Acessibilidade / Reportar erro

NOVA FRONTEIRA DE EXPANSÃO E ÁREAS PROTEGIDAS NO ESTADO DO AMAZONAS

NUEVA FRONTERA DE EXPANSIÓN Y LAS AREAS PROTEGIDAS EN EL ESTADO DE AMAZONAS

Resumo

Analisa-se as transformações da rodovia Transamazônica, localizada no sul do estado do Amazonas, como um novo eixo de expansão de fronteira. Como metodologia, adotou-se a revisão bibliográfica, análise de documentos e relatórios de instituições públicas, trabalho de campo e cartografia temática. Para o entendimento desse processo, estrutura-se a análise a partir i) dos eixos rodoviários como elos que articulam espacialmente fluxos econômicos na região; ii) das políticas ambientais concretizadas em áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) ao longo da rodovia Transamazônica; e iii) do revigoramento da fronteira na Transamazônica, com base na expansão da pecuária, desmatamento, mineração e hidrelétrica. Conclui-se que esse processo se atualiza com o reavivamento da rodovia BR-230 como nova frente de expansão da fronteira, no conflito com os territórios ordenados, áreas públicas destinadas à proteção ambiental e ao reconhecimento de territórios tradicionais.

Palavras-chave:
Amazônia Ocidental; Políticas Territoriais; Estradas; Territórios Tradicionais

Resumen

Analizar las transformaciones de la Carretera Transamazónica, ubicada en el sur del estado de Amazonas, como un nuevo eje de expansión fronteriza. Como metodología se adoptó una revisión bibliográfica, análisis de documentos e informes de instituciones públicas, trabajo de campo y cartografía temática. Para comprender este proceso, el análisis se estructura desde los ejes viales, como vínculos que articulan espacialmente los flujos económicos de la región; políticas ambientales implementadas en áreas protegidas (Unidades de Conservación y Tierras Indígenas) a lo largo de la Carretera Transamazónica; y la revitalización de la frontera transamazónica, basada en la expansión de la ganadería, la deforestación, la minería y la energía hidroeléctrica. Se concluye que este proceso se actualiza con la reactivación de la carretera BR-230 como un nuevo frente de expansión fronteriza, en conflicto con territorios ordenados, áreas públicas destinadas a la protección ambiental y reconocimiento de territorios tradicionales.

Palabras-clave:
Amazonia Occidental; Políticas Territoriales; Carreteras; Territorios Tradicionales

Abstract

We analyze the transformations of the Trans-amazonian highway, located in the south of the state of Amazonas, as a new axis of expansion of the frontier. As methodology, we adopted the literature review, analysis of documents and reports from public institutions, field work and thematic cartography. To understand this process, the analysis is structured from the road axes, as links that articulate spatially with economic flows in the region; in the environmental policies concretized in protected areas (conservation units and indigenous lands) along the Trans-amazonian highway; and the reinvigoration of the Trans-amazonian border, based on the expansion of livestock, deforestation, mining and hydroelectric power. It is concluded that this process is updated with the revival of the BR-230 highway as a new front of frontier expansion, in conflict with ordained territories, public areas intended for environmental protection and the recognition of traditional territories.

Keywords:
Western Amazonia; Territorial Policies; Roads; Traditional Territories

INTRODUÇÃO

Desde a ditatura militar (1964-1985), a região Amazônica tem um papel de destaque no contexto da geopolítica interna do Brasil, sobretudo, considerando os inúmeros desafios estatais para com gestão do território. Para o Estado brasileiro, ainda na atualidade, o propósito é garantir a soberania desta região. Desta forma, o governo militar implementou uma série de políticas territoriais e programas que possibilitou uma nova ocupação humana, circulação e a integração econômica da região Norte ao restante do país.

A política de povoamento nesse período, a partir dos eixos de circulação, como a rodovia BR-230 ou Transamazônica, instaurou um quadro de transformações sociogeográficas alicerçadas nos processos econômicos de incorporação da natureza como capital. No outro polo, os povos originários, as comunidades tradicionais e seus territórios sofreram um forte processo de invasão e conflitos que resultaram em massacres, desmatamentos e desterritorializações da população que vivia há séculos na Amazônia, situação que se mantem na atualidade.

