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ESFERA PÚBLICA SEM MEDIAÇÃO? HABERMAS, ANTI-ILUMINISMO E DEMOCRACIA

PUBLIC SPHERE WITHOUT MEDIATION?

Resumo

Em 2022 o teórico social Jurgen Habermas escreveu uma avaliação do seu livro Mudança estrutural da esfera pública, um texto clássico produzido 60 anos antes. Nesse texto, o teórico alemão liga a crise da democracia à perda do papel da imprensa e dos jornalistas na esfera pública. Nesse texto, dialogo com Habermas e procuro inserir uma análise complementar, mas não alternativa, com base no livro A tradição anti-iluminista, do historiador israelense Zeev Sternhell. A última parte do artigo dedica-se a aplicar a discussão ao Brasil.

Palavras-chave:
Habermas; Esfera Pública; Crise da Democracia; Brasil; Redes

Abstract

In 2022, the social theorist Jurgen Habermas wrote an evaluation of the now classic argument on the public sphere published in his book The structural transformation of the public sphere. In this sixty years old evaluation, Habermas links the crisis of democracy to changes at the level of the public sphere and the diminishing role played by the written press and professional journalists. In this article, I establish a dialogue with the German social theorist and try to bridge his analysis of the public sphere to the idea of an anti-enlightenment tradition based on the work of Zeev Sternhell. The last part of the article is an analysis of the Brazilian crisis of democracy from this perspective.

Keywords:
Habermas; Public Sphere; Crisis of Democracy; Brazil; Social Networks

Introdução

Em 2022, o teórico social Jürgen Habermas escreveu uma avaliação do seu livro Mudança estrutural da esfera pública, um clássico produzido 60 anos antes. Ali, o teórico alemão liga a crise da democracia à perda de relevância do papel da imprensa e dos jornalistas na esfera pública. Neste texto, eu dialogo com Habermas e procuro inserir uma análise complementar, mas não alternativa, com base no livro A tradição anti-iluminista, do historiador israelense Zeev Sternhell. A última parte do artigo se dedica a aplicar a discussão ao Brasil.

Estamos vivendo uma crise global da democracia, cuja dimensão não experimentávamos desde o período de entreguerras do século XX. Essa crise está fortemente instalada em países cujas democracias se consolidaram ainda na primeira onda democratização, como é o caso dos Estados Unidos (Huntington, 1991HUNTINGTON, Samuel. 1991. The third wave: democratization in the late Twentieth Century. Norman: University of Oklahoma Press.; Levitsky e Ziblatt, 2018LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. 2018. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar.); em segundo lugar, ela adquire traços mais fortes nas democracias recentes como o Brasil, as Filipinas e a Hungria (Avritzer, 2021AVRITZER, Leonardo. 2021. Política e antipolítica nos dois anos de governo Bolsonaro. In: AVRITZER, Leonardo; KERCHE, Fábio; MARONA, Marjorie (ed.). Governo Bolsonaro, Retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica. pp. 13-20.; Bánkuti, Halmai e Scheppele, 2015BÁNKUTI, Miklós; HALMAI, Gábor; SCHEPPELE, Kim Lane. 2015. Hungary’s Illiberal Turn: Disabling the Constitution. Journal of Democracy, v. 23, n. 3, pp. 37-46.). Em terceiro lugar, ela tem novos elementos que exigem conceitualização, tal como o problema da erosão democrática por dentro (Levitsky e Ziblatt, 2018LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. 2018. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar., p. 34) ou a sua coincidência com o ativismo digital.

As tentativas de conceitualização da crise da democracia envolveram estratégias divergentes, voltadas, ora à análise de casos muito específicos, tal como ocorreu na obra já clássica de Levitsky e Ziblatt, ora a abordagens mais gerais, como aquela realizada por Adam Przeworski em seu livro Crises da democracia. No primeiro caso, a observação ficou limitada a duas questões: a transição da ideia de golpe para a ideia de erosão democrática por dentro e a mudança em relação ao fenômeno do gatekeeping pelos partidos (Levitsky e Ziblatt, 2018LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. 2018. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar., p. 142). A investida analítica mais conceitual, contida no trabalho de Adam Przeworski, por outro lado, relaciona casos de crise contemporânea da democracia como eventos críticos no passado, tal como ocorreu na Alemanha de Weimar e, também, no Chile. Embora logre estabelecer certo padrão de correlação a partir da observação de dois momentos de crise do regime democrático, falta à sua abordagem a capacidade de teorizar sobre longas crises democráticas que não redundaram em ruptura ou restauração. Assim, o campo da teorização sobre as formas que a crise da democracia assume permanece aberto e, particularmente, desconectado do processo de mudança na democracia e das formas de mudança no padrão de comunicação e de debate público que constituem parte do processo de deslegitimação dos sistemas políticos das democracias contemporâneas.

Recentemente, o teórico social Jürgen Habermas realizou uma tentativa de conexão entre a mudança nos padrões de comunicação com os problemas relacionados à consolidação e à continuidade dos mecanismos democráticos. De acordo com o pensador alemão, que vem tratando dessas questões desde o seu primeiro livro, publicado há 60 anos, presenciamos a difusão de formas de comunicação que não são submetidas a critérios de validação e que, ao serem divulgadas em ampla escala, afetam a ancoragem da democracia e de suas formas de deliberação no campo da opinião pública (Habermas, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171.).

O argumento habermasiano abre algumas vias, até o momento pouco exploradas na Ciência Política, e que gostaríamos de abordar neste artigo ao realizar uma mirada adicional sobre dois pontos: o primeiro deles seria uma volta à discussão dos fundamentos da relação entre Iluminismo, revoluções democráticas e democracia. Se, por um lado, uma boa parte da obra da primeira geração da teoria crítica questionou os fundamentos morais-igualitários da tradição iluminista (Adorno e Horkheimer, 1984ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. 1984. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984.; Habermas, 1982HABERMAS, Jürgen. 1982. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Zahar.) e relacionou a fragilidade e ambiguidade desses fundamentos com a ascensão do nacional-socialismo (Neumann, 1957NEUMANN, Franz. 1957. The Democratic and the Authoritarian State: Essays in Political and Legal Theory. Glencoe: Free Press.), a segunda geração da Escola de Frankfurt integrou a teoria crítica com a teoria democrática (Avritzer, 1999AVRITZER, Leonardo. 1999. Teoria crítica e teoria democrática: da impossibilidade da democracia ao conceito de esfera pública. Novos Estudos Cebrap, v. 53, p. 161-187.). Assim, vale a pena uma mirada retrospectiva sobre os fundamentos democráticos da tradição iluminista e sobre a análise habermasiana dos elementos irracionais da conjuntura antidemocrática à luz de novos argumentos (Sternhell, 2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press.).

