concepção de Rawls permanece firmemente fundada nessa fase do nacionalismo estatista e das teorias liberais tradicionais, as quais, não podemos esquecer, eram "teorias do Estado". Com respeito ao pluralismo cultural de democracias contemporâneas, parece que temos ainda que nos livrarmos de dificuldades inerentes às versões liberais convencionais. Além disso, do ponto de vista da identidade, parece estar a uma longa distância da "neutralidade" que ele diz perseguir na esfera pública21 21 Mesmo um autor como Walzer, que critica muitos dos pontos do liberalismo convencional, erra o alvo nesse ponto. A despeito de sua insistência em distinguir entre as diferentes "esferas de justiça" controladas por diferentes princípios, seu conceito de plurinacionalismo se baseia ainda no estatismo liberal tradicional. Veja M. Walzer (1983). Para uma perspectiva do nacionalismo como um fenômeno ocidental, veja B. Parekh (1995). . O que deveríamos buscar, em minha opinião, não é dispensar a neutralidade, mas pô-laem prática. Para isso, será necessário aperfeiçoar os princípios normativos, institucionais e procedimentais que regulam a cidadania na esfera pública.

A identidade nacional é em geral um dos componentes básicos da identidade de um indivíduo. No entanto, compartilhá-lo com a maioria do restante dos cidadãos não implica, de modo algum, compartilhar com eles o que Rawls chama de uma "concepção abrangente da boa vida". Na realidade, ela é um tipo de identidade, trazendo consigo todo o espectro de intensidades mútuas e ligações, que corta obliquamente o "fato do pluralismo razoável". Deixar de incluir essa dimensão no conceito de cidadania, nas regras democráticas do jogo, ou incluí-la em uma posição subordinada é uma infração aos valores liberais da autonomia, dignidade e respeito próprio que perfazem o núcleo normativo de Rawls para as democracias liberais.

A concepção de Rawls parece ser voltada a sociedades com um nível muito baixo de conflito político e social.22 22 Veja-se P. Neal (1993), W. Lund (1996). Mas o que acontece quando conflitos mais ou menos permanentes emergem entre a identidade da cidadania, nos termos limitados como Rawls a concebe, e as identidades "privadas"? Parece que teríamos que optar por um dos cursos de ação seguintes:

• Abandonar nossa crença em um fundamento teórico da cidadania em democracias liberais em favor de um enfoque mais pragmático. Acordos na esfera pública são possíveis, mas eles deveriam se basear em acordos realistas intimamente relacionados ao que tem sido chamado de modus Vivendi. Em nosso caso, isso implicaria evitar os conflitos entre grupos de identidades nacionais distintas por meio de acordos pragmáticos. Esses acordos não se baseariam em critérios normativos "fortes", mas seriam o resultado da força relativa e da capacidade de negociação dos atores políticos envolvidos;

• Abandonar a busca de "neutralidade" ao estabelecer um modelo "perfeccionista" de cidadania que favoreça, entre outras coisas, o nacionalismo estatal. Partindo-se dessa posição, os direitos organizacionais e os princípios da esfera pública podem ser justificados por premissas de "identidade nacional superior ou integrativa", em detrimento a identidades nacionais não-estatais; ou por certas premissas "universalistas" que apresentam qualquer identidade nacional, incluindo aquela que o próprio Estado representa, como algo remoto à perspectiva "cosmopolita e ilustrada" que deveria ser a base de qualquer "sociedade verdadeiramente liberal";

• Defender uma cidadania liberal limitada, restrita normativamente à defesa de direitos de propriedade e liberdades individuais negativas, de modo a defender os direitos do indivíduo contra a interferência dos poderes públicos e de outros cidadãos, sem se importar muito com que tipo de identidade deve ser imposta na prática;

• Revisar o acordo proposto na esfera pública (os princípios de justiça) de forma a tentar combinar os diferentes elementos normativos (liberais, democráticos, nacionais, etc.) em uma idéia de cidadania, estando-se ciente de que isso pode causar conflitos quando essa idéia for posta em prática. Desse modo não se tenta evitar o conflito entre as diferentes perspectivas normativas da idéia de cidadania. Pelo contrário, promove-se ativamente o estabelecimento de mecanismos institucionais e procedimentais adequados para canalizar e resolver qualquer conflito que possa aparecer.

Parece que Rawls está obrigado a escolher entre readaptar os princípios de justiça para adequá-los às demandas normativas do pluralismo cultural ou abandonar suas aspirações a fundamentação ou à neutralidade23 23 Lidei com a impossibilidade de combinar as diversas lógicas legitimadoras do liberalismo político em uma teoria única em F. Requejo (1994). . Nenhuma das chamadas teorias da justiça é capaz de reunir em uma única teoria todas as tradições que formam a base normativa das democracias liberais. E isso é ainda menos praticável se as concepções legitimadoras não-liberais e não-democráticas que estão presentes nas democracias existentes forem adicionadas à equação. Do ponto de vista da ciência política, mais do que uma única perspectiva moral, pode-se dizer que as idéias filosóficas de justiça não fazem o que gostariam de fazer: fazem o que podem.

