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UM CAPÍTULO DA SOCIOLOGIA CRÍTICA PAULISTA: A TRAJETÓRIA DO CENEDIC (1995-2015)

A CHAPTER OF CRITICAL SOCIOLOGY IN SÃO PAULO: THE TRAJECTORY OF CENEDIC (1995-2015)

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar e problematizar o itinerário intelectual do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic), fundado em 1995 por Francisco de Oliveira, Maria Célia Paoli e Vera Telles, então professores de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). O texto analisa - à luz das mudanças histórico-políticas da sociedade brasileira da época - as transformações pelas quais passaram os intelectuais do Centro de 1995 a 2015, momento em que se inicia uma nova etapa de sua história. A hipótese central é a de que a inflexão teórica e normativa identificada no Cenedic a partir do final dos anos 1990 - simultaneamente ao rebaixamento do horizonte de expectativas gestado na década anterior - pode ser compreendida como uma resposta intelectual ao que entendiam como avanço do neoliberalismo no país, cuja carga “negativa” foi se acentuando ao longo dos anos 2000.

Palavras-chave:
Intelectuais; Sociologia; Universidade de São Paulo; Democracia; Neoliberalismo

Abstract

This article aims to present and problematize the intellectual itinerary of the Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (CENEDIC), founded in 1995 by Francisco de Oliveira, Maria Célia Paoli and Vera Telles, then professors of Sociology at University of São Paulo. The text analyzes - considering the historical-political changes in Brazilian society at the time - the transformations that the Center’s intellectuals went through from 1995 to 2015, a moment in which a new stage in its history is beginning. The central hypothesis is that the theoretical and normative inflection identified in CENEDIC at the end of the 1990s - simultaneously with the lowering of the horizon of expectations generated in the previous decade - can be understood as an intellectual response to what they understood as the advance of neoliberalism in the country, whose “negative” charge was accentuated throughout the 2000s.

Keywords:
Intellectuals; Sociology; University of São Paulo; Democracy; Neoliberalism

Convergência imprevista

A história intelectual do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic-USP) é inseparável, e nem poderia ser diferente daquela dos seus membros, em particular dos seus fundadores, responsáveis pela feição crítica pela qual ficou marcado. Por isso mesmo, tal história apenas se torna plenamente inteligível quando reveladas as confluências que, muito por uma espécie de acaso objetivo, delimitaram a possibilidade de que, juntos, alguns intelectuais - em sua maioria sociólogos, mas não apenas - contribuíssem para a formação de um grupo que acabou por ocupar um espaço importante no âmbito das ciências sociais brasileiras contemporâneas, em particular da sociologia paulista.

Concebido por Maria Célia Paoli, Vera da Silva Telles e Francisco de Oliveira, a formação do Cenedic - na origem, em 1995OLIVEIRA, Francisco. 1995. Quem tem medo da governabilidade? Novos Estudos CEBRAP , n. 41, p. 61-77., apenas Nedic (Núcleo de Estudos dos Direitos da Cidadania) - resultou de uma convergência que, naquele momento, não era nada óbvia. Em grande medida, essa confluência passava pelo momento bastante particular do itinerário de Oliveira no início dos anos 1990, quando ainda expressava uma postura relativamente otimista em relação aos possíveis desdobramentos do processo de abertura democrática, otimismo que, apesar das diferenças, aproximava-se parcialmente - no espaço intelectual relacional da época - com a aposta teórica e normativa de Paoli e Telles no potencial político-democrático dos novos movimentos sociais que “entravam em cena”, para retomar a expressão tornada célebre por Eder Sader. Se Francisco de Oliveira não compartilhava inteiramente a aposta das colegas, cioso que era desde os tempos de Sudene em relação ao papel central do Estado, motivo pelo qual era chamado, em tom de brincadeira, de “prussiano”, com elas se encontrava na visão de que estes movimentos poderiam forçar a abertura de um novo espaço político, capaz de estimular a formação de um novo arranjo social no país.

Nesse cenário, o objetivo deste artigo é reconstituir algumas linhas-de-força que orientaram o itinerário intelectual do Cenedic. Busca-se ressaltar tais linhas de força na sua relação de continuidade e descontinuidade com os debates das décadas precedentes, analisando, em particular, o processo de inflexão teórica e normativa pelo qual passaram os intelectuais do Centro a partir do final dos anos 1990. Trabalha-se com a hipótese de que essa inflexão constitui uma forma possível de resposta intelectual aos desdobramentos do que entendiam - retomando o termo alcunhado por Roberto Schwarz - como “desmanche” neoliberal, de tal modo que, se ela se excede na “negatividade” com que reage a esse contexto, é exatamente nessa relação de oposição à realidade vigente, tanto quanto no contraste com as esperanças de outrora, que os intelectuais do Cenedic aquilataram o que há de singular (e de comparativamente específico) em seus trabalhos acadêmicos. Por fim, analisa-se alguns dos desdobramentos mais recentes do Cenedic, no âmbito de uma transição geracional ainda em curso e entre cujas consequências está uma relativa renovação interpretativa das experiências dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), tal qual levada a cabo, por exemplo, por André Singer e Ruy Braga.

Precursores

Pernambucano de nascimento, Francisco de Oliveira aportou definitivamente em São Paulo no final da década de 1960, depois de períodos de exílio no México e na Guatemala, onde serviu à Cepal. Na capital paulista, viveria a primeira e talvez mais decisiva inflexão em sua trajetória intelectual: a entrada, a convite do amigo Octávio Ianni, que lá dirigia um grupo sobre planejamento econômico, no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), então recém-fundado por Fernando Henrique Cardoso (FHC), José Arthur Giannotti e outros professores afastados da Universidade - Florestan Fernandes declinou do convite. A participação no CEBRAP significou, para Oliveira, a oportunidade para a tomada de distância em relação à tradição cepalina transmitida por seu primeiro mestre, Celso Furtado, tornando possível, ao mesmo tempo, a sua aproximação com alguns dos representantes da vertente marxista da sociologia paulista, grande parte dos quais ex-membros do chamado “seminário d’O Capital”, grupo de jovens professores e alguns estudantes da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) que se reuniam, no final da década de 1950 e início da seguinte, para discutir a obra máxima de Marx e, por intermédio dela, pensar os desafios e impasses do país subdesenvolvido (Schwarz, 1999SCHWARZ, Roberto. 1999. Fim de século. In: Sequências brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras .).

Seria em meio a esta nova experiência intelectual, à qual se acrescentava o impacto da ditadura militar modernizadora e, ao mesmo tempo, reacionária na esquerda da época, que Francisco de Oliveira redigiria o trabalho responsável por torná-lo intelectualmente conhecido, a saber: a “Crítica à razão dualista”, publicado pela primeira vez no segundo número da revista Estudos CEBRAP, em 1972, e em livro no ano seguinte. Debatido em seminário por Caio Prado Junior e Gabriel Bolaffi no CEBRAP, o texto foi concebido no âmbito dos debates entre os membros do Centro a respeito do processo de expansão socioeconômica do capitalismo no Brasil, polemizando diretamente, por exemplo, com a interpretação de Fernando Henrique Cardoso desenvolvida em “Autoritarismo e democracia” sobre a existência ou não de uma “revolução burguesa” no país. Para Francisco de Oliveira, se havia, sim, inegável desenvolvimento econômico no país, até certo ponto impulsionado pela ditadura civil-militar, como o havia demonstrado Maria da Conceição Tavares e José Serra no conhecido ensaio “Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento recente no Brasil”1 1 Cf. Serra e Tavares, 1976. O texto se opunha às teses “estagnacionistas”, que exerceram enorme influência nas esquerdas política e intelectual, e cuja formulação mais acabada encontra-se em Furtado (1966). , isso não significava que o país estaria passando por uma revolução burguesa, e sim por uma “progressão das contradições” desde há muito postas e repostas no país. Mais uma vez o atraso era retomado como técnica de dominação moderna no país.

Destacando essa articulação necessária entre o moderno e o arcaico, Oliveira dava a sua própria contribuição à crítica do marxismo paulista às mais variadas “razões dualistas”, seja ela da CEPAL, do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) ou mesmo do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Mas dela se diferenciava pelo acento posto na dimensão interna das relações sociais de produção capitalistas, tomando-a como eixo explicativo do processo de acumulação no Brasil, para além da busca pelas sincronias ou assimetrias entre os níveis interno e externo, como o faziam as elaborações em torno da dependência, que permaneceriam, nesse sentido específico, tributárias - ainda que nuançadas - de certo dualismo cepalino.2 2 Cf. Cardoso; e Faletto (1984). Para Oliveira, dado o impasse a que chegara o nacional-desenvolvimentismo após o golpe de 1964, o futuro estaria “marcado pelos signos opostos do apartheid ou da revolução social” (Oliveira, 2003OLIVEIRA, Francisco. 2003. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo ., p. 199).

Na década de 1980, depois de retornar de uma estadia de dois anos na França, então presidida pelo socialista François Mitterrand (1981-1995), Oliveira flertou com a aposta na possibilidade de um “modo de produção socialdemocrata” à brasileira, na esteira do processo de Abertura democrática e da emergência de um novo movimento operário e social. Inspirado no modelo francês, e sob influência da teoria da regulação (Michel Aglietta, Robert Boyer, Alain Lipietz, dentre outros), Francisco de Oliveira jogava suas fichas na esperança de que, através da política (à la Jacques Rancière e/ou Claude Lefort) e da disputa negociada pelo fundo público, fosse possível forjar um novo pacto de classes no Brasil, baseado num “antagonismo convergente”, que faria valer o que ele chamava de os “direitos do antivalor” (Oliveira, 1998OLIVEIRA, Francisco. 1998. Os direitos do antivalor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petropólis: Vozes. ).

Para Francisco, tal como ocorrera na Europa do pós-segunda guerra, num modelo que ainda persistia parcialmente até aquele momento, seria possível e necessário, naqueles idos da década de 1980 no Brasil, lutar pela regulação coletiva - quer dizer, social e democraticamente negociada na “esfera pública” - da repartição do fundo público, o qual se tornara vital para a reprodução tanto do capital quanto do trabalho. Aos olhos do sociólogo pernambucano, a institucionalização do acesso e do manejo ao fundo público permitiria, se bem distribuído entre os grupos e classes sociais, operar uma “retração da base social da exploração”, como que anulando parcialmente a vigência e/ou o primado do valor “enquanto medida da atividade econômica e da sociabilidade em geral” (Oliveira, 1988OLIVEIRA, Francisco. 1988. O surgimento do antivalor. Novos Estudos CEBRAP, n. 22., p. 14).

Visto como “condensação da luta de classes”, em sentido poulantziano, o Estado constituiria um locus decisivo dessa disputa pelo fundo público, assim como do reconhecimento da legitimidade dos interesses diversos e, por vezes, antagônicos, que pautam a reprodução social em escala ampliada. Essa ênfase no papel do Estado como lugar da disputa político-democrática pelo fundo público era o que afastava Oliveira parcialmente, naquele momento, dos intelectuais paulistas que valorizavam a aproximação direta com os “novos personagens que entravam em cena” no âmbito da sociedade civil, para falar como Sader,3 3 Cf. Sader (2001). acompanhado, nesse aspecto, por figuras como Marilena Chauí e, de modo significativo, pelas futuras fundadoras do Cenedic. Nesse contexto, destaca-se a importância decisiva da confluência intelectual e política entre Sader, Paoli e Telles, que, embora hoje pareça decorrência natural da época, não estava garantida de antemão, em particular pelas trajetórias variadas de cada um deles.