Em segundo lugar, temos o problema do entendimento da diversidade dos públicos, que faz parte das discussões críticas do conceito de esfera pública desde os anos 1980. Teóricas feministas, teóricos que trabalham a questão da raça, além de uma série de intelectuais que trabalharam a dimensão popular das Revoluções Francesas e Inglesa estabeleceram diversos diálogos com a obra habermasiana tentando colocar no debate tanto as maneiras de radicalizar a democracia e sua dimensão pública quanto as formas de entender as limitações de uma esfera pública criada a partir das transformações do privado geradas pela formação da burguesia (Benhabib, 1992BENHABIB, Seyla. 1992. Model of the Public Space: Hannah Arendt, the Liberal Tradition and Jurgen Habermas. In: CALHOUN, Craig. Habermas and the Public Sphere. Cambridge: MIT Press. pp. 73-99.; Calhoun, 1992CALHOUN, Craig. 1992. Habermas and the Public Sphere . Cambridge: MIT Press .; Thompson, 1995THOMPSON, John. 1995. Media and modernity. Cambridge: Polity Press.). Ambas as questões parecem centrais em uma reavaliação da esfera pública e da sua capacidade de ancorar práticas democráticas, sem as quais o elemento institucional da democracia faz pouco sentido.

Nesse artigo, pretendo tratar de três questões: em primeiro lugar, como adiantado no parágrafo anterior, reavaliar a abordagem habermasiana sobre a esfera pública e sua relação com as revoluções modernas, tentando entender se, de fato, a perspectiva aberta por Mudança estrutural da esfera pública é capaz de ancorar, a partir da sua teoria dos elementos de decadência da esfera pública, a totalidade das determinações não democráticas da esfera pública na modernidade. Em segundo lugar, iremos discutir a maneira como o ativismo digital e as transformações da comunicação pelas redes sociais influenciam os elementos deliberativos das democracias contemporâneas e quais tipos de respostas podemos dar a esse problema. Em terceiro lugar, pretendemos fazer uma rápida incursão no caso brasileiro, mostrando como esses elementos analíticos se aplicam ao país. Nosso objetivo é tentar contribuir para uma conceitualização ampla dos elementos públicos da crise da democracia.

Retomando o debate sobre a relação entre o Iluminismo e as revoluções democráticas

O debate sobre a crise global da democracia na forma como ela se manifesta contemporaneamente não prescinde do delineamento de alguma relação com eventos ocorridos há mais de dois séculos: trata-se de destacar o impacto das mudanças ocorridas no final do século XVIII, que implicaram transformações valorativas profundas na concepção de política dos indivíduos (Gay, 1966GAY, Peter. 1966. The enlightenment: an interpretation. New York: Knof.; Sternhell, 2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press.). O Iluminismo e as revoluções democráticas do século XVII criaram o caldo de cultura para o constitucionalismo democrático e as formas de controle público do sistema político. Desde a sua obra dos anos 1960, Habermas corretamente analisa a democracia na interseção entre teoria e empiria ao afirmar que:

o cerne normativo de uma constituição democrática precisa estar ancorado na consciência cívica. Não cabe à filosofia, e sim à larga maioria dos cidadãos, o entendimento da legitimidade dos princípios constitucionais. Por outro lado, os cidadãos também precisam confiar que os seus votos têm igual valor nas eleições. (Habermas, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., p. 148, tradução livre)1 1 Texto original: “the normative core of the democratic constitution must be anchored in civic consciousness, that is, in the citizens’ own implicit beliefs. It is not the philosophers, but the large majority of the citizens who must be intuitively convinced of the constitutional principles. On the other hand, citizens must also be able to trust that their votes count equally in democratic elections.”

Assim, democracia não consiste em uma idealização e sua estabilidade tem que estar ancorada na confiança dos cidadãos. Nesse sentido, a política deliberativa tampouco constitui uma idealização, pelo contrário, ela constitui uma “precondição existencial” de qualquer democracia.

Habermas, ao longo dos 60 anos nos quais trabalhou as condições para a formação da política deliberativa, ancorou a justificação desse conceito no estado da arte dos debates sobre as características da comunicação pública. Podemos diferenciar três elaborações sobre o papel da comunicação na validação da ordem democrática, a dos anos 1960, a dos anos 1990 e sua atualização mais recente, ocorrida no ano de 2022. Nesta seção, iremos abordar os fundamentos das duas concepções que estiveram fortemente ligadas ao aprofundamento da democracia no pós-guerra.

A primeira elaboração está presente em Mudança estrutural da esfera pública, livro que marcou a entrada do autor no campo acadêmico e cuja teoria marcou profundamente os debates sobre comunicação (Calhoun, 1992CALHOUN, Craig. 1992. Habermas and the Public Sphere . Cambridge: MIT Press .; Cohen e Arato, 1992COHEN, Jean; ARATO, Andrew. 1992. Civil society and social theory. Boston: MIT Press.; Dahlberg, 2005DAHLBERG, Lincoln. 2005. The Habermasian public sphere: taking difference seriously? Theory and Society, v. 34, n. 2, pp. 111-136.; Thompson, 1995THOMPSON, John. 1995. Media and modernity. Cambridge: Polity Press.). O primeiro argumento em relação à capacidade de a esfera pública gerar elementos deliberativos teve como inspiração a formação de públicos burgueses na Inglaterra e na França nos séculos XVII e XVIII. Para o autor,

a esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera de pessoas privadas reunidas em um público; elas reivindicam essa esfera pública regulamentada politicamente, mas direcionada contra a própria autoridade a fim de discutir com ela as leis gerais de intercâmbio em uma esfera privada, publicamente relevante. (Habermas, 1989HABERMAS, Jürgen. 1989. The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society. Cambrigde: Polity Press., p. 42, tradução para o português modificada pelo autor)

Assim, temos uma descrição do fenômeno comunicacional e político que produz a deliberação. Enquanto indivíduos privados, os burgueses não governam, mas discutem os atos da autoridade pública a partir de pretensões de validade morais e políticas. Apesar de certa idealização, gera-se a característica fundamental do que denominamos “constitucionalismo democrático”, uma diferenciação entre público e privado que permite discutir os atos da autoridade política a partir de critérios como o verdadeiro ou o moralmente adequado. Como iremos ver abaixo, essa parece ser a dimensão questionada na atual crise da democracia. Ainda que a linha de análise explicitada acima tenha se tornado clássica, a concentração dos elementos críticos em uma esfera pública de homens brancos burgueses gerou uma série de questionamentos (Fraser, 1989FRASER, Nancy. 1989. Unruly practices: power, discourse and gender in contemporary social theory. Mineapolis: University of Minesota Press.) que foi respondida 30 anos depois, através da incorporação de novos elementos na análise dos fundamentos discursivos da democracia.