Uma das características do "pós-iluminismo" contemporâneo24 24 Veja-se N. J. Rengger (1995). é que o "fato do pluralismo razoável" está presente no campo da fundamentação democrática, e não apenas na esfera moral. Um dos aspectos mais atraentes da teoria de Rawls é o de que sintetiza, melhor do que as teorias rivais, algumas das tradições normativas mais importantes que apareceram na era moderna. Mas ela continua a mostrar uma deficiência quando, como ocorre com alguns tipos de pluralismo cultural, tem que lidar com fatos e valores que são externos às suas premissas. Poderíamos achar um lugar, por exemplo, para direitos de grupos nacionais como pré-requisitos a uma "política de reconhecimento" verdadeira no consenso por sobreposição de um estado nacional que tenha adotado a perspectiva do Political Liberalism? Sem nos distanciarmos da concepção de Rawls, isso deveria ser regulado pela lógica dos "menos favorecidos" incluída no "princípio da diferença", ou por uma nova lista de "bens primários" que são necessários para se desenvolver um sentido pleno de cidadania. O primeiro caminho é, acredito, passível de regular alguns direitos de grupo e as políticas de discriminação positiva reivindicadas por alguns movimentos de questão única, contanto que se leve em conta que diferentes tipos de destituição requerem diferentes tipos de direitos. Mas esse primeiro caminho não parece adequado aos movimentos de natureza permanente que demandam território e autogoverno, como é o caso dos movimentos nacionalistas. O segundo caminho, a extensão dos "bens primários", parece mais promissor à primeira vista, contanto que o sentido semântico de idéias como as de auto-estima e auto-respeito seja ampliado. Porém, faz-se necessário também que se introduza o pluralismo normativo na esfera pública. A existência de diferentes sociedades implicará também uma nova lista de bens primários. Em nosso caso, implicaria que as características lingüísticas e culturais que conformam as identidades nacionais fossem integradas aos princípios que regulam a esfera pública das democracias plurinacionais. E isso está ausente da teoria de Rawls25 25 No entanto, mantenho-me francamente cético às possibilidades de estabelecimento de teorias de justiça "sintéticas", à tentativa de algo como acrescentar a "política de reconhecimento" de Taylor às concepções e categorias de Rawls. Sou mais favorável ao estabelecimento do consenso por sobreposição entre diferentes concepções normativas (não apenas de justiça) como fundamentações parciais de aspectos também parciais das democracias liberais. A complexidade normativa e institucional disso vai além das possibilidades de teorias gerais (de democracia, justiça, etc.). A existência mesmo de diferentes lógicas subjacentes às várias normatividades éticas, morais e pragmáticas, e a existência nelas de tradições liberais, democráticas, sociais, nacionais, pós-materialistas, etc., faz a consideração de uma série de justaposições; de mosaicos políticos e parciais, mais plausível que planos normativos teóricos e globais. Especialmente se o que se quer é chegar a conclusões efetivas da aplicabilidade em esferas institucionais e dos processos práticos de tomada de decisão. Isso está parcialmente presente nas mudanças que o próprio Rawls realizou entre A Theory of Justice e Political Liberalism. No entanto, a unidade social e a estabilidade política são questões que também se conectam a um sentido de identidade compartilhada (ou pertencimento), e não apenas a princípios de justiça. .

Acredito que a teoría de Rawls demonstra, até certo ponto, um tipo de "comunitarismo liberal norte-americano" que falha em levar suficientemente a sério as mudanças conceituais que o determinante lingüístico implica na racionalidade contemporânea. Em contraste com a concepção de Habermas, Rawls não dá uma atenção suficiente à relação entre as dimensões lingüísticas pragmáticas (os atos da fala) e as dimensões políticas pragmáticas (o consenso por sobreposição). Nos termos de Hegel e Habermas: enquanto Rawls enfatiza os componentes morais e estratégicos da racionalidade prática, a perspectiva liberal que se defende nessas páginas sustenta também os componentes éticos dessa racionalidade. Em outras palavras, aqueles componentes que se referem à interpretação das identidades e valores culturais de coletividades específicas e que são grandemente ignorados pelas abordagens liberais tradicionais quando não coincidem com as que são definidas e promovidas pelo Estado. Se na política o grande desafio da ética é sua aplicabilidade, ela não pode ser reduzida a uma simples questão de "princípios" que não se baseiam apenas nos componentes morais e estratégicos da racionalidade prática. Ou, em termos mais filosóficos: a inclusão dos componentes éticos da racionalidade prática na "fundamentação política" das democracias liberais ajudará a "desnoumenizar" os excessos teóricos de origem kantiana da concepção de Rawls, presentes ainda em Political Liberalism. Esse é o caso, por exemplo, da inclusão de referências mais pragmáticas que semânticas do mundo simbólico e sentimental das identidades nacionais que afetam, embora não exclusivamente, a percepção que os cidadãos têm de si e das coletividades às quais eles pertencem26 26 Como será afirmado na seção seguinte, essa é uma consideração que se refere também ao modo como a tradição liberal instrumentalizou o federalismo. Ver T. McCarthy (1994), J. Habermas (1993), J. Tweedy - A. Hunt (1993). Porém, a abordagem de Habermas apresenta seus próprios problemas, especialmente quanto a seu conceito esperanto de "pós-nacionalismo" e "nacionalismo constitucional". .

