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Os Estados Unidos e a América Latina: além da era Reagan

RELAÇÕES INTERNACIONAIS E O BRASIL

ARTIGOS

Os Estados Unidos e a América Latina: além da era Reagan* * Tradução de Suely Bastos.

Abraham F. Lowenthal

Professor de Relações Internacionais na Universidade da Califórnia do Sul e diretor executivo do Diálogo Interamericano, autor de Partners in Conflict: The United States and Latin America, John Hopkins - University Press, 1987

Ronald Reagan assumiu o poder em janeiro de 1981 empenhado em resistir ao que ele e seus conselheiros consideravam como a deterioração da influência dos Estados Unidos na América Latina e no Caribe durante os anos 70. A equipe de Reagan execrava a emergência de regimes revolucionários, alinhados com Cuba e a União Soviética, na Nicarágua e em Granada; a força crescente dos rebeldes esquerdistas em El Salvador; a influência crescente de Cuba no Caribe; o crescimento da presença soviética no hemisfério ocidental; e as persistentes tensões entre os Estados Unidos e os governos anticomunistas da Argentina, Brasil, Chile e Uruguai.

A nova administração atribuía estes desenvolvimentos indesejáveis muito a erros do passado da política americana, especialmente durante os anos Carter. Desde os seus primeiros dias, o grupo Reagan se dispôs a reduzir os avanços cubanos e soviéticos, construir sólidas alianças com elementos anticomunistas em vários países e restaurar a harmonia ideológica no hemisfério. Ao invés de se adaptar às tendências internacionais indesejáveis, a nova administração se propôs a modificá-las radicalmente.

As prescrições de Reagan para a América Latina faziam parte de um esforço global para restabelecer o poder e o prestígio norte-americanos. A nova administração planejava reconstruir a intrepidez militar norte-americana com gastos substancialmente crescentes em armamentos, combater os recursos ideológicos soviéticos com uma pressão de amplitude mundial a respeito da economia de livre mercado e (depois de 1982) da política democrática, e anular os ganhos soviéticos no Terceiro Mundo sustentando "Combatentes da Liberdade" em luta contra regimes pró-soviéticos.

No hemisfério, ocidental, a nova administração pretendia "fixar limites" contra outros avanços esquerdistas, especialmente em El Salvador, onde os rebeldes marxistas estavam instalando um sério desafio. Desde o início a equipe de Reagan procurou intimidar - e se possível subverter - os recentes, regimes revolucionários em Granada e Nicarágua e tentou isolar a Cuba de Fidel Castro. A equipe Reagan rapidamente entrou em ação para melhorar as relações dos Estados Unidos com os governos militares do Cone Sul, especificamente ao tentar remover as restrições sobre a ajuda militar e as vendas de armamentos a estes países que tinham sido impostas em resposta às suas violações dos direitos humanos.

A administração também logo determinou prioridade à restauração de relações dos Estados Unidos com nossos vizinhos mais próximos no México e no Caribe, Como presidente.eleito em 1980, o senhor Reagan encontrou-se com o então presidente do México e conferenciou todos os anos subseqüentes com o chefe do Executivo daquele país. Pouco depois ele revelou a Iniciativa da Bacia do Caribe (CBI), um programa de ajuda e de concessões comerciais que se tornou uma das principais inovações de sua administração em política exterior. A nova administração também proporcionou um tratamento de tapete vermelho a uma série de líderes do Caribe e da América Central. O primeiro visitante político de Reagan na Casa Branca, de fato, foi Edward Seaga, da Jamaica, que personificava o livre mercado e o ponto de vista anticomunista que o presidente Reagan queria recompensar.

Em 1982, entretanto, e daí em diante cada vez mais, a agenda latino-americana da administração passou a ser domina da por uma única questão: apoio à resistência nicaragüense armada, os "contras", que procuravam derrubar o governo sandinista em Manágua. A ajuda norte-americana era concedida aos "contras" aberta e clandestinamente, com e sem autorização do Congresso. Os funcionários mais antigos da administração que trabalhavam na América Latina, segundo suas próprias estimativas, chegaram a despender 80% de seu tempo na questão da Nicarágua - e principalmente em tentar vencer uma aparentemente interminável série de votos contra a ajuda aos "contras".

As questões econômicas, inversamente, não foram importantes nas preocupações iniciais dos estrategistas latino-americanos da administração Reagan; elas só se tornaram importantes mais tarde, em 1982, quando o México e depois outras nações não puderam sustentar os pagamentos das taxas de juros de suas dívidas externas, provocando dessa maneira uma prolongada crise financeira que ameaçou a rentabilidade e até mesmo a solvência de vários dos principais bancos centrais do dinheiro americano.

Até o final de 1982, a política da administração de ajuda ao crescimento das economias latino-americanas e de torná-las parceiros mais firmes para os investidores e bancos norte-americanos foi a de propagar o evangelho da reagonomia e deixar que o mercado pusesse sua mágica em movimento. O anúncio dramático do México, em agosto de 1982, de que não mais poderia cumprir seus encargos dos juros forçou a administração a superar sua hesitação ideológica e a intervir vigorosamente no mercado. Crédito de emergência e outras assistências foram fornecidas ao México e, subseqüentemente, ao Brasil, Argentina e outros devedores, todos os quais prometeram impor programas de austeridade de corte das importações a fim de preservar a taxa de câmbio requerida pelo serviço de suas dívidas. Esta política de controle da dívida executada pelos Estados Unidos preveniu um colapso financeiro internacional, mas não evitou o profundo declínio econômico da América Latina; ao. contrário, a austeridade prolongada reduziu a capacidade produtiva da região.

