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I - A validade das usinas

A QUESTÃO NUCLEAR NO BRASIL

I — A validade das usinas

José Goldemberg

Professor de Física e reitor da USP

Às vésperas do século XXI uma das questões centrais para a humanidade é, sem dúvida, a nuclear. Já não se trata de discutir se a política nuclear brasileira foi boa ou ruim. Os dois artigos tratam da questão de fundo: qual a viabilidade da tecnologia nuclear em si mesma.

A utilização de energia nuclear para geração de eletricidade, apesar de relativamente recente — cerca de três décadas —, já provocou tantos problemas que muitos países, mesmo aqueles fortemente engajados nesse processo, começam a procurar caminhos menos perigosos para suprir suas necessidades energéticas.

O risco de acidentes é apenas uma das dificuldades que envolvem a aplicação da tecnologia nuclear. Antes de se decidir pela construção de uma usina atômica é preciso levar em conta os aspectos técnicos, econômicos, políticos e sociais da questão. E isso, evidentemente, com o conhecimento do maior interessado que, no caso, é a sociedade como um todo.

O Programa Nuclear Brasileiro, iniciado há onze anos, durante o período autoritário, tem sido contestado técnica, política e economicamente, o que obrigou o atual governo a reduzi-lo drasticamente. Tecnicamente argumenta-se que o Brasil não necessita, no momento, e necessitava muito menos há onze anos, deste tipo de energia. Para justificar o programa teria sido superestimada a demanda energética futura do país. Do ponto de vista de transferência de tecnologia, esta foi nula em relação à usina Angra I, comprada "com as chaves na mão" e insignificante em relação ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Contra este há ainda outro forte argumento: o sistema adotado para a produção do combustível — urânio enriquecido por jatos centrífugos — mostrou-se inviável.

As contestações econômicas têm por alvo o elevado custo do empreendimento, uma vez que urna usina nuclear custa três vezes mais que uma hidrelétrica de igual potência. Com o dinheiro gasto no programa resultante de acordo com a Alemanha, programa este que até agora não gerou um quilowatt sequer, seria possível construir duas hidrelétricas do porte de Ilha Solteira, isto é, de mais de 3 mil quilowatts cada uma e que já estariam gerando.

Quanto aos riscos, pode-se afirmar que nossa única usina nuclear em funcionamento, Angra I, é tão segura (ou tão insegura) quanto as quase quatrocentas espalhadas pelo mundo. Portanto, tão falso quanto afirmar que aqui pode ocorrer um acidente como o de Chernobyl é garantir que ele nunca ocorrerá. Risco zero não existe.

Defensores da nucleoeletricidade argumentam que acidentes de trânsito nas grandes cidades matam mais por dia do que já mataram até hoje todos os acidentes de usinas nucleares. É verdade. Desastres aéreos também matam mais. Acontece que os riscos decorrentes da utilização do automóvel e do avião são assumidos por quem utiliza esses meios de transporte. No caso de um acidente nuclear, milhares de pessoas ficam involuntariamente expostas, senão à morte imediata, a graves doenças provocadas pela radiação.

Entra aí o aspecto político e social da questão. Há países, como a França e o Japão, extremamente dependentes da energia nuclear por falta de opção. A população aceita o risco porque os benefícios da eletricidade são elevados demais para serem desprezados. A população brasileira, uma vez informada de que o país ainda não esgotou suas possibilidades de obtenção de energia por outros meios, aceitaria tal risco? E se não houvesse outra alternativa além da nuclear?

Somente um plebiscito poderia chegar às respostas. Suécia e Áustria são países que realizaram consulta popular e, em conseqüência, não mais construirão usinas nucleares. No Brasil essa prática é pouco freqüente, a não ser no caso de criação de novos municípios, mas nada impede que os constituintes de 1987 a introduzam na nova Constituição, na questão específica da energia nuclear. Outra possibilidade seria proibir a instalação de reatores em todo o território nacional, o que, entretanto, levaria ao abandono de uma opção tecnológica que nos parece prudente conservar.

Certamente, a Assembléia Nacional Constituinte terá um amplo leque de opções para disciplinar a matéria, mas é de fundamental importância que se delegue ao Congresso Nacional as decisões sobre o assunto. O uso da energia nuclear envolve riscos adicionais, mas pode também redundar em benefícios. Nada mais natural, portanto, que os representantes do povo, depois de pesar os riscos e os benefícios, decidam soberanamente sobre eles.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 1987
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