Militante da pequena (e majoritariamente luxemburguista) Liga Socialista Internacionalista, fundador da (Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP) em 1961, membro do Partido Operário Comunista (POC), Eder Sader (1941-1988), irmão de Emir Sader, ambos sobrinhos de Azis Simão, voltara do exílio em 1979, com a anistia. Passando, desde 1970, pelo Uruguai e Chile - onde se juntou ao MIR, tendo sido preso após o golpe em 1973 -, para, finalmente, instalar-se em Paris, num caminho feito por vários outros camaradas da época, Sader encontrou, no retorno, um país atravessado por novas formas de luta, práticas e experiências levadas a cabo por novos sujeitos em constituição. A esta novidade “empírica”, pensava ele, deveria corresponder uma reflexão crítica à altura, o que significava a necessidade do abandono das concepções até então hegemônicas na esquerda intelectual e política, aprofundando, assim, o processo de autocrítica iniciado em 1964-1968. Para Sader, era preciso compreender sem pressuposições estruturais rígidas o “poder instituinte” desses novos sujeitos autoconstituintes, na direção de uma nova concepção da política, muito além da política partidária (Sader, 2001SADER, Eder. 2001. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. 4. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.).

Também formada em Ciências Sociais na USP, onde faria igualmente o mestrado e o doutorado, Vera Telles participou in loco de algumas destas novas formas de prática e luta social que estavam entrando em cena. Em meados dos anos 1970, ao lado de um pequeno grupo de inspiração luxemburguista, chegou a montar uma escola de madureza - como se dizia - para operários, o que a colocaria em contato direto com a oposição sindical metalúrgica e as greves dos trabalhadores. Com essa bagagem a um só tempo acadêmica e, sobretudo, militante, o encontro com Eder Sader, alguns anos mais tarde, seria por ela descrito como um “encontro meio de almas gêmeas”: “eu nunca me esqueço do espanto do Eder quando eu me encontrei com ele, porque, na verdade, eu estava muito atualizada em toda uma discussão que eles estavam trazendo”.

Nesse meandro, Maria Célia Paoli - paranaense de nascimento e paulistana por opção - entraria como a mais “acadêmica”, preocupada em mapear a produção intelectual sobre as classes populares, a fim, exatamente, de estabelecer a inflexão ou mesmo a ruptura necessária à compreensão do que aparecia como “novo”. Em 1987, Paoli defendeu a sua tese de doutorado em História Social, na Universidade de Londres, sob orientação de Eric Hobsbawm. Analisando as relações entre trabalho, lei e cidadania no Brasil entre 1930 e 1950, Paoli deixava transparecer, na tese, uma forte inspiração da historiografia marxista britânica do pós-guerra, em especial - mais do que a de Hobsbawn - da obra de E. P. Thompson, preocupada com o “fazer-se” da classe através da sua própria experiência social, perspectiva que se alinhava perfeitamente com aquela defendida por Sader e Telles na época, interessados que estavam nas implicações políticas da auto-organização social das classes populares no Brasil. De modo exagerado, Francisco de Oliveira (2007OLIVEIRA, Francisco. 2007. Um crítico na periferia do capitalismo. In: CEVASCO, Maria Elisa; OHATA, Milton (orgs.). Um crítico na periferia do capitalismo: reflexões sobre a obra de Roberto Schwarz. São Paulo: Companhia das Letras , p. 149-152., p. 27) diria mesmo, mais tarde, mencionando os textos dos anos 1980, que Maria Célia Paoli pode ser vista como “a autora mais thompsoniana do Brasil”.4 4 Já a partir do final dos anos 1970, Thompson estava presente na História da Unicamp, em especial na linha de pesquisa “História Social do Trabalho”, o que indica o caráter heterogêneo e multifacetado das tentativas de se compreender e de se valorizar a “novidade” apresentada pelas classes populares, respeitando-a na sua autonomia e experiência própria.

Nos anos 1980, no momento mesmo em que Francisco de Oliveira flertava com a defesa do “modo de produção socialdemocrata”, Paoli e Telles - ao lado de Sader e de muitos outros e outras - estavam, portanto, empenhadas na tarefa coletiva de legitimação intelectual dos novos movimentos sociais, elevando-os à condição de objeto digno de interesse não apenas político, mas também acadêmico. Ainda saindo de uma ditadura militar, e anterior à avalanche neoliberal, quer dizer, ao que Oliveira chamaria de “ciclo antiPolanyi”, Sader, Paoli e Telles não hesitavam em sustentar uma posição anti-institucional e, no limite, antiestatal, na qual o “novo” era valorizado na medida mesma em que era capaz de forjar práticas sociais e políticas de outro tipo, irredutíveis à institucionalidade vigente.

Em grande medida, tal empreitada se iniciara já na década anterior, com a formação (em 1969) e consolidação do CEBRAP, e, em particular, com a fundação do Cedec em 1976, cujo principal propósito era radicalizar o compromisso dos intelectuais com a democracia e com a sociedade civil, mas agora vinculando-as à dinâmica dos novos movimentos sociais e do recente sindicalismo, mais do que à política institucional. Formado originalmente por Francisco Weffort, José Álvaro Moisés, Lúcio Kowarick, Marilena Chauí, dentre outros, o Cedec buscava ocupar um espaço que, para seus fundadores, quase todos ex-cebrapianos, o CEBRAP já não estava mais em condições de operar, dado o seu comprometimento com a política institucional, do qual dava prova a aproximação entre alguns intelectuais do Centro e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Para Weffort e os fundadores do Cedec, era preciso forjar a possibilidade de outra política, esta pensada não acima mas a partir do social.

Tanto Vera Telles quanto, mais eventualmente, Maria Célia Paoli, participaram do Cedec, em especial das pesquisas sobre movimentos sociais urbanos, coordenadas por Lúcio Kowarick. E, sem dúvida, a experiência foi decisiva. Vale destacar, a este respeito, os projetos de pesquisa sobre lutas sociais em contexto urbano, entre 1982 e 1983, e sobre modo e condição de vida das classes trabalhadoras, entre 1984 e 1986. As pesquisas coletivas acabariam por se constituir num “polo importante de aglutinação de pesquisadores que, depois disso, em outras circunstâncias e momentos, manteriam o diálogo polêmico e também militante informado pelos acontecimentos políticos dos anos 1980” (Memorial, 1998, p. 18).

Todavia, mais do que no Cedec, foi no âmbito do coletivo Desvios, liderado por Eder Sader e Marco Aurélio Garcia, que Vera Telles e Maria Célia Paoli se aproximaram intelectualmente, estabelecendo uma interlocução cujo fruto mais recente seria exatamente a formação do Cenedic, já num outro momento dessa aposta no “novo”. Responsável pela edição de uma revista de mesmo nome, o coletivo Desvios levava às últimas consequências autonomistas a esperança dos intelectuais do CEDEC em uma cidadania instituída desde baixo, não raro atribuindo a ela contornos conselhistas, de tonalidade francamente anti-institucional. Foi no contexto do Desvios que Telles e Paoli realizaram, ao lado de Eder Sader, uma pesquisa referente à “nova” produção acadêmica sobre os trabalhadores, e que, juntos, publicaram em 1983 o importante artigo Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico (Paoli, Telles e Sader, 1983PAOLI, Maria Célia; TELLES, Vera; SADER, Eder. 1983. Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico. Revista Brasileira de História, n. 6, São Paulo.), em que visualizam um “novo paradigma” para a análise da classe trabalhadora. À diferença do “paradigma anterior” que, desde os primórdios da sociologia uspiana do trabalho, cultivara uma “imagem” da “classe operária em negativo”, este “novo paradigma” se proporia, em chave thompsoniana, a “captar nas experiências dos dominados a inteligibilidade de suas práticas” (Paoli, Telles e Sader, 1983PAOLI, Maria Célia; TELLES, Vera; SADER, Eder. 1983. Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico. Revista Brasileira de História, n. 6, São Paulo., p. 130), dotando-as da legitimidade acadêmica necessária à sua apreensão como sujeitos autônomos.

Naturalmente, os sociólogos angariavam se colocar, neste momento, como representantes desse “novo paradigma” de análise acadêmica das classes trabalhadoras, libertando-a, por assim dizer, das amarras “estruturais” a que, por força da necessidade de se pensar as especificidades da sociedade brasileira, elas quase sempre estiveram submetidas, a sua dinâmica sendo sempre determinada do exterior. Os autores buscavam assim afirmar um tipo de interpretação das novas práticas das classes populares que se chocava com outras que se apresentavam àquele mesmo momento em São Paulo, seja pelos cebrapianos ou mesmo por alguns membros do Cedec. Embora reconhecessem a importância dos “novos personagens”, tais intelectuais - como Ruth Cardoso (1983CARDOSO, Ruth. 1983. Movimentos sociais urbanos: balanço crítico. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense.), L. W. Vianna (1986VIANNA, Luiz Werneck. 1986. Travessia: da Abertura à Constituinte 86. Rio de Janeiro: Taurus.), dentre muitos outros - eram bem mais céticos quanto à possibilidade de que esses novos movimentos sociais pudessem se transformar, por sua própria dinâmica classista, em sujeitos propriamente políticos.5 5 Como diz Ruth Cardoso, em texto da mesma época (1983, p. 219): “Decretar o nascimento de novos atores políticos, portadores de uma força transformadora, sem que a análise demonstre concretamente a novidade de seu papel mediador entre a sociedade civil e o Estado, parece incompleto. A simples existência empírica de manifestações populares não autoriza conclusões a respeito de sua função política, pois elas são referidas a um contexto que precisa ser descrito”.

Curioso é que, nessa época, como vimos, em meados da década de 1980, embora também compartilhasse do mesmo horizonte relativamente otimista de expectativas, Francisco de Oliveira talvez estivesse mais próximo das posições de Ruth Cardodo ou Werneck Vianna do que de suas futuras colegas de Cenedic: apregoando a necessidade de um novo pacto interclassista que passaria pela mediação do Estado, à maneira da socialdemocracia europeia, Oliveira se distanciava da perspectiva mais classista e autonomista defendida por Paoli e Telles em torno da organização política das classes populares. Se fora um entusiasta de primeira hora do PT era porque vira nesse, como dizia, o germe de um partido socialdemocrata de massas6 6 Note-se que, segundo lembra Perry Anderson (2007, p. 23), o PT foi o único partido efetivamente “de massas” criado no pós-guerra em todo o mundo. , capaz de se tornar expressão dos dominados no âmbito do novo ordenamento social a ser democraticamente negociado nos devidos canais institucionais. Talvez esteja aí, diga-se, ao lado das possíveis comodidades institucionais, a explicação para o fato de que, embora mais à esquerda do que os colegas (ademais de petista), Oliveira tenha permanecido no CEBRAP - sem nunca integrar o Cedec, por exemplo - até 1995, ano em que, já como professor de sociologia da USP, fundaria o Nedic ao lado de Paoli e Telles, ambas suas colegas de Universidade.

Quando deixa o CEBRAP, em 1995, após ter exercido por dois anos a presidência do centro, Oliveira já o fazia num momento em que as divergências ali existentes haviam adquirido contornos de antagonismo político, após a eleição de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República em 1994, à frente de uma coalização liberal-conservadora, desejosa de adequar o país aos imperativos da nova ordem internacional globalizada - inserção cujo “êxito” pressupunha o abandono, pelas classes dominantes nacionais, de qualquer utopia (no sentido mannheimniano) de uma sociedade democrática, reconfirmando o prognóstico do Florestan Fernandes d’A Revolução Burguesa no Brasil (Fernandes, 2005FERNANDES, Florestan. 2005. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Globo.). E, mais ainda, Oliveira o fazia já num momento em que as esperanças gestadas nos 1980 começavam a se revelar improváveis, seja na sua versão socialdemocrata, como ele mesmo defendia, ou na sua perspectiva mais autonomista, como em Paoli e Telles.