As incontestáveis evidências dos impactos ambientais na região, dentre as quais o desmatamento, realçam a espacialidade do processo de expansão da sociedade (migração) e do capital (acumulação) na floresta Amazônica. Fortalecidas pelo debate sobre proteção da natureza no início da década de 1990, as políticas territoriais passaram a incorporar a temática ambiental e, assim, foram criados e ampliados os espaços protegidos, como as Unidades de Conservação, Terras Indígenas e outros territórios tradicionais de comunidades rurais. Atualmente, a gestão do território tem incorporado questões socioambientais a fim de garantir acesso aos recursos da natureza, não somente à população tradicional, mas também aos grandes projetos de extração mineral, energético e biotecnológico. Essas contradições no âmbito das políticas públicas são geradoras de inúmeros conflitos territoriais e incertezas para os povos amazônicos (indígenas, seringueiros, extrativistas, quilombolas, pescadores comunitários, comunidades rurais que vivem na floresta, dentre outros)

No contexto atual, assiste-se ao que já foi identificado em outras áreas da Amazônia, a implementação de duas políticas territoriais contraditórias: as políticas ambientais e as políticas de desenvolvimento econômico. Na rodovia Transamazônica, particularmente no estado do Amazonas, afirmam-se as disputas por território, uma verdadeira miríade de conflitos territoriais, aceleradas nos últimos anos em função do crescimento do agronegócio e de expansão da fronteira, conceito entendido no sentido de um espaço ainda não plenamente estruturado (BECKER, 2004BECKER, Bertha. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.), com possibilidades de reconfigurações de projetos econômicos-territoriais, que se desdobra lato sensu na transformação da natureza em espaço da economia extrativa (pecuária, madeira, minério, mercado de terras, hidrelétrica).

No plano metodológico, adotou-se a revisão bibliográfica, análise de documentos e relatórios de instituições públicas, trabalho de campo e cartografia temática para a compreensão do espaço regional. Os trabalhos de campo foram realizados nos municípios de Humaitá e Apuí, e observação de campo ao logo da rodovia Transamazônica, ambos ocorridos alternadamente em 2019 e 2020. Os diálogos intersubjetivos foram feitos com moradores, comerciantes e assentados com o objetivo de compreender os processos que configuram a expansão da fronteira, principalmente no distrito de Santo Antônio do Matupi (Manicoré) e Vila de Realidade (Humaitá).

Na produção cartográfica, a metodologia utilizada adicionou os dados dos trabalhos de campo, consultas da base de dados da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais - INDE, cuja plataforma oferece um gama de dados relacionados à Amazônia. Dentre essas consultas, foram examinados e obtidos dados relativos ao INCRA, Ministério dos Transportes, ANA, IBGE, ICMBio e SEMA(AM). Nesse percurso, utilizou-se o software SIG (Sistema de Informações Geográficas) ArcGIS 10.5 para a elaboração dos mapas. Tal software dispõe de aplicações que permitem utilizar ferramentas para edição de dados vetoriais e seleção por atributos dos arquivos em formato shp (shapefile), cujas finalidades nos permitiram indicar a relação de assentamentos, vilas, comunidades e cidades, Unidades de Conservação, Terras Indígenas, rodovias.

O artigo está organizado a partir da análise da ação do Estado, destacando a função dos eixos rodoviários como elos que articulam espacialmente a região aos demais fluxos econômicos do Brasil. Trata-se de pensar a configuração da Amazônia Legal a partir das estradas, processo que transformou estruturalmente o espaço regional e que ainda constitui em frentes de expansão econômica nas diversas sub-regiões amazônicas. Posteriormente, a análise versa sobre as políticas ambientais (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) ao longo da rodovia Transamazônica, priorizando o município de Apuí. Em seguida, problematiza-se o revigoramento da fronteira na Transamazônica com base na expansão pecuária, desmatamento, projetos minerais e hidrelétricos.

RODOVIA TRANSAMAZÔNICA E A CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL DO SUL DO AMAZONAS

Antes de analisar a situação da rodovia Transamazônica, considera-se importante elencar alguns argumentos utilizados por estudiosos. Uma das recorrentes visões externas à Amazônia é a de sempre constituir fonte de recursos naturais abundantes, processo que por décadas vem lhe qualificando como fronteira econômica (BECKER, 1983BECKER, Bertha K. O uso político do território: questões a partir de uma visão do terceiro mundo. In: BECKER, BK; COSTA, RH. (Orgs). Abordagens políticas da espacialidade 1983.Rio de Janeiro: UFRJ,1983, p. 1-21.). Sua expansão espacial encontra-se relacionada às diferentes políticas públicas territoriais que redirecionaram os fluxos econômicos e demográficos para a Amazônia. Nessa ótica, a referência de exploração da natureza foi uma constante simbólica que “atraiu” à região capitais para a agropecuária, mineração, exploração madeireira, mercado de terras e energia elétrica. Atualmente, esse processo continua e se direcionar especialmente para algumas sub-regiões que, até então, estavam localizadas fora do eixo das dinâmicas predominantes, como é a situação da região da rodovia Transamazônica, no sul do estado do Amazonas.

