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Marcelin, Louis H.; Cela, Toni & Dorvil, Henri. 2017.Les jeunes haïtiens dans les Amériques/Haitian youth in the Americas

Marcelin, Louis H.; Cela, Toni; Dorvil, Henri. .2017. .Les jeunes haïtiens dans les Amériques. /. . Haitian youth in the Americas. . . Quebéc: :. Presses de l’Université du Quebéc, .468 pp. .

Les jeunes haïetiens dans les amériquesMarcelin, Louis H. ; Cela, Toni &Dorvil, Henri . 2017. Les jeunes haïtiens dans les Amériques/Haitian youth in the Americas. Quebéc: Presses de l’Université du Quebéc. 468 pp. é uma coletânea que aborda os processos de construção identitária e os modos de pertencimento e engajamento de jovens haitianos(as) ou de origem haitiana em diferentes países do continente americano, considerando que eles são a força motora para “o desenvolvimento, a inovação e a mudança” e o fato de que a maior parte deles não pode imaginar um futuro para si e para sua família dentro de seu próprio país. A circulação de pessoas, apontam seus organizadores, é uma característica inerente ao Haiti cuja população - desde a independência do país no início do séc. XIX - “esteve sempre em movimento”, e os jovens não são exceção a esta regra.

Como a maioria das coletâneas, o livro traz colaborações heterogêneas, característica que aqui se acentua devido ao seu caráter transdisciplinar, aos distintos formatos de seus registros (artigos, entrevistas e uma poesia), ao emprego de três idiomas, o francês, o inglês e crioulo haitiano (no caso da poesia), e à multiplicidade de assuntos tratados. Tal diversidade de temas faz com que a obra seja interessante não apenas para antropólogos que trabalham diretamente com haitianos, mas também para aqueles que se debruçam sobre questões relativas à mobilidade, ao gênero, à educação, ao racismo, à violência ou à sexualidade.

Não obstante, os textos compartilham direções centrais; primeiramente, tendo a juventude como foco e, depois, se concentrando nos contratempos e nos desafios cotidianamente enfrentados por essa juventude em cidades localizadas majoritariamente nos EUA, no Canadá e no Haiti. “Como os jovens haitianos negociam experiências de marginalização social?”; “como essas experiências informam processos identitários?” e “quais experiências compartilhadas entre as gerações moldaram as práticas de identidade dos jovens haitianos nos contextos socioculturais em que vivem?” são, por exemplo, perguntas colocadas pelos organizadores que orientam as preocupações de todos os 13 capítulos.

O livro é dividido em duas partes. A primeira é quase inteiramente dedicada a pesquisas realizadas no Haiti, com exceção do artigo de Handerson Joseph e a entrevista conduzida por Louis H. Marcelin com Colette Lespinasse, dois trabalhos que, aliás, merecem destaque pela notável acuidade em relação à obra como um todo. O texto de Joseph (capítulo 5) se baseia na etnografia que realizou em quatro cidades na América do Sul e em duas no Haiti. Partindo de uma abordagem êmica do termo “diáspora”, o autor mostra como seu campo semântico gira em torno de três verbos: residir (no exterior), voltar (para o Haiti) e retornar (para o exterior) e como ele é fundamental para a compreensão da mobilidade haitiana em um espaço transnacional. Já a entrevista concedida por Lespinasse (ativista pelos direitos humanos de migrantes haitianos na República Dominicana) a Marcelin (capítulo 4) traz aos leitores a possibilidade de conhecer também “o outro lado” de uma história marcada por violência e violação dos direitos humanos por parte de dominicanos e/ou instituições dominicanas contra haitianos(as) ou pessoas de origem haitiana nascidas no país vizinho.

Esse “outro lado”, que segundo a ativista é pouco explorado pelas mídias, se torna evidente quando ela recupera, a partir das perguntas colocadas por Marcelin, certos episódios de uma trajetória marcada por inúmeros esforços de combate à violência empreendidos conjuntamente por cidadãos do Haiti, da República Dominicana e de outros países. Após percorrer temas que vão desde o recrutamento de haitianos para trabalhar no corte de cana-de-açúcar em plantações dominicanas até a questão das políticas discriminatórias aplicadas pelos governantes dominicanos contra os haitianos nascidos em seu território, Lespinasse sustenta ser necessária a construção de um “posicionamento binacional”, isto é, de uma relação mútua de solidariedade e de confiança que conduza a uma verdadeira rede de colaboração em benefício dos dois países.

A violência, em suas diversas facetas, também é assunto do primeiro, do segundo e do terceiro capítulos. No primeiro, Marcelin e Willman procuram entender como a juventude de Cité Soleil, a maior favela do Haiti, percebe, participa e sofre com as manifestações violentas com as quais tem que lidar diariamente. Apoiando-se em dados qualitativos e quantitativos, os autores ressaltam que a exclusão e a marginalização sofridas por seus moradores dentro da própria sociedade haitiana provocam raiva e frustração, sentimentos que acabariam redundando em atos violentos, como no caso das disputas entre gangues pelo controle de territórios e recursos.