Ao reconhecer que a América Latina estava presa na armadilha apertada da dívida, o secretário do Tesouro James Baker III, no final de 1985, pediu a colaboração dos bancos comerciais e das instituições financeiras internacionais para fornecerem novo capital a longo prazo à América Latina e a outros devedores do Terceiro Mundo em troca de reformas estruturais nos países devedores. O secretário Baker enfatizou que o objetivo da renovação do crescimento da América Latina tinha de se tornar primordial e argumentou que a combinação de reformas e novos empréstimos realizariam a proeza. O Plano Baker, portanto, tornou-se o segundo principal componente, junto com o anticomunismo ativista, da política de Reagan para o hemisfério ocidental.

II

A maioria das políticas de Reagan para a América Latina e o Caribe decididamente não atingiram seus objetivos.

É difícil, até mesmo para os defensores fiéis da administração, afirmar que sua política para a América Latina foi bem-sucedida. O governo sandinista da Nicarágua sobreviveu à violenta investida de Reagan, enquanto as presenças militar e política soviética e cubana em Manágua aumentaram. A política de Reagan na Nicarágua chegou a um beco sem saída; impedida pela oposição no Congresso e doméstica mais ampla nos Estados Unidos, a iniciativa diplomática do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, pela confusão interna dos próprios "contras" e pela intransigência e rápida capacidade de recuperação dos Sandinistas. No final do mandato de Reagan, a política de ajuda militar aos "contras" tinha produzido uma Baía dos Porcos em câmara lenta.

Em El Salvador, a assistência econômica e militar anual dos Estados Unidos chegou a exceder as receitas do governo de todas as outras fontes, mas os rebeldes não foram derrotados e o regime democrata-cristão financiado pelos Estados Unidos recuava sem êxito. Tanto a esquerda como a direita ganharam força numa sociedade altamente polarizada, os famigerados esquadrões da morte recomeçaram suas atividades e a intratabilidade das dificuldades econômicas e políticas do país tornou-se cada vez mais evidente. O partido de direita ARENA, depois de associado aos escandalosos abusos dos direitos humanos, foi facilmente derrotado nas eleições presidenciais de março de 1989, o Exército aumentou sua influência e as chances de uma evolução democrática pacífica se obscureceram.

Também em outros lugares da América Central o quadro está longe de ser positivo. Em Honduras, a preparação militar norte-americana para apoiar a guerra dos "contras" produziu fortes reações nacionalistas, inclusive um ataque da multidão à Embaixada Americana e um pedido do governo para remover do país os "contras" financiados pelos Estados Unidos. Na Guatemala, após anos de tranqüilidade, renasceu um movimento rebelde, esquadrões da morte foram reativados e o governo civil teve de reprimir repetidas tentativas de golpe militar. Tanto a Guatemala como a Costa Rica, além disso, procuraram cada vez mais se distanciar da política norte-americana.

O regime revolucionário de Cuba não foi nem substituído nem isolado. Havana solidificou sua influência na Nicarágua, restabeleceu relações com o Brasil, construiu um relacionamento importante com a República Dominicana e gradualmente conseguiu um lugar em vários fóruns regionais. Fidel Castro até agora durou mais em seu próprio domínio em Havana que os presidentes americanos.

O papel da União Soviética na América Latina também não decresceu. A maioria dos indicadores do envolvimento soviético no hemisfério, que Jeanne Kirkpatrick e outros mencionaram em 1980 para culpar a administração Carter, aumentaram notavelmente durante esta década. Além de sua sólida aliança com Cuba e Nicarágua, a União Soviética aperfeiçoou suas relações políticas e comerciais com Argentina, Brasil e México - os três maiores países latino-americanos.

Os regimes autoritários do Cone Sul não vieram a ser aliados seguros para os Estados Unidos. O governo militar da Argentina desabou no rastro de seu ataque espetacularmente fracassado às ilhas Malvinas-Falklands em 1982. Em 1985, tornou-se evidente para Washington que os interesses mais amplos dos Estados Unidos não estavam sendo satisfeitos pelas relações próximas com a ditadura de Augusto Pinochet no Chile. A administração Reagan também não foi capaz de restabelecer o que o conselheiro da NSC, Roger Fontaine, chamou de um "belo relacionamento" com o Brasil, o maior e mais poderoso país da região. Apesar de uma troca de visitas presidenciais e outros sinais de interesse simbólico em relações fortalecidas, os Estados Unidos e o Brasil se opuseram repetidamente em relação a uma crescente lista de questões, incluindo tarifas, reservas de mercado e transferência de tecnologia.

A ênfase inicial de Reagan no fortalecimento das relações como México e com os países da Bacia do Caribe pouco rendeu. Em meados dos anos 80, as tensões com o México sobre comércio, imigração, drogas e política exterior produziram um grau de atrito bilateral desconhecido desde os anos 20. Embora algumas exportações caribenhas para os Estados Unidos tenham expandido como um resultado da CBI, as economias do Caribe continuaram a deteriorar - fustigadas pelo declínio dos preços das mercadorias, pela opressão da dívida, pela redução das quotas de açúcar norte-americanas e pelas crescentes barreiras comerciais contra outros produtos. Politicamente, os líderes do Caribe mais firmemente alinhados com os Estados Unidos - incluindo Seaga, da Jamaica, que foi derrotado em sua campanha pela reeleição no início de 1989 - foram perdendo terreno.