O Estado brasileiro, como um agente territorial, implementou uma agenda estratégica com políticas territoriais que reconfiguraram a Amazônia brasileira, sendo fator de atração dos fluxos de capitais na economia extrativa, somado à migração populacional para os variados projetos de colonização pública e privada nos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia (BECKER, 2004BECKER, Bertha. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.; MELLO, 2011MELLO-THÉRY, N. A. de. Território e gestão na Amazônia: terras públicas e os dilemas do Estado. São Paulo: Annablume, 2011.; COSTA SILVA, 2017COSTA SILVA, R. G. Da apropriação da terra ao domínio do território: as estratégias do agronegócio na Amazônia Brasileira. Internacional Journal of Development Research, v. 07(12), 17699-17707, 2017. Disponível em: http://journallijdr.com/sites/default/files/issue-pdf/11514_0.pdf. Acesso em: 19 maio de 2019.
http://journallijdr.com/sites/default/fi...
). As políticas territoriais têm a função de modelar o espaço, produzir e organizá-lo como objeto de intervenção pública, designando-o como condição para outras espacializações, o que tende a resultar em lógicas de reestruturação e adequação do território e dos lugares atingidos (MELLO-THÉRY, 2006MELLO, N. A. Políticas territoriais na Amazônia. São Paulo, Brasil: Annablume, 2006.). De modo geral, as dinâmicas territoriais na Amazônia refletem as diferentes políticas territoriais implementadas pelos governos que priorizaram, em distintos períodos, a integração, o desenvolvimento e a conservação de seus recursos naturais, ainda que por um tempo curto (LOUREIRO, 2009LOUREIRO, V. R. A Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Editora Empório do Livro, 2009. 279p.).

Certamente, o expressivo apoio estatal, tanto no planejamento quanto na construção de estradas, abriu um conjunto de possibilidades socioeconômicas que qualificou a fronteira amazônica como um novo espaço de acumulação do capital. A complexidade dos contextos históricos resultou de distintas motivações, de modo que os atores estimularam diferentes processos nessa fronteira, o que implicou em desafios de ordenamento territorial. Fazer a gestão territorial (BECKER; EGLER, 1997BECKER, Bertha K. & EGLER, Claudio. Detalhamento da metodologia para execução do zoneamento ecológico econômico pelos estados da Amazônia. Rio de Janeiro: SAE-Secretaria de Assuntos Estratégicos/Ministério do Meio Ambiente. 1997. 43p., MELLO-THERY, 2006MELLO, N. A. Políticas territoriais na Amazônia. São Paulo, Brasil: Annablume, 2006.; GELPI; KALIL, 2015GELPI, A.; KALIL, R. M. L. Planejamento e Gestão do Território: Escalas, Conflitos e Incertezas. Revista Cidades, v.12, n° 20, 2015.) no campo ou na cidade é um processo extremamente complexo, em especial quando tanto as dinâmicas como as políticas territoriais são contraditórias e desarticuladas. Atualmente existem instrumentos legais criados para poder efetuar tal gestão, como os planos de manejo e os conselhos gestores. No período militar predominaram os planos nacionais e regionais de desenvolvimento (I e II PND, Plano de Desenvolvimento da Amazônia) e, de certa forma, alguma articulação quanto ao modelo de desenvolvimento adotado. Esse processo criou áreas mais dinâmicas onde se instalaram programas e projetos específicos decorrentes dos planos em oposição às áreas sem incentivo dos governos que estagnaram. Pós 1988, com o processo de redemocratização no país e o pacto federativo, houve, simultaneamente, desvalorização das políticas e planos nacionais, transformando os planos plurianuais (PPA’s) em simples programação orçamentária, sem diretrizes e estratégias mais amplas. Assim, a gestão termina por atuar mais localmente que regionalmente.

Em termos de articulação espacial, destacam-se as estradas/rodovias como elos do sistema territorial de gestão política e estratégica do Estado na Amazônia. A integração territorial (Mapa 1) se configurou com a construção da BR-230 (Transamazônica), BR-174 (Manaus - Boa Vista), BR-210 (Perimetral Norte) e BR-163 (Cuiabá-Santarém), além da rodovia BR-010 Belém-Brasília. Essas rodovias materializam um tempo-espaço acelerado na hileia, o tempo da ação do Estado e capital na reconfiguração da floresta em espaço da agropecuária, de vilas e cidades, dos polos minerais e madeireiros, que assimilam a modernidade em contraposição à natureza. Portanto, as rodovias servem como caminhos da marcha da modernização do capital no universo florestal.

Mapa 1
Principais rodovias no Amazônia Legal (2019).