Em seu texto Reflexões adicionais sobre a esfera pública, publicado em 1992 como parte de um simpósio sobre a evolução e adequação do conceito, Habermas reconheceu, em primeiro lugar, os limites de tomar como padrão para a conceitualização da esfera pública as características de uma esfera pública burguesa (Habermas, 1992HABERMAS, Jürgen. 1992. Further reflections on the public sphere. In: CALHOUN, Craig (ed.). Habermas and the Public Sphere . Cambridge: MIT PRESS. pp. 421-462.). Segundo o autor, ele já não tinha dúvidas sobre o caráter patriarcal da esfera pública quando abordou os públicos burgueses em 19622 2 Evidentemente muitas autoras feministas acreditam que alguns elementos de comunicação não distorcida, que Habermas identifica na esfera privada, não poderiam ser mantidos da mesma forma a partir de uma incorporação de públicos feministas na esfera pública (Fraser, 1989; Young, 2002). (Habermas, 1992HABERMAS, Jürgen. 1992. Further reflections on the public sphere. In: CALHOUN, Craig (ed.). Habermas and the Public Sphere . Cambridge: MIT PRESS. pp. 421-462., p. 427). Ainda assim, para além dos elementos excludentes da abordagem original, ele realizou, nos anos 1990, uma tentativa mais avançada de incorporar movimentos sociais e propor um conceito de esfera pública que não derivaria da propriedade privada ou das ações de indivíduos proprietários. Nesse sentido, Habermas afirma que

Depois da universalização dos direitos civis iguais, a autonomia privada das massas não pode ter como sua base social o controle da propriedade privada, de indivíduos privados que se associaram em uma esfera pública burguesa com o intuito de formar um público de cidadãos. Para que o potencial de autorregulação contido em uma esfera pública em expansão pudesse se atualizar, foi necessário que massas política e culturalmente mobilizadas fizessem um uso efetivo dos seus direitos de comunicação e de participação. (Habermas, 1992HABERMAS, Jürgen. 1992. Further reflections on the public sphere. In: CALHOUN, Craig (ed.). Habermas and the Public Sphere . Cambridge: MIT PRESS. pp. 421-462., p. 434)3 3 Texto original: “After the universalization of equal civil rights, the private autonomy of the masses could no longer have its social basis in the control over private property, in contrast to those private people who in the associations of the bourgeois public sphere had come together to form the public of citizens. To be sure, the actualization of the potential for societal self-regulation presumptively contained in an expanding public sphere would have required that the culturally and politically mobilized masses make effective use of their rights to communication and participation.”

Temos, assim, uma segunda formulação muito mais ampla do que a primeira, ainda que ela possa ser situada no mesmo sentido: a esfera pública, para contribuir para o autoentendimento democrático da opinião pública, tem que envolver amplos direitos de comunicação e de participação exercidos em público por indivíduos privados. Ainda mais importante, ela tem que se situar em um contexto no qual as falas e opiniões dos atores sociais sejam parte de um debate público pautado por pretensões de validade em relação a questões morais.

É interessante, no entanto, que a teoria habermasiana não trabalhe o conceito de esfera pública apenas a partir da ampliação dos atores envolvidos em processo de comunicação e participação, mas também a partir de uma perspectiva de desempoderamento das formas de comunicação através da expansão das formas de comunicação eletrônica. Assim, o diagnóstico habermasiano dos anos 1990 é de que

As democracias de massa constituídas como welfare states no que diz respeito a sua auto interpretação poderão dar continuidade aos princípios da tradição do constitucionalismo liberal apenas na medida em que elas tomarem a sério e tentarem implementar uma esfera pública que preencha as suas funções políticas. Assim, seria necessário demonstrar como colocar em marcha um processo crítico de comunicação pública através das mesmas organizações que exercem seu processo de mediação. (Habermas, 1992HABERMAS, Jürgen. 1992. Further reflections on the public sphere. In: CALHOUN, Craig (ed.). Habermas and the Public Sphere . Cambridge: MIT PRESS. pp. 421-462., p. 441)

Para Habermas, tínhamos, ao final do século XX, o mesmo mecanismo de ancoragem da democracia que o Iluminismo e as revoluções democráticas geraram: o da formação de públicos a partir de debates críticos que são gerados ou chancelados por processos de comunicação que podem ser mais ou menos interativos. Sem tais processos de comunicação, faltariam elementos de validação, pela cidadania, do constitucionalismo liberal democrático, que, por consequência, estaria em crise.

Temos, assim, uma questão a partir da qual podemos analisar as contribuições habermasianas: trata-se de entender a obra do autor dentro da tradição da herança incompleta do Iluminismo e da modernidade, pensando os elementos de ancoragem do constitucionalismo liberal democrático, não apenas em relação aos potenciais emancipatórios da modernidade, mas também em relação aos elementos regressivos que têm se manifestado e constituído fonte de inspiração contrademocrática ou até mesmo antidemocrática desde o final do século XIX.

Uma linha de pensamento diferente da habermasiana e que, como veremos abaixo, permite uma análise diferente, foi lançada recentemente por Zeev Sternhell com base na obra dos autores anti-iluministas dos séculos XVIII e XIX. A ideia alternativa à habermasiana supõe que autores como Vico, Burke, Herder, entre outros, dão origem a outra corrente de pensamento fortemente desprezada na modernidade, mas não por isso menos relevante. Assim, o Iluminismo teria gerado uma forte resposta antirracionalista e uma cultura política alternativa (Sternhell, 2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press., p. I). Essa cultura alternativa já era forte no final do século XIX, com o movimento político conhecido como Gegenaufklärung (anti-iluminismo). Esse movimento tinha “uma nova visão da história, do homem e da sociedade contra as novas teorias do conhecimento, contra o famoso sapere aude, contra uma visão do iluminismo enquanto um movimento de emancipação e de resistência contra todas as formas injustificadas de dominação” (Sternhell, 2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press., p. 5). Assim, temos uma linha de pensamento que é simultânea ao Iluminismo e que defende a tradição colocando em questão três elementos que serão centrais para a tradição habermasiana: o elemento libertário do conhecimento; o individualismo contratualista; e a ideia de que o objetivo da política deve ser o bom governo fundado em direitos da cidadania. Para os objetivos desse artigo, irei discutir apenas o terceiro ponto.

A tradição anti-iluminista colocou em questão três obras fundamentais da tradição política iluminista, O segundo tratado de governo, de John Locke, o pequeno panfleto kantiano O que é iluminismo e Discurso sobre a origem da desigualdade, obra de Rousseau. Vale a pena aqui destacar a obra de Burke e sua percepção de que o elemento chave do iluminismo reside “em uma conspiração intelectual com o objetivo de destruir a civilização cristã e a ordem política que ela criou” (Sternhell, 2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press., p. 11). Ainda segundo Burke, a ideia de direitos humanos e a concepção de uma sociedade voltada para o bem são ilusões perigosas. Ele e seu contemporâneo Herder negaram explicitamente o direito da razão de questionar a ordem existente (Sternhell, 2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press.). Assim, temos aqui os fundamentos intelectuais do movimento antidemocrático do final do século XIX, do assalto à razão no período de entreguerras (1930-1940) e do atual movimento de restauração conservadora de valores antidemocráticos.