Como se para ratificar um declínio evidente da influência norte-americana, oito presidentes da América Latina realizaram uma reunião de cúpula em Acapulco em novembro de 1987, o primeiro encontro entre tantos líderes do hemisfério ao qual o presidente dos Estados Unidos não foi convidado.

Um dos pontos sobre o qual todos os oito concordaram, além disso, foi que o plano Baker para o aperto financeiro da América Latina foi flagrantemente insuficiente. A América Latina perdera uma década inteira de crescimento, sua massiva dívida externa crescera, sua insustentável taxa de dívida para as exportações piorara e os novos investimentos se reduziram. Poucos latino-americanos acreditam que o Plano Baker funcionou ou alguma vez funcionará, e a paciência da região para sustentar o método norte-americano para a gerência da dívida aproximou-se de seu limite. Num país atrás do outro, as forças fazendo pressão por uma redução drástica do serviço da dívida foram ganhando apoio.

As deficiências do método Reagan para a América Latina foram condensadas em 1987-8, primeiro pelo desembaraço da política da administração da Nicarágua e depois pela frieza humilhante com o homem forte do Panamá, Manuel Noriega. Aparentemente, ao esperar que uma demonstração no Panamá compensaria sua combalida política na Nicarágua, a administração imprudentemente se comprometeu a derrubar o regime de Noriega rapidamente e executou firmes sanções econômicas com aquele objetivo. Mas o general Noriega desconsiderou as pressões norte-americanas; só o povo do Panamá e algumas corporações norte-americanas sofreram com elas.

Mesmo que Noriega eventualmente perca seu domínio, seu impressionante poder de se manter realçou os limites da influência norte-americana. Uma administração que chegou a Washington ávida para usar os músculos e vociferar quando necessário para proteger os interesses dos Estados Unidos, viu-se incapaz de encontrar seu caminho até mesmo numa pequena nação onde o dólar circula como moeda nacional. A inabilidade de Washington para expulsar os Sandinistas na Nicarágua ou Noriega no Panamá contrasta pungentemente com a derrubada orquestrada pelos Estados Unidos de Jacobo Arbenz, da Guatemala, em 1954, quando os latino-americanos em geral concordaram.

A capacidade de os Estados Unidos controlar acontecimentos no hemisfério ocidental tem sido inteiramente solapada na última geração, não só nos anos 80 - tanto pela evolução da América Latina como pela redução do alcance mundial da influência norte-americana que inevitavelmente se seguiu ao predomínio incomum dos Estados Unidos no pós-guerra.

No hemisfério, os efeitos dolorosos da depressão prolongada na América Latina nos anos 80 obscureceram o crescimento da região na geração passada. A América Latina tornou-se muito mais populosa e urbana, suas sociedades melhor integradas, suas instituições mais fortes e suas economias mais industrializadas do que há 30 anos. Estas transformações capacitaram os países da região a se tornarem mais independentes e agressivos, mesmo que eles ainda sejam bastante vulneráveis às' reviravoltas econômicas internacionais.

De modo mais amplo, o poder dos Estados Unidos na arena mundial declinou desde o apogeu do "Século Americano" dos anos 50. As taxas norte-americanas de produção global e de gastos na defesa diminuíram dramaticamente. Os Estados Unidos perderam seu monopólio nuclear e foram derrotados numa guerra não-nuclear. O dólar não é mais tão "bom como ouro".

O declínio relativo da predominância norte-americana no hemisfério não ocorreu simplesmente porque Washington não tem vontade política ou habilidade diplomática, mas porque as bases objetivas da influência norte-americana erodiram. As políticas de Ronald Reagan, finalmente, não puderam reverter esta tendência, pois a posição mundial subjacente dos Estados Unidos não podia mais ser melhorada simplesmente pelo "resistir de pé" nem por outras medidas relativamente fáceis que os Estados Unidos estavam preparados para garantir.

Na verdade, as tentativas da administração Reagan de impor novamente a preponderância norte-americana na América Latina freqüentemente tiveram um efeito contraprodutivo. As políticas unilaterais e intervencionistas dos Estados Unidos hostilizaram as maiores nações latino-americanas que não se viam como suas partidárias incondicionais. O que Washington ganhou durante os anos 80 com a subserviência de Granada e Honduras foi perdido com a indignação dos maiores países da região. A unidade panamericana foi destruída, como se tornou dolorosamente claro na Organização dos Estados Americanos, nas Nações Unidas e nos esforços diplomáticos engatilhados pela agitação na América Central.

III

Apesar dos profundos defeitos das políticas de Ronald Reagan para a América Latina, entretanto, alguns interesses fundamentais dos Estados Unidos na América Latina progrediram nos anos 80. Esta tendência paradoxalmente favorável pode ter surgido em grande parte apesar das políticas norte-americanas e não por causa delas, mas é parte da herança da era Reagan.

Mesmo na América Central, onde a ambição de Reagan de baixar a influência soviética foi frustrada, o cerne dos objetivos nacionais dos Estados Unidos está mais perto de ser alcançado do que no início da década. A União Soviética não estabeleceu uma base militar no continente; os movimentos marxistas-leninistas não ganharam terreno apreciável; os Estados Unidos não empreenderam uma intervenção militar direta dispendiosa e desarmonizadora; e a possibilidade de atingir o pluralismo econômico e político foi preservada na Nicarágua.