Para Oliveira, o canto de cisne foi dado pela desmobilização da incipiente experiência das câmaras setoriais de base no setor automotivo - vista como protótipo do novo pacto social almejado -, em 1994/1995.7 7 Ainda em 1994, então presidente do CEBRAP, Oliveira saudava as eleições presidenciais daquele ano como um avanço no plano da racionalidade política, com duas candidaturas saindo do campo popular (Lula) ou democrático (FHC). Considerava mesmo a candidatura deste último como “expressão daquela valorização da democracia que estava no núcleo da decisão de fundar um centro de pesquisas fora das entidades sob controle estatal” (Oliveira, 1994, p. 4). Em Paoli e Telles, o sinal de alerta acendeu quando se constatava que a política e a incipiente democracia institucional continuavam funcionando sem a interferência decisiva dos “novos personagens” que, até bem pouco, pareciam anunciar a possibilidade de ruptura com a tradição de modernização “pelo alto” que sempre marcara a história brasileira. Nesse sentido, a formação do Nedic, em 1995, pode ser vista como uma aposta derradeira na consolidação dos “direitos da cidadania”, na esteira da Constituição de 1988, o que explica o diálogo com autores como J. Rancière, Claude Lefort, e mesmo Hannah Arendt e J. Habermas, autores por meio dos quais os intelectuais do Núcleo atinavam com uma noção de política relativamente autônoma em relação ao social.

Confluências na encruzilhada: a formação do Cenedic

É este o cenário bem particular sob o qual Maria Célia Paoli concebeu o Nedic, ao lado de Vera Telles e do “prussiano” Francisco de Oliveira. De início, quando as diferenças teóricas e políticas, nas suas minúcias, ainda se revelavam significativas, a aproximação foi antes de tudo “afetiva”, estimulada pelo sentimento comum de alheamento em relação aos tenores mais acadêmicos do Departamento de Sociologia. Mais do que essa primeira simpatia sentimental, a formação do Nedic aquilatou uma confluência intelectual e política mais ampla, ora em curso. Com efeito, a formação do Núcleo somente foi possível porque, naquele momento, os intelectuais encarregados da tarefa convergiram em torno de uma perspectiva determinada sobre a relação entre movimentos sociais e cidadania, que, em meados dos anos 1990, começava a dar os primeiros sinais de desgaste, dada a reversão iniciada pelo recém-empossado governo FHC dos ensaios de democracia participativa e negociada que haviam sido esboçados na última década.

Ao invés da consolidação, o governo FHC revelava disposição inequívoca para a destruição do que havia de “direitos da cidadania”, tendência que, nos anos seguintes, exigiria uma mudança de perspectiva analítica e normativa. Agora, eram os próprios “sentidos da democracia” que se encontravam em disputa, tendo em vista a tentativa dos dominantes de circunscrevê-la à condição de mera gestão da governabilidade à luz de um modelo predefinido, “apenas admitindo variações dentro dos limites das tópicas que propõe, repetindo novamente outro traço, desta vez simultaneamente farsesco e trágico, das crenças cientificistas do século passado”, como escreve Maria Célia Paoli (1999PAOLI, Maria Célia. 1999. Apresentação. In: OLIVEIRA, Francisco; PAOLI, Maria Célia (orgs.). Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis/ São Paulo: Vozes; Fapesp; Nedic , p. 7-23., p. 9) na introdução do livro Os sentidos da democracia. Políticas do dissenso e hegemonia global, o primeiro trabalho coletivo publicado pelo núcleo.

Estamos diante, portanto, não é exagero ressaltar, de uma confluência que se dava no âmbito mesmo do processo de inflexão analítica e normativa pelo qual, à época, passavam os intelectuais do Nedic, o que faz supor uma adequação recíproca, por assim dizer, no final da qual as arestas puderam ser aparadas, de modo a conferir-lhes uma efetiva identidade de grupo, identificável no interior do campo intelectual paulista, mas também brasileiro.

Resultado de seminário internacional realizado pelo então Nedic em 1997, com o título “A construção democrática em questão”, o livro Os sentidos da democracia é sintomático deste momento de “transição” pelo qual passavam os intelectuais do grupo, na direção de uma perspectiva que, provisoriamente, poderíamos definir como mais “pessimista” diante do que Francisco de Oliveira denominaria, em seu texto na coletânea, de “totalitarismo neoliberal”. O ensaio de Francisco, aliás, representa uma síntese expressiva, embora particular, dos debates que perpassavam o Nedic naquela época, anunciando em certa medida o esgotamento provável das experiências sociais e políticas que, até aquele momento, sustentavam empiricamente as suas tomadas de posições teóricas e normativas.

No ensaio, intitulado “Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo neoliberal”, Francisco de Oliveira analisa a convergência entre a tendência global de “privatização do público”, impulsionada pela avalanche neoliberal, e mais uma etapa da “autocracia burguesa” à brasileira (para dizer como Florestan Fernandes), desde sempre voltada à anulação da política, do dissenso, mas agora coroada por uma roupagem propriamente contemporânea, sob as vestes do “príncipe dos sociólogos” e sua coalizão (neo) liberal-conservadora. Uma vez que, no Brasil, historicamente, “todo o esforço de democratização, de criação de uma esfera pública, de fazer política, enfim [...], decorreu, quase por inteiro, da ação das classes dominadas” (Oliveira, 1999OLIVEIRA, Francisco. 1999. Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo neoliberal. In: OLIVEIRA, Francisco; PAOLI, Maria Célia (orgs.). Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis/ São Paulo: Vozes; Fapesp; Nedic, p. 55-81., p. 60), o empenho de FHC em liquidar todo espaço público de negociação coletiva sinalizou a disposição do mandatário e de seu governo em deslegitimar qualquer tentativa de ampliação da política para além dos limites do consenso imposto, no contexto de uma hegemonia truncada que, sob pressão neoliberal, resvalaria para o totalitarismo.

Assim, se Habermas, Lefort e, sobretudo, Jacques Rancière, continuavam presentes no escopo de referências de Oliveira, eles agora apareciam como teóricos daquilo que, no Brasil, poderia ter sido - no caso de se generalizasse, por exemplo, as experiências das câmaras setoriais do setor automotivo -, mas não foi: depois de FHC, definitivamente, não haveria mais uma “esfera pública” habermasiana, isto é, um espaço de negociação coletiva para além dos interesses imediatos dos grupos e/ou classes sociais, e tampouco as condições institucionais para a “política do dissenso” rancièriana, ambas vitimadas por uma deslegitimação simbólica que implicara na anulação da própria possiblidade da fala do “outro”, cujas consequências são dramáticas. Encontra-se então legitimada a aparência da própria desnecessidade do público, que pode ser finalmente “privatizado”.

Nesse processo, o papel do governo FHC foi o de imprimir certa “racionalidade” a um movimento que, até então, tropeçava nas intempéries da hegemonia burguesa à brasileira. Mas essa “racionalidade” encontraria seus limites nessa mesma hegemonia truncada, incompleta por ser incapaz de acenar com o mínimo para parcela nada desprezível da população nacional. Daí a tendência totalitária de novo tipo, reafirmada na última frase do texto, como que prenunciando o que viria pela frente tanto no país quanto na trajetória do próprio Oliveira e do Cenedic. Nas suas palavras:

“Nas condições concretas da sociedade brasileira [...], o neoliberalismo, como um Frankenstein construído de pedaços de socialdemocratas, antigos e novos oligarcas do Nordeste, populistas de direita, trânsfugas de esquerda, numa articulação presidida pelo ‘príncipe dos sociólogos’, passa por uma estranha metamorfose: sua face real é a do totalitarismo” (Oliveira, 1999OLIVEIRA, Francisco. 1999. Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo neoliberal. In: OLIVEIRA, Francisco; PAOLI, Maria Célia (orgs.). Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis/ São Paulo: Vozes; Fapesp; Nedic, p. 55-81., p. 81).

Um novo e decisivo momento desse processo de inflexão teórica e normativa ocorreria a partir de 1999/2000, quando da elaboração de um projeto temático de pesquisa, aprovado pela FAPESP em 2001, intitulado “Cidadania e democracia: o pensamento nas rupturas da política”, e cujo objetivo era “esclarecer o processo de mudança atual como uma profunda crise do contrato anterior entre Estado e sociedade, e as possibilidades de intervenção em seus rumos”. Coordenada por Maria Célia Paoli, e tendo como pesquisadores principais Francisco de Oliveira e Laymert Garcia dos Santos (Unicamp), a pesquisa foi fundamental para o amadurecimento da percepção, entre os membros do Cenedic, de que estava em marcha um processo de destruição não apenas das potencialidades da jovem e inacabada democracia brasileira, senão também - no que se plasmava uma tendência global - uma destruição das próprias condições de possibilidade da política em sentido amplo, enquanto espaço de transformação e do dissenso.

A ordenação social resultante do desmanche neoliberal estaria logrando anular a formação de “experiências e comunidades políticas capazes de aparecer como tal, capazes de disputar a possibilidade de fundar sua alteridade como conflito e diferenciação crítica”, conforme as palavras de Maria Célia Paoli e de Cibele Saliba Rizek, na apresentação do segundo livro coletivo do grupo, A era da indeterminação, exatamente o resultado deste projeto temático financiado pela FAPESP. Não por acaso, o livro - novamente publicado em coleção dirigida por Paulo Arantes, mas agora na Boitempo, intitulada “Estado de sítio” - condensa a inflexão teórica e normativa pela qual os intelectuais do Cenedic estavam passando desde a virada para o século XXI, ora atingindo uma dimensão “negativa” inédita, já antecipada no polêmico ensaio “O ornitorrinco”, de Francisco de Oliveira, que havia sido publicado em 2003.

O ensaio de Oliveira - redigido ainda antes de Lula assumir o cargo de presidente da República - dá o tom de um diagnóstico que, no limite, o ultrapassa, fruto que é de uma experiência intelectual e política coletiva, com desdobramentos importantes no âmbito do Cenedic. Com efeito, em “Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento”, originalmente publicado em 2003, Oliveira destaca o declínio da era da “invenção democrática” - segundo a expressão retomada de Claude Lefort - que se gestara no país do final da ditadura até a virada para os anos 1990, momento em que, extraordinariamente, classe, interesse e representação pareciam adequar-se de modo recíproco, à maneira dos “interesses bem compreendidos” de que falava Tocqueville. Do lado dos dominados, a formação do PT e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) constitui a expressão mais clarividente deste momento.

A este período, por vezes idealizado a fim de servir como contraste positivo ao que viria pela frente, sucede-se a denominada “era da indeterminação”, marcada exatamente pelo desmanche das formas de sociabilidade formadas no período anterior, base social sob a qual emergiram as “invenções democráticas” da época. Agora, tanto quanto a economia, a política encontrava-se entrecortada pela privatização geral do público, “no sentido arendtiano: os indivíduos são jogados aos seus espaços privados, à solidão, à insegurança, que decorre exatamente da ‘privação’ do espaço público e da alteridade” (Oliveira, 2007OLIVEIRA, Francisco. 2007. Um crítico na periferia do capitalismo. In: CEVASCO, Maria Elisa; OHATA, Milton (orgs.). Um crítico na periferia do capitalismo: reflexões sobre a obra de Roberto Schwarz. São Paulo: Companhia das Letras , p. 149-152., p. 29). Deslegitimada a própria existência e possibilidade de negociação do conflito, a hora seria da “ação anticomunicativa”, como que invalidando a perspectiva de uma modernidade habermasiana à brasileira, esboçada nos anos 1980, e tudo isso na contramão (e daí o paradoxo) da consolidação gradativa das instituições democráticas no país.