Se em nome da abstração e da universalidade abandonarmos aspectos centrais da identidade humana, o resultado será uma antropologia empobrecida da cidadania democrática e da imparcialidade moral, incapaz de explicar ou regular aspectos essenciais da vida política de cidadãos empíricos (não aquela dos indivíduos "noumênicos" estilizados das construções filosóficas). E me parece claro que, se os componentes culturais da identidade nacional são um dos ingredientes fundamentais da individualidade para a maioria dos cidadãos, uma organização política liberal baseada no reconhecimento e no respeito da individualidade deveria incluir a identidade no conceito de cidadania, e não apenas na "liberalidade" da sociedade civil. As mesmas idéias liberais de dignidade individual, auto-respeito e auto-estima não deveriam ser excluídas daquela de identidade. Continuar a interpretar os valores culturais e direitos de um dado grupo como uma ameaça aos valores e direitos "individuais" é ver o mundo de uma perspectiva liberal obsoleta. Porém, nem os nacionalismos não-estatais são per se contraditórios ao liberalismo, nem tem esse sido "neutro" com respeito ao nacionalismo estatal. O que é normativamente contraditório é o fato de que o liberalismo democrático falha em incluir a natureza plural das identidades nacionais nas regras do jogo constitucional. Uma das tarefas atuais da teoria política liberal é oferecer respostas efetivas para a ligação entre as identidades nacionais estatais e as não-estatais. Para fazê-lo, ela deve oferecer uma concepção revista de suas premissas individualistas e universalistas que vá além do estatismo implícito do liberalismo político tradicional. Viver em uma sociedade crescentemente plural em termos culturais será um dos valores essenciais das democracias liberais do futuro.

FEDERALISMO ASSIMÉTRICO

Tendo apresentado as diferenças qualitativas entre os movimentos culturais e focado algumas das deficiências do liberalismo clássico quando tenta incluir realidades plurinacionais em uma perspectiva estatista, podemos nos voltar agora a uma questão mais institucional: será o estado federalista um bom modelo para regular a cidadania democrática em sociedades plurinacionais? Acredito que as respostas a essa questão devem ser buscadas em algum lugar entre o "não" e um hesitante ou relutante "talvez".

Aspectos gerais

Nas palavras de um de seus analistas mais conhecidos, de um lado, o federalismo liberal clássico "é moldado para prevenir a tirania sem impossibilitar a autoridade", e, de outro lado, ele "tem a ver com a necessidade das pessoas e das políticas de se unir para propósitos comuns mas de se manterem separadas para preservar suas integridades respectivas. É algo como querer guardar o bolo e comê-lo"27 27 D. Elazar (1987: 129,33). . Trata-se de um modelo que, em princípio, não se relaciona, histórica ou normativamente, a nenhuma regulação do pluralismo cultural. Qualquer discussão sobre federalismo é irrelevante para algumas formas de pluralismo cultural; por exemplo, aquelas relativas ao feminismo ou aos movimentos de imigrantes28 28 Veja as duas últimas colunas da tabela na seção 1. . Pode ser relevante, porém, no caso de movimentos pelo pluralismo cultural caracterizados por territorialidade e autogoverno (movimentos nacionalistas e indígenas).

Ademais, tanto as análises institucionais do federalismo quanto as normativas foram dominadas pelo exemplo histórico dos Estados Unidos. Esse é um caso empírico que não é ligado historicamente ao pluralismo cultural29 29 Em contraste com aqueles estados federalistas que abraçam seu caráter plurinacional, como Canadá, Bélgica, e, em menor extensão, Suíça. Veja H. Bakvis - W. Chandler (ed) (1987). No campo analítico, estudos tradicionais do federalismo freqüentemente caíram na falácia de tomar uma parte, os Estados Unidos, para representar o todo. Para uma revisão geral e atual do federalismo, ver R. Watts (1995). Para uma perspectiva empírica, ver J. Elazar (1991). . Se nos mantivermos na órbita do federalismo americano, a resposta à questão sobre as possibilidades de regular a cidadania democrática em sociedades plurinacionais é basicamente negativa. As razões são tanto históricas quanto organizacionais. Trata-se de um modelo essencialmente "territorial"30 30 P. Resnick (1994). Mantenho a dualidade de Resnick entre federalismo territorial e plurinacional porque ela se tornou um ponto de referência comum. Penso, no entanto, que não é muito acurada: todos os federalismos são territoriais. Talvez fosse melhor falar simplesmente em federalismos uninacional e plurinacionais (R. Pelletier, "Les arrangements institucionales d'un partenariat Canadien", paper inédito). Para a última tendencia no Canadá, ver K. McRoberts (1997). e governado por interpretações homogeneizadoras do conceito democrático de "soberania popular" - que evitam a questão básica, não respondida pela teoria democrática, sobre quem é o povo, e quem decide isso - assim como por idéias sobre a igualdade da cidadania e igualdade entre as unidades federativas. Do meu ponto de vista, é praticamente impossível incluir, a partir dessas pressuposições, a idéia de cidadania como identidade nas regras do jogo constitucionais das sociedades plurinacionais31 31 Foco aqui os estados plurinacionais que falharam em desenvolver um sentido forte e não controverso de construção de Estado-nação compatível com a manutenção de identidades nacionais não-estatais (como Bélgica, Canadá ou Espanha). Claramente, há outros estados plurinacionais que foram bem sucedidos em combinar ambos os aspectos (como a Suíça). Nesse último caso, o federalismo clássico oferece um meio melhor de relacionar pluralismo nacional à unidade republicana do "demos". . Porém, partindo de premissas estritamente liberais, há outros modelos federalistas com maior potencial para incluir o pluralismo cultural em uma variedade de identidades nacionais no interior de um mesmo estado. No que se segue, defenderei um federalismo assimétrico como um modelo mais apropriado para esse tipo de pluralismo cultural.