A obsessão de Reagan com a Nicarágua não derivava, afinal de contas, de uma ameaça concreta e imediata para os interesses dos Estados Unidos, mas sim de um impulso quase axiomático. O que esteve em jogo na Nicarágua não foi tanto a t segurança nacional, apesar das freqüentes alusões oficiais a este conceito, mas sim a insegurança nacional; isto é, o desconforto que emergia da perda de controle de algo que os Estados Unidos controlaram há muito: a política interna dos pequenos países de nossa região de fronteira. Mas a Nicarágua pôde definitivamente mostrar que os Estados Unidos não precisam deter tal controle rigoroso para proteger seus interesses econômicos e políticos básicos de segurança no hemisfério ocidental.

Embora a presença da União Soviética no hemisfério tenha crescido durante os anos 80, suas políticas se tornaram menos provocativas em relação aos Estados Unidos. As autoridades soviéticas deixaram claro aos Sandinistas que o apoio de Moscou será limitado, portanto, provavelmente contribuiu para a boa vontade dos Sandinistas ao acordo. As tensões parecem ter ampliado também entre o novo líder soviético e Fidel Castro. Em nenhum dos países da América do Sul, exceto o Chile, os partidos comunistas alinhados com Moscou são agora um fator significativo. Mais importante, tornou-se claro que a União Soviética não está promovendo ou aplaudindo a luta armada na América Latina.

O regime de Castro de fato sobreviveu à era Reagan, mas o apelo de Cuba como um modelo para a América Latina diminuiu, assim como seu perigo como uma ameaça. A ilha está cercada por dificuldades econômicas, apesar de Castro permanecer relutante, como outros líderes socialistas, em dar uma liberdade maior às forças do mercado. Sua reputação internacional prejudicada pelas violações dos direitos humanos e por sua constrangedora dependência da União Soviética, Cuba não é mais um competidor forte pela influência regional.

Apesar da inclinação inicial da administração em fazer as pazes com os regimes autoritários no Cone Sul tivesse de ser abandonada, ela foi bem-sucedida em alinhar Washington com a ampla volta da região para a democracia. A tendência dos artífices de Reagan de dar crédito às aberturas democráticas da América Latina é de alguma forma gratuita, pois os Estados Unidos estiveram à margem na maioria das mais precoces e mais bem-sucedidas transições democráticas - na Argentina, no Brasil e no Uruguai; na verdade, a política norte-americana mais relevante nestes casos foi a ênfase nos direitos humanos sob o presidente Carter. Mas o fato mais importante é que a América do Sul nos anos 80 saiu admiràvelmente do autoritarismo para democracias constitucionais análogas ao ponto de vista dos Estados Unidos.

Apesar de estas democracias serem frágeis, sua emergência foi uma evolução favorável para os Estados Unidos. Muitos países hoje têm líderes políticos moderados, pragmáticos e reformistas que são natural ou ao menos potencialmente amigos dos Estados Unidos. Em muitas das partes do hemisfério, políticos centristas - precisamente os aliados para o progresso que o presidente John F. Kennedy procurou, geralmente em vão, nos anos 60 - agora estão no poder, e a maioria deles reconhece a necessidade de cooperar com Washington.

Talvez igualmente importante, muitos líderes da América Latina hoje aceitam os pontos de vista norte-americanos dominantes sobre questões econômicas fundamentais. Eles reconhecem que os mecanismos de mercado comumente canalizam recursos de maneira mais eficiente do que as decisões políticas, entendem que as empresas públicas precisam ser saneadas e querem continuar nas boas graças da comunidade financeira internacional. O que há de mais surpreendente na atitude da América Latina sobre a dívida nos anos 80 não é que as propostas para reduzir o serviço da dívida foram ganhando apoio, mas que os países latino-americanos até agora se abstiveram de ações unilaterais, exceto em instâncias esporádicas e limitadas.

O México, particularmente, adotou nos anos 80 as principais mudanças polílicas há tempos favorecidas pelos Estados Unidos: entrada no GATT, tarifas reduzidas e um fim às quotas de importação, incentivos crescentes para os investimentos estrangeiros, privatização das empresas estatais, vendas de petróleo ampliadas para a reserva estratégica dos Estados Unidos e até mesmo alguns primeiros passos para um possível regime de comércio livre com os Estados Unidos, A ferozmente contestada e surpreendentemente apertada eleição presidencial de 1988 confirmou que os políticos do México estão se tornando cada vez mais abertos e competitivos e, portanto, também mais palatáveis ao público norte-americano e a seu governo. A "integração silenciosa" da economia do México com os Estados Unidos avançou rapidamente, em especial na fronteira, onde as indústrias de montagem maquila se expandiram dramaticamente nos últimos anos, freqüentemente com investimento japonês. Apesar das tensões dos últimos anos, em nenhuma época da história do México pós-revolucionário houve condições estruturais mais favoráveis do que agora para avanços significativos na direção da cooperação bilateral com os Estados Unidos. A política interna mais competitiva e imprevisível do México pode tornar difícil traduzir estas condições em uma política continuada, mas os pré-requisitos subjacentes para a construção de acordos preferenciais importantes entre o México e os Estados Unidos certamente se fortaleceram.

IV

Enquanto os interesses ideológicos, políticos e de segurança fundamentais dos Estados Unidos avançaram no hemisfério oriental, os anos 80 também viram a emergência de maior atrito entre os Estados Unidos e a América Latina no comércio, imigração e narcóticos.