Em todos os casos, existem duas questões que serão objeto do debate habermasiano acerca da crise atual da democracia e da esfera pública e que a abordagem acima permite questionar: a primeira questão está relacionada à continuidade de públicos não racionais e que rejeitam a própria ideia de racionalização moral que está na base da prática democrática; a segunda é a rejeição da ideia do bom governo ou de uma relação entre razão e bom governo. É importante notar, tal como Sternhell (2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press.) discute detalhadamente, que o movimento antirracionalista e anti-iluminista tem sua vertente liberal,4 4 No século XX o grande representante dessa corrente foi o filósofo russo inglês Isaiah Berlin. Através de duas obras distintas: Vico e Herder e Dois conceitos de liberdade. Para Berlin, a liberdade sem determinações ou limitações que se coaduna com a defesa atual da liberdade de expressão pela extrema direita é parte da tradição liberal. Sternhell oferece crítica a Berlin ao afirmar que o argumento pressupõe um resgate e um reforço a tradição contra as tendência democrática geradas pelas revoluções do século XVIII. Vide Sternhell (2010, p. 25). aquela que procura defender um campo de liberdade do indivíduo em relação ao poder da maioria. Assim, temos uma posição anti-iluminista em relação à liberdade de expressão que influencia a discussão sobre a decadência de uma esfera pública de jornalistas e pessoas de mídia capazes de intermediar o discurso público. A questão que surge, então, e que será colocada ao final do artigo é a das fontes práticas e políticas nas quais a antidemocracia se baseia. Estamos agora em condição de examinar detalhadamente o argumento habermasiano sobre a crise da democracia.

Esfera pública e crise da democracia: a análise habermasiana 60 anos depois

Em 2022, ou seja, 60 anos depois de publicar Mudança estrutural da esfera pública, Habermas retoma o tema e o aborda de forma semelhante ao que faz nas duas publicações anteriores. Para ele,

a política deliberativa pode ser traçada às ideias do período conhecido como Vormärz,5 5 Vormärz, ou pré-março, é como é conhecido na Alemanha o período que precedeu às revoluções de 1848. mas nesse longo período ela se desenvolveu no contexto do estado de bem estar social. O seu maior mérito é explicar como em sociedades pluralistas que prescindem de uma religião ou de uma visão de mundo em comum, compromissos políticos podem ser alcançados a partir de um consenso constitucional intuitivo. (HABERMAS, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., p. 150 tradução livre).6 6 Texto original: “The approach of deliberative politics can be traced back to the early liberal world of ideas of the Vormärz period but, in the meantime, it has unfolded in the context of the welfare state. Its chief merit is that it explains how, in pluralistic societies that lack a shared religion or world view, political compromises can be reached against the background of an intuitive constitutional consensus.”

Assim, temos uma convergência no que diz respeito ao ponto de partida das três concepções habermasianas. Em todas elas, trata-se de perceber que o constitucionalismo liberal e democrático está implicitamente incorporado no imaginário e nos valores da opinião pública das democracias da primeira e da segunda ondas de democratização. A questão é como pensar os novos desenvolvimentos das formas de comunicação e sua relação com a democracia.

A definição habermasiana da relação entre os debates na esfera pública e a aceitação dos resultados eleitorais pelos perdedores se concentra em uma das pré-condições do debate público, aquela que garante que os debates e as divergências políticas se deem sobre o pano de fundo das regras constitucionais que, no caso das eleições, garantem a vitória da maioria. Para Habermas “sem o consenso acerca do significado da deliberação democrática autolegislante (deliberative democratic self-legislation), as minorias não terão nenhuma razão para se submeter às decisões da maioria”. Pelo menos nesse momento, “a formação institucional da vontade política deve funcionar de tal maneira que o consenso constitucional dos votantes tenha que, de tempo em tempos, ser confirmado pela experiência” (Habermas, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., p. 152).

Temos, assim, algumas questões novas colocadas no debate: a primeira delas é se o consenso constitucional deliberativo é um consenso prático político sobre a natureza e a desejabilidade da democracia. Eventos como o 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos e o 8 de janeiro de 2023, no Brasil, acendem luzes amarelas, para dizer o mínimo, sobre a questão central das democracias. Eles mostram que a democracia só funciona quando existe o respeito às regras do jogo político enquanto consenso constitucional, ou seja, se um grupo relevante da população não aceita o consenso constitucional democrático, a democracia se erode no campo da opinião pública.

Uma vez colocada essa questão, duas outras indagações de natureza empírica, mas com forte conteúdo normativo, devem se colocar. A primeira delas é: quais são os elementos responsáveis por uma mudança na esfera pública que reduzem a legitimidade dos eleitos entre a maioria e colocam em risco os elementos práticos políticos do consenso constitucional? A segunda questão é: como reestabelecer critérios mínimos de pretensão de validade no discurso político de forma tal que as fake news e as divergências reais em relação a questões morais e políticas possam voltar a gerar debates reais entre todos os interessados?

Para Habermas, a forte mudança na arquitetura do sistema constitucional de direitos que conecta as liberdades dos indivíduos privados “através de um sistema de direitos privados subjetivos […] [com] a autonomia política dos cidadãos através dos direitos públicos de comunicação e participação, só se tornam completamente operacionalizáveis à luz da complementariedade dos papéis da autonomia privada e pública dos cidadãos” (Habermas, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., p. 154).7 7 Texto original: “The architecture of the constitutional state’s system of fundamental rights - which guarantees, on the one hand, the freedoms of private citizens through subjective private rights (and welfare state entitlements) and, on the other, the political autonomy of citizens through rights of public communication and participation - only becomes fully accessible in the light of the functional meaning of the complementary roles that the private and public autonomy of citizens also play for each other, aside from their respective intrinsic value.” O problema reside no fato que o indivíduo privado, ao se desconectar do sistema de debate público, ameaça a conexão entre liberdades individuais e o consenso político majoritário. Aí estaria a base política do questionamento de resultados eleitorais, como o que ocorreu nos Estados Unidos e no Brasil.

As questões colocadas aqui sugerem um debate mais aprofundado. A primeira delas é um entendimento sobre como a estrutura fundante do constitucionalismo liberal democrático, que gera a legitimidade das decisões políticas, está sendo afetada por uma nova relação entre público e privado. A segunda é se esse fenômeno tem sua origem na mudança nas formas de comunicação ou se ele associa uma rejeição histórica ao iluminismo e ao constitucionalismo democrático com uma mudança comunicacional que favorece a anomia e a deslegitimação política.

