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O Despertar de Tudo no Brasil. Uma entrevista com David Wengrow

David Wengrow é professor de Arqueologia Comparada no Instituto de Arqueologia da University College London (UCL). Ele se graduou em arqueologia e antropologia na Universidade de Oxford, onde fez também seu doutorado. Desde que ingressou na UCL, atuou ainda como professor visitante nas Universidades de Nova York, Auckland, Freiburg e Cologne.

Ao longo de sua carreira, conduziu trabalhos de campo arqueológicos na África e no Oriente Médio e é autor de livros como The Archaeology of Early Egypt: Social Transformations in North-East Africa ( 2006WENGROW, David. 2006. The Archaeology of Early Egypt: Social Transformations in North-East Africa, C.10,000 to 2,650 BC. Cambridge: Cambridge University Press.), What Makes Civilization? The Ancient Near East and the Future of the West ( 2018WENGROW, David. 2018. What Makes Civilization? The Ancient Near East and the Future of the West. Oxford: Oxford University Press.) e The Origins of the Monsters: Image & Cognition in the First Age of Mechanical Reproduction ( 2014WENGROW, David. 2014. The Origins of the Monsters: Image & Cognition in the First Age of Mechanical Reproduction. Princeton: The Princeton Univesity Press.). Estas e outras de suas publicações versam sobre temas como as origens da escrita, a arte antiga, as sociedades neolíticas e o surgimento das primeiras cidades e Estados. Junto com o antropólogo David Graeber, é autor de The Dawn of Everything: A New History of Humanity ( 2021GRAEBER, David & WENGROW, David. 2021. The Dawn of Everything: A New History of Humanity. Londres: Penguin Random House.), publicado em 2022GRAEBER, David & WENGROW, David. 2022. O Despertar de Tudo: Uma nova história da humanidade. São Paulo: Companhia das Letras. no Brasil pela Companhia das Letras sob o título O Despertar de Tudo: uma nova história da humanidade.

Em outubro de 2023, David Wengrow visitou o Brasil para uma série de eventos sobre este livro. Na ocasião, o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional organizou, no Colégio de Altos Estudos da UFRJ, o evento “O Despertar de Tudo no Brasil: uma conversa com David Wengrow”, no qual também estiveram presentes Carlos Fausto, Maria Luísa Lucas, Leonardo Marques e Fernando Ozorio de Almeida. Com a mediação de Luiz Costa, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ, cada participante apresentou ao público um comentário crítico a respeito da obra e, em seguida, David Wengrow reagiu espontaneamente. Na transcrição e na tradução do debate que segue, eles conversam sobre antropologia, arqueologia e história, discutindo tanto conceitos como humanidade, civilização, liberdade, criatividade e autonomia quanto autores que influenciaram o processo de escrita da obra e os planos futuros de Wengrow após o falecimento precoce de seu amigo David Graeber. Tradução de Maria Luísa Lucas.

Leonardo Marques: Uma das maiores contribuições de O Despertar de Tudo é limpar o terreno ideológico que ficou entranhado nas ciências sociais, com o questionamento radical de diversas narrativas evolucionistas e eurocêntricas que continuam a permear trabalhos populares até o presente. Ao fazê-lo, a obra oferece um novo olhar sobre temas clássicos como a discussão a respeito de Teotihuacan e os Tlaxcaltecas, ou a reconsideração dos quipus andinos não apenas como simples instrumentos do império, mas também como ferramentas para o armazenamento de narrativas e canções. Esta discussão imediatamente me remeteu a uma bela passagem de As Hiper Mulheres, documentário de Takumã Kuikuro, Leonardo Sette e Carlos Fausto, no qual uma mulher indígena canta algumas canções com seu pai com base em um conjunto de pequenos galhos que lembram muito os quipus, o que não apenas fortalece o argumento dos autores a respeito destes, mas também nos ajuda a transcender a divisão clássica entre impérios nas terras altas dos Andes e os grupos descentralizados da Amazônia. Estes são apenas alguns dos muitos exemplos de como temas clássicos podem ser explorados de novas maneiras a partir do abandono de narrativas estadocêntricas.

Uma das estratégias para fazer isso é a reconsideração do conceito de civilização, que vocês incorporam de Marcel Mauss de modo a questionar os usos clássicos do termo, geralmente associado a Estados, hierarquias, grandes monumentos etc. A partir disto, podemos então falar de uma civilização andina ou uma civilização mesoamericana sem necessariamente associá-las aos Astecas, Incas, ou qualquer outro império pré-colombiano. Isto também não está distante, acredito, da ideia de “áreas de cultura” ou “círculos de cultura”, que vocês usam em outros momentos do livro. Nos dois casos, penso que estes conceitos não apenas nos ajudam a abandonar o foco clássico em Estados e grandes monumentos, mas também a entender as diferenças no tempo e no espaço, já que podemos pensar em diferentes civilizações ou círculos de cultura.

Ao mesmo tempo, contudo, o livro oferece uma visão específica de humanidade, que certamente não é o individualismo metodológico das teorias da modernização, mas que não deixa de ser uma interpretação da humanidade, como podemos ver quando vocês argumentam que “uma das coisas que nos diferenciam dos animais não humanos é que eles produzem única e exclusivamente aquilo de que precisam; os seres humanos produzem sempre mais”. Da mesma forma, há um esforço para se construir um modelo, em parte inspirado em Lévi-Strauss e na sua observação da sazonalidade entre os Nambikwara, que vocês usam de forma brilhante para entender outros povos, em outros lugares e épocas, mas que no fim leva a um dos argumentos que permeiam o livro, qual seja, o da sazonalidade como uma característica recorrente das sociedades humanas (e daí as diferentes combinações entre formas elementares de dominação e as três liberdades primordiais).

Me parece haver uma tensão entre esse esforço em entender a história da humanidade em termos amplos e a discussão de diferenças que as ideias de círculos de cultura ou civilização ajudam a destacar. A minha questão é: não há o perigo de achatar as diferenças de modo a ignorar formas que não se enquadrem nesses modelos (como a ideia dos humanos como criaturas do excesso)? Também me pergunto, contudo, se isso não é um movimento inevitável ao escrevermos uma história da humanidade, como vocês fazem aqui. Afinal de contas, uma coisa é explorar a fundo a história de um grupo específico da Amazônia ou de Yucatán de modo a enfatizar a diferença, mas algo completamente diferente é contar uma história da humanidade em que esses lugares e povos são apenas componentes de uma narrativa maior. Talvez seja impossível fazer isto sem achatar tais diferenças. Gostaria de ouvir mais de você a respeito dos desafios inerentes à escrita de uma obra com o escopo de O Despertar de Tudo.

David Wengrow: Agradeço ao meu grande amigo Luiz Costa pela organização desta conversa, a todas as pessoas envolvidas na realização deste evento e aos meus amigos que aceitaram vir aqui hoje e conversar sobre o livro. Eu realmente agradeço.