Os conflitos comerciais proliferaram, especialmente com o Brasil e o México, mas também com vários países menores. A América Latina tornou-se a maior vítima involuntária do aumento do protecionismo norte-americano que surgiu grandemente em resposta aos gigantescos déficits comerciais deste país com o Leste Asiático. Embora proclamasse categoricamente sua adesão aos princípios comerciais liberais, a administração Reagan na verdade tomou muitas medidas de restrição às importações, se bem que freqüentemente para se apropriar ainda mais das iniciativas protecionistas do Congresso. O resultado foram restrições de importações da América Latina tais como têxteis, sapatos, especialmente aços, aviões de passageiros, etanol, açúcar e flores. Washington, além disso, não trabalhou com energia para remover as barreiras comerciais sobre produtos de interesse para a América Latina durante a rodada do Uruguai de negociações multilaterais; ao invés disso, concentrou-se em ganhar concessões dos países em desenvolvimento para investimentos estrangeiros, serviços e direitos de propriedade intelectual. O Acordo Comercial de 1988, além disso, fez coisas piores ao limitar a categoria de práticas comerciais que são consideradas "desonestas" e ao fazer retaliações imperativas em alguns casos.

Após muitos anos de debates inflamados, em novembro de 1986 o Congresso dos Estados Unidos finalmente adotou a Reforma de Imigração e o Acordo de Controle, uma tentativa de restringir a imigração latino-americana desencorajando os empregadores de contratar estrangeiros ilegais e ampliando os recursos disponíveis para fortalecer o cumprimento da lei na fronteira. Os latino-americanos de todas as tendências concordariam que controlar a imigração é um aspecto primordial da soberania nacional e as leis de imigração da maioria das nações latino-americanas são na verdade mais restritivas que as dos Estados Unidos. Mas a nova legislação norte-americana provocou ansiedade e indignação no México, na América Central e no Caribe; estes países se sentiram ameaçados pelo decréscimo projetado na imigração e, especialmente, pelas deportações de trabalhadores dos Estados Unidos. Os conflitos sobre a imigração estão se iniciando para se intensificar quando a nova lei for implementada.

As tensões interamericanas também aumentaram durante os anos 80 a respeito dos narcóticos. Como a preocupação com o abuso de drogas aumentou nos Estados Unidos, a atenção se focalizou em quanto desse comércio assustador entra nos Estados Unidos a partir da América Latina. O resultado foi fortes pressões norte-americanas sobre os países latino-americanos pela erradicação das plantações e interdição ao tráfico de drogas, com sanções impostas aos países que eram julgados não serem suficientemente cooperativos com a campanha antinarcóticos norte-americana. No momento em que muitos no público e no Congresso norte-americanos censuravam os produtores latino-americanos e traficantes pela calamidade da droga, entretanto, muitos latino-americanos mostravam que sobretudo a demanda dos Estados Unidos era responsável por ela. Eles rejeitam o que vêem como pontos de vista norte-americanos farisaicos e punitivos e resistem às soluções definidas pelos Estados Unidos.

V

Os interesses políticos e de segurança fundamentais dos Estados Unidos no hemisfério ocidental não estão sendo seriamente desafiados, em suma, apesar de as tensões terem sido crescentes em questões "inter-mésticas": aquelas - como comércio, narcóticos e imigração - que têm dimensões tanto domésticas quanto internacionais. As razões de ambas estas tendências têm mais a ver com a evolução interna da própria América Latina e com tendências globais mais amplas do que com as políticas norte-americanas específicas.

As mudanças da América Latina para políticas democráticas reformistas e moderadas e para políticas econômicas pragmáticas orientadas para o mercado - mudanças tentativas e reversíveis, a bem da verdade - surgiram inicialmente da experiência recente da região. Durante as duas últimas décadas, fracassos repetidos desacreditaram as soluções políticas autoritárias tanto de esquerda como de direita, assim como extremos ideológicos de política econômica. Em vários países, os anos dolorosos de domínio militar convenceram os grupos de um lado a outro do espectro político a moderar suas reivindicações a fim de restaurar e fortalecer políticas civis viáveis. A esquerda da América Latina, particularmente na América do Sul, chegou a compreender as repressões à mudança revolucionária e a valorizar a proteção e as oportunidades proporcionadas pela política eleitoral. As elites conservadoras, tanto civil como militar, chegaram a reconhecer que a estabilidade a longo prazo depende da legitimidade acentuada e da polarização reduzida que são alimentadas pela participação popular.

Os líderes políticos mais proeminentes da América Latina durante os anos 80, pelo menos até muito recentemente, propuseram programas de reforma desenvolvimentistas, sem fazer apelos baseados em divisões de classes. Esta tendência latino-americana na época, sem dúvida, foi reforçada pelas políticas norte-americanas, assim como pela estrutura de economia internacional, mas a experiência anterior de cada país é que responde essencialmente pela tendência para a moderação nos anos 80.

Similarmente, a natureza da mudança da presença da União Soviética na América Latina deriva mais das exigências da perestroika e da evolução dos pontos de vista soviéticos sobre o Terceiro Mundo do que das políticas norte-americanas destinadas a se contrapor aos avanços soviéticos no hemisfério. Enquanto os Estados Unidos estiveram tentando frustrar o suposto plano soviético na América Central, Moscou, em vez disso, se concentrou em melhorar suas relações com os maiores, mais ricos e mais influentes países da América Latina - assim como também começou a se retirar do Afeganistão, a expandir seus laços com a índia e a se aproximar gradualmente com vistas a relações diplomáticas com Israel.