Como insiste Vera Telles (2007TELLES, Vera da Silva. 2007. Transitando na linha de sombra, tecendo as tramas da cidade (anotações inconclusas de uma pesquisa). In: OLIVEIRA, Francisco; RIZEK, Cibele (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo, Boitempo , p. 195-218., p. 199) em texto publicado na mesma coletânea, tal situação impôs “um radical deslocamento do ponto da crítica, quer dizer, deslocamento do plano de referência para que a reflexão crítica possa ser exercida”, provocando um estado de perplexidade diante de uma exceção que parecia estar se tornando regra, conforme a terminologia benjaminiana doravante presente (via Giorgio Agamben) nas reflexões do grupo. Nas palavras da autora:

“O que está em pauta nos tempos que correm é a inviabilidade de nos fixarmos nos termos como até agora lidamos com as coisas do mundo. Simplificando muitíssimo, trata-se de um deslocamento do terreno em que nos acostumamos a tematizar as ‘incompletudes’ da sociedade brasileira, esse terreno no qual fazia sentido a proposição habermasiana das chamadas promessas não realizadas da modernidade” (Telles, 2007TELLES, Vera da Silva. 2007. Transitando na linha de sombra, tecendo as tramas da cidade (anotações inconclusas de uma pesquisa). In: OLIVEIRA, Francisco; RIZEK, Cibele (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo, Boitempo , p. 195-218., p. 200).

À mudança do tempo histórico, diagnosticada como ruptura de época, deveria corresponder, assim, uma transformação da perspectiva da análise. Se nos anos 1980 e meados dos 1990 tratava-se de se apostar na força mobilizadora da “linguagem dos direitos”, ancorando-a nas noções de lei, cidadania e espaço público, duas décadas depois o cenário exigia nova postura: “no lugar de Claude Lefort, é Giorgio Agamben”, cujo olhar cortante pareceria mais afinado com a modernidade contemporânea. Para Telles, e aqui tocamos no cerne do argumento, a insistência no emprego dessas noções outrora adequadas, num momento em que elas já não dispõem mais “da potência de se confrontar com uma realidade que escapa e transborda por todos os lados” (2007, p. 202), arrisca-se a edulcorar com “ares de modernidade democrática” os “dispositivos gestionários” que, na realidade, sinalizariam o congestionamento da política pensada “positivamente” nos termos da “invenção democrática” de Lefort, ou da “esfera pública” de Habermas.

Nas reflexões de Telles, porque empiricamente pautadas pela observação das “tramas da cidade”, tal estado de coisas se apresenta na sua faceta mais cruel e indiferenciada, entre o lícito e o ilícito, o público e o privado, e, em especial, entre a norma e a exceção, no âmbito de uma nova ordenação social em gestação que, rigorosamente, já não é mais o que era, mas ainda não é o que será. Este também se trata do horizonte do texto de Maria Célia Paoli na coletânea, intitulado “O mundo do indistinto: sobre gestão, violência e política”. A partir da análise das “populações supérfluas” na cidade de São Paulo, o declínio da política demarca um parâmetro significativo para o diagnóstico do tempo presente. Para Paoli, a política no sentido arendtiano é cada vez mais suplantada pela razão dominadora marcuseana e, em especial, pelas técnicas foucaultianas de gestão e controle do social: “é no vazio da política que a violência e a gestão das populações se instalam e produzem a ausência do mundo partilhado como referência de estar no mundo” (Paoli, 2007PAOLI, Maria Célia. 2007. O mundo do indistinto: sobre gestão, violência e política. In: OLIVEIRA, Francisco; RIZEK, Cibele (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo, Boitempo , p.221-256. , p. 226).

Do Brasil-ornitorrinco à crítica ao PT

Um momento decisivo desta inflexão teórica e normativa a que estamos analisando é o conhecido e polêmico ensaio O ornitorrinco, de Francisco de Oliveira, publicado em 2003OLIVEIRA, Francisco. 2003. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo .. Concebido em meio aos debates do projeto temático apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o texto avança na caracterização do que ele chamara outrora de “totalitarismo neoliberal”, que agora ganhara um aliado improvável, do lado dos dominados: o PT, partido do qual Oliveira se desligou logo em 2003, na esteira da crise nas bases deste, ocasionada pela reforma da Previdência promovida pelo governo Lula, ainda no primeiro ano de mandato. No ano seguinte, manifestou apoio à criação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), mas sem nunca nele vislumbrar uma alternativa concreta à hegemonia do PT na esquerda brasileira.

Em “O ornitorrinco”, Francisco de Oliveira diagnostica o impasse de um país que não pode mais se aproveitar das brechas propiciadas pelo impulso modernizador no bojo da chamada Segunda Revolução Industrial, que não é mais “subdesenvolvido” sem, no entanto, ter se tornado propriamente “desenvolvido”. Tal como o bicho estranho tomado como metáfora, o Brasil se transmutou nisso mesmo: não é mais isso, nem mais aquilo, pairando no limbo ao sabor dos imperativos da globalização neoliberal. No ensaio de inspiração zoológica, Oliveira destaca precisamente o resultado desta perda da capacidade de escolha, isto é, deste declínio da política, a saber: o primado de uma “evolução truncada” que parece sem rumo, que não está indo nem para um lado nem para o outro.

Se no período que antecede o golpe de 1964, ou na passagem dos anos 1970 para os 1980, com a emergência de um partido de massas como o PT, alguma possibilidade ainda havia para uma virada ilustrada, que operaria a transformação da estrutura altamente desigual da distribuição da renda e, assim, do próprio caráter do desenvolvimento nacional e de sua inserção na ordem global, esta teria se esfumaçado com o advento do “ornitorrinco”, quando a própria atuação do PT no governo sinalizaria que “não está [mais] à vista a ruptura com a longa ‘via prussiana’ brasileira” (Oliveira, 2003OLIVEIRA, Francisco. 2003. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo ., p. 146). Como diria em ensaio sintomaticamente intitulado “O momento Lênin”, originalmente redigido como relatório final do projeto temático FAPESP, “O pensamento nas rupturas da política” [2004], e depois inserido na coletânea A era da indeterminação (2007), a vitória eleitoral de Lula em 2002, com todos os limites envolvidos, poderia ter significado o início de uma bifurcação, de uma disposição política capaz de estimular a abertura de um novo ciclo histórico, aproveitando-se da indeterminação vigente, tal como fizera Lênin em 1917. A virtualidade, porém, não se efetivou: “Ao contrário de Lênin, que percebeu a falência do sistema de poder e a aprofundou ao dirigir o movimento para a revolução socialista, Lula recompôs o sistema político que o turbilhão combinado da desregulamentação de FHC e da globalização havia implodido” (Oliveira, 2007OLIVEIRA, Francisco. 2007. O momento Lênin. In: OLIVEIRA, Francisco; RIZEK, Cibele (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo, Boitempo , p. 257-287., p. 266).

Como argumentaria após a segunda vitória eleitoral de Lula, em 2006, os governos do PT - em sintonia com o ocorrido na África do Sul pós-apartheid - seriam responsáveis por tocar o programa dos dominantes (com a “direção moral” do Estado em suas mãos), fazendo-o valer como sendo também o programa dos dominados, num processo por ele chamado, sob livre inspiração gramsciana, de “hegemonia às avessas” (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Francisco. 2010. O avesso do avesso. In: OLIVEIRA, Francisco; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo, Boitempo , p. 369-376.). Nela, “os dominados realizam a ‘revolução moral’ - derrota do apartheid na África do Sul e eleição de Lula e Bolsa Família no Brasil - que se transforma, e se deforma, em capitulação ante a exploração desenfreada” (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Francisco. 2010. Hegemonia às avessas. In: OLIVEIRA, Francisco; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo, Boitempo , p. 21-27., p. 27). No governo, Lula completaria assim o “ciclo antiPolanyi” do neoliberalismo: “se FHC destruiu os músculos do Estado para implementar o projeto privatista, Lula destrói os músculos da sociedade, que já não se opõe às medidas de desregulamentação” (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Francisco. 2010. Hegemonia às avessas. In: OLIVEIRA, Francisco; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo, Boitempo , p. 21-27., p. 375).

O ensaio “Hegemonia às avessas”, originalmente publicado na revista Piauí, em janeiro de 2007, serviu como mote do Seminário Internacional do Cenedic realizado em outubro de 2008, que resultou na publicação do livro Hegemonia às avessas. Economia, política e cultura na era da servidão financeira, em 2010, novamente pela coleção “Estado de sítio”, da Boitempo Editorial. A publicação do livro, bem como todo o processo que lhe deu origem, demarca uma mudança temática importante na trajetória do Cenedic: de agora em diante, a análise dos governos liderados pelo PT é alçada definitivamente ao centro das preocupações dos pesquisadores do grupo, no âmbito da análise do “desmanche” neoliberal que seguia em marcha. Tão importante quanto é o fato de que se trata do último livro do Cenedic em que Francisco de Oliveira figura como autor e organizador, revelando que, já naqueles anos do final da década de 2000, um processo de transição geracional estava em curso, da qual davam prova as presenças cada vez mais proeminentes de Ruy Braga e de André Singer, que, ao lado dos remanescentes Vera Telles, Cibele Saliba Rizek, Leonardo Mello e Silva, Carlos Alberto Bello, dentre outros, lideraram a recomposição do Centro ao longo da década de 2010.

Entre crítica e utopia

A inflexão pela qual passou os intelectuais do Cenedic, a partir do final da década de 1990, transitando de uma perspectiva relativamente otimista em relação às potencialidades “políticas” e “democratizantes” dos “novos” movimentos sociais a uma posição de ceticismo e perplexidade diante do desmanche neoliberal, não deixou de provocar críticas oriundas de interpretações concorrentes no espaço acadêmico das ciências sociais brasileiras sobre a democracia, a sociedade civil e os movimentos sociais no Brasil desde a Abertura. Para José Szwako (2009SZWAKO, José. 2009. Os sentidos da democracia: crítica, aposta e perplexidade na produção do Cenedic. Lua Nova , n. 78.), por exemplo, que vocaliza uma posição mais ampla, mobilizando-a na crítica ao Cenedic, a virada pessimista do Centro incitou o apego a uma “concepção negativa de política” que, a reboque da decepção com a não realização das esperanças democráticas dos anos 1980, teria acabado por erodir a própria possibilidade de um “aprofundamento” da política e dos “valores democráticos”, o que suporia a consideração “de um componente utópico aberto a contradições e ambiguidades”.

Na perspectiva mobilizada por Szwako, e aqui se encontra o núcleo do seu argumento, tal movimento teórico-intelectual deve ser compreendido “não apenas em função da mudança histórica” representada pela “mundialização do capital e [...] processos correlatos”, senão também, em particular, “através das relações político-intelectuais travadas com e contra outras interpretações a respeito dos sentidos da política e da democracia brasileiras” (Szwako, 2009SZWAKO, José. 2009. Os sentidos da democracia: crítica, aposta e perplexidade na produção do Cenedic. Lua Nova , n. 78., p. 255). Assim, para o autor, a passagem desencantada para uma “concepção negativa de política” por parte dos autores do Cenedic não pode ser vista somente, ou sobretudo, como refração ao “desmanche neoliberal”, mas antes como um movimento que, embora atinado com as transformações histórico-políticas mais amplas, deitaria suas raízes explicativas na sua própria dinâmica interpretativa interna, em sua oposição relativa às demais concepções em voga.