Depois de um período de relativo abandono pelos círculos acadêmicos, o interesse pelas possibilidades e limitações do "federalismo assimétrico" tem aumentado nos últimos anos. Trinta anos atrás (1965), Ch. D. Tarlton publicou um artigo no qual identificava uma variedade de deficiências nas análises correntes do federalismo, especialmente aquelas de natureza jurídica, que freqüentemente pressupunham relações simétricas entre os estados-membros e a federação32 32 Charles D. Tarlton (1965). . Em termos genéricos, a assimetria federalista se refere ao grau de heterogeneidade que existe na relação entre cada estado-membro e a federação, e dos estados-membros entre si. A sugestão de Tarlton era que, para entender a verdadeira lógica dos estados federalistas, as análises não deveriam focar tanto as considerações jurídicas e constitucionais de "soberania" ou de distribuição de poderes, mas os diferentes laços políticos que cada membro estabelece com o governo central e com outros membros, e se esses laços são constitucionalmente regulados ou não33 33 Esse é um modelo que é capaz de unir as perspectivas que Elazar chama workable polity e just polity, em contraste com outros modelos territoriais que são mais "abrangentes" na esfera constitucional. .

Uma solução constitucional para realidades nacionais diferentes não é apenas uma questão de distribuição de poderes, que pode ser resolvida, de uma vez por todas, por um modelo constitucional "fechado". É uma questão que afeta também o quadro simbólico, institucional e procedimental do Estado em um contexto social e tecnológico caracterizado por seu dinamismo. Um modelo constitucional que seja adequado a sociedades plurinacionais deve ser flexível e "aberto" e oferecer, às diferentes realidades nacionais que regula, estabilidade e perspectivas futuras. De acordo com análises históricas e comparativas, esses requisitos são muito difíceis de serem alcançados partindo-se das premissas de um Estado regional que se descentraliza, ou de um federalismo territorial ou simétrico34 34 Não podemos esquecer que o federalismo não se baseia apenas em descentralização, mas em não-centralização. Para uma consideração de arranjos assimétricos de reconhecimento, ver B. de Villers (ed) (1995), J. Webber (1994), D. Lenihan - G. Robertson - R. Tassé (1994). De uma perspectiva européia, ver N. MacCormick (1996). . Se as "políticas de reconhecimento" para realidades nacionais devem ser baseadas em princípios organizacionais liberal-democráticos, parece um pouco fora de lugar a insistência na igualdade entre "regiões" ou entre as unidades federadas do modelo do federalismo territorial. Essas políticas implicam que a igualdade entre as nações deve ser integrada a um conceito revisto de igualdade de cidadania, para além do estatismo implícito do liberalismo tradicional. Igualar nacional a regional, ou a apenas outro membro de um grupo tão maior de unidades federadas, é intrínsecamente não-igualitário, tanto em termos substantivos quanto procedimentais. E também nos termos individual e universalista de um conceito de cidadania baseado na visão liberal da identidade, e não apenas, como é comum na tradição liberal, do ponto de vista do status de um grupo que é uniforme em direitos e deveres.

É nesse sentido que acredito que o modelo de federalismo assimétrico é mais capaz de integrar o plurinacionalismo ao conceito de cidadania nas regras liberal-democráticas do jogo. Ou, pondo em termos negativos, sem os mecanismos assimétricos seria muito difícil adquirir o reconhecimento da plurinacionalidade de um Estado. Isso não significa que certos temas não possam, ou mesmo que não devam, ser regulados em termos assimétricos ou "cooperativos". Da perspectiva do liberalismo tradicional, o federalismo assimétrico é normalmente visto como apenas um passo intermediário em direção ao estabelecimento de acordos confederativos, ou da independência completa das diferentes nacionalidades envolvidas. Porém, acreditar inevitabilidade desse processo é, acredito, uma atitude obsoleta, ao menos na Europa Ocidental. No contexto da União Européia, os processos de integração e regionalização deixaram de ser aspectos contraditórios e se tornaram aspectos complementares de um mesmo processo** ** Foi omitida, por razões de espaço, uma seção do artigo que trata de propostas específicas para o caso catalão no contexto do Estado nacional espanhol. (Nota do Editor) .

CONCLUSÕES

O objetivo desse artigo foi o de focar o nacionalismo não-estatal liberal como uma nova forma de conceber as democracias liberais. Uma forma que foca alguns dos limites conceituais do liberalismo clássico, e que objetiva aprimorar as premissas normativas e institucionais das democracias liberais nas sociedades cada vez mais culturalmente pluralistas do fim do século XX.

Na primeira seção, depois de demonstrar o caráter confuso do termo "multiculturalismo", estabeleci uma tipologia que consiste em quatro tipos de movimentos pelo pluralismo cultural contemporâneos ao combinar cinco critérios discriminatórios. As diferenças qualitativas que existem entre esses movimentos requerem também regulações institucionais diferentes nas democracias liberais contemporâneas. O desafio decisivo para um conceito integrador de cidadania democrática, confrontado com um pluralismo cultural crescente nos anos 90, são aqueles movimentos, tais como os nacionalismos não-estatais, que têm como características a territorialidade e o autogoverno. A perspectiva "republicana" apoiada por esses movimentos, que em geral tem sido negligenciada por versões liberais convencionais da democracia, não se ajusta confortavelmente à perspectiva republicana implícita inerente ao nacionalismo estatal.