Para começar, devo dizer que não sou especialista em arqueologia ou antropologia das Américas em nenhum aspecto. Na verdade, se você tivesse me dito há quinze anos que eu escreveria um livro desse tamanho, provavelmente pelo menos 60% dele dedicados às Américas, eu teria dito que você enlouqueceu. Mas o problema com meu amigo David Graeber é que ele tinha um jeito muito contagiante e, quando ele se agarrava a uma pergunta, tinha que seguir a resposta até onde ela o levasse. E as perguntas que fazíamos nos levavam a direções completamente distantes de nossas áreas de trabalho de campo e de especialização.

David [Graeber] fez a maior parte de seu trabalho antropológico em Madagascar, mas também era muito generalista e gostava da comparação. O meu próprio trabalho de campo foi realizado principalmente no nordeste da África e no Oriente Médio, mas também não tenho muito o perfil de um especialista e tendo a vagar por aí. Foi assim que chegamos a esses assuntos. Pensando no capítulo sobre o México, por exemplo, a maior parte dele era nova para nós, e eu ficava constantemente surpreso.

Uma das vantagens de ter a sorte de trabalhar em uma grande universidade metropolitana, como a que eu trabalho em Londres, é que é muito fácil encontrar especialistas. Se você tem uma pergunta sobre as primeiras fontes coloniais espanholas, no final do corredor há Elizabeth Paquedano, que pode lhe dizer tudo sobre o assunto. E eu de fato ficava constantemente surpreso com o quanto muitas dessas fontes eram negligenciadas, algumas das quais considerávamos extremamente importantes. Às vezes, chegava a ser ridículo. Lembro-me de quando me deparei com uma das antigas crônicas de um acadêmico espanhol que, na verdade, foi um dos primeiros reitores da Universidade do México no século XVI, chamado Cervantes de Salazar. Ele foi patrocinado pelo governo colonial espanhol para escrever uma crônica, conseguiu financiamento para o trabalho de campo e foi a Tlaxcala, onde Cortés havia formado uma aliança antes de invadir Tenochtitlan. Ele entrevistou os filhos e os netos de pessoas como Xicotenca, o Velho, que de fato participou do parlamento de Tlaxcala e debateu a chegada dos europeus.

Por definição, qualquer pessoa pensaria que esta deve ser uma obra de importância monumental para a história mundial. Contudo, ela não existe em nenhuma edição moderna, nem em espanhol moderno e muito menos em inglês. Além disso, não há comentários críticos, não há nada. E se meu espanhol moderno já é ruim o suficiente, meu espanhol antigo é ridículo. Isto se tornou cômico em dado momento. Nós nos pegamos literalmente colando pedaços de texto no Google Tradutor e dizendo: "Isso não pode estar certo. Não é possível que seja o que parece ser. Onde estão os comentários, as resenhas? O que estamos deixando passar? Será que isso se deve à nossa incompetência linguística?”. Mas, então, você conversa com especialistas no assunto e eles dizem: "Na verdade, não. Muitas dessas coisas simplesmente desapareceram com a Inquisição”.

Este texto específico [de Cervantes de Salazar] foi escavado na Biblioteca Nacional de Madri em 1910 por uma mulher chamada Zelia Nuttall, que foi uma grande descobridora de códices perdidos. Ela escreveu o único ensaio crítico sério sobre esta obra. Sabe, há uma expressão em inglês que diz que “os tolos correm para onde os anjos temem pisar”. Então pensamos: "Que se dane. Vamos usá-la, colocá-la em destaque e dizer: 'Bem, esse material é importante'". E, posteriormente, quando fui convidado para eventos e conheci acadêmicos que são grandes especialistas neste tipo de coisa, eu lhes perguntei: “Eu posso ler algo deste material? Por que vocês não produzem uma tradução moderna?”. Mas a resposta sempre foi que não podemos porque não há financiamento para a publicação e ninguém de fato tem a expertise para fazê-lo.

A gente nem sequer imaginava tudo isso antes. Quero dizer, acho que realmente existem esses corpos inteiros de evidências que, de alguma forma, passaram despercebidos pelo establishment acadêmico e que de fato valem a pena ser trazidos à tona novamente. Isto é algo muito interessante a se fazer. Por exemplo, eu nunca fui a Teotihuacán. Nunca estive lá. Nós dois queríamos ir, pouco antes da pandemia, mas nunca conseguimos. Sei que o lugar se transformou num tipo de atração turística terrível, mas se você puder ir quando arqueólogos estiverem lá, imagino que seja mais divertido. Esta é uma das áreas em que eu adoraria ter entrado em mais detalhes no livro, porque há muitas informações novas surgindo.

Por exemplo, ontem mesmo eu conversava sobre as interfaces que existem entre os Andes e a Amazônia, especialmente no caso da Bolívia. Jason Nesbitt e Ryan Clasby lançaram um volume sobre isto recentemente. Na verdade, eles estão voltando a uma teoria que tem mais de cem anos. Acho que o primeiro arqueólogo indígena do Peru foi um homem chamado Julio César Tello, que tem um obelisco com seu nome - o obelisco de Tello é um monólito no estilo Chavín de Huantar. Bom, o que Tello fez não é exatamente iconografia. Na verdade, ele identificou alguns vínculos claros nesse tipo de arte quimérica de Chavín que apresentam imagens dos empréstimos e até mesmo representações de flora e fauna que não são nativas das Terras Altas. Mas esta se tornou uma daquelas teorias que todo mundo descartou. Ela foi meio que desacreditada e todos se esqueceram dela. Porém, parece-me que agora as pessoas estão falando sobre este assunto novamente, e será incrivelmente interessante se ele retornar à discussão.

Então, sobre sua pergunta, sobre a ideia de “civilização”. Uma das coisas que começamos a tentar fazer no livro é ver se poderíamos dar alguns passos para resgatar o conceito de civilização daquilo que poderíamos chamar de “sociologia da dominação” e recuperá-lo em prol de uma “sociologia da liberdade”. Como seria isso? Nós nos baseamos parcialmente em Marcel Mauss e em seus ensaios, que andaram meio esquecidos até bem recentemente.

Houve uma nova edição maravilhosa dos escritos de Mauss das décadas de 1910 e 1920 sobre civilização. Essencialmente, a civilização, no sentido em que tentamos desenvolver o termo, é a primeira de nossas três liberdades. Portanto, no livro, apresentamos um argumento, mas ele não é realmente um argumento. O livro não está completo, não é um trabalho finalizado. Ele sempre teve a intenção de ser uma espécie de introdução. O filósofo favorito de David [Graeber] se chamava Roy Basker, e ele gostava desta expressão: “limpar o mato”. Como quando você tira as teias de aranha e todo o lixo depois de se livrar da vegetação. Como quando você está caminhando na selva e precisa tirar todo o mato do caminho. “Abrir a picada”. Sim, este livro é algo como “abrir a picada”.

Estamos tentando eliminar todo o lixo que vem junto com as descobertas científicas genuínas. Há muito lixo filosófico que fica por aí por centenas de anos e ninguém se preocupa em criticá-lo. Então, queríamos varrer tudo isso, ver o que resta e quais outras perguntas poderíamos fazer sobre a história humana em grande escala. A mais importante a que chegamos foi sobre a natureza das liberdades, as liberdades humanas e as liberdades sociais. Então, identificamos e sugerimos três formas de liberdade que ainda são apenas uma hipótese que precisa ser mais bem explorada. De toda forma, sugerimos que elas tenham sido, na verdade, muito comuns ao longo da configuração das sociedades humanas em praticamente qualquer lugar fora da sombra do Estado-nação moderno.