Em outras palavras, “ambas, aposta e perplexidade, são as duas faces da mesma moeda, de uma só subjetividade”, a segunda sendo decorrência quase necessária do declínio do otimismo da primeira. Confrontado à emergência fulgurante do neoliberalismo, desde o início dos anos 1990, ao otimismo desmesurado de outrora não restaria senão a adesão a uma “crítica perplexa” que, a partir da virada para a década de 2000, estaria na “liderança na disputa pela posição de algoz da política” (Szwako, 2009SZWAKO, José. 2009. Os sentidos da democracia: crítica, aposta e perplexidade na produção do Cenedic. Lua Nova , n. 78., p. 300). A inflexão seria, no limite, tanto analítica, delimitando o esgotamento da potência crítica de categorias como “cidadania” e “direitos”, quanto normativa, estimulando-os à incorporação de uma “concepção da não Política” (p. 275). O apego à “concepção negativa de política hoje [2009] corrente no Cenedic” seria, então, uma espécie de justificação destas “recusas”, como se os intelectuais agrupados no grupo incorporassem, por excesso de “negatividade”, o próprio mote neoliberal para o qual “não há alternativa”.

Ora, muito embora Szwako descreva de modo preciso um movimento (“inflexão”) político-intelectual que de fato ocorreu, como estamos acompanhando neste artigo, no qual intelectuais outrora identificados com as potencialidades políticas democratizantes intrínsecas aos “novos” movimentos sociais não hesitaram em redefinir as suas próprias posturas interpretativas, à luz do que entendiam como fracasso desta mesma aposta social e política, bem menos convincente é a sua caracterização dos condicionantes deste processo. Isso porque, ao enfatizar as determinações internas, digamos assim, da virada “pessimista” dos autores do Cenedic, restringindo-a aos embates no âmbito dos debates político-intelectuais sobre os “sentidos da democracia” brasileira, Szwako acaba por subvalorizar a importância das transformações políticas, econômicas e culturais da época, mudanças históricas cuja apreensão na forma de um diagnóstico de época está na base do reposicionamento intelectual em questão.

Por isso mesmo, a utilização de noções como “exceção permanente”, “anulação do dissenso” ou “ação anticomunicativa”, bastante presentes desde a coletânea A era da indeterminação (2007), não necessariamente significa, como supõe o autor, a adesão a uma “negatividade pura”, cuja consequência mais grave seria a “demissão da crítica” (Szwako, 2009SZWAKO, José. 2009. Os sentidos da democracia: crítica, aposta e perplexidade na produção do Cenedic. Lua Nova , n. 78., p. 293). Na realidade, uma mirada menos restritiva não teria dificuldades em identificar que, para além das qualificações a respeito, se trata, sim, de uma “negatividade determinada”, em sentido dialético-adorniano, se quisermos, que se define por sua crítica à realidade “realmente existente”. Uma negatividade, portanto, que se propõe como crítica determinada do que eles entendem como “desmanche neoliberal”. Assim, se é bem verdade que as reflexões e pesquisas dos autores do Cenedic se fizeram em grande medida em oposição relativa às demais interpretações nas ciências sociais sobre a questão da democracia e da política no Brasil pós-redemocratização, é impossível compreendê-las sem as situar como expressões intelectuais possíveis, à esquerda, diante das tendências desagregadoras que, a partir dos governos FHC, teriam invalidado as possibilidades aventadas anos ou décadas antes. Dito de outro modo: se foi o otimismo de antanho que, em alguma medida, impulsionou o pessimismo de agora, a passagem só se completa com o diagnóstico de que uma mudança de época estava em curso.

Nessa perspectiva, muito mais problemático seria o apego a modelos ora catapultados pela história, modelos que, reafirmados como princípios gerais, acabam por legitimar - aí sim demitindo-se da crítica determinada - a nossa “democracia sem espaços públicos”, como diz Maria Célia Paoli (2007PAOLI, Maria Célia. 2007. O mundo do indistinto: sobre gestão, violência e política. In: OLIVEIRA, Francisco; RIZEK, Cibele (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo, Boitempo , p.221-256. , p. 230), como se os princípios formais da institucionalidade vigente, se bem mobilizados, pudessem fazer frente ao “estado de emergência” econômica e social a que estaria submetida inclusive, e sobretudo, a política institucional (Paulani, 2008PAULANI, Leda Maria. Brasil delivery. São Paulo: Boitempo , 2008.; 2010PAULANI, Leda Maria. 2010. Capitalismo financeiro, estado de emergência econômico e hegemonia às avessas no Brasil. In: OLIVEIRA, Francisco; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo, Boitempo , p. 109-134.). Como se, enfim, algo daquele “fetichismo institucional” atribuído por Wanderley Guilherme dos Santos aos liberais brasileiros estivesse aí presente (ainda que em outra perspectiva, bem entendido), o país legal se impondo em detrimento das agruras do país real.

Aqui sobrevém o papel decisivo que os intelectuais do Cenedic atribuem à crítica, em sentido amplo, a fim de perscrutar sob novas abordagens os desafios desta realidade em movimento e, por isso mesmo, irredutível às fixações formalistas. Diante da ausência dos contornos nítidos das transformações em curso, a crítica - como perspectiva teórica e normativa, para não dizer política - acabou por se impor como garantia última, ainda que frágil, contra o pragmatismo, mas também contra o denuncismo estéril. É somente pela via da crítica do existente que a “fresta” da utopia poderá ser reencontrada. Como afirmara Francisco de Oliveira, em entrevista para a revista Vintém, em 1999, quando questionado se a radicalização da negatividade crítica não poderia levar a uma “perspectiva desesperançada”:

“Quando eu faço uma crítica radical àquilo que a racionalidade burguesa não conseguiu alcançar, eu estou praticando uma utopia. Em certas conjunturas você tem a capacidade de avançar na descrição utópica. Em outras você não tem. Eu percebo uma defasagem entre uma virtualidade que se abre e uma nova força que não se formou. A utopia é crítica do real por aquilo que nega o real. Não deve ser confundida com positividade, no sentido de pensar que o futuro contém o melhor. Então eu acho toda crítica radical é uma utopia mesmo quando tem formas que não parecem utópicas” (2018OLIVEIRA, Francisco. 2018. Entrevistas com Francisco de Oliveira. In: OLIVEIRA, Francisco. Brasil: uma biografia não autorizada. São Paulo: Boitempo , p.147-162., p. 162)).

É nesse contexto que se torna possível compreender a importância das reflexões de Roberto Schwarz nos debates do Cenedic, a partir do final da década de 1990, autor que, segundo Szwako (2009SZWAKO, José. 2009. Os sentidos da democracia: crítica, aposta e perplexidade na produção do Cenedic. Lua Nova , n. 78.), teria grande responsabilidade na inflexão negativa do centro, et pour cause. Pioneiro na crítica pela esquerda à lógica da modernização assumida, até mesmo, pela intelectualidade crítica brasileira, cuja positivação do “moderno” ele opôs a “negatividade” da crítica frankfurtiana às ilusões no progresso (Querido, 2013QUERIDO, Fabio Mascaro. 2013. Colapso da modernização, Roberto Schwarz e a atualização da dialética à brasileira. Novos Estudos CEBRAP , n. 97., 2019QUERIDO, Fabio Mascaro. 2019. Pensamento ao quadrado: Roberto Schwarz e o Brasil. Lua Nova, 107, p. 235-261.), Schwarz inspirou de modo decisivo, por exemplo, o projeto temático junto à FAPESP desenvolvido pelo grupo entre 2001 e 2005, assim como o ensaio de Francisco de Oliveira, “O ornitorrinco”, de 2003.

O ensaio “Fim de século”, em particular, publicado em 1999 em Sequências brasileiras, esteve muito presente nos debates do Cenedic exatamente no período em que o Centro passava por esta inflexão negativa, quando o eixo das preocupações passou a ser a análise das consequências do “desmanche”. Originalmente uma conferência ministrada na Universidade de Yale, em 1994, o ensaio demarca o que Schwarz entendia como esgotamento de um ciclo histórico (nacional-desenvolvimentista) que teria fenecido sem que as esperanças a ele associadas tenham se realizado, ao menos não na forma imaginada. Com a modernização e o desenvolvimento transformando-se em bandeiras do próprio regime militar - que, portanto, os realizava sem ruptura com o “atraso”, com o imperialismo e sem integração social, como esperavam os nacional-desenvolvimentistas -, a nova etapa que então se abria se caracterizava, segundo Schwarz, acima de tudo, pelo impasse em relação a qualquer saída nacional possível para o país, como se o futuro já fosse o presente, encurtando de vez o nosso “horizonte de expectativas”. Como reconheceu Francisco de Oliveira (2007OLIVEIRA, Francisco. 2007. Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento. In: OLIVEIRA, Francisco; RIZEK, Cibele (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo, Boitempo , p. 15-45., p. 149), “o animal [o ornitorrinco] esta[va]” aí, antecipado na pena schwarziana.

Igualmente uma figura de destaque nesse contexto é Paulo Arantes, outro a estar presente como referência desta virada negativa do Cenedic. Mas, talvez porque “descobriu o Brasil” tardiamente, já num momento - em meados dos anos 1970, graças a Candido e Schwarz - em que o ciclo nacional-desenvolvimentista havia esgotado suas possibilidades “progressistas”, em Arantes não é possível encontrar nem mesmo os resquícios da nostalgia pelo período pré-1964, e menos ainda pelos anos 1980, timidamente presentes, no primeiro caso, em Schwarz, e tanto no primeiro quanto segundo, em Oliveira. Talvez por isso Paulo Arantes tenha ido mais longe nessa caracterização do capitalismo contemporâneo (não apenas na periferia) como “estado de exceção permanente”, dialogando diretamente com a obra de Giorgio Agamben.

Basta conferir, para tanto, os trabalhos de Arantes produzidos já no século XXI, seja sobre a “periferização” do mundo, como no polêmico (e “schwarziano”, em alguma medida) ensaio “A fratura brasileira do mundo” (2004ARANTES, Paulo. 2004. A fratura brasileira no mundo. In: Zero à Esquerda. São Paulo, Conrad.), ou nos escritos compilados nos volumes Extinção (2007ARANTES, Paulo. 2007. Extinção. São Paulo: Boitempo .) e O novo tempo do mundo (2014ARANTES, Paulo. 2014. O novo tempo do mundo. São Paulo: Boitempo .). Nestes trabalhos, Arantes desenvolve reflexões sobre as formas de dominação no capitalismo contemporâneo que, em chave mais empírica, foram amplamente mobilizadas pelos sociólogos do Cenedic a fim de analisar o lugar do Brasil neste “novo mundo”. Não é um acaso que a apresentação de Extinção tenha sido redigida por Laymert Garcia dos Santos, pesquisador do Cenedic.

Para Arantes, a “exceção sem regra” que nos marca como país que veio ao mundo como entreposto comercial-escravocrata do capitalismo nascente, com sua “acumulação por espoliação” permanente, essa exceção nos torna hoje uma espécie de “laboratório” da chamada Terceira Revolução Mundial, a tal ponto que, com os devidos cuidados, se poderia falar de uma “brasilianização do mundo”, não no sentido da generalização daquela modernidade democrática alternativa sonhada por Antonio Candido (1970CANDIDO, Antonio. 1970. Dialética da malandragem. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 8, p. 67-89., p. 85-88) ao final do seu ensaio sobre a “dialética da malandragem” plasmada pelas Memórias de um sargento de milícias, mas sim no do transbordamento do que era exceção aos espaços sociais antes geridos pela “normalidade”. Na parte que nos cabe, foi exatamente Francisco de Oliveira quem, segundo Arantes, melhor apreendeu o “fundamento materialista” dessa “brasilianização do mundo”, mapeando o “ornitorrinco” que, ao que parece, estaria ele sim se tornando “modelo”.