Com a estratégia de colonização, a justificativa, apoiada na divulgação de problemas relacionados à seca no Nordeste, com investimentos governamentais e empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) (OLIVEIRA NETO, 2015OLIVEIRA NETO, T. Rodovia Transamazônica: o projeto de integração deu certo? Revista de Gestão e Políticas Públicas. v.5 (2), p. 284-308, 2015.), predominou a construção das rodovias no sentido norte-sul, à exceção da Transamazônica, no sentido transversal (Leste-Oeste), do município de Cabelo (Paraíba) até Lábrea (Amazonas), representando um dos elementos mais importantes do I PND (1972-1974).

O objetivo foi favorecer acesso às áreas com possibilidade de exploração produtiva e de solos mais favoráveis à implantação da agropecuária, além de privilegiar as relações da Amazônia com as demais regiões brasileiras, principalmente para com o fluxo demográfico do nordeste do Pará, e sul e sudeste do Mato Grosso e Rondônia, potencializando, assim, o fortalecimento do comércio inter-regional (BECKER, 2004BECKER, Bertha. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.; COSTA SILVA, 2005COSTA SILVA, R. G. Avanços dos espaços da globalização: a produção de soja em Rondônia.N0 de folhas. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) - Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2005.; HUERTAS, 2009HUERTAS, D. M. Da fachada atlântica à imensidão amazônica: fronteira agrícola e integração territorial. São Paulo: Annablume; FAPESP; Belém: Banco da Amazônia. 2009. 344p.; MESQUITA, 2011MESQUITA, B. A. A dinâmica recente do crescimento do agronegócio na Amazônia e a disputa por territórios. In: Sérgio Sauer; Wellington Almeida. (Org.). Terras e territórios na Amazônia: demandas, desafios e perspectivas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011, v. 1, p. 45-68.).

Associado à implementação dos eixos de circulação, por meio do Decreto Lei n. 1.164, de 1° de abril de 1971, foram destinados 100km de terras às margens das rodovias implementadas para que o governo militar realizasse o processo de ocupação e colonização da região, além de projetos agroindustriais (BECKER, 1983BECKER, Bertha K. O uso político do território: questões a partir de uma visão do terceiro mundo. In: BECKER, BK; COSTA, RH. (Orgs). Abordagens políticas da espacialidade 1983.Rio de Janeiro: UFRJ,1983, p. 1-21.; LOUREIRO, 2009LOUREIRO, V. R. A Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Editora Empório do Livro, 2009. 279p., MELLO-THÉRY, 2011MELLO-THÉRY, N. A. de. Território e gestão na Amazônia: terras públicas e os dilemas do Estado. São Paulo: Annablume, 2011.). Especialmente na rodovia Transamazônica, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA criou o Projeto de Assentamento (PA) Rio Juma, em 1982, dando origem, em 1987, ao município de Apuí, sul do estado do Amazonas (Mapa 1). Apoiado no Projeto de Integração Nacional e sob o slogan “uma terra sem homens para homens sem-terra”, o governo promoveu a migração de colonos para ocupar a região. Diferentemente do modelo baseado no extrativismo das populações tradicionais da Amazônia e dos atuais projetos de assentamentos extrativistas e de desenvolvimento sustentável, consolidou-se outro modelo, este agora fundamentado na derrubada da floresta, desmatamento e extração madeireira para implantação da agropecuária.

Os eixos principais de circulação de certa forma reorganizam as formas de vida coletiva na região, passando das margens dos rios, da produção e do cotidiano ribeirinho à margem das estradas, novo modo de vida do migrante (LOUREIRO, 2009LOUREIRO, V. R. A Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Editora Empório do Livro, 2009. 279p.). Os projetos de colonização agrícola fizeram parte de uma política territorial estratégica, inclusive como uma alternativa conservadora à reforma agrária exigida pelos movimentos sociais do campo, pari passu à expansão de áreas agrícolas, processo que configurou a Amazônia como reserva territorial de reprodução do capital (COSTA SILVA, 2017COSTA SILVA, R. G. Da apropriação da terra ao domínio do território: as estratégias do agronegócio na Amazônia Brasileira. Internacional Journal of Development Research, v. 07(12), 17699-17707, 2017. Disponível em: http://journallijdr.com/sites/default/files/issue-pdf/11514_0.pdf. Acesso em: 19 maio de 2019.
http://journallijdr.com/sites/default/fi...
; MESQUITA, 2011MESQUITA, B. A. A dinâmica recente do crescimento do agronegócio na Amazônia e a disputa por territórios. In: Sérgio Sauer; Wellington Almeida. (Org.). Terras e territórios na Amazônia: demandas, desafios e perspectivas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011, v. 1, p. 45-68.).