A primeira liberdade é a liberdade de se mover, de se afastar de seu ambiente e ser recebido em outro lugar. Portanto, não se trata apenas de mobilidade, mas também de hospitalidade ou asilo. A segunda liberdade é a liberdade de desobedecer a comandos arbitrários e não ser punido, mas sim ouvido. E é assim que de fato concebemos a base da democracia participativa, com a pessoa podendo se afastar e desobedecer. E a terceira liberdade, a mais importante, é a liberdade de realmente desmantelar os ordenamentos sociais específicos em que você vive e construir algo diferente. Levantamos a hipótese de que a liberdade número três é realmente baseada, de um ponto de vista operacional, nas outras duas liberdades. Para nós, o colapso destas leva, em última análise, ao colapso da terceira e a uma condição que chamamos de “ficar preso”, seja em um modo de produção específico ou em um conjunto específico de arranjos hierárquicos. Portanto, a civilização, como nós usamos o termo, é basicamente a primeira liberdade. É nesse ponto que as áreas culturais se tornam importantes.

Trata-se de tentar capturar esse conjunto de evidências sobre essas grandes distribuições de cultura, algo que é uma característica tão óbvia e marcante do registro arqueológico e do registro etno-histórico: formas de domesticidade, formas de ritual, formas de culinária e processamento de alimentos. Elas abrangem regiões enormes, muito maiores do que um Estado-nação moderno, mas que não temos uma linguagem para descrevê-las. Assim, não estamos apenas desafiando a ideia de civilização como dominação, mas também sua ligação com as ideias de “urbanização” e de “cidade” - já que, em última análise, entendo que a etimologia de “civilização” vem de “cidades”. Entretanto, quando observamos a sequência de eventos no registro arqueológico, o que acontece é o contrário. O que aparece primeiro são essas grandes confederações regionais, ou como quisermos chamá-las. Acho que Lévi-Strauss, em Raça e Cultura, as chama de coalizões, certo? É basicamente a mesma coisa. Portanto, primeiro temos essas grandes coalizões regionais. E, na verdade, elas vêm antes das cidades. Logo, as cidades são uma contração, elas não são uma expansão. Elas são como uma dessas áreas de cultura regional encolhendo em diversos pequenos pontos. E é isso que você tende a ver concretamente, pelo menos nas áreas com as quais estou mais familiarizado, como a Mesopotâmia e a Europa pré-histórica.

Porém, eu queria entender um pouco melhor onde você encontrou a tensão entre esses dois projetos. Não sei se entendi bem.

Leonardo Marques: Bom, talvez eu esteja criando essa tensão... A ideia de áreas de cultura é certamente mais ampla do que o Estado-nação, mas, ainda assim, ela nos ajuda a pensar sobre a ideia de diferença. Ao mesmo tempo, vocês elaboram alguns modelos, como o das três liberdades, que basicamente busca dar conta de todos os grupos humanos. Então, eu queria ouvir sobre o desafio de como escrever sobre essa história da humanidade sem achatar as diferenças.

David Wengrow: Bom, acho que tem muito a ver com outro conceito que pegamos da literatura antropológica mais antiga e que tentamos trazer de volta, que é o conceito de “cismogênese cultural”. Esta é uma ideia muito latente da década de 1930. Na verdade, ela começa com a discussão sobre gênero no nível micro das relações em um grupo específico, os Iatmul, no rio Sepik, na Papua Nova Guiné, onde as pessoas, meninos e meninas, aprendem as regras de gênero e socialidade sem um manual explicativo. Neste caso, isto acontece por meio de um exercício performativo de espelhamento e imitação cômica que culmina na rejeição da outra categoria. E a ideia de que isto poderia ser aplicado de forma mais ampla à cultura foi desenvolvida pelo professor e mentor de David [Graeber], Marshall Sahlins, em toda uma série de trabalhos. Seu livro sobre Atenas e Esparta, Apologies to Thucydides (que, diga-se de passagem, tem um título muito engraçado), realmente tenta expandir esta ideia para as relações entre sociedades e entre culturas.

Trata-se, de fato, de uma teoria da identidade. E esta é uma característica muito marcante do registro arqueológico, digamos, desde o início do Holoceno. Ou seja, há cerca de 10.000 anos, quando começamos a ver a formação de zonas culturais muito distintas. Na Eurásia, no chamado período Mesolítico, as pessoas parecem estar se identificando coletivamente em oposição ao que está ao lado ou ao que veio antes - ou, possivelmente, embora nunca sejamos capazes de afirmar, ao que pode vir no futuro. Para nós, isto é importante justamente porque é um processo muito consciente. E entramos nos mínimos detalhes porque ninguém realmente entende o que são essas áreas culturais ou o que de fato constitui uma fronteira entre elas.

Portanto, estamos falando sobre a natureza da política humana na ausência de um mundo de Estados-nação com fronteiras rígidas. Como se forma uma fronteira, por exemplo, entre um grupo de sociedades em que é considerado completamente normal invadir umas às outras em busca de escravizados, capturar pessoas e incorporá-las à sua casa como escravizados, e outro grupo de sociedades vizinhas em que este tipo de coisa não é apenas rejeitado, mas culturalmente visto como inaceitável? Neste caso, de fato, encontramos um exemplo bem preciso. Mais uma vez, estamos diante de uma literatura negligenciada, aquela sobre a costa oeste da América do Norte - e, mais especificamente, sobre as áreas culturais da Califórnia e da Costa Noroeste.

De um ponto de vista geográfico, essas culturas estão exatamente no ponto de encontro de duas áreas culturais. Isto é o que Alfred Kroeber chamou de "zona de fragmentação" entre duas culturas, onde elas se chocam uma contra a outra. Ali, não há uma fronteira rígida, e essas não são sociedades com exércitos permanentes que podem deter a circulação das pessoas. Na verdade, o que existe é uma enorme interação e muita complexidade linguística. Mas também ocorre esse processo de cismogênese no qual as sociedades se constroem mutuamente como uma imagem espelhada, como o oposto uma da outra. E, nessa zona de fragmentação, encontramos evidências que demonstram a natureza consciente desse processo. Não somos capazes de datá-lo, pois as fontes arqueológicas não são suficientemente boas. O que sabemos é que houve uma interação que remonta a centenas, talvez milhares de anos, mas não temos certeza de onde ocorreu a cisão.

No entanto, justamente nessa região há, por exemplo, grupos como os Tolowa, os Yurok, os Miwok e assim por diante. Isso está presente em suas histórias orais ou narrativas, que são como contos de admoestação sobre o que pode acontecer se você escravizar outro povo e lucrar com seu trabalho duro. E posso adiantar que o resultado não é bom. Portanto, não há dúvida de que algo aconteceu ali [na Costa Oeste]. O que nos leva, finalmente, à sua pergunta sobre o achatamento.