O segundo capítulo ilumina as relações de gênero nas universidades haitianas. Centrada principalmente nas experiências vividas por estudantes mulheres, Toni Cela expõe as dificuldades encontradas por elas quando optam por uma carreira universitária. A autora descreve os constrangimentos e os abusos aos quais essas estudantes são submetidas provenientes de homens que ocupam posições de poder, geralmente seus professores e diretores. Além disso, a partir de relatos de universitários de ambos os sexos, revela a existência de um tratamento diferenciado por parte dos professores em relação às alunas que acabariam recebendo mais atenção do que os alunos, já que possuiriam uma moeda de troca, isto é, a possibilidade de um encontro amoroso. Cela conclui que este tipo de violência ganha legitimidade porque se encontra amparado em um sistema cultural patriarcal de subordinação das mulheres aos homens que, na verdade, permearia todas as instituições haitianas.

No capítulo três, Myrvine Marcelin procura lançar um olhar sobre um tipo particular de circulação de jovens e crianças. Trata-se de uma prática tradicional, por meio da qual esses jovens e crianças, em geral de origem muito pobre, são entregues pelos seus próprios parentes a famílias com melhores condições de vida, às quais devem servir como empregados(as) domésticos em troca de alimentação e educação. O artigo é especialmente interessante porque, ao enfatizar o relato das próprias crianças, tenta mostrar como essa lógica fundada na solidariedade e na assistência mútua se transformou em uma prática oportunista a partir da contínua degradação das condições de vida das famílias mais pobres no país; e como ela engloba, na verdade, experiências de fosterage que podem ser muito diversas.

A poesia de Iléus Papillon encerra a primeira parte do livro. Escrita originalmente em crioulo haitiano, Peyi a pa la [o país despareceu] retrata, por meio de seus versos, o desespero e a miséria da população haitiana em face de um contexto de extrema indiferença por parte de seus governantes e de suas instituições. “Um país à deriva” que destrói seus próprios sonhos e que não sabe que rumo tomar, “uma casa vazia” que não sabe quantos cérebros partiram ou mesmo quantos restaram são alguns dos sentimentos aos quais o autor tenta dar voz em forma de poema.

Experiências escolares, produções identitárias e sexualidade entre jovens que estão vivendo nos EUA ou no Canadá são assuntos abordados na segunda seção. Escrito por Toni Cela, Louis H. Marcelin, Charlène Désir, Michel Célestin e Rachelle Salnave, o sétimo capítulo, por exemplo, explora como o terremoto ocorrido no Haiti em janeiro de 2010 teve com um de seus efeitos a formação de uma identidade diaspórica entre jovens de ascendência haitiana nos EUA, que passaram a se engajar em projetos em prol do país e a expressar novas formas de conexão com ele. Já o nono, de Gina Lafortune, procura apontar alguns caminhos para o desenvolvimento de uma “identidade positiva” entre aqueles que estão vivendo em Quebec, mostrando que apenas o sucesso escolar não é suficiente, considerando-se o contexto de marginalização que experimentam diariamente como membros de grupos minoritários e estigmatizados no Ocidente.

Embora foquem em diferentes aspectos, os capítulos 8 e 12 compartilham a preocupação com os processos educativos e de socialização também em Quebec. Assim, enquanto Lourdes Stéphane Alix (capítulo 8) privilegia a perspectiva dos pais concluindo que a pedagogia adotada por eles na educação de seus filhos em casa envolve uma constante negociação entre hábitos e costumes provenientes da sociedade estrangeira e aqueles valorizados no Haiti, Reginald Fleury - pedagogo e conselheiro em relações interculturais - traz, na entrevista concedida a Henri Dorvil (capítulo 12), o ponto de vista do Estado, relatando uma série de desafios de integração e adaptação escolar vivenciados pelos alunos haitianos na cidade de Montreal.

Ainda em Quebec, Léonel Bernard analisa, no décimo capítulo, a participação dos jovens e os seus resultados no projeto “Réalité jeunesse immigrante”, que oferecia programas de capacitação profissional para imigrantes no município de Laval. Da mesma maneira, no capítulo seguinte, Charlène Désir, Pamela Hall, Stephanie Shaw, Wideline Seraphin e Suzanne Gallaghe examinam um programa educativo voltado para adolescentes em Miami, que incluiu “atividades espirituais” em sua grade curricular com o objetivo de ajudar seus alunos a “desenvolver uma identidade positiva, a reconhecer seus talentos” e a refletir sobre suas relações com a família, com os amigos, com a comunidade haitiana na Flórida e também com o Haiti.

Finalmente, o capítulo 13 busca compreender a influência da imigração no comportamento sexual de adolescentes haitianos-americanos em Miami e suas perspectivas e atitudes em relação à sexualidade, partindo de pressuposto de que suas experiências são influenciadas pelas suas trajetórias de imigração. Como sustenta Marcelin, o artigo visa preencher uma lacuna existente na bibliografia científica que, segundo o autor, ignora o assunto, particularmente no que diz respeito à população negra. Segundo ele, a especificidade, por assim dizer, das experiências sexuais desses adolescentes provém do fato de eles estarem em uma posição de “múltipla marginalidade”, ou seja, em um contexto de desvantagem social, econômica e política.

Um último ponto a ser sublinhado é a preocupação do livro quanto à adoção de medidas que visam intervir de maneira positiva nos contextos estudados. Reunindo profissionais de várias áreas, é visível o esforço dos autores no sentido de apontar possíveis soluções para as difíceis realidades com as quais se depararam nas pesquisas que embasaram seus artigos.

Referência

  • Marcelin, Louis H. ; Cela, Toni &Dorvil, Henri . 2017. Les jeunes haïtiens dans les Amériques/Haitian youth in the Americas Quebéc: Presses de l’Université du Quebéc. 468 pp.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2018
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