A emergência de maiores atritos comerciais entre os Estados Unidos e a América Latina, por sua vez, é em muito conseqüência da transformação econômica desta entre 1950 e 1980, unida à competitividade declinante de alguns setores da economia norte-americana. As nações latino-americanas agora exportam produtos industriais e agrícolas não-tradicionais que competem nos países do Terceiro Mundo com os dos Estados Unidos e que começaram a penetrar no mercado norte-americano; isso acontece particularmente quando os produtores latino-americanos introduzem setores manufatureiros de baixa e média tecnologia. As políticas protecionistas, levadas a cabo pelo processo de decisão política norte-americano permeável aos interesses locais e setoriais, exacerbaram as tensões.

Os intensificados atritos interamericanos com relação ao comércio, narcóticos e imigração ilustram como são entrelaçados os Estados Unidos e alguns dos países da América Latina e do Caribe, especialmente aqueles mais próximos dos Estados Unidos. É precisamente nos países mais completamente interpenetrados com os Estados Unidos - México e as ilhas de Caribe - que a intimidade desenvolve os maiores atritos, se não desprezo. Porque o México está perto, é grande e competitivo (em alguns setores), os choques bilaterais aumentaram nos últimos anos apesar dos desejos governamentais recorrentes, em ambos os lados, de melhorar as relações. O relacionamento entrou os Estados Unidos e o México é cada vez mais importante e até mesmo mais complexo.

VI

Mais do que em qualquer época na geração passada, América Latina no final dos anos 80 tornou-se pronta para cooperação com os Estados Unidos. Noventa por cento população da região vivem agora sob regimes civis que são modo geral compatíveis com os interesses e valores norte-americanos. Embora as nações latino-americanas busquem políticas exteriores mais independentes do que costumavam, nenhum governo latino-americano está adotando hoje uma atitude de confronto em relação aos Estados Unidos; até mesmo Cuba tem emitido fortes (ainda que um tanto familiares) sinais de seu interesse em normalizar as relações. As tendências domésticas e internacionais e os fatos básicos da vida econômica tornaram os latino-americanos mais dispostos do que no passado a adotarem programas baseados nos investimentos privados, nos princípios do mercado e no envolvimento ampliado na economia capitalista internacional.

Os líderes democráticos da América Latina, entretanto, tornaram-se profundamente frustrados com a administração Reagan durante os anos 80. Forçados a implementar programas de austeridade dolorosos, eles se ressentiram da pregação de Washington de disciplina fiscal para o exterior enquanto acumulava grandes e sem precedentes déficits de orçamento que, por sua vez, contribuíram para aumentar as taxas de juros. Embora freqüentemente preparados para reduzir de alguma forma os inchados setores públicos, estes líderes não apreciaram as homilias dos Estados Unidos sobre as virtudes do livre mercado e o investimento estrangeiro. Prontos a cooperar com os Estados Unidos, viram-se obrigados a agüentar uma administração que foi mais unilateral do que qualquer outra na história e que parecia obcecada com a Nicarágua. A vulnerabilidade econômica dificultou que os latino-americanos dessem vazão abertamente" a seus sentimentos, mas esta inibição só aprofundou seu descontentamento.

Os latino-americanos de diferentes nações e tendências querem que o novo presidente norte-americano se concentre em seus negócios. Eles não querem outra "aliança" proclamada unilateralmente, como a que foi anunciada por John F. Kennedy em 196l, mas buscam realmente uma efetiva colaboração dos Estados Unidos nos problemas partilhados pelo hemisfério.

Há um consenso extraordinário, de um lado a outro de um espectro político considerável, do que os latino-americanos querem da administração Bush. O vigor e a ênfase variam um pouco, mas alguns pontos-chave são salientados em todas as partes da região.

Primeiramente, os latino-americanos querem que os Estados Unidos ajudem a enfrentar a dívida latino-americana. Há muitas propostas específicas para aliviar o insustentável encargo do serviço da dívida e para estancar a drenagem massiva de capital da América Latina para os países industriais. Estas propostas diferem em alcance, técnica e detalhe, mas todas coincidem num ponto básico: as nações credoras e seus bancos precisam participar do custo de reduzir as obrigações financeiras dos devedores em vez de impor a maioria dos encargos a eles. O governo norte-americano poderia ajudar a organizar semelhante pagamento, embora a cooperação substancial do Japão, da Europa Ocidental e dos bancos comerciais também seja necessária.

Em segundo lugar, os latino-americanos querem que a administração Bush reduza o déficit fiscal dos Estados Unidos e desse modo ajude a diminuir as taxas de juros reais. Taxas de juros mais baixas são vitais para a América Latina; uma redução de 1% na taxa de juros forneceria cerca de 20% do capital externo estimado como necessário para abastecer o crescimento a um nível aceitável.

Em terceiro lugar, os latino-americanos querem que as novas autoridades norte-americanas resistam às crescentes pressões domésticas pelo protecionismo e, ao invés, participem das barreiras comerciais na Europa e Japão. Se as nações latino-americanas não podem expandir suas exportações para os países industrializados, não podem retomar um crescimento sustentado.