Na segunda seção, depois de indicar as duas perspectivas de status e identidade no conceito de cidadania, aponto alguns limites do conceito convencional de cidadania, baseado no individualismo, universalismo e estatismo da tradição liberal, quando se refere a sociedades plurinacionais. Faz-se necessário rever esses limites quando da regulação de uma "política liberal de reconhecimento" para as diferentes identidades nacionais que existem no interior de uma mesma organização política. Mesmo a sofisticada teoria de Rawls mostra deficiências quando tenta regular o pluralismo nacional no conceito de cidadania e nas próprias regras do jogo dos sistemas democráticos. Há suposições implícitas e acríticas referentes à "nacionalidade comum" no liberalismo clássico, que tomam por certo uma abordagem estatista que justifica algumas coletividades de Estados-nação particulares e marginaliza as nações não-estatais que existem no interior de suas fronteiras. O nacionalismo e o liberalismo democrático não se excluem mutuamente. São dois princípios inevitáveis da racionalidade prática presentes nas democracias liberais existentes que podem melhorar os objetivos institucionais e normativos dessas democracias, especialmente quando cada qual é considerado da perspectiva do outro. De fato, uma abordagem cosmopolita e pluralista apurada deve incluir tanto as perspectivas normativas universais quanto as particulares que se fazem presentes nos processos legitimadores das democracias liberais. A inclusão do nacionalismo liberal não-estatal forneceu uma visão normativa diferente e mais refinada quando discutimos o sentido e o conteúdo de conceitos tais como cidadania, direitos de grupos, ou políticas específicas relativas a padrões culturais.

Finalmente, na terceira seção, argumentei que o federalismo "territorial" tradicional é um mau modelo para regular um conceito de cidadania democrática baseado em políticas liberais de reconhecimento de estados plurinacionais. Ressaltei a necessidade do estabelecimento de regulações assimétricas, e forneci uma variedade de exemplos específicos para o caso do estado plurinacional espanhol. O conceito de federalismo assimétrico tem sido tradicionalmente controverso da perspectiva do liberalismo clássico. Diferentes autores demonstraram uma falta de limites no conceito de assimetria, focando a possível continuidade entre regulações assimétricas federalistas e a secessão de um estado-membro da federação assimétrica. Diferentes imagens foram sugeridas para esclarecer esse processo em direção à constituição final de um Estado independente: um "caminho sem volta" ou um "caminho das pedras" em direção à independência. No entanto, penso que essas imagens são equivocadas ao menos no contexto europeu. Elas refletem, ainda, uma abordagem excessivamente estatista. O processo em direção a uma "União Européia" aponta de algum modo uma dissolução da importância do Estado como uma organização, e a bipolaridade que sempre caracteriza a competição entre os processos de construção da nação e de construção do Estado em estados plurinacionais. Por um lado, esse novo contexto multipolar vai provavelmente introduzir regulações assimétricas entre os estados-membros. Por outro lado, ao contrário dos acordos passados, o Tratado de Maastricht (1992) inclui o papel político das regiões na UE. Ou seja, Maastricht começou a considerar as "regiões" como atores políticos legítimos, ao contrário das leis comunitárias prévias que têm' origem no Tratado de Roma, no qual eram vistas meramente como objetos de políticas, não tendo um papel no processo de tomada de decisão. O fato de que um processo de unificação gradual está se formando pela UE pode significar que não apenas os estados-membros mas também as "regiões" terão um lugar nas instituições e nos processos coletivos de tomada de decisão da União. De fato, Maastricht começou por reconhecer que a integração e a regionalização européias são dois aspectos do mesmo processo. E as "regiões" que são também nações, tal como a Catalunha, têm outras razões para mostrar seu apoio ao processo de integração européia.

Acredito que reduzir o papel monopolizador do Estado como um ator político, assim como o dualismo entre as diferentes formas de nacionalismo, são condições necessárias para a expressão institucional de uma futura "política liberal de reconhecimento" no interior do conceito de cidadania européia. Viver em sociedades crescentemente plurais é um dos valores essenciais das organizações democráticas, e algumas regulações assimétricas serão necessárias à coesão de um pluralismo nacional europeu (estatal e não-estatal) nas décadas que vêm. Sem dúvida alguma, a diluição do estatismo que caracteriza a ordem européia desde Westphalia será um processo vagaroso e cheio de obstáculos, mas acredito ser bem possível que, no fim do século que se aproxima, a regulação européia de diferentes tipos de pluralismo nacional e uma cidadania européia efetiva serão duas faces do mesmo processo.

Senão, "sempre haverá Paris" (ou Bruxelas-Nova York).