Mudança comunicacional e deslegitimação democrática: consequências do fim da mediação política

Na modernidade, as mudanças profundas na forma de organização das tecnologias de comunicação sempre tiveram impacto político (Thompson, 1995THOMPSON, John. 1995. Media and modernity. Cambridge: Polity Press.). Sabemos que o radio teve um papel importante na consolidação do nazismo e na expansão do antissemitismo na Alemanha no início dos anos 1930 (Adena et al., 2015ADENA, Maja et al. 2015. Radio and the Rise of The Nazis in Prewar Germany. The Quarterly Journal of Economics, v. 130, n. 4, pp. 1885-1939. ), assim, não parece ser uma novidade completa o fato de mudanças nas tecnologias de comunicação afetarem a legitimidade democrática. No entanto, existe uma diferença fundamental entre o papel das novas tecnologias de comunicação nos anos 1930 e o papel das redes sociais atualmente. Nos anos 1930, o uso do rádio pelo nacional-socialismo, que foi extremamente forte depois da sua vitória eleitoral em 1933, se deu já no campo da contestação da democracia e dos direitos (Adena et al., 2015ADENA, Maja et al. 2015. Radio and the Rise of The Nazis in Prewar Germany. The Quarterly Journal of Economics, v. 130, n. 4, pp. 1885-1939. ). Hoje, a ação das redes sociais incide sobre o significado da opinião pública para a democracia. O que torna o problema atual mais sério e importante é que a tecnologia de redes sociais cria uma possibilidade nova, que é a de uma democracia não submeter as afirmações políticas ao crivo de um conjunto de atores. Em seu artigo recente sobre mudanças na esfera pública, Habermas apresenta esse problema da seguinte forma:

ainda que para os atores da sociedade civil encontros face a face na vida cotidiana e em eventos públicos representem os dois locais da esfera pública nos quais suas iniciativas tem origem, a comunicação pública organizada por meios massivos representa o único local no qual essas vozes se condensam em opinião pública efetiva e relevante… Um complexo midiático altamente organizado do ponto de vista técnico requer um corpo funcional profissionalizado que desempenha o papel de gatekeeper para que os fluxos comunicativos permitam aos cidadãos destilar as diferentes opiniões públicas. (Habermas, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., p. 157, tradução livre).8 8 Texto original: “Although for civil society actors, face-to-face encounters in everyday life and in public events represent the two local regions of the public sphere in which their own initiatives originate, the public communication steered by mass media is the only domain in which the noise of voices can condense into relevant and effective public opinions. Our topic is how digitalisation has changed the media system that steers this mass communication. The technically and organisationally highly complex media system requires a professionalised staff that plays the gatekeeper role (as it has come to be called) for the communicative currents from which the citizens distil public opinions.”

Temos, assim, um primeiro parâmetro sobre o motivo da erosão dos processos comunicacionais que Habermas localiza na interseção entre profissionalização, complexificação e alta cultura. O jornalismo, por mais que ele tenha sido relativizado pelo elemento comercial introduzido na esfera pública, continua a desempenhar um papel de gatekeeper em relação às formas de comunicação que dependem exclusivamente da relação entre atores que emitem discursos e receptores. Se, por um lado, esse problema já existia na ascensão das formas não democráticas do período de entreguerras, quando o nazifascismo utilizou o rádio para se comunicar diretamente com as massas, ele se torna mais grave quando a própria democracia passa a ser afetada por um padrão de comunicação falso, mas, sobretudo, sem elementos de validação do discurso. Assim, de acordo com essa interpretação, o problema central na relação entre esfera pública e democracia reside na possibilidade de discursos mediáticos não mediados pelo jornalismo ou por alguma instância de aferição da veracidade.

Vale a pena apontar que existe uma segunda possibilidade não contemplada completamente pela análise habermasiana, que é a reorganização do conservadorismo por meio de um questionamento da razão iluminista, e que se articula com as novas formas de tecnologia de comunicação. Resgatamos, nesse caso, a noção de um conservadorismo anti-iluminista que fez parte da reação antidemocrática do final do século XIX e do período de entreguerras e que retoma, no século XXI, práticas importantes daquele período, tais como a retomada da centralidade da religião em relação à racionalização moral e o questionamento da noção de bom governo, ambos ancorados em uma visão ampla da liberdade de expressão como possibilidade de ataque aberto à democracia. Assim, se esta análise estiver correta, a democracia não está sofrendo uma via, e sim duas vias interligadas de ataque. Nesse caso, uma forte reorganização do conservadorismo tendo como centro uma extrema direita anti-iluminista, religiosa e moralmente regressiva está se utilizando das novas tecnologias de comunicação para realizar o mais potente ataque à democracia desde o período de entreguerras. Uma última questão se coloca em como essa aliança se manifesta no Brasil.

Mudanças na forma de comunicação e crise da democracia no Brasil: algumas hipóteses

As colocações anteriores apontam na direção de uma interpretação da crise da democracia no Brasil, no entanto, é importante perceber que alguns dos fenômenos discutidos nas sessões anteriores têm impacto particular no Brasil devido à forma específica de constituição de uma esfera pública e de instituições de produção de conteúdo midiático. A formação tardia de uma esfera pública no final do século XIX, durante o período abolicionista, não conseguiu imprimir uma relação de controle de governo e de atos da autoridade política na interseção entre esfera pública e imprensa livre (Avritzer, 2001AVRITZER, Leonardo. 2001. Privatism, etatism and the Formation of a Public Sphere in Brazil. In: ROENIGE, Luis; WEISMANN, Carlos (ed.). Globality and Multiple Modernities. Manchester: University of Manchester Press.). Pelo contrário, o modelo brasileiro, ao longo do século XX até a promulgação da Constituição de 1988, foi um modelo de controle da imprensa, e de constituição de grandes oligopólios de mídia impressa e eletrônica.

Durante a democratização brasileira, foi se constituindo paulatinamente um modelo de esfera pública no Brasil. Esse modelo contou com diversos componentes: a entrada de movimentos sociais no campo público com conexão entre esses movimentos e um certo jornalismo progressista que havia renovado as redações de órgãos, como o Jornal do Brasil e a Folha de S. Paulo; a instauração de intelectuais críticos na escolas de jornalismo com impacto em diversas instituições como os sindicatos e casas de jornalistas e, por fim, uma presença de atores sociais progressistas na esfera política, em especial no Congresso Nacional, tensionando uma forma privada de relação entre governo e atores políticos autoritários. Assim, podemos dizer que o Brasil prescindiu da formação de uma esfera pública burguesa capaz de ancorar um constitucionalismo democrático até a nossa democratização nos anos 1980. Tal fato explicaria, simultaneamente, a instabilidade do constitucionalismo democrático ao longo do século XX e a não constituição de uma imprensa capaz de ancorar públicos burgueses.