Percebe-se, assim, que as afinidades entre este conjunto de autores - do Cenedic, passando por Schwarz, até Arantes - se explicam acima de tudo por uma tomada de posição mais ou menos comum, na sua oposição relativa às perspectivas concorrentes, diante das transformações histórico-políticas que se iniciam nos anos 1990. Não se trata, portanto, de mera influência teórica de um sobre os outros, e sim de uma confluência que se realiza num espaço-tempo determinado.

Transição geracional e renovação interpretativa: desdobramentos

A publicação da coletânea Hegemonia às avessas, em 2010, como já se observou, é o último livro do Cenedic em que Francisco de Oliveira - já aposentado como professor - consta como autor e/ou organizador. Àquele momento, o Centro já passava por um processo de transição geracional que, simultaneamente à continuidade dos governos liderados pelo PT, reverberou numa relativa renovação interpretativa para a qual a incorporação do cientista político André Singer revelou-se decisiva. Secretário de imprensa do primeiro governo Lula, entre 2003 e 2006, Singer voltou ao Departamento de Ciência Política da USP em 2007, e, a convite do próprio Francisco de Oliveira e de Ruy Braga, integrou-se ao Cenedic, junto ao qual elaboraria a sua interpretação própria do que chamará de lulismo.

Em alguma medida, talvez fosse possível dizer que a entrada em cena de André Singer sinalizou uma certa inflexão na inflexão negativa pela qual passara o Cenedic a partir dos últimos anos da década de 1990. Articulando análise do comportamento eleitoral, área de sua tese de doutorado sobre as eleições de 1989 e 1994 [1998], e análise das bases sociais de classe da política, à la Francisco Weffort ou o Marx de O 18 Brumário, André Singer trouxe um novo olhar a um fenômeno, o “lulismo”, que se tornara, no Cenedic, a prova aparentemente inquestionável de que os de baixo, ou aqueles que os representam, haviam aderido à “regressão” em curso - de onde, como vimos, a perspectiva algo pessimista da produção intelectual do centro desde então.

Como reconhece o próprio Singer, e nem precisaria, as suas reflexões sobre o lulismo dialogam diretamente com a interpretação de Oliveira. “A minha aspiração - diz ele - foi a de apresentar uma interpretação [dos governos do PT] alternativa à de Chico, situando-me no mesmo campo de pensamento que o dele” (2012, p. 261). Assim, ali onde Oliveira enxerga um processo de “hegemonia às avessas”, Singer vê - com todas as limitações realmente existentes - “uma efetiva representação do subproletariado” (2012, p. 81). Ali onde o sociólogo pernambucano visualiza os dominados aplicando o programa dos dominantes, o cientista político paulista acredita estar em marcha um processo de “realinhamento eleitoral” que, operado pelo lulismo, significou “a mudança de um padrão histórico de comportamento político das camadas populares no Brasil, em particular no Nordeste” (Singer, 2012SINGER, André.. 2012. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras ., p. 42).

Para André Singer, ao colocar em prática um conjunto bem-sucedido de políticas visando a redução da pobreza e a reativação do mercado interno “sem confronto com o capital”, ainda no primeiro mandato, o governo Lula logrou produzir um “realinhamento eleitoral” que, cristalizado na vitória eleitoral de 2006, proporcionou-lhe uma nova base social, majoritariamente composta pelo “subproletariado”, camada subalterna numericamente maior do que o proletariado “tradicional” no Brasil.8 8 Na definição do economista Paul Singer, retomada por André Singer, o subproletariado compõe-se daqueles trabalhadores que “oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais” (1982, p. 22). Com efeito, à diferença das eleições de 1989, 1994, 1998 e mesmo de 2002, quando o eleitor de Lula era proporcionalmente maior entre setores das classes médias, a partir de 2006 - após, portanto, o episódio do “mensalão” -, os mesmos pobres que ajudaram a derrotar Lula nas eleições anteriores agora convergiam na direção do projeto lulista de diminuição da pobreza sem a instabilidade que se produziria se adotada a postura de confronto aberto.

É como se o lulismo tivesse produzido uma mudança na relação entre “identificação ideológica” e comportamento eleitoral que até então balizava o voto no Brasil pós-redemocratização, tal como demostrado pelo próprio Singer na sua tese de doutorado, depois publicada em livro com o título Esquerda e direita no eleitorado brasileiro. A identificação ideológica nas disputas presidenciais de 1989 e 1994 (2000). Isso porque, como nunca na história deste país, como gosta de dizer, Lula conseguiu articular perspectivas diferentes, às vezes antagônicas, acerca do modo de se atingir maior igualdade. Mantendo-se relativamente à esquerda, o lulismo trouxe para a sua órbita a reivindicação hegemônica dentre os eleitores de baixa renda da busca pela igualdade através do reforço da autoridade do Estado, como sempre defendera a “direita popular”, em contraposição à mobilização social que, provocando instabilidade, tenderia a questionar a ordem vigente (Singer, 2000SINGER, André. 2000. Esquerda e direita no eleitorado brasileiro. A identificação ideológica nas disputas presidenciais de 1989 e 1994. São Paulo: Edusp/FAPESP., p. 20, 146, 258).

Nesse sentido, argumenta Singer, “dado tal arranjo ideológico”, que incorpora elementos de certo “conservadorismo popular” (Pierucci, 1994PIERUCCI, Antonio Flávio. 1994. Linguagens autoritárias, voto popular. In: DAGNINO, Evelina (org.). Anos 90: Política e Sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense .), a hegemonia lulista “não seria ‘às avessas’, como sugeriu Oliveira, ainda que, ao juntar elementos de esquerda e de direita, cause a impressão de inverter o arranjo lógico dos argumentos, pois sempre se teve como evidente que, para diminuir a desigualdade no Brasil, seria preciso alterar a ordem” (Singer, 2012SINGER, André.. 2012. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras ., p. 52). Apenas do ponto de vista irredutível dessa esperança em um “reformismo forte” (o termo é de Roberto Schwarz), visto como necessário para a luta contra as desigualdades abissais da ex-colônia, é que se poderia falar de “retrocesso”, como o fazem Oliveira e outros críticos à esquerda do lulismo. “Juiz acima das classes”, o lulismo não significa que “os dominados ‘comandam a política’, como na formulação que Oliveira foi buscar na África do Sul pós-apartheid” (2012, p. 82). Trata-se antes de uma espécie de bonapartismo que arbitra o conflito entre as classes de modo a mantê-lo dentro dos limites da ordem, permitindo, assim, a satisfação parcial dos interesses do subproletariado, a sua verdadeira base social e eleitoral, fração cuja fragilidade estrutural seria de tal monta que a manteria destituída da possibilidade de intervenção autônoma na luta de classes.9 9 Essa aparente ambiguidade entre o lulismo entendido como bonapartismo, cujo caráter de arbitragem levaria a uma política ziguezagueante, e o lulismo percebido como realização política do programa do subproletariado, não passou despercebido por um leitor perspicaz como Armando Boito Junior, para quem, embora sustente a tese do bonapartismo lulista, Singer dá a entender que, na prática, é “como se o subproletariado estivesse no poder” (2013, p. 173).

Segundo Singer, ainda que “lento e desmobilizador”, o “reformismo lulista” é um tipo de “reformismo” (2012SINGER, André.. 2012. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras ., p. 45). E um tipo que, apesar de “fraco”, não aponta para uma despolitização completa do conflito, tal qual sustenta Oliveira, mas sim para uma outra forma de politização, socialmente polarizada embora sem radicalização política, como fora o caso no pré-1964. Operando um deslocamento na luta de classes, sai a polarização “esquerda versus direita” e entra a “pobres versus ricos”, não apenas pela estratégia lulista, senão também pela reação da classe média tradicional às mudanças em curso.

Como uma espécie de Celso Furtado après la lettre, por assim dizer, Singer acredita que, sob a hegemonia neoliberal, a questão do desenvolvimento nacional, eixo das preocupações do economista de origem nordestina, é ainda mais atual do que o combate, em voga nos anos 1970 e 1980, pela participação político-democrática de base, ancorada nos movimentos sociais, e, portanto, externa ao Estado e às estruturas institucionais tradicionais. Singer retorna, assim, a um tipo de abordagem mais “estrutural”, no sentido amplo, hegemônica nos anos 1950 e 1960, inclusive no marxismo paulista da época - um tipo de abordagem que fora exatamente um dos alvos das críticas de Sader, Paoli e Telles na década de 1980, que viam aí uma subvalorização do processo ativo do “fazer-se” das classes populares.

Para Singer, o fato é que aquele “reformismo forte”, que dava o tom das esperanças da classe trabalhadora organizada na “onda democrática” dos anos 1980, embora tenha deixado as suas marcas na Constituição de 1988, acabou por esbarrar no “obstáculo” que apenas o lulismo, ao seu modo, lograra solucionar, qual seja: a “fração subproletária”, metade mais pobre da população brasileira cuja aspiração é “integrar-se à ordem capitalista e nela prosperar, e não transformá-la de baixo para cima, até porque isso não está ao seu alcance” (Singer, 2012SINGER, André.. 2012. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras ., p. 196). Retrospectivamente, como afirma em seu memorial de livre-docência, chega a ser “chocante” que, no início dos anos 1980, em meio à defesa da radicalização da participação democrática no âmbito da sociedade civil contra o “excesso de Estado”10 10 Singer se inclui no rol das vítimas do ofuscamento, que afinal é coletivo, ou mesmo geracional, e menciona a respeito um pequeno texto de juventude de sua autoria, publicado no antigo Folhetim da Folha de SP em 16 de agosto de 1981, intitulado “Liberdade e igualdade”, em que sustentava que a preocupação central para a vida democrática estava no “crescimento do poder do Estado” (Cf. Singer, 2012, p.237, 238, 239). A este propósito, talvez o “prussiano” Francisco de Oliveira tenha sido, à época, uma das exceções. , quase ninguém atinava para o que já começava a ser gestado em países como os EUA e a Inglaterra: a desregulamentação neoliberal. Otimistas quanto às possibilidades de uma democracia participativa, de baixo para cima, poucos percebiam que o verdadeiro problema, desde então, inclusive do ponto de vista democrático, seria “não o excesso de Estado, mas o excesso de mercado”, o que ficaria claro no caso brasileiro a partir da vitória eleitoral de Collor em 1989 e ao longo da década seguinte (Singer, 2012SINGER, André.. 2012. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras ., p. 239).

O retorno operado pelo lulismo a preocupações semelhantes àquelas dos anos 1950/1960, num contexto neoliberal, em que o Estado deixaria de ser problema para se tornar parte da solução, se fez presente também, e sobretudo, no primeiro governo de Dilma Rousseff. Ocorre que, com Dilma, o lulismo chegou aos seus próprios limites, sem, porém, alcançar de fato um outro patamar político. Segundo defendeu Singer em texto publicado na última coletânea do Cenedic (2016SINGER, André.. 2016. A (falta de) base política para o ensaio desenvolvimentista”. In: SINGER, André; LOUREIRO, Isabel (orgs.). As contradições do lulismo: a que ponto chegamos? São Paulo: Boitempo , p. 21-54.), ao promover uma espécie de “ensaio desenvolvimentista”, especialmente a partir de 2011 e 2012, Dilma levou o lulismo à beira da ruptura com seus moldes conciliatórios, chegando a confrontar abertamente os bancos pela derrubada dos juros. E exatamente por isso, ou seja, pela iniciativa que quase extrapolara para fora dos limites do padrão lulista de não confrontação explícita com os interesses do andar de cima, o embate dilmista foi finalmente boicotado pela própria burguesia industrial, “que a partir de 2012 começa gradualmente a sair da coalização produtivista e passar para a rentista” (Singer, 2016SINGER, André.. 2016. A (falta de) base política para o ensaio desenvolvimentista”. In: SINGER, André; LOUREIRO, Isabel (orgs.). As contradições do lulismo: a que ponto chegamos? São Paulo: Boitempo , p. 21-54., p. 44). Desde então, e em particular com os primeiros sinais da crise econômica já em 2013/2014, sem falar na irrupção das manifestações a partir de 2013, é o próprio lulismo que entra em crise - que, nos seus desdobramentos, se estenderia até o golpe institucional em 2016.