As estratégias das políticas territoriais dos planos de desenvolvimento privilegiaram a colonização agrícola, construção de rodovias, projetos agropecuários e de mineração produzindo intensas transformações na região amazônica e provocaram, ao final da década de 1980, preocupações com a proteção ambiental.

Nesses contextos, as rodovias tornaram-se os eixos da expansão econômica que incorporaram a natureza no circuito mercantil, alimentando os fluxos na fronteira. Esse processo também se realiza no âmbito do crime ambiental e nas pressões e invasões de áreas públicas, inclusive nas áreas públicas já destinadas. Tal situação se verifica no sul do estado do Amazonas, principalmente no PA Rio Juma, que possui uma área de 689.000,00 ha, com 6.000 famílias assentadas, e apesar dos 39 anos de criação, ainda está em fase de consolidação (INCRA, 2021).

O assentamento ainda apresenta problemas de regularização fundiária incompleta, uma vez que somente 17,6% de sua área está titulada. Soma-se um alto processo de evasão e concentração fundiária, com “proprietários” e propriedades com até 15 lotes no PA Rio Juma. Mais de 50% da área do PA Juma encontra-se ilegalmente ocupada por fazendeiros que buscam, por meio das atuais políticas territoriais, como o Programa Terra Legal, a regularização fundiária (MENEZES, 2015MENEZES, T. C. C. A regularização fundiária e as novas formas de expropriação rural na Amazônia. Estudos Sociedade e Agricultura, v.23 (1), p.110-130, 2015.), facilitada pelas instruções normativas 98 e 99/2019 do INCRA, relacionadas aos procedimentos simplificados para a titulação de imóveis rurais. Neste contexto, a dinâmica de uso e ocupação da terra no Apuí tem passado da colonização com assentamentos rurais para expansão do agronegócio, impulsionado, sobretudo, pela descaraterização do PA Juma, com ampliação do desmatamento e mercado de terras (GALUCH; MENEZES, 2019GALUCH, M.V. e MENEZES, T.C.C. Da reforma agrária ao agronegócio: notas sobre dinâmicas territoriais na fronteira agropecuária amazônica e partir do município de Apuí (sul do Amazonas). Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v.28, n.2, p.388-412, jun. 2020.).

Somado à pecuária e ao desmatamento, particularmente na BR-230 - rodovia Transamazônica, há toda uma movimentação espacial do capital a partir de projetos agropecuários, minerais, madeireiros e energéticos que atingem direta e indiretamente as Áreas Protegidas institucionalizadas pelo Estado, produzindo conflitos na expansão da fronteira que adentra o sul do estado do Amazonas (COSTA SILVA; SILVA; LIMA, 2019COSTA SILVA, R. G; SILVA, V. V; LIMA, L. A. P. Os novos eixos da fronteira na Amazônia ocidental. CONFINS (PARIS), v. 43, p. 1-6, 2019. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/24950. Acesso em:
https://journals.openedition.org/confins...
).

AS ÁREAS PROTEGIDAS NA RODOVIA TRANSAMAZÔNICA

A partir da década de 1990, com a emergência das questões e dos discursos ambientais, as políticas territoriais foram qualificadas por programas orientados à conservação das florestas tropicais como por exemplo o Programa Nossa Natureza (1988) e o Programa Internacional Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG-7). Na esfera do Programa Nossa Natureza, o debate sobre o ordenamento territorial e o instrumento do Zoneamento Ambiental se ampliaram e passaram a ser a base do moderno mecanismo de proteção ambiental e de gestão do território, embora muito questionada pelos estados amazônicos.

A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA, Lei n.° 6.938 de 31/08/1981) definiu, entre os diversos instrumentos para a conservação da natureza, o Zoneamento Ambiental. A nomenclatura atual passou a ser Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e foi instituído pelo Decreto n° 7.378, de 1° de dezembro 2010. Mesmo com a implementação das políticas ambientais e a instrumentalização do ZEE, as macro políticas do governo brasileiro continuaram a priorizar a Amazônia como estratégia para integrar áreas do Brasil e da América Latina, haja vista que o Programa Brasil em Ação (1996-1999) e em seguida o Programa Avança Brasil (2000-2003) apresentaram os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID’s) como referência de ordenamento regional no Brasil, baseado em integração logística de regiões produtivas. Posteriormente, o Plano Amazônia Sustentável (PAS), reelaborado em 2008 no governo Lula, mesmo mantendo as políticas territoriais anteriores, convergiu para o modelo de desenvolvimento sustentável no combate aos processos de degradação ambiental, estabelecendo diretrizes para o ordenamento territorial e gestão ambiental, além de integrar políticas de ordenamento territorial com ações de desenvolvimento sustentável (MELLO; PASQUIS; THÉRY, 2004MELLO, N. A. de; PASQUIS, R; THÉRY, H. 2004. L'Amazonie "durable" de Marina Silva. In: Pour comprendre le Brésil de Lula. Paris: L'Harmattan, 2004. 169-183p.; BRASIL, 2008BRASIL. Plano Amazônia Sustentável: diretrizes para o desenvolvimento sustentável na Amazônia Brasileira, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7378.htm. Acesso em: 20 de junho de 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
).