A promulgação da Assembleia Nacional Constituinte criou expectativas adicionais para a democratização da esfera pública, mas essas expectativas não se realizaram devido, principalmente, a acordos entre o maior monopólio televisivo, a rede Globo, e os principais atores da transição. A única subcomissão da Assembleia Nacional Constituinte que não apresentou um relatório foi a da comunicação (Lima, 2015LIMA, Venício A. de. 2015. Cultura do silêncio e democracia no Brasil: ensaios em defesa da liberdade de expressão (1980-2015). Brasília, DF: Editora UnB.). Ao mesmo tempo, os quatro artigos da Constituição de 1988 sobre comunicação não foram regulamentados ou o foram apenas tardiamente. O artigo 221, sobre produção regionalizada de conteúdo de comunicação, não está regulamentado, assim como os que falam sobre monopólio e a complementariedade entre os sistemas públicos e privados (Lima, 2015LIMA, Venício A. de. 2015. Cultura do silêncio e democracia no Brasil: ensaios em defesa da liberdade de expressão (1980-2015). Brasília, DF: Editora UnB.). O importante de se perceber aqui é que todos esses artigos são fundamentais para o estabelecimento de uma esfera pública plural com capacidade de chancelamento ou crítica de discursos, tal como apontou Habermas.

Assim, o problema brasileiro que iremos abordar abaixo em relação à democracia e à comunicação é um pouco mais complicado do que o problema descrito por Habermas em relação às democracias consolidadas. No caso do Brasil, a constituição de uma esfera de comunicação não contou com os elementos de pluralização próprios do constitucionalismo democrático. Pelo contrário, forças de lobbies monopolistas da área de comunicação conseguiram impedir, na era pré-digital, que elementos de pluralismo midiático se manifestassem plenamente, seja por uma configuração mista de empresas públicas e privadas, seja pelo direito de resposta, seja por uma estrutura de jornalismo pluralista.

Especialmente no período entre 2014 e 2018, essa configuração facilitou a existência de uma aliança midiática-judicial que rompeu com os elementos críticos em relação ao discurso da corrupção e que teve como consequência a eleição de um político, Jair Bolsonaro, que se aproveitou da fraqueza das estruturas de comunicação pública e da deterioração da confiança no jornalismo das empresas de mídia para instituir uma forma de comunicação fora dos padrões de uma esfera de comunicação pública. Tais formas de relação com a imprensa expressam uma via de desconstituição da esfera pública no Brasil, na qual o alvo foi a credibilidade dos jornalistas na validação de notícias. Assim, jornalistas como Patrícia Campos Melo, que apontou a questão das notícias falsas no WhatsApp, são atacadas, para que a notícia perca a sua dimensão de validade institucional para além do campo político partidário.

O ex-presidente fez isso em duas etapas diferentes: na primeira, durante as eleições, subverteu as formas de comunicação pública e de campanha que haviam funcionado e pautado as eleições entre 1989 e 2014. Bolsonaro ignorou os debates televisivos, não articulou tempo para o programa eleitoral gratuito na televisão e deu pouca importância a eventos públicos de campanha, mesmo porque eles já não eram viáveis depois da facada de Juiz de Fora (Feres Júnior; Gagliardi, 2018FERES JÚNIOR, João; GAGLIARDI, Juliana. 2018. O sucesso eleitoral da Nova Direita no Brasil e a mudança do paradigma comunicativo da política. In: AVRITZER, Leandro et al. (ed.). Pensando a democracia, a república e o Estado de direito no Brasil. Belo Horizonte. pp. 89-117.). Na segunda etapa, a do governo, Bolsonaro se aproveitou de um colapso das formas de confiança no sistema político e da baixa ancoragem do jornalismo e da televisão em uma esfera pública de movimentos sociais críticos para propor a desinstitucionalização da comunicação política no Brasil.

No início do seu governo, Jair Bolsonaro estabeleceu quais seriam as balizas principais que norteariam a comunicação entre o seu governo e a opinião pública. Em primeiro lugar, ele negou o papel mediador da principal rede de televisão e dos jornalistas de maior expressão no campo dos jornais impressos. Os primeiros ataques de Jair Bolsonaro a órgãos de imprensa ou a jornalistas ocorreram ainda no primeiro ano de seu governo, tendo como alvo direto a jornalista Miriam Leitão. Em 19 de julho de 2019, Bolsonaro afirmou a jornalistas internacionais que Leitão teria mentido sobre ter sido torturada no período da Ditadura e que foi presa quando estava indo para a Guerrilha do Araguaia - a jornalista não participou da luta armada e foi torturada pelo regime (Jornal Nacional, 2019JORNAL NACIONAL. 2019. Globo repudia em nota ataques de Bolsonaro a Miriam Leitão. G1, Rio de Janeiro. Disponível em: Disponível em: http://glo.bo/2YcUwIq . Acesso em: 7 abr. 2023.
http://glo.bo/2YcUwIq...
). Outros jornalistas - principalmente jornalistas mulheres, como Constança Resende e Patrícia Campos Melo, também foram atacadas pessoalmente ainda antes da pandemia, quando esses ataques se acentuaram.

Houve também ataques às instituições de imprensa. Ainda durante a campanha eleitoral, no dia 21 de outubro de 2018, Jair Bolsonaro atacou a Folha de S. Paulo ao afirmar “participem das eleições ativamente”, de forma democrática e “sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S. Paulo” (Marques, 2018MARQUES, José. 2018. Folha é a maior fake news do Brasil, diz Bolsonaro a manifestantes. Folha de S. Paulo, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2An23Yr . Acesso em: 7 abr. 2023.
https://bit.ly/2An23Yr...
). Já durante o governo, o primeiro ataque institucional de Jair Bolsonaro a órgãos de imprensa ocorreu com a rede Globo depois de uma revelação inédita no caso Marielle Franco, que mencionava a presença do assassino no condomínio no qual o ex-presidente tem casa. Deste modo, a tentativa de anulação da mediação dos órgãos de imprensa ou de jornalistas com credibilidade constitui o primeiro eixo de desmonte de uma esfera pública por Jair Bolsonaro.

A segunda estratégia do Governo Bolsonaro em relação à comunicação foi adotar formas diretas de expressão sobre questões políticas por meio de transmissões ao vivo pela internet - as lives - ou uso direto das redes sociais, em especial seu Twitter pessoal ou os de seus filhos. Essa segunda estratégia coincide com aquilo que Habermas, no seu texto de 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., denomina “transformação imediata de utilizadores da comunicação em autores”. É importante notar também que não se trata apenas do presidente emitindo discurso como autor sem mediação, mas de um conjunto de centenas de emissores de notícias, muitas vezes mais radicais do que as do presidente, ou claramente falsas, que se articulam com as formas diretas de comunicação sem a mediação de profissionais patrocinadas pelo ex-presidente. Vale a pena perceber que aqui são articuladas pelo bolsonarismo as duas dimensões analíticas discutidas acima: de um lado, temos a completa dissociação de uma esfera de crítica constituída por movimentos sociais e atores da sociedade civil e, de outro, temos a defesa de um discurso ilimitado sobre a liberdade de expressão que frequentemente se coloca como um discurso contra a própria democracia (Sternhell, 2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press., p. 24).