Em quarto, os latino-americanos querem que a administração Bush coloque o imbróglio da América Central em perspectiva e se cure da prolongada fixação norte-americana com a Nicarágua. Com exceção de Cuba e Panamá, nenhum governo latino-americano e poucos grupos de oposição importantes da América Latina admiram o regime sandinista, mas não querem que o governo dos Estados Unidos determine unilateralmente o futuro da Nicarágua. As nações de Contadora (México, Venezuela, Colômbia e Panamá), os países do "Grupo de Apoio" (Argentina, Brasil, Peru e Uruguai) e as próprias nações da América Central, todos querem firmemente que os Estados Unidos apóiem os esforços diplomáticos para promover uma paz segura na região. As propostas para fazer isso também diferem em detalhe e nuance, e as diferenças importam. Mas os latino-americanos em geral coincidem em requerer que os Estados Unidos aceitem a Nicarágua sandinista, visto que os interesses de segurança vitais dos Estados Unidos não estão ameaçados, e em negar que a mera existência de um regime com uma ideologia marxista ou marxista-leninista em si mesmo constitua semelhante ameaça.

Em quinto, os latino-americanos querem que os Estados Unidos mantenham um interesse sistemático em promover políticas democráticas, mas fazê-lo de maneira respeitosa e não-intervencionista. Eles não apoiam pressões intrusivas ou sanções coercitivas, mas valorizam o que Washington pode oferecer pelo exemplo, pela diplomacia pública, pelo conteúdo de seus programas de treinamento militar e, particularmente, pela ajuda em mitigar o encargo opressivo da dívida que está tornando muito difícil que os governos latino-americanos enfrentem as necessidades e expectativas populares.

Finalmente, os latino-americanos querem que os Estados Unidos se desloquem de políticas unilaterais, intervencionistas, protetoras e punitivas para uma atitude genuinamente cooperativa - uma atitude que seja baseada na confiança e na responsabilidade, no que os latino-americanos chamam de confianza. Sobre questões como drogas, migração, meio ambiente, terrorismo, direitos humanos e Panamá, os latino-americanos querem ser seriamente consultados e não desvalorizados, enganados ou informados depois. Este é ao mesmo tempo um problema de substância e de estilo, e é importante.

VII

A administração Bush deverá responder positivamente a estes apelos latino-americanos. Os Estados Unidos não têm mais condições, como tinham nos anos 60, de fornecer bilhões de dólares em ajuda, mas podem ajudar a reverter o fluxo de fundos da região. Washington sozinha não pode resolver os problemas latino-americanos, que precisam ser enfrentados fundamentalmente pelos países da região. Mas se os Estados Unidos se inclinarem decisivamente para a direção certa, isto ajudará valiosamente as nações latino-americanas a enfrentarem suas dificuldades.

O presidente Bush, já no começo de seu mandato, deveria deixar claro que os Estados Unidos estão prontos a trabalhar estreitamente com a América Latina para ajudar a expandir os fluxos de fundos, bens e serviços em todas as Américas; a fortalecer a democracia e os direitos humanos; a promover a paz regional e a segurança na América Central e em outros lugares; e a enfrentar outros problemas do hemisfério, inclusive o dos narcóticos e o da deterioração ambiental.

Os Estados Unidos deveriam estar prontos a manter esta agenda não por caridade, mas para servir aos interesses norte-americanos. Ajudar as nações latino-americanas a escapar da armadilha da dívida fortalece os bancos, os exportadores e os trabalhadores americanos. Combater as pressões inflacionárias e protecionistas não favorecerá apenas os consumidores norte-americanos, mas ajudará a reduzir as pressões massivas pela migração do México, do Caribe e da América Central. Reduzir o intenso envolvimento nas guerras civis da América Central habilitará os Estados Unidos a escapar a uma armadilha de credibilidade muito de sua própria criação e para concentrar a energia e a atenção em problemas de significância tangível mais importante para seu país. Sustentar a democracia latino-americana aumentará as chances de preservar valores fundamentais da consciência norte-americana, particularmente com relação aos direitos humanos individuais. Forjar aproximações interamericanas genuinamente cooperativas para lidar com difíceis problemas comuns, como o tráfico de narcóticos, o terrorismo e a degradação do meio ambiente é o único caminho razoável para o êxito.

A Administração Bush não deveria prometer "dar prioridade" à América Latina na execução da política exterior norte-americana; este tipo de retórica mostra-se afável, mas não é mais digno de crédito, pois os Estados Unidos tem muitas preocupações concorrentes. Ao contrário, a política latino-americana da administração só será efetiva se for parte integrante de uma estratégia nacional de grande alcance.

A primeira prioridade doméstica para a Administração Bush deve ser a de refrear o duplo déficit e rejuvenescer a economia americana. Este objetivo requer que os Estados Unidos fortaleçam as indústrias e serviços de alta tecnologia e ajudem as empresas e os trabalhadores a se acomodarem fora de setores não-competitivos. Um resultado bem-vindo desta orientação, entretanto, seria fornecer maior espaço para os exportadores latino-americanos e aumentar o comércio do hemisfério em ambas as direções.

A principal prioridade internacional da Administração Bush deve ser a de agarrar a oportunidade de reduzir as tensões com a União Soviética e restringir os gastos com armamentos. Um subproduto bem-vindo de enfrentar este desafio seria reduzir a preocupação com a América Central, promover uma redução da presença soviética e cubana lá e permitir pelo menos que algum dos recursos que agora estão sendo gastos na corrida armamentista da América Central sejam destinados à reconstrução e desenvolvimento daquela região maltratada.