Com o Decreto n° 7.378, de 1° de dezembro 2010, o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal - MacroZEE1 1- A discussão sobre o Zoneamento e MacroZEE da Amazônia remonta o ano de 1990, quando o IBGE foi contratado para realizá-lo. Muitas polêmicas e conflitos sobre metodologias, recursos, atribuições da União ou dos Estados federados surgiram ao longo das duas décadas seguintes até, finalmente, em 2010, conseguirem aprová-lo. (Mapa 2), cujo objetivo é garantir a sustentabilidade do desenvolvimento regional, indicando estratégias produtivas e de gestão ambiental e territorial em consonância com a diversidade ecológica, econômica, cultural e social da Amazônia, também se articula com os ZEEs dos estados da Amazônia Legal, o que, de certa forma, se constituiu numa política de gestão do território com todos os entes federativos envolvidos. Visava um processo mais articulado na elaboração das políticas nacionais, considerando-se as recomendações de uso para cada macrozona.

Mapa 2
Transamazônica e o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal (2020).

O MacroZEE instituiu três unidades territoriais como mecanismo de ordenamento territorial: territórios-redes, territórios-fronteiras e territórios-zona2 2- O MacroZEE instituiu dez unidades territoriais distribuídas entre as categorias território-rede, território-fronteira e território-zona. O território-rede corresponde as áreas de povoamento consolidado, caracterizado por dominância de redes e engloba as seguintes unidades territoriais: o corredor de integração Amazônia-Caribe, as capitais costeiras, a mineração e outras cadeias produtivas, o entroncamento Pará-Tocantins-Maranhão, o eixo Araguaia-Tocantins, o complexo agroindustrial e o polo logístico. Os território-zona correspondem as áreas de floresta ombrófila densa e outras formações vegetais contínuas e com baixo grau de antropismo e abrangem as unidades territoriais defesa do coração florestal com base em atividades produtivas e defesa do Pantanal com a valorização da cultura local, das atividades tradicionais e do turismo. Por fim, os território-fronteira apresentam diferentes estágios de apropriação da terra, do povoamento e de organização e constituem as franjas de penetração e compreendem as unidades territoriais da diversificação da fronteira agroflorestal e pecuária e a contenção das frentes com Áreas Protegidas e usos alternativos (BRASIL, 2010). . Na macro escala, o município de Apuí, assim como todos os municípios do sul do Amazonas, encontra-se no território-fronteira. Nesse território, o MacroZee identifica duas gradações da fronteira: a diversificação da fronteira agroflorestal e pecuária e a contenção das frentes com áreas protegidas e usos alternativos (BRASIL, 2010BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Ministério do Meio Ambiente, 2000. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm. Acesso em: 27 nov. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Esta é a gradação da fronteira que se identifica no município de Apuí, ao longo da BR-230, que se efetiva com desmatamento, comércio ilegal de terras públicas (grilagem), aquecido com a pecuária, sobretudo no assentamento Rio Juma. Por outro lado, no âmbito das Políticas Ambientais, tem-se o conjunto de Unidades de Conservação, o Mosaico do Apuí, a Floresta Nacional do Jatuarana e parte do Parque Nacional do Juruena, que compreendem 63,31% do município de Apuí, que forma um conjunto territorial para conter o desmatamento e possibilitar usos biotecnológico e sustentáveis pelas comunidades tradicionais.

Contudo, diante do revigoramento da fronteira que se expande na Amazônia e da inserção do Brasil no processo de globalização (produção de commodities), o que se observa no município de Apuí é a expansão do capital se materializando no aumento dos efetivos bovinos, expansão energética e mineral associados à clássica grilagem de terras públicas. Desta forma, como afirma Madeira (2014), no MacroZee, o território fronteira representa praticamente continuidades de grandes projetos iniciados na década de 1980 e que, atualmente, estão vinculados ao Eixo de Integração Madeira-Amazonas, componente dos ENIDS, e à expansão das commodities na região (COSTA SILVA; CONCEIÇÃO, 2017COSTA SILVA, R. G; CONCEIÇÃO, F. S. Agronegócio e campesinato na Amazônia brasileira: transformações geográficas em duas regiões nos estados de Rondônia e Pará. GEOGRAPHIA (UFF), v. 19, p. 54-72, 2017. Disponível em: http://www.geographia.uff.br/index.php/geographia/article/view/1008. Acesso em:
http://www.geographia.uff.br/index.php/g...
; MESQUITA, 2009).