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  • Young, I. M. 1990. Justice and the Politics of Difference. New Jersey, Princeton University Press.
  • *
    "Cultural Pluralism, Nationalism and Federalism. A Revision of Democratic Citizenship in Plurinational States" . Este artigo é uma versão revista do texto que recebeu o Premio Rudolf Wildemann (Berna, março de 1997) para o melhor texto de
    workshop apresentado nas sessões conjuntas de Oslo do European Consortium para Pesquisa política. Agradeço os comentários dos participantes do
    workshop do ECPR e também os recebidos em Baltimore, na Universidade John Hopkins, e em Barcelona, na Universidade Pompeu Fabra. Tradução de Clarice Cohn.
  • **
    Foi omitida, por razões de espaço, uma seção do artigo que trata de propostas específicas para o caso catalão no contexto do Estado nacional espanhol. (Nota do Editor)
  • 1
    Por exemplo, quando nos questionamos se é apropriado formalizar certos direitos de grupos culturais no interior do conceito de cidadania em sistemas democráticos. Uma péssima abordagem é a de opor direitos de grupos a direitos e valores individuais. Em primeiro lugar, porque muitos direitos de grupos reivindicados por movimentos pelo pluralismo cultural atuais - os quais a tradição liberal-democrática tem tendido a ignorar - são ainda direitos exercidos individualmente. Em segundo lugar, porque a tradição liberal, em sua defesa dos direitos "individuais", com freqüência favoreceu implicitamente direitos de grupos específicos em detrimento de outros. Prefiro o uso analítico do termo "direitos de grupos" ao mais comum "direitos coletivos" por uma questão de precisão. Direitos coletivos incluem uma grande variedade de direitos que não são especificamente de grupos, tais como aqueles de natureza associativa e sindical, aqueles relativos a bens públicos (p. ex. direitos ecológicos), etc. Em termos históricos, podemos dizer que as democracias liberais estão entrando em um quarto estágio de regulação de direitos, após os estágios civil, político e social. Veja-se J. Spinner (1994), W. Kymlicka (1995), A. Gutmann (1993), N. Fraser (1995). Veja-se também R. Bellamy (1993).
  • 2
    A afirmação de que movimentos pelos direitos feministas ou gays são de "questão única" pode parecer enganosa, já que eles às vezes se voltam a um amplo arco de temas sociais. No entanto, tomá-los como uma forma de "pluralismo cultural" pode também ser controverso. Certamente, há razões para apoiar ambas as críticas. Porém, penso ser melhor incluí-los quando tratarmos da revisão do significado tradicional de "cidadania democrática" baseados em um conceito não-utiliarista ou homogêneo de igualdade política. Veja-se I. M. Young (1990, cap. 6).
  • 3
    Em termos gerais, integração
    política igualitária, mais do que diferenciação política, tem sido uma característica dos movimentos imigrantes. De uma perspectiva normativa, essa é mais do que uma característica contigente na maioria dos movimentos de imigrantes em democracias liberais. De uma perspectiva empírica, esse é um aspecto temporário que pode mudar no futuro próximo. Integração
    política não significa assimilação
    cultural. Porém, como diversos autores têm demonstrado, penso que há razões normativas baseadas na articulação de processos históricos com o conceito de cidadania democrática para a exclusão de imigrantes da participação como grupo específico no quadro institucional do estado. Não desenvolvo essas afirmações aqui; veja-se Kymlicka (1995 cap. 4). No entanto, "culturas" não são apenas "contextos de escolha" mas também molduras de identidades que devem ser reconhecidas.
  • 4
    Obviamente, podemos dizer de tipologias o mesmo que se dizia de dicionários e relógios antes da era atômica: nenhum é perfeito, mas é melhor ter um do que não ter nenhum. Como acontece com outras tipologias, há alguns grupos que não se encaixam nestas que estou propondo, como, por exemplo, os afro-americanos ou os Amish. Porém, por um lado, essa tipologia dá um passo além de outras propostas como a diferenciação feita por Kymlicka entre situações "plurinacionais" ou "poliétnicas". Por outro lado, seus cinco critérios são complementares àqueles critérios voluntários e prescritos levantados por J. Spinner para a distinção de diferentes formas de pluralismo cultural. Veja-se Kymlica (1995 cap. 3), Spinner (1994, cap. 1,2). O que é mais importante, como esses dois autores afirmam, é perceber que esses movimentos culturais apresentam diferenças qualitativas, e não apenas quantitativas, e que essa diferenças devem também ser diversamente tratadas nas esferas normativas e institucionais das democracias liberais atuais.
  • 5
    As duas últimas colunas da tabela focam a adequação de soluções federalistas e o isolamento constitucional potencial desses diferentes movimentos. Essas duas colunas referem-se à terceira seção desse artigo.
  • 6
    Não há um conceito universalmente aceito de nacionalismo que cubra todos os casos empíricos conhecidos. Os estudos que têm proliferado em anos recentes têm enfatizado tanto a pluralidade quanto a complexidade teórica e empírica dos movimentos nacionalistas. Depois de muitas análises dos diversos tipos de nacionalismos, um acordo ainda está por ser alcançado em duas questões básicas: 1) a relação entre nação e nacionalismo quando aquela não pode mais ser incluída em outras variáveis, tais como a de etnicidade ou os processos estatais de
    construção da nação, e 2) uma explicação de porque, partindo de condições sociais similares, os movimentos nacionalistas se desenvolvem em alguns lugares e não em outros. Até muito recentemente, análises reducionistas no método e particularistas no objeto têm predominado nas ciências política e social. Assim, por exemplo, os nacionalismos não-estatais têm sido reduzidos, freqüentemente sem se distinguir aqueles de natureza liberal-democrática daqueles de natureza antiliberal, a uma conseqüência de fatores exógenos tais como industrialização, modernização, interesses de classe, etc., com base em concepções que têm pouca validade em um nível empírico. Há também lacunas importantes na consideração de conseqüências normativas e culturais do processo crescente de estado-nacionalização promovido pelos processos de democratização dos séculos XIX e XX. Análises de diferentes tipos de nacionalismos continuam a ser um campo da ciência social contemporânea parcamente explicado e inadequadamente considerado de um ponto de vista normativo.