Na verdade, todas essas sociedades foram achatadas. A Costa Noroeste e a Califórnia foram completamente achatadas em uma única categoria. No modelo antigo do evolucionismo social, elas eram todas classificadas como a mesma coisa: “caçadores-coletores complexos”. Outras pessoas os chamariam de “caçadores-coletores de retorno tardio”, ou ainda “caçadores-coletores afluentes”, mas sempre sem levar em consideração o fato de que, na verdade, as bases de seus sistemas culturais são completamente diferentes. Ou, melhor dizendo, radicalmente diferentes. Como mostramos na comparação, um dos sistemas é uma sociedade doméstica, enquanto o outro se parece mais com uma corte feudal. O primeiro, ainda, tem algo que se parece um pouco com a ética de trabalho protestante. Ou seja, essas sociedades não poderiam ser mais diferentes. Portanto, elas foram achatadas antes, e tratamos de desachatá-las para que a gente possa finalmente começar a vê-las como entidades históricas. Por isso, eu me oporia à acusação de achatamento. Acho que, na verdade, fizemos algo como um “desachatamento", pelo menos neste caso.

Maria Luísa Lucas: Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite para conversar com um dos autores desse livro que tanto me influenciou nos últimos anos. Como o David sabe, junto com a minha querida colega e amiga, a arqueóloga Jennifer Watling, estou atualmente ministrando um curso de graduação na USP sobre O Despertar de Tudo. Assim, o que trago aqui hoje é em grande parte o resultado de nossas discussões em sala.

Quando li o livro pela primeira vez, em 2021, logo ficou óbvio que ele apresentava, principalmente por meio de dados arqueológicos e históricos, algo que eu, por experiência pessoal, conhecia etnograficamente: experimentos sociais altamente criativos em que um grupo de pessoas concebe e coloca em prática novas formas de vida. Vou resumir do que se trata.

Os Bora, um povo indígena com o qual venho trabalhando há algum tempo, passaram por uma crise radical no início do século XX. Exploradores de borracha, em pouco mais de vinte anos, torturaram, escravizaram, assassinaram e realocaram à força dezenas de milhares de pessoas. Mesmo que eles tenham se recusado a trabalhar e organizado movimentos de resistência armada várias vezes, o boom da borracha acabou causando um colapso demográfico de pelo menos noventa por cento. Portanto, por algum tempo, eles não tiveram liberdade para se mover, desobedecer ou moldar novas realidades. No entanto, as coisas começaram a mudar no século XX. Optando por fazer poucas declarações sobre traumas passados, eles decidiram, por um lado, depender menos dos não indígenas em todas as áreas de suas vidas. Por outro, eles decidiram reconstruir ou recuperar clãs, rituais, artefatos e canções que haviam sido perdidos. Nesse processo, embora tenham transformado alguns elementos agora vistos como indesejados, outros foram incrivelmente resilientes. Este é o caso da relação entre "chefes" e "órfãos".

Os chefes ou nobres são, idealmente, os primogênitos dos clãs patrilineares. Os órfãos são pessoas que vivem (definitivamente ou não) na ausência de relações com seu chefe original. Em geral, quando são incorporados à parentela de novos chefes, os órfãos precisam se dedicar a tarefas domésticas que consomem grande parte de suas vidas e contam com menos acesso a alimentos ou bens que os demais. Em suma, eles não são equivalentes aos chefes ou a outras pessoas. Entretanto, não há chefes sem órfãos, e nenhum órfão quer ficar sem um chefe por muito tempo. Esta é uma relação que organiza profundamente a vida bora e que persistiu mesmo depois de uma crise radical.

Vivendo com eles, entendi que não se trata de uma relação de exploração, mas de coprodução do self ou de “exogênese”. Assim, embora a autonomia dos Bora como povo não esteja aberta à negociação, a autonomia individual não é nem um valor, nem um desejo. Nesse contexto, o que foi e continua sendo desejável é a preservação de um sistema evidentemente contraigualitário. Tenho certeza de que uma "vida boa" que não se baseia nem na igualdade nem na autonomia individual poderia deixar os órfãos de Rousseau muito desconfortáveis.

Por meio de processos cujos detalhes não posso especificar aqui, as decisões tomadas após essa crise são marcadas por uma notável capacidade bora. Ao transformarem algumas regras, eles puderam imaginar e criar formas de vida que antes existiam apenas como uma possibilidade. Mesmo que a história de Bora apresente algumas circunstâncias incomuns, elas certamente não são de natureza demográfica. Como mostram algumas projeções recentes, crises demográficas profundas e abruptas marcaram a história de basicamente todos os povos indígenas da América do Sul desde o século XVI. Portanto, nosso continente certamente foi (e ainda é!) um incrível laboratório para experimentos sociais criativos, muitos dos quais surgiram após a usurpação de diferentes liberdades pela máquina colonial.

Nossos alunos trouxeram vários desses exemplos a partir da história, da arqueologia e da antropologia. Eles estão especialmente interessados na região e no período que receberam relativamente pouca atenção no livro: as terras baixas da América do Sul após a invasão europeia. Especialmente quando discutimos os povos indígenas dessa área (e não, por exemplo, as pessoas escravizadas no tráfico transatlântico), noções como liberdade ou autonomia apareceram muito menos do que criatividade e agência. Eles então notaram que estes termos aparecem pouquíssimas vezes no livro (menos de dez vezes cada um na tradução para o português). Imaginamos que esta tenha sido uma escolha ativa e gostaríamos de saber mais sobre isso.

Pensando especificamente sobre a ideia de criatividade, o antropólogo melanesianista James Leach aponta como ela tem contornos muito particulares no mundo euro-norte-americano. Em resumo, a criatividade no Ocidente baseia-se em uma ideia apropriativa na qual um indivíduo autônomo e dono de si modifica um mundo previamente estabelecido por meio de ideias originais, raras e valiosas (como no mítico "eureka" de Arquimedes). Entretanto, existiriam outras formas possíveis de criatividade, e nosso problema em reconhecê-las decorreria de uma dificuldade subjacente em imaginar mundos em que uma pessoa é vista como uma combinação de outras pessoas (como a “exogênese” que mencionei há pouco), ou mundos em que os não humanos também são seres dotados de agência. Neste sentido, o notável desenvolvimento das teorias multiespécies nas últimas décadas vai ao encontro do argumento de Ailton Krenak segundo o qual "os humanos não são os únicos seres interessantes que têm uma perspectiva sobre a existência".

Entendemos que a análise de fontes históricas dos últimos cinco séculos, o material etnográfico e arqueológico contemporâneo e a crescente produção de intelectuais e artistas indígenas na América do Sul apontam para formas de viver e experimentar as três liberdades abordadas no livro. No entanto, esse mesmo material também desafia, de diversas maneiras, pressupostos euro-norte-americanos críticos, tais como a forma como concebemos os processos de tomada de decisão; a constituição de sujeitos políticos como seres autônomos, autoconscientes e proprietários de si; e a agência entendida exclusivamente a partir de uma perspectiva antropocêntrica. Algumas destas premissas são reiteradas no livro, enquanto outras são criticadas. Gostaria de saber como as coisas se desenvolveram quando ele estava sendo escrito e se, depois de sua publicação, algumas dessas críticas transformaram de alguma maneira seu olhar para o trabalho.