No estado do Amazonas, com a descentralização das políticas ambientais, esse processo iniciou no governo de Amazonino Mendes (1999-2003) como forma de modernizar a gestão, e ganhou relevância no governo de Eduardo Braga (2003-2007). Por meio de uma agenda socioambiental, o governo estadual se aproximou de grupos que estavam à margem do processo político, a exemplo das comunidades tradicionais amazônicas territorializadas nas diversas sub-regiões amazonenses (VILLARROEL; TONI, 2012VILLARROEL, L. C. L.; TONI, F. Política e meio ambiente: a inclusão das unidades de conservação na agenda de governo do estado do Amazonas. Raízes, Campina Grande, v.32, n.1, p. 96-109. jan/jun, 2012.). Com a implementação do Programa Zona Franca Verde, durante o primeiro mandato de Eduardo Braga (2003-2007), o governo do estado passou a adotar uma política de uso sustentável dos recursos naturais, compromisso estatal com a qualidade de vida da população do interior e com a proteção do patrimônio natural do Amazonas, ressaltando que esse programa tinha como um dos principais eixos a criação de Unidades de Conservação (SANTOS, 2013SANTOS, F. P. dos. Gestão de UCs no Amazonas: avanços e desafios para a conservação ambiental. Revista Geonorte, Manaus, v.8, n.1, p.102-124, 2013.).

Acompanhando o contexto de inserção da conservação dos recursos na gestão territorial, e a determinação da realização do ZEE pelos estados da Amazônia Legal, o Macrozoneamento do estado do Amazonas foi instituído pela Lei n° 3.417, de 31 de julho de 2009. Seguindo o MacroZee, os municípios da fronteira sul do Amazonas configuram-se como áreas de estrutura produtiva definida, áreas de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, instituídas e áreas potenciais para a criação de Unidades de Conservação.

Na região sul do Amazonas, as Unidades de Conservação compreendem um total de 32 unidades, 08 de uso integral e 24 de uso sustentável (Mapa 3), sob a gestão do governo federal e estadual. Esse conjunto espacial se encontra em situação de conflitos e pressão territorial do capital agropecuário, energético e mineral que alimentam a expansão da fronteira, ainda que evidencie a relevância e a estratégia da proteção ambiental e de defesa dos territórios tradicionais dos povos amazônicos. No contexto amazônico, a criação de Áreas Protegidas e territórios tradicionais também são resultado dos movimentos de luta de ribeirinhos, pescadores, seringueiros, quilombolas, indígenas e tem garantido o processo de produção do espaço e de territorializações dessas comunidades, constituindo o que Costa Silva e Conceição (2017)COSTA SILVA, R. G. Da apropriação da terra ao domínio do território: as estratégias do agronegócio na Amazônia Brasileira. Internacional Journal of Development Research, v. 07(12), 17699-17707, 2017. Disponível em: http://journallijdr.com/sites/default/files/issue-pdf/11514_0.pdf. Acesso em: 19 maio de 2019.
http://journallijdr.com/sites/default/fi...
denominaram de territórios camponeses/comunidades frente ao território do agronegócio.

Mapa 3
Localização do Mosaico do Apuí com indicação das comunidades rurais (2019).

Seguindo essa política, o governo estadual instituiu, em 2005, o Mosaico de Unidades do Apuí (Mapa 3), sob a gestão do Departamento de Mudanças Climáticas e Gestão de Unidades de Conservação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do estado do Amazonas. O Mosaico do Apuí compreende 09 unidades de conservação, 02 de proteção integral e 07 de uso sustentável, nos municípios de Apuí e Novo Aripuanã, com o objetivo de frear o desmatamento que avança do estado de Mato Grosso para a fronteira agrícola no Amazonas.

A criação do Mosaico do Apuí resulta de duas políticas públicas para a proteção da Amazônia. Uma dessas políticas foi a implementação do Programa Zona Franca Verde, do governo do estado do Amazonas, que tinha como foco a criação de Unidades de Conservação. Por sua vez, o Governo Federal criou, por meio do decreto n° 4.326, de 08 de agosto de 2002, o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), cujo objetivo consistiu na criação e implementação de 60 milhões de hectares de Áreas Protegidas na Amazônia Legal. Segundo o Plano Gestor da Unidade (2010), não existem comunidades tradicionais residentes nas unidades de uso sustentável, mas 07 comunidades do entorno realizam atividades extrativistas de óleo de copaíba, látex de seringa e coleta de castanha, na Reserva Extrativista (RESEX) do Guariba, na Reserva do Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Aripuanã, na RDS Bararati e na Floresta Estadual (FOREST) de Apuí. No estado do Amazonas localizam-se as comunidades de Barra de São Manuel, Distrito de Sucunduri, Bela Vista do Rio Gauriba, Matá-Matá (ou Vila do Carmo) e Vila Batista, e no Mato Grosso, as comunidades de Vila Guariba e Vila Colares.