  • 7
    Essa última idéia é intelectualmente incapaz de conceber as "diferenças" culturais da identidade. Em outras palavras, de pensar em termos de direitos e valores de grupos no interiordas fronteiras do estado que constituem também uma realidade política
    particular, mas que comumente legitimam suas políticas internas mediante uma linguagem universalista e que, na prática, estabelece um discurso homogenizador que é "cego" (ou ao menos míope) quando se depara com essas diferenças. Para uma análise do universalismo, veja o contraste estabelecido por Walzer (1989) entre a versão universalista "reiterativa" e sua posterior aplicação ao caso dos nacionalismos. A respeito da discussão do liberalismo e do comunitarismo americano, o qual se refere ao problema do nacionalismo, veja Avineri-Shalit (1992), J. Budziszewski (1992), W. Kymlicka (1988), Ch. Larmore (1990), M. Sandel (1983), Ch. Taylor (1992, 1989), M. Walzer (1990, 1984).
  • 8
    Sobre a compatibilidade potencial entre nacionalismo e liberalismo, veja M. Canovan (1996), D. Miller (1995), A. Smith (1995), Y. Tamir (1993), G. Laforest (1993), G. Nopdia (1992), Margalit-Raz (1990) e também Kymlicka (1995) e Spinner (1994). Para uma crítica do etnocentrismo demonstrado nas concepções liberal e nacionalistas, veja B. Parekh (1995). Veja-se também W. Norman (1995), M. Williams (1995) e J. Baker (1995).
  • 9
    "A tese - escreve Taylor - é a de que a nossa identidade é parcialmente moldada pelo reconhecimento de sua ausência, freqüentemente pelo ,desconhecimento de outros (...) Não reconhecimento ou desconhecimento pode infligir males, pode ser uma forma de opressão, aprisionando alguém em um modo de ser falso, distorcido e reduzido" (Taylor 1992: 25, grifo no original). Veja também J. Tully (ed) (1994), Milligan-Watts (ed) (1992), A. Gutmann (1993).
  • 10
    Veja-se Walzer (1990, 1994).
  • 11
    "O pluralismo de valor" - escreve Raz - "é a visão de que muitas atividades diferentes e formas de vida incompatíveis são válidas (...). O multiculturalismo liberal surge de uma preocupação com o bem-estar dos membros de uma sociedade. Esse bem-estar pressupõe respeito por um grupo cultural e sua prosperidade. Mas nada disso se opõe à mudança. Resiste-se à mudança principalmente quando ela é um resultado da hostilidade da cultura dominante. Resiste-se a ela também quando ela leva ao medo de que uma cultura vá desaparecer de todo - diluída e então assimilada a outras. Em um país em que o multiculturalismo é praticado pelo governo e aceito pela população, o primeiro medo não deveria aparecer. O segundo é mais difícil de enterrar". J. Raz (1994: 72, 74). Uma posição crítica pode ser encontrada em Bi-Hwan Kim (1996).
  • 12
    Há de fato duas interpretações do conceito de cidadania em estados contemporâneos, as quais, para simplificar, são geralmente referidas como os conceitos "francês" e "alemão". São dois tipos teóricos que, embora tenham tomado parte na evolução da França e da Alemanha contemporâneas, não estão presentes em sua forma original na realidade empírica desses dois países. Na realidade, o processo de construção das instituições européias diminuiu as diferenças entre os dois países. O
    conceito francês é inclusivo e territorial. Define-se por nascimento e residência e, a despeito de uma variedade de restrições legais, a segunda geração de uma família imigrante pode geralmente adquirir a cidadania. O conceito alemão é, em contraste, exclusivo e etnocultural. Aqui, nascimento e residência não são fatores decisivos, sendo esses fatores definidos por um número de critérios culturais que conformam a "identidade". Isso significa que os imigrantes têm mais dificuldade para obter a cidadania. Veja R. Brubaker (1992). Se compararmos esses dois conceitos de cidadania com as duas formas básicas de nacionalismo, estatal e não-estatal, quatro grupos de interseção possíveis são formados. Veja F. Requejo (1996).
  • 13
    Sigo nesse ponto dois aspectos da discussão atual sobre a cidadania democrática examinados por Norman e Kymlicka (1994). De um lado, o debate sobre a cidadania como
    status se relaciona à revisão dos estados de bem-estar nos anos 80 e 90, e às responsabilidades econômicas e políticas de indivíduos no que se refere a eles mesmos, à família, ao estado e à esfera internacional. A discussão questiona se e em que extensão é desejável que se construa um modelo de uma "cidadania democrática ativa" em esferas diferentes (o mercado, associativismo, educação, participação, etc). Por outro lado, a discussão sobre a cidadania democrática como
    identidade refere-se aos movimentos pelo pluralismo cultural. Em ambos os aspectos a discussão normativa se insere no paradigma liberal. Este artigo é essencialmente centrado no aspecto da cidadania como identidade. Para ambos os aspectos, veja também J. Cohen - A. Arato (1992), esp. cap. 3; S. Wolin (1993).
  • 14
    O conceito de
    pluralismo é às vezes pouco claro nas análises de ciência política, nas quais cobre sentidos descritivos e normativos diferentes. O que entendo por "pluralismo cultural" é a crença e atitude intelectual de que diferenças culturais são válidas tanto por princípios políticos quanto pelo "viver bem" em democracias liberais. Não desenvolvo esse argumento aqui, mas sustento que as fronteiras do pluralismo cultural em sociedades liberais necessitam uma revisão e se referem aos conceitos de racionalidade pública, autonomia pessoal e cidadania democrática.
  • 15
    Desenvolvi esse argumento em F. Requejo (1990, 1994 caps. 5 e 6).
  • 16
    Focamos aqui a revisão normativa do liberalismo político no que diz respeito aos direitos de grupos relativos ao pluralismo cultural no fim desse século. Porém, deve-se notar que a tradição estritamente democrática emprega também uma série de conceitos que favorecem uma visão convencionada do coletivo como submetido a um estado particular. Esse é o caso dos conceitos de "soberania popular" ou da concepção "democrática", não liberal, de igualdade política.
  • 17