Sendo assim, é possível dizer que de forma aberta o bolsonarismo rompe tanto com o pressuposto clássico da esfera pública formada ao final dos séculos XVII e XIX, ou seja, com o debate crítico sobre os atos da autoridade política com a mediação de órgãos de imprensa, quanto com o discurso iluminista de utilização da liberdade para aumentar a autonomia dos indivíduos e o bom governo (Gay, 1966GAY, Peter. 1966. The enlightenment: an interpretation. New York: Knof.). Bolsonaro rompe também com os elementos de uma esfera pública mais tardia na qual movimentos sociais participam do debate comunicativo, a não ser que consideremos movimentos de extrema direita antidemocráticos como parte da esfera pública.9 9 Della Porta e Caini propuseram um modelo de movimentos sociais de direita baseado em dois modelos de organização dos movimentos sociais: o de oportunidades políticas e o de mobilização de recursos. O maior problema com essa linha de análise dos movimentos sociais é que os movimentos conservadores também prescindem dos elementos de validação da esfera pública. Sobre o assunto, ver: Caiani e Della Porta (2018).

Por fim, Jair Bolsonaro introduz um terceiro elemento, que é o da mentira nas redes sociais disseminada diretamente e que atinge receptores sem a mediação de quaisquer órgãos de imprensa ou forma de gatekeeping. Essa é a maior novidade das formas de comunicação contemporâneas que podem ser descritas como “a dispensa do papel produtivo da mediação jornalística […]. Tal fato altera radicalmente o padrão anterior de comunicação na esfera pública ao empoderar todos os usuários potenciais para se tornarem independentes e autores da [comunicação]” (Habermas, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., p. 159 tradução livre).10 10 Segue o texto original: For, on the one hand, the platforms dispense with the productive role of journalistic mediation and programme design performed by the old Media…They radically alter the previously predominant pattern of communication in the public sphere by empowering all potential users in principle to become independent and equally entitled authors.

Esse parece ser o elemento de ultrapassagem da ideia de esfera pública no qual o bolsonarismo se ancora. Ele pode emitir suas próprias afirmações comunicacionais que, ainda que sejam comentadas pelas mídias tradicionais, chegarão diretamente ao conjunto de usuários das redes sociais que queiram ignorar as formas de mediação utilizadas pelas mídias tradicionais. Esse é o elemento mais forte de ruptura entre bolsonarismo e esfera pública que, no entanto, se associa com os outros dois - o ataque a jornalistas com forte visibilidade e a negação do papel dos movimentos sociais na esfera pública. Vale a pena também apontar que esse elemento de transformação em ator midiático independente se articula com os de outros autores, políticos e empresários que fazem o mesmo, substituindo a esfera pública por um ecossistema autônomo de divulgação e comentários sobre a política.

Vale a pena pensar qual é a relação entre os fenômenos descritos acima e a crise da democracia no Brasil. De um ponto de vista mais geral, a crise da esfera pública tal como mostramos acima gera a crise da democracia. No caso da crise da democracia no Brasil ela parece ter componentes que vão muito além da organização da esfera pública, uma vez que ainda estamos discutindo o papel das forças armadas, ou a maneira como o Congresso atua despolitizando as agendas de relação entre os poderes. No entanto, o importante é pensar como o Brasil se coloca no que diz respeito à possível superação dos diagnósticos de crise da democracia que se ancoram em uma ideia de crise da esfera pública.

Algumas pinceladas conclusivas

São dois os pontos de chegada da análise habermasiana: o primeiro tem relação com a ideia de regulação da comunicação pública ao lembrar que “a imprensa escrita, o rádio e a televisão são obrigados a corrigir notícias falsas” (Habermas, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., p. 167); ou seja, se as plataformas realizam um trabalho de comunicação pública, elas também terão que se inserir nessa seara que não pode ser gerada unicamente com a regulação estatal.

O segundo ponto é que, independentemente da sua natureza privada, as plataformas não podem se negar a reconhecer que eles trabalham com mais do que meras mercadorias e precisam se colocar as obrigações do cuidado jornalístico (Habermas, 2022HABERMAS, Jürgen. 2022. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, v. 39, n. 4, pp. 145-171., p. 167); ou seja, para que elas sigam sendo parte do debate político, faz-se necessário que realizem um trabalho de mediação jornalística capaz de desfazer a transformação de atores políticos em autores midiáticos. De uma certa forma, foi esse o papel das redes na eleição norte americana de 2020, ainda que o alto número de pessoas, em especial no partido republicano, que acredita que Donald Trump venceu as eleições sugere uma mistura entre validação midiática e relação direta de autoria sem mediação no caso dos Estados Unidos.

As duas questões nos sugerem uma agenda para o Brasil que deve começar um pouco antes, com a criminalização dos ataques públicos a jornalistas e a políticos. A erosão da esfera pública Brasil é mais grave e mais acentuada do que o cenário apresentado por Habermas, porque o campo comunicacional está se desagregando antes mesmo que tenha se consolidado como uma base comum para o debate democrático constitucional em parte devido à falta de regulamentação dos artigos propostos pela Constituição de 1988. Assim, podemos entender posicionamentos no Brasil a favor do golpe de Estado ou intervenção dos militares na política com base na construção incompleta de uma cultura democrática incorporada no imaginário da opinião pública.

Nesse caso, a incorporação incompleta, uma história de intervenções militares entre os anos 1920 e a década de 1980 e a ausência de uma justiça de transição que tornasse a opinião pública consciente dos abusos desses episódios tornam a cultura constitucional democrática apenas parcialmente presente no imaginário da opinião pública. A desagregação dos demais elementos da cultura democrática é mais fácil de ser realizada nesse caso, e o bolsonarismo se dispôs a fazê-lo chegando muito perto de ter coroada essa tentativa com a reeleição de uma proposta clientelista, militarizante e inimiga das instituições contra majoritárias. Nesse sentido, analisar o bolsonarismo envolve ir além da esfera pública e ver como ele lida com os elementos anti-iluministas, inclusive com a negação da ideia do bom governo como objetivo da política.