Mais recentemente, entre 2014 e 2017, André Singer coordenou o projeto “Desigual e Combinado: capitalismo e modernização periférica no Brasil do século XXI”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e do qual participaram intelectuais e pesquisadores de diversas áreas, mais além da sociologia e da ciência política, tais como, a professora de teoria literária Maria Elisa Cevasco (USP) e os filósofos Wolfgang Leo Maar (Universidade Federal de São Carlos - UFSCar) e Isabel Loureiro (Universidade Estadual Paulista - Unesp), esta última responsável por trazer ao debate a temática ecológica, que, cada vez mais presente em movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ficou de fora das principais preocupações dos governos Lula e Dilma, envoltos que estavam com a necessidade do desenvolvimento a todo custo, a fim de garantir a continuidade do pacto social em curso (Loureiro, 2016LOUREIRO, Isabel. 2016. Agronegócio, resistência e pragmatismo: as transformações do MST. In: SINGER, André; LOUREIRO, Isabel (orgs.). As contradições do lulismo: a que ponto chegamos? São Paulo: Boitempo , p. 123-156.). Por isso mesmo, a interpretação de Singer, longe de aplacar as visões mais críticas à esquerda no interior do Cenedic, apenas as obrigou a repensar e melhor precisar alguns dos seus pressupostos, de modo a responder aos argumentos pelos quais se viam interpelados. É o que se pode observar na coletânea, As contradições do lulismo. A que ponto chegamos?, organizada por Singer e por Isabel Loureiro, resultado do projeto junto ao CNPq, publicada no final de 2016, ou seja, já após a queda de Dilma Rousseff, muito embora a pesquisa se restrinja até o final do primeiro governo da mandatária petista, em 2014.

Em perspectiva de análise mais próxima àquela de Francisco de Oliveira, ainda que menos “negativa”, pode-se destacar, por exemplo, a figura de Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP. Oriundo da sociologia do trabalho, em particular daquela produzida nas Ciências Sociais da Unicamp, onde se doutorou, Braga dedicou-se, na última década, à análise do que chamou de “precariado” brasileiro, do populismo ao lulismo, entendendo este último como responsável pela promoção de novas formas de precarização do trabalho, muito embora, de modo inédito, esta viesse acompanhada do aumento dos níveis de formalização do emprego. Em A Política do Precariado: do populismo à hegemonia lulista, resultado de sua tese de livre-docência publicado em livro em 2012 pela Boitempo, na coleção “Mundo do Trabalho”, Braga desenvolve a hipótese - por ele já anunciada em textos anteriores - de que, à diferença da “hegemonia às avessas” alcunhada por Oliveira, e ainda mais do pacto social saudado por Singer, o lulismo significou um novo capítulo da “revolução passiva à brasileira”, marcado por uma nova etapa de reposição moderna do atraso - e auxiliada entre outras coisas pela “financeirização da burocracia sindical” (Bianchi e Braga, 2005BIANCHI, Alvaro; BRAGA, Ruy. 2005. Brazil: the Lula government and financial globalization. Social Forces, Chapel Hill, v. 83, n. 4.).

Segundo Braga, “a hegemonia lulista satisfaz, se não completamente, em grande medida, as premissas gramscianas a respeito tanto da ‘conservação’, isto é, a reação ‘dos de cima’ ao subversivismo inorgânico das massas, quanto [da] ‘inovação’, ou seja, a incorporação de parte das exigências ‘dos de baixo’” (Braga, 2010BRAGA, Ruy. 2010. Apresentação. In: OLIVEIRA, Francisco; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.). Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo, Boitempo, p. 7-14., p. 11), tais como aquelas descritas por Singer: ampliação do Bolsa Família e do acesso ao crédito, valorização do salário mínimo e “formalização” parcial do mercado de trabalho. Dessa forma, se, para Oliveira, nada poderia haver de avançado numa experiência como a do lulismo, para Braga, em revanche, o fenômeno comporta apesar de tudo uma dimensão progressista: afinal, a própria incorporação parcial das demandas do “de baixo” indicaria o papel ativo da pressão social e política exercida pelas classes subalternas, cujo “instinto classista” permanece latente mesmo quando parece totalmente integrado ao “transformismo” das direções sindicais e políticas.

Aos olhos de Ruy Braga, por isso mesmo, as raízes da hegemonia lulista podem ser buscadas na dinâmica da relação entre a burocracia sindical e os trabalhadores do ABCD na virada para os anos 1980, ou seja, no âmbito do que se convencionou chamar de “novo sindicalismo” (Braga, 2012BRAGA, Ruy. 2012. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo . , p. 181). Tanto lá, na perspectiva das direções sindicais, quanto na experiência de governo, a partir de 2003, estaria em questão a tentativa de controlar e, assim, passivizar o “classismo prático” dos subalternos. Observa-se assim que, ao contrário de Francisco de Oliveira, cujo parâmetro para a crítica aos governos liderados pelo PT era o reformismo forte que não veio, mas que poderia ter vindo, após a vitória eleitoral em 2002 (o “momento Lênin”), Braga entrevê os germes deste transformismo já nos primórdios da trajetória do PT e da CUT. O que mudou, com o tempo, foi o tipo de reformismo envolvido: “o reformismo petista deixou de ser plebeu para transformar-se em um reformismo (quase sem reformas) de gabinetes” (2012, p. 230).

O ponto de apoio “positivo”, por assim dizer, à luz do qual Braga analisa criticamente a hegemonia lulista, e que está ausente no último Oliveira, é a própria inquietação e/ou rebeldia operária que, a despeito das direções sindicais e políticas pelegas, permaneceria como elemento fundamental da dinâmica dos conflitos sociais em torno do mundo do trabalho, ainda quando passivizados. O precariado - tais como os operadores do call center analisados empiricamente11 11 Cf. também Antunes & Braga, 2009. - permanece como o “avesso” da “hegemonia às avessas”, da ótica do qual a dominação não se fossiliza, já que se revela vulnerável ao consentimento daqueles que são os mais atingidos caso as demandas sociais não sejam atendidas. Ativo nas cúpulas, o consentimento seria fundamentalmente passivo no que se refere às bases, sancionado ad hoc através da incorporação parcial das suas exigências.

Caberia a uma “sociologia da inquietação operária” manter-se atenta a essa dinâmica conflitiva, no espectro da qual as fronteiras entre consentimento e resistência são bastante tênues: uma vez transformadas as condições para a continuidade do pacto político e social estabelecido, as mesmas massas que apoiavam o governo podem deixar de fazê-lo, tornando-se volúvel a mudanças de perspectiva e tensões com as direções cooptadas. Uma vez que consentem, mesmo que passivamente - à diferença da violência simbólica bourdieusiana, invisível e, portanto, algo inescapável -, as massas podem romper o consenso, ativamente.12 12 Para uma boa análise das diferenças entre Gramsci e Bourdieu em relação à dominação e, sobretudo, às possibilidades de resistência à dominação, cf. Burawoy (2010, pp.49-79). Foi o que teria ocorrido ainda no primeiro governo Dilma, à medida mesma que se aprofundavam as “tensões entre a regulação política e a acumulação econômica” (Braga, 2016BRAGA, Ruy. 2016. Terra em transe: o fim do lulismo e o retorno da luta de classes. In: SINGER, André; LOUREIRO, Isabel (orgs.). As contradições do lulismo: a que ponto chegamos? São Paulo: Boitempo , p. 93-122., p. 55), sobretudo a partir de meados de 2013.

Para Braga, se o lulismo logrou por algum tempo aplastar a luta de classes do centro da cena política, nem por isso os dominados deixaram de resistir, ao seu modo, para além da subordinação tanto a uma “hegemonia às avessas”, como argumenta Oliveira, quanto ao projeto equilibrista - de corte bonapartista - dos governos Lula/Dilma, como sustenta Singer. Apesar de tudo, o “precariado” (e o “subproletariado”) ainda “pulsa”, lutando e resistindo à luz dos seus próprios critérios, de sua própria experiência social, no âmbito da qual a pobreza pode ser transformada em classe, como gostaria Oliveira. Entre a classe trabalhadora formalizada, melhor renumerada, e o precariado, haveria não uma oposição ideológica, como entre o proletariado assalariado e o subproletariado em Singer, mas sim uma confluência de perspectivas que pode ser ativada nas lutas concretas. Para o autor, representando a fração mais mal paga e explorada do proletariado urbano e dos trabalhadores do campo, algo como a superpopulação relativa de que falava Marx, o precariado não é extrínseco à relação salarial, sendo, portanto, parte da classe trabalhadora em sentido amplo.

Nesse sentido, talvez se possa dizer que Braga reata alguns laços - nessa abertura para o que há de resistência nos dominados - com a perspectiva partilhada por Maria Célia Paoli e Vera Telles nos anos 1980. Com efeito, enquanto Singer retorna a uma abordagem mais “estrutural”, no sentido de que sublinha as determinações estruturais que definem as possibilidades de ação das classes e frações de classes, abordagem muito em voga nos idos dos anos 1950 e 1960, Braga retoma a ênfase de Sader, Paoli e Telles na atuação autônoma, assim como no potencial político, dos conflitos sociais de classe. Para eles, a sobrevivência de elementos do “atraso”, em função da singularidade do desenvolvimento da formação social brasileira, não pode servir de álibi - como fora o caso em parcela considerável da sociologia do trabalho nos anos 1950-1970 - à pouca consideração do papel exercido pelas classes subalternas na história do país.

Entre rigor acadêmico e resistência político-intelectual: à guisa de conclusão

O principal objetivo deste artigo foi reconstituir algumas das linhas-de-força intelectuais que condicionaram a trajetória do Cenedic, destacando-se a inflexão pela qual passou o centro já nos anos iniciais de atividade coletiva. Trabalhou-se com a hipótese de que essa inflexão não pode ser compreendida senão na sua forma específica de oposição intelectual aos desdobramentos do que entendiam - na esteira de Schwarz - como “desmanche” neoliberal. Assim, se “negatividade” há, ela apenas ser dimensionada quando inserida nessa relação de oposição à realidade vigente, oposição que se radicaliza na sua dimensão crítica à medida que vai se estabelecendo o diagnóstico de que também aquelas forças, como o PT, que poderiam impulsionar um projeto político alternativo, estavam se adequando aos ditames do “totalitarismo neoliberal”. Finalmente, analisou-se também alguns dos desdobramentos que, no espectro da transição geracional ainda em curso, vem gerando no Cenedic uma relativa renovação interpretativa, com perspectivas relativamente distintas sobre as experiências dos governos liderados pelo PT, tais quais aquelas de André Singer e de Ruy Braga.

Desde o início, motivados por uma sensação compartilhada de que estavam um tanto à margem no âmbito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFCLH), e, em especial, do Departamento de Sociologia, é forte a nota coletiva do trabalho do grupo, com as posições respectivas se adequando conforme se foi avançando no diálogo, como se - internamente ao centro - algum nível daquela improvável “razão comunicativa” imaginada por Habermas estivesse presente, mesmo que rodeada por um espaço social e simbólico mais amplo no qual as ideias de uns se definem por oposição às ideias dos outros, todas elas referindo-se, porém, de algum modo, à realidade estabelecida. Essa nota coletiva pode ser vista, por exemplo, na forma como os textos e/ou relatórios de pesquisa dos membros do Cenedic se reportam uns aos outros, com os ensaios de Francisco de Oliveira exercendo o papel de eixo de atração. Nesse processo, o grupo logrou consolidar e sustentar uma perspectiva específica sobre o Brasil contemporâneo, motivando novas aproximações, velhas e novas críticas, e, ademais, rupturas mais ou menos declaradas.