    A distinção entre proteções externas e restrições internas é comum no debate atual sobre cidadania e direitos de grupo. Veja referências em W. Kymlicka, 1995 cap. 3. Veja também Y. Tamir 1993, cap. 2-4.
  • 18
    O objetivo é manter o caráter "subversivo" do liberalismo com respeito às identidades individuais, enquanto se apóiam os valores coletivos que as sociedades empíricas mantêm, como seus símbolos, instituições e mecanismos procedimentais.
  • 19
    S. Moller Okin apontou com razão as possibilidades da teoria de Rawl quando lidamos com desigualdades de gênero, a despeito de suas ambigüidades inerentes no que diz respeito à relação entre as famílias e a esfera pública. Veja S. M. Okin (1994, 1989).
  • 20
    "primeiro, a prioridade do direito significa (em seu sentido geral) que as idéias do bem utilizadas devem ser idéias políticas, de modo a não precisarmos nos fiar em concepções abrangentes do bem mas apenas em idéias confeccionadas para se ajustar à concepção política. Segundo, a prioridade do direito significa (em seu sentido particular) que os princípios de justiça traçam limites aos modos de vida permissíveis: as reivindicações que os cidadãos fazem para alcançar fins que transgridam esses limites não têm nenhum peso. A prioridade do direito dá aos princípios de justiça uma precedência estrita nas deliberações dos cidadãos e limita sua liberdade de promover certos modos de vida". J. Rawls (1993: 209). Uma discussão crítica de Rawls, da perspectiva da legitimação política, pode ser encontrada em G. Klosko (1993).
  • 21
    Mesmo um autor como Walzer, que critica muitos dos pontos do liberalismo convencional, erra o alvo nesse ponto. A despeito de sua insistência em distinguir entre as diferentes "esferas de justiça" controladas por diferentes princípios, seu conceito de plurinacionalismo se baseia ainda no estatismo liberal tradicional. Veja M. Walzer (1983). Para uma perspectiva do nacionalismo como um fenômeno ocidental, veja B. Parekh (1995).
  • 22
    Veja-se P. Neal (1993), W. Lund (1996).
  • 23
    Lidei com a impossibilidade de combinar as diversas lógicas legitimadoras do liberalismo político em uma teoria única em F. Requejo (1994).
  • 24
    Veja-se N. J. Rengger (1995).
  • 25
    No entanto, mantenho-me francamente cético às possibilidades de estabelecimento de teorias de justiça "sintéticas", à tentativa de algo como acrescentar a "política de reconhecimento" de Taylor às concepções e categorias de Rawls. Sou mais favorável ao estabelecimento do
    consenso por sobreposição entre diferentes concepções normativas (não apenas de justiça) como fundamentações parciais de aspectos também parciais das democracias liberais. A complexidade normativa e institucional disso vai além das possibilidades de teorias gerais (de democracia, justiça, etc.). A existência mesmo de diferentes lógicas subjacentes às várias normatividades éticas, morais e pragmáticas, e a existência nelas de tradições liberais, democráticas, sociais, nacionais, pós-materialistas, etc., faz a consideração de uma série de
    justaposições; de mosaicos políticos e parciais, mais plausível que planos normativos teóricos e globais. Especialmente se o que se quer é chegar a conclusões efetivas da aplicabilidade em esferas institucionais e dos processos práticos de tomada de decisão. Isso está parcialmente presente nas mudanças que o próprio Rawls realizou entre
    A Theory of Justice e
    Political Liberalism. No entanto, a unidade social e a estabilidade política são questões que também se conectam a um sentido de identidade compartilhada (ou pertencimento), e não apenas a princípios de justiça.
  • 26
    Como será afirmado na seção seguinte, essa é uma consideração que se refere também ao modo como a tradição liberal instrumentalizou o federalismo. Ver T. McCarthy (1994), J. Habermas (1993), J. Tweedy - A. Hunt (1993). Porém, a abordagem de Habermas apresenta seus próprios problemas, especialmente quanto a seu conceito
    esperanto de "pós-nacionalismo" e "nacionalismo constitucional".
  • 27
    D. Elazar (1987: 129,33).
  • 28
    Veja as duas últimas colunas da tabela na seção 1.
  • 29
    Em contraste com aqueles estados federalistas que abraçam seu caráter plurinacional, como Canadá, Bélgica, e, em menor extensão, Suíça. Veja H. Bakvis - W. Chandler (ed) (1987). No campo analítico, estudos tradicionais do federalismo freqüentemente caíram na falácia de tomar uma parte, os Estados Unidos, para representar o todo. Para uma revisão geral e atual do federalismo, ver R. Watts (1995). Para uma perspectiva empírica, ver J. Elazar (1991).
  • 30
    P. Resnick (1994). Mantenho a dualidade de Resnick entre federalismo territorial e plurinacional porque ela se tornou um ponto de referência comum. Penso, no entanto, que não é muito acurada: todos os federalismos são territoriais. Talvez fosse melhor falar simplesmente em federalismos uninacional e plurinacionais (R. Pelletier, "Les arrangements institucionales d'un partenariat Canadien", paper inédito). Para a última tendencia no Canadá, ver K. McRoberts (1997).
  • 31
    Foco aqui os estados plurinacionais que falharam em desenvolver um sentido forte e não controverso de construção de Estado-nação compatível com a manutenção de identidades nacionais não-estatais (como Bélgica, Canadá ou Espanha). Claramente, há outros estados plurinacionais que foram bem sucedidos em combinar ambos os aspectos (como a Suíça). Nesse último caso, o federalismo clássico oferece um meio melhor de relacionar pluralismo nacional à unidade
    republicana do "demos".
  • 32
    Charles D. Tarlton (1965).
  • 33
    Esse é um modelo que é capaz de unir as perspectivas que Elazar chama
    workable polity e
    just polity, em contraste com outros modelos territoriais que são mais "abrangentes" na esfera constitucional.
  • 34
    Não podemos esquecer que o federalismo não se baseia apenas em descentralização, mas em não-centralização. Para uma consideração de arranjos assimétricos de reconhecimento, ver B. de Villers (ed) (1995), J. Webber (1994), D. Lenihan - G. Robertson - R. Tassé (1994). De uma perspectiva européia, ver N. MacCormick (1996).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 1999
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