A superação, ainda que precária, do pior momento de desagregação da esfera pública coloca uma agenda de reconstrução do público no Brasil que está ligada à própria reconstrução democrática. Duas agendas parecem centrais: em primeiro lugar, uma agenda de democracia defensiva (Cappocia, 2005CAPPOCIA, Giovanni. 2005. Defending democracy: Reactions to extremism in interwar Europe. Baltimore: Johns Hopkins University Press.; Loewenstein, 1937LOEWENSTEIN, Karl. 1937. Militant Democracy and Fundamental Rights. The American Political Science Review, v. 31, n. 3, pp. 417-432.; Macklem, 2006MACKLEM, Patrick. 2006. Militant Democracy, Legal Pluralism, and the Paradox of Self-Determination. International Journal of Constitutional Law, v. 4, pp. 488-516.) que consiga diminuir os usos da democracia para a defesa de atitudes antidemocráticas. Essa defesa, que está em linha com ações tomadas por algumas democracias europeias, em especial a Alemanha e Áustria, antecede a reorganização da esfera pública e das formas de comunicação, ainda que ela tenha que lidar com o problema da liberdade de expressão ampliada que faz parte do discurso de ataque à democracia (Sternhell, 2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press.).

Em segundo lugar, a reordenação da relação entre as instituições midiáticas e redes sociais e a cobrança de ações regulatórias dessas entidades privadas. Existe um conjunto de problemas complexos envolvidos nesse tipo de regulação de plataformas que respondem a empresas cujas sedes não estão baseadas no estado nacional. Ainda assim, durante o período eleitoral de 2022, uma série de medidas do ministro Alexandre de Moraes demonstraram uma capacidade de se antecipar às fake news e retirá-las do ar ou desmonetizar canais do YouTube. No entanto, cabe apontar que essas medidas prescindiram de uma base normativa sólida, tal como bem argumentou o próprio ministro Alexandre de Moraes, em decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do dia 20 de outubro de 2022.

Deve-se reconhecer que uma medida que antecipou danos irreversíveis à integridade do processo eleitoral de 2022 e foi assim justificada não pode constituir a base para a retirada indiscriminada de perfis através de medida eleitoral solicitada às plataformas. Assim, precisamos de uma base normativa sólida para a regulação de ações nas redes sociais. Essa base, tal como mostra Habermas, não pode ser apenas produzida estatalmente, tampouco se pode continuar com uma dinâmica completamente privada de comunicação, subordinada a planos de negócios de empresas quase monopolistas. A retomada de padrões públicos de comunicação depende, portanto, de uma reconstrução do lugar da comunicação como elemento de mediação entre o privado e público, levando em conta tanto as mudanças tecnológicas em curso quanto à relevância da mediação de profissionais. Isso requer que empresas, profissionais e poder público, individual e conjuntamente, “tomem a sério” (para usar o mesmo termo de Habermas, em 1992HABERMAS, Jürgen. 1992. Further reflections on the public sphere. In: CALHOUN, Craig (ed.). Habermas and the Public Sphere . Cambridge: MIT PRESS. pp. 421-462.) seu papel na conformação da esfera pública em sociedades democráticas.

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  • YOUNG, Iris Marion. 2002. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford University Press.
  • 1
    Texto original: “the normative core of the democratic constitution must be anchored in civic consciousness, that is, in the citizens’ own implicit beliefs. It is not the philosophers, but the large majority of the citizens who must be intuitively convinced of the constitutional principles. On the other hand, citizens must also be able to trust that their votes count equally in democratic elections.
  • 2
    Evidentemente muitas autoras feministas acreditam que alguns elementos de comunicação não distorcida, que Habermas identifica na esfera privada, não poderiam ser mantidos da mesma forma a partir de uma incorporação de públicos feministas na esfera pública (Fraser, 1989FRASER, Nancy. 1989. Unruly practices: power, discourse and gender in contemporary social theory. Mineapolis: University of Minesota Press.; Young, 2002YOUNG, Iris Marion. 2002. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford University Press.).
  • 3
    Texto original: “After the universalization of equal civil rights, the private autonomy of the masses could no longer have its social basis in the control over private property, in contrast to those private people who in the associations of the bourgeois public sphere had come together to form the public of citizens. To be sure, the actualization of the potential for societal self-regulation presumptively contained in an expanding public sphere would have required that the culturally and politically mobilized masses make effective use of their rights to communication and participation.”
  • 4
    No século XX o grande representante dessa corrente foi o filósofo russo inglês Isaiah Berlin. Através de duas obras distintas: Vico e Herder e Dois conceitos de liberdade. Para Berlin, a liberdade sem determinações ou limitações que se coaduna com a defesa atual da liberdade de expressão pela extrema direita é parte da tradição liberal. Sternhell oferece crítica a Berlin ao afirmar que o argumento pressupõe um resgate e um reforço a tradição contra as tendência democrática geradas pelas revoluções do século XVIII. Vide Sternhell (2010STERNHELL, Zeev. 2010. The anti-enlightenment tradition. New Haven: Yale University Press., p. 25).
  • 5
    Vormärz, ou pré-março, é como é conhecido na Alemanha o período que precedeu às revoluções de 1848.
  • 6
    Texto original: “The approach of deliberative politics can be traced back to the early liberal world of ideas of the Vormärz period but, in the meantime, it has unfolded in the context of the welfare state. Its chief merit is that it explains how, in pluralistic societies that lack a shared religion or world view, political compromises can be reached against the background of an intuitive constitutional consensus.”
  • 7
    Texto original: “The architecture of the constitutional state’s system of fundamental rights - which guarantees, on the one hand, the freedoms of private citizens through subjective private rights (and welfare state entitlements) and, on the other, the political autonomy of citizens through rights of public communication and participation - only becomes fully accessible in the light of the functional meaning of the complementary roles that the private and public autonomy of citizens also play for each other, aside from their respective intrinsic value.”
  • 8
    Texto original: “Although for civil society actors, face-to-face encounters in everyday life and in public events represent the two local regions of the public sphere in which their own initiatives originate, the public communication steered by mass media is the only domain in which the noise of voices can condense into relevant and effective public opinions. Our topic is how digitalisation has changed the media system that steers this mass communication. The technically and organisationally highly complex media system requires a professionalised staff that plays the gatekeeper role (as it has come to be called) for the communicative currents from which the citizens distil public opinions.”
  • 9
    Della Porta e Caini propuseram um modelo de movimentos sociais de direita baseado em dois modelos de organização dos movimentos sociais: o de oportunidades políticas e o de mobilização de recursos. O maior problema com essa linha de análise dos movimentos sociais é que os movimentos conservadores também prescindem dos elementos de validação da esfera pública. Sobre o assunto, ver: Caiani e Della Porta (2018CAIANI, Manuela; DELLA PORTA, Donatella. 2018. The radical right as social movement organizations. In: RYDGREN, Jens; RYDGREN, Jens (ed.). The Oxford Handbook of the Radical Right. New York: Oxford University Press. pp. 52-80.).
  • 10
    Segue o texto original: For, on the one hand, the platforms dispense with the productive role of journalistic mediation and programme design performed by the old Media…They radically alter the previously predominant pattern of communication in the public sphere by empowering all potential users in principle to become independent and equally entitled authors.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2023
  • Aceito
    13 Abr 2023
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