Na sala de aula, combinamos que eu seria uma porta-voz ou tradutora das ideias e opiniões debatidas todas as semanas por mais de trinta alunos jovens e dedicados que estão devorando avidamente o livro e pensando sobre as possíveis implicações para seus percursos acadêmicos e seus engajamentos políticos com diferentes pautas sociais. Como um coletivo, eles o convidam a pensar com esse material sul-americano contemporâneo em futuras publicações que todos esperamos que estejam no horizonte. Acreditamos que esta seria uma forma, como disse um de nossos alunos, de construir um "ecossistema para novas abordagens de divulgação científica". Algo que, a propósito, a antropologia e a arqueologia vêm ignorando há muito tempo, mas que o livro faz com maestria.

David Wengrow: Espero que possamos continuar conversando sobre essas questões, pois não há uma resposta rápida ou fácil para elas. Quando você pergunta sobre a escolha dos termos e fala sobre termos como “criatividade” e “agência”, penso que a escolha da linguagem é de fato importante. Porém, não foi algo que David [Graeber] e eu nos preocupamos particularmente ou tentamos formular de maneira muito consciente. Em parte porque queríamos nos afastar desse hábito de supor que poderia haver algo que se assemelhasse a uma caracterização total que fosse aplicável a qualquer grupo de pessoas. Portanto, a maneira mais clara de responder é com um exemplo, que é a parte do livro em que falamos sobre o que chamamos de “crítica indígena”. Eu percebi que alguns leitores do livro interpretaram erroneamente essas seções em que falamos sobre uma perspectiva [indígena] crítica sobre as sociedades europeias, algo que surgiu em um meio histórico muito particular entre os povos de língua algonquina e iroquesa nas florestas do leste da América do Norte.

Ali, estamos falando sobre suas observações sobre a civilização europeia. Mas certamente não estamos falando de sua visão de mundo. Não estamos falando de uma ontologia. Não estamos falando sobre a questão da criatividade ou da agência. Estamos falando de filosofia. E escolhemos esses termos, acho que deliberadamente, para nivelar o campo do jogo, porque filosofia é um termo pesado. Filosofia é o que deveríamos ter, e eles têm algo chamado agência, que não sabemos muito bem o que é.

Nosso argumento é que as perspectivas oferecidas nesse caso específico eram estratégicas, da mesma forma que o livro de [Ailton] Krenak é estratégico ou que os escritos de David Kopenawa não são uma totalidade, mas o segmento de uma visão de mundo específica ou de uma civilização específica. Mesmo assim, eles são estratégicos. Eles são o que se pode chamar de uma espécie de “arma de escolha”, que tem como alvo um inimigo específico. E, é claro, o inimigo mudou desde os séculos XVII e XVIII. Mas ele não mudou completamente, pois há uma relação histórica.

Em suma, nós estávamos apenas tentando manter o campo de jogo nivelado. Assim, quaisquer perspectivas que sentimos poder extrair das sociedades não europeias sobre as quais estamos falando também são derivadas deste tipo de autorrepresentação que, presumivelmente - e você sabe disso melhor do que eu -, afeta de forma considerável a etnografia e os encontros etnográficos. E ficamos muito impressionados com alguns casos parecidos ao que você traz quando se refere a pessoas que conscientemente mudam as regras - por exemplo, regras de parentesco e casamento ou herança para evitar um determinado resultado ou criar um tipo alternativo de sociedade. Para entender o que está acontecendo ali, como você também sabe muito melhor do que eu, é preciso atingir um grau incrível de familiaridade e competência.

Nós ficamos muito impressionados, por exemplo, com o caso histórico da Nação Osage, que hoje está em algum lugar no meio-oeste americano, perto de Minnesota. Este é um dos únicos casos que temos de um grupo cuja etnografia foi escrita no século XIX por um etnógrafo indígena. Ele não era Osage, era Omaha, um homem chamado Francis La Flesche, mas ele falava línguas relacionadas e suas etnografias são totalmente diferentes do que foi escrito pelos europeus na mesma época. Elas são incríveis! Ele utiliza notação musical e possui uma grande compreensão do que as pessoas de fato estão dizendo. Assim sabemos que eles [Osage] têm esses pequenos concelhos de homens idosos que, ao se reunirem, entram em debates filosóficos muito profundos sobre a natureza da realidade.

Com certeza, isto é incrivelmente criativo. Mas dizer que eles têm agência é dizer muito pouco. Ou seja, essas pessoas estão envolvidas em argumentos constitucionais e filosóficos ou teorias sobre os sonhos que são realmente muito sofisticados e que em nossa própria cultura, creio eu, creditaríamos com palavras mais pesadas, com termos mais pesados. Toda a reflexão aqui é retrospectiva porque, como eu disse, não acho que tenhamos sido muito conscientes em nossa escolha das palavras. Mas, retrospectivamente, acho que é por isso que usamos a linguagem que usamos.

Fernando Ozorio de Almeida: Entre as muitas coisas que me vieram à mente ao ler o livro foi que o ponto de partida foi transferido da América do Norte para a América do Sul, com Bartolomeu de Las Casas servindo como exemplo do retrato do “Nobre Selvagem”, e a crítica de Michel de Montaigne à sociedade francesa baseada na “liberdade platônica” de que gozavam os Tupinambá que habitavam o litoral brasileiro no século XVI.

Acho que teríamos um desfecho semelhante para a história. Admito que fiquei em um primeiro momento triste ao ver as críticas a autores que valorizo, como Pierre Clastres e Christopher Boehm, embora concorde com elas. Por outro lado, parabenizo os autores pela capacidade de identificar boas ideias (como as apresentadas por meus colegas etnólogos da Amazônia), ao mesmo tempo em que separam outras aparentemente elegantes e atraentes, mas que na verdade não são baseadas em bons dados, e simplesmente não funcionam. Gostaria também de parabenizar os autores pela calorosa inclusão de contextos arqueológicos “periféricos”, como a Amazônia, onde tenho trabalhado nos últimos vinte anos.

Em um artigo publicado recentemente, baseado em amostragem Lidar de pequenas áreas, foi projetada a existência de mais de 10.000 estruturas de terra ainda escondidas na Amazônia. Só posso imaginar o impacto do que está por vir em discussões como as apresentadas pelos autores. Na Amazônia, tivemos a tendência de pensar em temas como desigualdade e hierarquia como materializados nessas diferentes estruturas de terra. No entanto, a documentação recente sobre os povos indígenas Guató do Pantanal brasileiro, que ainda produzem montículos (para viver, para enterrar os seus mortos ou para plantar) e que o fazem em um nível comunitário, está nos levando a pensar em modelos alternativos.

Como o livro possui uma linha político-filosófica com a qual eu de maneira geral concordo, gostaria de ouvir mais de David sobre questões ambientais, em diferentes escalas. Por um lado, gostaria de compreender um pouco melhor a importância dos lugares naturais dentro da teoria: as hierarquias naturais ocupadas pelas sociedades humanas. Já que você diz que o ritual é o laboratório da experimentação, não seria o caso de enfatizar que, mesmo antes de os monumentos humanos começarem a surgir pelo mundo, certos lugares eram o lar de trocas, rituais, concentração e conhecimento, trocas filosóficas (incluindo a comparação de diferentes sistemas políticos), experimentação de diferentes usos de plantas nativas e estrangeiras, e talvez diferentes tipos de organização social? Estou pensando aqui em lugares como as cachoeiras do noroeste da América do Norte (Columbia Britânica) e a do Teotônio, na Amazônia, onde trabalhamos.