Por isso mesmo, se as constrições institucionais atinentes ao Departamento de Sociologia, pelo qual se sentiam rejeitados, como se este os visse como um “bando de porra-louca reunidos”, segundo afirmou recentemente Oliveira (Ridenti e Mendes, 2012RIDENTI, Marcelo; MENDES, Flávio. 2012. Do dualismo ao ornitorrinco: entrevista com Francisco de Oliveira. Cadernos CRH, Salvador, v. 25, n. 66), se estas constrições são relevantes para entender a trajetória do Cenedic, ainda mais importante, para o que se buscou sustentar nesse artigo, é o modo como essa confluência foi se consolidando ao longo do tempo do ponto de vista dos resultados de suas reflexões e trabalhos sociológicos, comportando as ideias, valores e atividades que, como argumentou Raymond Williams (2011WILLIAMS, Raymond. 2011. O Círculo de Bloomsbury. In: Cultura e Materialismo. Tradução: André Glaser. São Paulo: Editoria Unesp, p. 201-230.), asseguram a identidade de um agrupamento intelectual naquilo que pode “nos contar sobre as sociedades mais amplas com as quais eles mantêm relações incertas” (2001, p. 202). É bem verdade que uma análise de um grupo intelectual, segundo argumentou o mesmo Williams, deve ser capaz de ir além dos “termos pelos quais os membros do grupo veem a si próprios e desejariam ser reconhecidos”, apreendendo o seu “significado social e cultural mais amplo” (Williams, 2011WILLIAMS, Raymond. 2011. O Círculo de Bloomsbury. In: Cultura e Materialismo. Tradução: André Glaser. São Paulo: Editoria Unesp, p. 201-230., p. 206, 207). Mas esse ir além não significa a desconsideração de suas expressões enquanto intelectuais, mesmo que social e institucionalmente situados no tempo e no espaço, e sim a sua análise à luz destas condições que aparecem como externas, mas que são, na verdade, ainda que nem sempre de modo explícito, internalizadas no texto.

Nas suas ressonâncias intelectuais tanto quanto políticas, as ideias elaboradas pelos membros do Cenedic são, portanto, fundamentais para a compreensão do itinerário do centro: é através delas que podemos reconhecer as tomadas de posição do grupo, por oposição às outras ideias com as quais se defronta, explícita ou implicitamente, assim como com relação à vida social e política da qual é parte, admite-se ou não. É por meio da análise da produção intelectual do Cenedic que se torna possível, assim, apreender a modalidade específica de sociologia crítica ali levada a cabo, a qual pode ser vista como continuadora, embora com elementos de inflexão, daquela tradição da ciência social paulista a um só tempo academicamente rigorosa e politicamente antenada, tal qual materializada, por exemplo, no CEBRAP e no Cedec dos anos 1970 e 1980.

Ocorre que, à diferença destes dois centros de pesquisa - ainda vigentes, embora com outras perspectivas -, o Cenedic jamais contou com qualquer autonomia institucional vis-à-vis da Universidade, além de nunca ter tido uma revista própria. Nesse contexto, pertencentes em sua maioria ao Departamento de Sociologia da USP, seria natural que com o tempo surgissem atritos que, mais do que a meras rivalidades acadêmicas e/ou institucionais, referem-se a estilos diferentes de trabalho intelectual, no âmbito da Universidade. Talvez tenha sido, em alguma medida, pensando nos colegas de Departamento pertencentes ao Cenedic que Sérgio Miceli tenha afirmado, em entrevista de 2004:

“A USP eu vejo que tem uma [...] divisão. Acho que existe uma parte do que se diz que é a sociologia que, na verdade, é uma sociologia muito aplicada, ética e politicamente orientada, e uma sociologia que acho ser sociologia mesmo, onde se tenta fazer um trabalho sociológico. Acho que, mais do que a antropologia, a sociologia ressente-se muito dessa coabitação com militância, com Serviço Social, misturando tudo” (Miceli, 2006MICELI, Sérgio. 2006. Entrevista. In: BASTOS, Elide Rugai; ABRUCIO, Fernando; LOUREIRO, Maria Rita; REGO, José Marcio. (orgs.). Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo: Editora 34, p. 219-250., p. 240).

Ora, é bem possível que a carapuça sirva ao Cenedic, já que de fato a sociologia produzida pelo grupo, até certo ponto, pode ser descrita como “ética e politicamente orientada”, abrindo-se a dimensões da experiência que os intelectuais circunscritos aos limites do seu campo não se dispõem a considerar. Para os seus membros, essa abertura para a experiência social e política serve como contraponto à tendência acadêmica de olhar apenas para dentro das fronteiras estabelecidas. Como escreveu certa vez o historiador Eric Hobsbawn, em ensaio sobre a questão do engajamento: “como convidados de um grande hotel, os especialistas em um campo podem suprir a maior parte de suas necessidades, sem deixar o edifício” (1998, p. 153). Os intelectuais do Cenedic, bem ou mal, saíram do “edifício” e buscaram transformar influxos “externos”, tais como os efeitos do desmanche neoliberal, em tema de pesquisa e, bem cumprida essa etapa, em possível denúncia crítica do estado de coisas analisado. Assim como Gramsci, inspiração tardia no centro, eles também reconhecem que, na sua imanência, o conhecimento não escapa à prática social e política. O conflito é externo, mas também interno ao próprio trabalho intelectual, cabendo a este “traduzi-lo” a partir de um ponto de vista que se sabe condicionado.

O caráter ensaístico dos textos de Francisco de Oliveira, mais tarde alastrado para outros membros do Cenedic, é sintomático dessa tomada de posição intelectual, em oposição à linguagem estritamente científica que, do primeiro Florestan Fernandes a Miceli, caracterizou a “sociologia que é sociologia mesmo”, como disse o último. Para Oliveira e companhia, o ensaio é o gênero mais adequado para a crítica, à medida que apreende, como diria Adorno (2003ADORNO, Theodor. 2003. O ensaio como forma. In: Notas de literatura I. Tradução: Jorge de Almeida. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, p. 15-46., p. 23), “conhecimentos [...] que dificilmente podem ser capturados pelas redes da ciência” - cientificista, poderíamos acrescentar. Essa dimensão crítica é o que lhes permite reconhecer os desdobramentos políticos de suas ideias sem recair, ao mesmo tempo, na sobrepolitização da reflexão teórica, já que também permanecem tributários do rigor acadêmico exigido pela posição de professores/pesquisadores universitários que ocupam. No limite, foi em meio a essas fronteiras porosas que o Cenedic foi se equilibrando ao longo do tempo, tendo logrado inscrever, nestes seus primeiros vinte anos de existência (1995-2015), um novo capítulo na história da sociologia crítica paulista.

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  • WILLIAMS, Raymond. 2011. O Círculo de Bloomsbury. In: Cultura e Materialismo. Tradução: André Glaser. São Paulo: Editoria Unesp, p. 201-230.
  • 1
    Cf. Serra e Tavares, 1976SERRA, José & TAVARES, Maria da Conceição. 1976. “Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento recente no Brasil. In: SERRA, José. América Latina - ensaios de interpretação econômica. São Paulo: Paz e Terra.. O texto se opunha às teses “estagnacionistas”, que exerceram enorme influência nas esquerdas política e intelectual, e cuja formulação mais acabada encontra-se em Furtado (1966FURTADO, Celso. 1966. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.).
  • 2
    Cf. Cardoso; e Faletto (1984CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 1984. Dependência e Desenvolvimento na América Latina: Ensaio de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar.).
  • 3
    Cf. Sader (2001SADER, Eder. 2001. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. 4. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.).
  • 4
    Já a partir do final dos anos 1970, Thompson estava presente na História da Unicamp, em especial na linha de pesquisa “História Social do Trabalho”, o que indica o caráter heterogêneo e multifacetado das tentativas de se compreender e de se valorizar a “novidade” apresentada pelas classes populares, respeitando-a na sua autonomia e experiência própria.
  • 5
    Como diz Ruth Cardoso, em texto da mesma época (1983CARDOSO, Ruth. 1983. Movimentos sociais urbanos: balanço crítico. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense., p. 219): “Decretar o nascimento de novos atores políticos, portadores de uma força transformadora, sem que a análise demonstre concretamente a novidade de seu papel mediador entre a sociedade civil e o Estado, parece incompleto. A simples existência empírica de manifestações populares não autoriza conclusões a respeito de sua função política, pois elas são referidas a um contexto que precisa ser descrito”.
  • 6
    Note-se que, segundo lembra Perry Anderson (2007ANDERSON, Perry. 2007. Jottings on the conjunture. New Left Review, n. 48., p. 23), o PT foi o único partido efetivamente “de massas” criado no pós-guerra em todo o mundo.
  • 7
    Ainda em 1994, então presidente do CEBRAP, Oliveira saudava as eleições presidenciais daquele ano como um avanço no plano da racionalidade política, com duas candidaturas saindo do campo popular (Lula) ou democrático (FHC). Considerava mesmo a candidatura deste último como “expressão daquela valorização da democracia que estava no núcleo da decisão de fundar um centro de pesquisas fora das entidades sob controle estatal” (Oliveira, 1994OLIVEIRA, Francisco. 1994. Eleições 94: da paixão do CEBRAP. Novos Estudos CEBRAP , n. 39, p. 3-4., p. 4).
  • 8
    Na definição do economista Paul Singer, retomada por André Singer, o subproletariado compõe-se daqueles trabalhadores que “oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais” (1982SINGER, Paul. 1982. Dominação e desigualdade: estrutura de classe e repartição da renda no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra ., p. 22).
  • 9
    Essa aparente ambiguidade entre o lulismo entendido como bonapartismo, cujo caráter de arbitragem levaria a uma política ziguezagueante, e o lulismo percebido como realização política do programa do subproletariado, não passou despercebido por um leitor perspicaz como Armando Boito Junior, para quem, embora sustente a tese do bonapartismo lulista, Singer dá a entender que, na prática, é “como se o subproletariado estivesse no poder” (2013BOITO JUNIOR, Armando. 2013. O lulismo é um tipo de bonapartismo? Uma crítica às teses de André Singer. Crítica Marxista, n. 37. São Paulo: Ed. Unesp, p. 171-181., p. 173).
  • 10
    Singer se inclui no rol das vítimas do ofuscamento, que afinal é coletivo, ou mesmo geracional, e menciona a respeito um pequeno texto de juventude de sua autoria, publicado no antigo Folhetim da Folha de SP em 16 de agosto de 1981, intitulado “Liberdade e igualdade”, em que sustentava que a preocupação central para a vida democrática estava no “crescimento do poder do Estado” (Cf. Singer, 2012SINGER, André.. 2012. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras ., p.237, 238, 239). A este propósito, talvez o “prussiano” Francisco de Oliveira tenha sido, à época, uma das exceções.
  • 11
    Cf. também Antunes & Braga, 2009ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy. (orgs.). 2009. Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo..
  • 12
    Para uma boa análise das diferenças entre Gramsci e Bourdieu em relação à dominação e, sobretudo, às possibilidades de resistência à dominação, cf. Burawoy (2010BURAWOY, Michael. 2010. Tornando a dominação durável: Gramsci encontra Bourdieu. In: BRAGA, Ruy (org.). O marxismo encontra Bourdieu. Tradução: Fernando Rogério Jardins. Campinas: Editora da Unicamp, p. 49-79., pp.49-79).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2021
  • Aceito
    30 Jun 2022
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