Uma mudança de direção no sentido de um maior multilateralismo no hemisfério ocidental deveria ser acompanhada de uma ênfase mais explícita numa cooperação aperfeiçoada com o Japão e a Comunidade Européia na direção I financeira e econômica internacional e na responsabilidade comum pelo domínio da segurança, assim como esforços cooperativos com a União Soviética para resolver conflitos regionais. Nos próximos anos, os Estados Unidos não deverão seguir seu próprio caminho, mas trabalhar mais proximamente com outros. O principal movimento norte-americano para fortalecer os laços no hemisfério ocidental deveria ser o funda mento de uma nova política exterior norte-americana para os anos 90 - um fundamento baseado num tributo contemporâneo de como é melhor atingir nossos objetivos nacionais.

VIII

Chegou o momento de fortalecer a cooperação interamericana, mas ele pode ser breve. Se a Administração Bush não agir imediatamente, a janela para a parceria com a América Latina logo poderá se fechar, pois enquanto as economias latino-americanas continuam a se deteriorar, a política da região está começando a se alterar.

As estatísticas sobre as dificuldades econômicas da América Latina são violentas. A renda per capita para toda a região caiu cerca de 8% voltando aos níveis da década passada; em alguns países, caiu aos níveis dos anos 60. O desemprego e o subemprego estão mais altos do que nunca, acima de 50% em algumas áreas. A inflação está feroz na maioria dos países, no nível de três dígitos em vários casos e perto do índice de quatro dígitos em outros.

Os custos sociais e políticos da crise econômica prolongada são crescentes. Traduzidos em termos humanos, isto significa fome, mortalidade infantil, crianças desamparadas, escalada da vida criminosa, inclusive do tráfico de drogas - e crescente impaciência pública.

O estimulante renascimento da democracia atenuou de alguma forma o descontentamento popular no início e em meados dos anos 80, mas mais recentemente a insatisfação corrente começou a se expressar: em tumultos e distúrbios de rua, greves e protestos, revoltas crescentes em vários países e, cada vez mais, nas eleições. Em país após país, os líderes políticos civis moderados e pragmáticos que chegaram ao poder público anos 80 estão encontrando dificuldades para garantir apoio. governos no cargo ou seus sucessores escolhidos foram derrotados em quase todas as eleições latino-americanas desde 1985, às vezes com margens humilhantes. Mesmo onde o partido do governo foi capaz de manter o poder, como no México, seu mandato foi severamente enfraquecido.

A iniciativa política na América Latina está começando a passar a líderes cujo apelo pode certamente ser nacionalista - Cuauhtemoc Cárdenas no México, Menem na Argentina, Leonel Brizóla e Luís Inácio da Silva (Lula) no Brasil, Carlos Andrés Perez na Venezuela, Alfonso Barrantes no Peru, Michael Manley na Jamaica e Juan Bosh na República Dominicana. Estes líderes de modo algum são todos parecidos; alguns são populistas e demagogos ideológicos enquanto outros estão muito apropriadamente enfatizando que os programas econômicos que falharem em levar em conta as realidades sociais estão fadados a fracassar. Alguns destes líderes certamente podem se apresentar como moderados e pragmáticos no poder. Mas todos eles têm alguns potencial (e, em alguns casos, uma trajetória antecedente) de se atirar em campanhas antiamericanas. A participação que talvez seja possível hoje obviamente será difícil de se ajustar se algum destes líderes mobilizarem a opinião pública em torno rejeição aos bancos estrangeiros, corporações multinacional instituições financeiras internacionais e, acima de tudo, ao governo dos Estados Unidos.

A incipiente volta da América Latina para o nacional-populismo indica a perspectiva de um cenário muito menos favorável para a era pós-Reagan. Ao invés de se dirigir para a participação, as relações do hemisfério ocidental poderiam se tornar muito mais conflituosas nos anos 90. Semelhante deterioração certamente quase ocorreria se nenhum alívio para a esmagadora dívida da América Latina for negociado, ou se os alvoroços e as pressões protecionistas da economia dos Estados Unidos aumentarem por causa disso. Isso ocorrerá, igualmente, se alguns dos maiores países latino-americanos se voltarem para soluções populistas radicais (e talvez autoritárias) e se as tensões crescerem, em conseqüência, com os bancos e corporações norte-americanos.

O conflito interamericano poderia também se intensificar em relação aos narcóticos e à imigração, especialmente se um frustrado poder público norte-americano adotar políticas punitivas, discricionárias e até mesmo racistas. O conflito seguramente se aprofundará se os Estados Unidos renovarem sua insistência em expulsar os Sandinistas e/ou se Washington se tornar mais profundamente enredado em El Salvador, onde o reflexo norte-americano para preservar a hegemonia será desafiado no início da Presidência Bush. As tensões do hemisfério ocidental serão uma proeminente feição dos anos 90 se a administração Bush em última análise chegar a confiar, como o fez Reagan, em pontos de vista unilaterais e intervencionistas, buscando sua própria forma de nacionalismo e inevitavelmente provocando reações nacionalistas na América Latina e no Caribe.

Nem todas estas tendências adversas são igualmente prováveis, mas cada uma delas certamente pode ocorrer se a administração Bush não agarrar firme e rapidamente a oportunidade de construir relações cooperativas com os maiores países do hemisfério ocidental. No fim da era Reagan, a cooperação interamericana é ao mesmo tempo mais possível e mais necessária do que nunca antes, mas não está de modo algum assegurada. Se pode ser forjada, depende, acima de tudo, da vontade e da sensatez de George Bush e de sua nova equipe.

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    Tradução de Suely Bastos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 1989
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