Em segundo lugar, numa escala mais ampla, senti um pouco de falta da discussão dos fatores macroambientais que influenciam a economia, como a expansão e a retração da agricultura e, portanto, as decisões políticas. Embora de forma alguma eu apoiasse, por exemplo, o modelo determinista e ingênuo de “Colapso” de Jared Diamonds, por outro lado, parece ser uma grande coincidência que grandes Centros Indígenas Americanos, como Cahokia, no Mississippi, Marajó, no Baixo Amazonas, a cultura Casarabé e os produtores de Geoglifos, no sudoeste do Amazonas, e mesmo o período Maia Clássico, estavam em declínio por volta de 1200 d.C., durante a Anomalia Climática Medieval (MCA) de 900-1250 d.C. Considero que esta questão pode ser importante para ajudar a pensar em que nível devemos esperar mudanças políticas à medida que o resultado da atual crise climática se desenrola.

David Wengrow: Certo, há muitas coisas a dizer. Tentarei ser rápido, abordando ponto por ponto. Acho que houve uma iteração anterior, ou uma série de iterações anteriores, do que chamamos de crítica indígena e das reações contra ela. O motivo de recorrermos a Rousseau e, por meio dele, ao século 18, aos Haudenosaunee e aos Wendat, é porque começamos com esta questão sobre as origens da desigualdade. Até onde sabemos, esta é uma questão de meados do século 18 que não tem muita validade antes disso, ou pelo menos não se apresenta da mesma maneira. Mas, sem dúvida, há mais coisas acontecendo pelo menos duzentos anos antes.

Para pensar sobre isso, Michel de Montaigne é certamente uma peça central. Porém, sempre achei que o texto-chave era o de seu amigo, e provavelmente seu parceiro, Etienne de la Boétie, que se chama "Sobre a Servidão Voluntária". Não sei se você já o leu. É um texto extraordinário, que expressa ideias que classicamente associamos à era do Iluminismo, mas que aparece cerca de duzentos anos antes. La Boétie e Montaigne são tão próximos quanto possível, e eu nunca entendi muito bem por que ele [La Boétie] é sempre tratado como uma espécie de anomalia. Ninguém sabe ao certo o que fazer com esse texto e seus comentários sobre liberdade, opressão e tudo o mais. De todo modo, sempre me pareceu improvável que a relação dele com Montaigne - e tudo o que Montaigne aprendeu com seu encontro com os Tupinambá - seja apenas uma coincidência. Eu não conheço a cronologia de tudo isso suficientemente bem, mas suspeito que haja outra história a ser revelada.

Então, eu gostaria de me adiantar e abordar uma de suas últimas perguntas, que era exatamente sobre histórias, ou as histórias que as pessoas contam sobre as origens da desigualdade e as origens da hierarquia. Acho que isso ilustra o fato de que não podemos presumir a quem pertence a história e quem a recebeu de quem. Sobre isso, há um exemplo da mesma época, de meados do século XVI, que me surpreendeu quando o encontrei.

Trata-se dos escritos de um frade franciscano chamado Toribio de Benavente, que era conhecido pelos Mexica como "Motolinía", que significa "o aflito", porque ele era um desses caras que andavam por aí em trapos. Em suas crônicas, ele fala sobre as histórias de origem que os Mexica, os Asteca, contavam sobre si mesmos. Elas diziam assim: “Nós somos descendentes desse pessoal chamado Chichimeca, que são caçadores-coletores. Eles vivem no deserto, não cultivam, não têm bens materiais e não acumulam riquezas, mas eles são muito felizes e vivem nesse tipo de existência nobre". Na época, eu estava lendo isso e pensando: "Bem, isso é Rousseau, mas duzentos anos antes de Rousseau”. E este [Motolinía] é um autor espanhol.

Ou seja, é possível que, na verdade, o que consideramos ser nosso tipo de história padrão, nosso próprio mito sobre as origens da desigualdade, tenha se originado como um mito urbano mexica sobre suas próprias origens? Sabe, esta pode parecer uma ideia um pouco maluca, mas talvez ela não seja tão maluca assim. Talvez haja, de fato, essas influências cruzadas, e talvez seja a nossa própria maneira de fazer historiografia que as faça parecer malucas. É tudo uma questão de “a história de quem”, ou melhor: qual história de fato vem de que lugar? A quem ela pertence?

Então, estes autores, Rousseau, Pierre Clastres e Boehm, eles são heróis. O que estamos tentando fazer é levar adiante as agendas deles. Sobre Boehm, ficamos frustrados com ele, mas, na verdade, seus argumentos são provavelmente o melhor e mais substancial apoio à nossa ideia sobre as três liberdades - especialmente a segunda liberdade, a de desobedecer. Ele argumenta que nossa espécie basicamente divergiu social e cognitivamente de nossos parentes biológicos mais próximos (os grandes símios da África) em parte por meio da elaboração de estratégias de desobediência, de maneiras de realmente controlar e conter agressores e possíveis dominadores. Portanto, aceitamos e adotamos completamente o argumento de que, já no Paleolítico, teria havido experimentos políticos altamente autoconscientes.

O que não conseguimos entender é porque ele descreve o curso da história humana exatamente em termos opostos, como se nada tivesse acontecido antes do início da agricultura e todos fossem apenas igualitários. É bem confuso, e já não podemos perguntar-lhe diretamente sobre isto. No entanto, em essência, queremos explorar as implicações dessa teoria mais além do que ele fez, e queremos usar evidências arqueológicas para fazer isto - o que ele tampouco faz. Esta é a diferença. Basicamente, estas são as pessoas nas quais estamos tentando nos basear.

Bom, sobre as macrotendências. Você de fato as encontrará no livro. Por exemplo, quando falamos sobre cidades, falamos longamente sobre o fato de que, há cerca de 5.000 anos, houve a estabilização global do nível do mar e o fenômeno das formações de deltas, a estabilização do Delta do Nilo, do Delta do Mississippi, do Delta do Mekong, e daquele que eu deveria conhecer melhor, o Samaritano, no sul do Iraque... (sabe, a gente sempre esquece aquilo que realmente estudamos no doutorado!). O clima é um ponto obviamente fundamental para entender a concentração de seres humanos nessas regiões em números sem precedentes. Mas isto não acontece em todos os lugares. Sem dúvida, isto não aconteceu nas Américas, com a possível exceção do Rio Supe e da chamada civilização Caral, no Peru, sobre a qual ainda não sabemos muito. Isto tudo é muito interessante. Afinal, se você tem essas oportunidades repentinas para as pessoas se reunirem em ambientes ecológicos incrivelmente ricos em números sem precedentes, por que isso não acontece em todos os lugares?

Obviamente, eu não tenho uma resposta definitiva. Porém, suspeito que tenha algo a ver com o fato de que os lugares onde isso acontece, como no Vale do Indo, no Tigre-Eufrates, ou no Vale do Nilo, o tipo de concentração que se tem lá é bastante voltado para a indústria e a manufatura, para a produção de mercadorias e para a criação de centros urbanos por meio de uma verdadeira revolução na organização das capacidades humanas de produção material. No livro, nossa suspeita é a de que o que constitui um centro em grande parte das Américas é diferente e está menos relacionado a fatores materiais de produção, e talvez mais associado a algumas das coisas mencionadas por você, como diferentes formas de conhecimento: conhecimento esotérico, conhecimento dos calendários, compreensão de plantas e animais e do mundo não humano - em suma, conhecimentos concentrados em centros como Cahokia. É exatamente por isto que falamos sobre a reação dos moradores de Cahokia como uma reforma no acesso das pessoas a certos tipos de conhecimento ou uma democratização de certos tipos de conhecimento.

Carlos Fausto: Gostaria de começar agradecendo ao Luiz pelo convite e ao David por nos dar o prazer de participar desta conversa. Eu li The Dawn of Everything, ainda em formato PDF, no final de 2021. Sou um leitor anárquico que raramente lê um livro do começo ao fim, mas li The Dawn of Everything da primeira à última palavra. Extremamente bem escrito, bem planejado e ambicioso, o livro capturou minha imaginação e estimulou minha reflexão, falando diretamente sobre questões cruciais que me interessam, especialmente em relação com as formas sociopolíticas indígenas sul-americanas. De certa maneira, a América do Sul ocupa um lugar marginal na economia do livro, apesar da centralidade da América do Norte - e das ideias de Pierre Clastres - para o desenvolvimento de seu argumento. Isto não é de forma alguma uma crítica, mas sim um convite para que David se envolva em um diálogo com a etnologia sul-americana.

O entendimento hegemônico do cenário político sul-americano antes da invasão europeia é o de uma grande divisão: de um lado, temos as grandes civilizações dos Andes e da costa do Pacífico; do outro, os povos da floresta: aqueles que ficaram presos e não chegaram lá, ou seja, não desenvolveram instituições do tipo estatal. Essa cismogênese conceitual foi posteriormente matizada por categorias intermediárias (como a chefia) e confrontada de frente por Clastres, que questionou a própria ideia de "estar preso". Para Clastres, as "deficiências" das sociedades das florestas tropicais decorriam de uma vontade positiva de perseverar em seu próprio estado de ser e, portanto, de evitar o Estado. Assim, poderíamos perguntar, agora nos termos de Graeber e Wengrow, por que os povos amazônicos não ficaram presos? Por que eles não ficaram, mas os povos andinos sim?

Obviamente, eu não vou responder a esta pergunta aqui. Estou apenas localizando esta questão em meu próprio campo etnográfico para discutir as três formas básicas de liberdade social, por meio das quais Graeber e Wengrow esboçam uma possível resposta a esta pergunta em seu sentido mais amplo.

Começo com "a liberdade de se afastar de seu entorno". Como isto se aplicaria à Amazônia? O deslocamento coletivo requer: a) muito espaço para se realocar (ou seja, baixa densidade demográfica); e b) ampla hospitalidade entre as populações vizinhas (ou seja, a ausência de guerra). A demografia foi um elemento fundamental no modelo de Clastres: "As coisas só podem funcionar no modelo primitivo se as pessoas forem poucas", escreveu ele em Sociedade contra o Estado. A atomização e a dispersão também foram elementos-chave, e mais tarde ele passou a ver a guerra como um mecanismo crucial para a fragmentação, não para a unificação (como é o caso da teoria da circunscrição de Robert Carneiro). A hospitalidade parece não ter sido uma prática social importante na Amazônia, pelo menos não quando comparada à guerra. Com exceção de alguns sistemas regionais multiétnicos, a paz de longo prazo era um estado difícil de ser alcançado, o que sugere que havia limites importantes para a primeira liberdade, especialmente se levarmos em consideração que a densidade populacional indígena era pelo menos dez vezes maior há quinhentos anos.

Agora, o que podemos dizer sobre a segunda liberdade, "a liberdade de ignorar ordens"? Na verdade, esta parece ser a tonalidade da maioria das relações políticas na Amazônia, mesmo dentro de sistemas hierárquicos com chefias institucionalizadas, como no caso do Alto Xingu. A única vez em que vi uma pessoa comandando outras (e sendo obedecida) foi durante um levante messiânico em que um homem começou a curar aldeias inteiras. Os grandes chefes, ao contrário, se impõem aos outros por meio de discursos formais e rituais que, por definição, são autoderrogatórios. Isto não significa que não existam relações assimétricas na Amazônia. Muito pelo contrário, as relações de dependência assimétrica são bastante importantes e estruturam muitos domínios da vida social. Então, como as relações de dependência generalizadas não se convertem em relações de poder de dominação? Como pode haver liberdade e dependência?

Esta pergunta me leva à última e mais importante liberdade, sobre a qual os autores apresentam duas formulações diferentes: por um lado, eles se referem à "liberdade de moldar realidades sociais inteiramente novas"; por outro, "a liberdade de alternar entre realidades diferentes" (como na variação sazonal dos Inuítes). A primeira é uma mudança revolucionária (mais do que uma reforma social), enquanto a segunda é apenas um padrão político-econômico dual característico, por exemplo, dos Kayapó e de outros povos de língua jê. Meu interesse, aqui, é apenas no primeiro.

Temos vários exemplos de reformas sociais conduzidas pelos povos indígenas da Amazônia, como é o caso, por exemplo, dos Bora, dos Parakanã, dos Yanesha ou dos Marubo. Suas inovações marcantes não podem ser concebidas fora dos efeitos do domínio colonial e da violência. No entanto, a maneira como reformaram e recriaram suas formas de vida decorre de lógicas e práticas indígenas de produção de transformação e mudança. E aqui está a principal pergunta que tenho para David: podemos caracterizar a criatividade social indígena como uma forma de liberdade? Que tipo de agente e de ação política essa liberdade requer?

Ao longo de The Dawn of Everything, esse agente é frequentemente caracterizado como um "ator político consciente" e suas ações são qualificadas como "autoconscientes". Aqui, o conceito de liberdade parece ser construído sobre uma noção de autonomia que, por sua vez, implica autopossessão e autoconsciência. Os mundos amazônicos, no entanto, raramente são baseados em autonomia. Então, como os povos amazônicos podem ser tão dependentes e, ao mesmo tempo, tão livres?

Como Judith Butler diz de forma mais geral em Dispossession: "não nos movemos simplesmente a nós mesmos, mas somos movidos pelo que está fora de nós, pelos outros, mas também por qualquer coisa 'externa' que resida em nós". Se isto for verdade, pelo menos para a Amazônia, o que constituiria uma liberdade que não implica autonomia e autopossessão? Como a democracia (antiga ou não) seria concebida? Que tipo de agentes políticos e mecanismos de tomada de decisão estariam envolvidos aqui? Encerro esses comentários com uma passagem de [Jacques] Derrida que, para mim, captura nosso desafio comum de pensar: "essa coisa inconcebível e incognoscível, uma liberdade que não seria mais o poder de um sujeito, uma liberdade sem autonomia, uma heteronomia sem servidão".

David Wengrow: Muito obrigado. Na verdade, eu tenho que seguir em frente com este livro em algum momento, e as perguntas que você está fazendo são exatamente as que mais me interessam nesse momento em que estou pensando para onde ir em seguida.

Então, começando pelo final. Sobre a liberdade. Como você sabe, Terry Turner e seu trabalho sobre os Kayapó foi algo muito importante para o pensamento de David Graeber, e seria muito melhor se ele pudesse nos falar sobre isso. Mas há outra influência muito importante para Graeber e também para mim, que é o sociólogo jamaicano Orlando Patterson.

O trabalho de Patterson sobre a liberdade é muito volumoso. Então, correndo o risco de simplificar demais, sua análise do conceito de liberdade no pensamento ocidental propõe que tal conceito se origina na escravidão. Em outras palavras, a liberdade não é um conceito natural ou universal, mas uma construção social e histórica que aparece em relação cismogênica com as instituições da escravidão. Nós não devemos esperar encontrá-la em nenhum lugar onde essas instituições não tenham surgido primeiro. Assim, ele começa sua análise na Grécia antiga e termina na América. Tenho certeza de que ele está certo, mas Patterson faz ainda duas outras observações a partir daí.

A primeira é que, nas civilizações não ocidentais (e ele está pensando aqui particularmente nos casos da África Ocidental e Central analisados por pessoas como Claude Meillassoux), o oposto da liberdade não é a autonomia. Para ele, o oposto da liberdade é o pertencimento ou a dependência. Então, o fato de estar envolvido em um sistema de clãs ou em um sistema de relações sociais é o que garante, por exemplo, que os órfãos sejam acolhidos. Assim, a escravidão, como Patterson coloca no título do seu livro mais conhecido, seria uma forma de morte social.

A segunda conclusão a que Patterson chegou, e aqui é onde eu acho que nós divergimos de seus argumentos, é que a liberdade em si seria uma espécie de conceito ocidental estranho, que simplesmente não existe em nenhum outro lugar. Martin Bernal, cujo livro Black Athena estava fazendo sucesso mais ou menos na mesma época, fez uma crítica muito interessante a Patterson ao dizer que havia muitos exemplos no budismo, na China e nas tradições chinesas, onde de fato há um equivalente ao conceito de liberdade.

Eu acho que a nossa abordagem sobre liberdade diverge daquela de Patterson porque quando você pensa sobre a liberdade como uma reação contrária à escravidão, você acaba encontrando um conceito de liberdade que tem peculiaridades muito específicas. Essencialmente, você encontrará a liberdade como uma forma de poder, ou a liberdade como autonomia pessoal, o que é indiscutivelmente uma reação contrária, de tipo cismogênica, aos processos de mercantilização, violência e escravidão. Este foi o argumento de David [Graeber] em um ensaio chamado Turning Modes of Production Inside Out, que é exatamente sobre como podemos entender o capitalismo como uma transformação da escravidão. No fundo, o que surge aqui é uma noção de liberdade como posse pessoal. É algo que você possui e, portanto, por definição, também é algo que você pode trocar na forma de trabalho assalariado. É algo transacional. Mas, em nossa opinião, isto não esgota as possibilidades do conceito. Em nossa abordagem, acho que tomamos precisamente o caminho contrário.

É possível fazer uma análise mais detalhada e identificar uma certa linhagem ao analisar concepções particulares de liberdade. Porém, assim que você examina para além dessa tradição específica, o que você vê são conceitos de liberdade baseados precisamente na ideia de dependência e que além disso são, em essência, liberdades sociais. Em outras palavras, liberdades que possibilitam a liberdade de outras pessoas e que não são expressas como formas de poder.

Isto nos leva à primeira parte de sua pergunta, aquela que não vamos responder hoje, sobre porque certas sociedades ficaram enredadas ou presas em formas e relações muito hierárquicas. No livro On Kings, que David [Graeber] e Marshall [Sahlins] escreveram, Sahlins destaca, como faz em todos os lugares, que os Maia clássicos, os Mexicas e os Incas têm alguma versão desse complexo que os antropólogos descreveram como "realeza estranha". Recentemente me ocorreu que pode haver algo interessante aqui. A “realeza estranha” é a ideia - às vezes enraizada na história, às vezes flutuando livre dos fatos e sendo apenas uma espécie de mitologia ou história de origem sobre a desigualdade ou a realeza - de que o poder, no sentido de poder coercitivo, vem de fora da sociedade na forma de conquista violenta, mas nunca é totalmente adotado ou aceito. Na verdade, a existência deste tipo de poder acaba entrando em um processo de negociação com as normas e as regras internas da democracia ou da socialidade humana.

Mas, se você pensar bem, isto é na verdade uma inversão, ou talvez até mesmo uma perversão das três liberdades: a de afastar-se, porque o rei vem como um estrangeiro, como um estranho que chega de outro lugar, e a de desobedecer, porque o rei estabelece sua soberania violando, da maneira mais horrível, todas as normas básicas da civilização. Isto geralmente é expresso como um ato de sexualidade grotesca, de incesto ou de parasitismo, ou simplesmente como algo repugnante de acordo com qualquer outra definição. Contudo, de maneiras que não são muito bem conhecidas, este ato estabelece o rei como um estranho poderoso. Por fim, a terceira liberdade também é pervertida, porque o objetivo da "realeza estranha" é justamente estabelecer uma dinastia perpétua, que permaneça a mesma para todo o sempre. Isto é exatamente o oposto da terceira liberdade, que tem a ver com a flexibilidade, a capacidade de mudar, desmontar ou se mover entre diferentes ordenamentos sociais. Eu não sei o que tudo isto significa, mas acho que há uma lógica aqui que vale a pena ser explorada. E acho que o desafio é dar substância, antropológica, histórica e arqueologicamente, a essa outra noção de liberdade, que, como você bem disse, não tem exatamente a ver com autonomia - e que, na minha opinião, é muito empobrecida enquanto conceito na tradição ocidental. O trabalho de Patterson realmente destaca isto, sem que necessariamente precisemos concordar com todas as suas conclusões.

Referências

  • GRAEBER, David & WENGROW, David. 2021. The Dawn of Everything: A New History of Humanity Londres: Penguin Random House.
  • GRAEBER, David & WENGROW, David. 2022. O Despertar de Tudo: Uma nova história da humanidade São Paulo: Companhia das Letras.
  • WENGROW, David. 2006. The Archaeology of Early Egypt: Social Transformations in North-East Africa, C.10,000 to 2,650 BC Cambridge: Cambridge University Press.
  • WENGROW, David. 2014. The Origins of the Monsters: Image & Cognition in the First Age of Mechanical Reproduction Princeton: The Princeton Univesity Press.
  • WENGROW, David. 2018. What Makes Civilization? The Ancient Near East and the Future of the West Oxford: Oxford University Press.

Editado por

Editora-Chefe:

María Elvira Díaz Benítez

Editor Associado:

John Comeford

Editora Associada:

Adriana Vianna

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2023
  • Aceito
    21 Fev 2024
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