O Mosaico do Apuí tem cumprido um dos seus objetivos, que é frear o desmatamento que se desloca do estado do Mato Grosso. Ainda que exista financiamento para atividades de fiscalização e para projetos de desenvolvimento sustentável para as comunidades tradicionais através do Programa ARPA, o desafio é monitorar as Unidades de Conservação que compõem o mosaico. Como consequência, o mosaico enfrenta continuamente pressões como a grilagem de terra, invasões pontuais, regularização fundiária e garimpo.

O REVIGORAMENTO DA FRONTEIRA NA TRANSAMAZÔNICA

Os projetos econômicos que estão em disputa na Amazônia Ocidental, especialmente ao longo da rodovia Transamazônica, são os mesmos que caracterizaram a fronteira econômica classificada pela literatura especializada na região: mineração, hidrelétrica, mercados de terras, grilagem de terras públicas, extração ilegal de madeira, pecuária e, recentemente, agronegócio da soja (SILVA; COSTA SILVA; LIMA, 2019SILVA, V. V; COSTA SILVA, R. G; LIMA, L. A. P. A estruturação da fronteira agrícola no sul do Estado do Amazonas. GEOGRAPHIA OPPORTUNO TEMPORE, v. 5, p. 67-82, 2019. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/Geographia/article/view/37193. Acesso em:
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php...
).

A Transamazônica (Figura 1), que possibilitou a chegada dos migrantes para a colonização do Projeto de Assentamento Rio Juma, ainda hoje é o eixo que impulsiona a dinâmica socioeconômica no sul do estado do Amazonas. A “disponibilidade” de áreas públicas e o baixo preço da terra possibilita o crescimento da pecuária extensiva, que tende a substituir a agricultura, uma vez que a rentabilidade bovina se associa à exploração madeireira, garimpo, comércio, e, principalmente, à grilagem de terras públicas (CASTRO, 2005CASTRO, E. Dinâmica Socioeconômica e desmatamento na Amazônia. Novos Cadernos NAEA, Belém, 8 (2), 5-39, 2005.). Tal processo tem sido incentivado pelo atual governo federal, sustentado especialmente pela instrução normativa n° 100/2019 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que trata da regularização fundiária de área com até 2500ha, facilitada pela utilização declaratória do Cadastro Ambiental Rural como comprovação de posse, o que tende a agravar e impulsionar ocupações irregulares na região.

Figura 1
Trecho da Rodovia Transamazônica - BR230, sul do Amazonas.

A extração madeireira, comumente é a primeira atividade que ocorre na fronteira e está organizada sob um sistema complexo, desde processos tradicionais, com o uso de motosserras, até processos industriais (carvoarias, mineração) de beneficiamento legal ou ilegal (CASTRO, 2005CASTRO, E. Dinâmica Socioeconômica e desmatamento na Amazônia. Novos Cadernos NAEA, Belém, 8 (2), 5-39, 2005.). Essa atividade está associada ao aumento do desmatamento e às pressões nas Áreas Protegidas, uma vez que os estoques de madeiras com valor no mercado estão localizados nas Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Isso significa que tal economia se desenvolve no âmbito do crime ambiental e nos processos de grilagens de terras públicas, donde a pilhagem da natureza tem sido um instrumento recorrente de acumulação do capital (APUBLICA, 2019APUBLICA. O “maior desmatador do Brasil” possui 120 madeireiras na região Norte. 22 de novembro de 2019. Disponível em: https://apublica.org/2019/11/o-maior-desmatador-do-brasil-possui-120-madeireiras-na-regiao-norte/.
https://apublica.org/2019/11/o-maior-des...
).

Nessa geografia, o município de Apuí tem ocupado posição de destaque, tanto no número de rebanho bovino quanto no desmatamento da fronteira. Soma-se a esse contexto o discurso do atual governo federal, alinhado com uma perspectiva de (des)amazonização da região, verificada na programada erosão das políticas ambientais, monitoramento e fiscalização, que resultou para Apuí, somente no período de janeiro a julho de 2019, a posição de primeiro entre os 10 municípios com maior número de focos de calor (1.754 registros) e área desmatada (151,0km2 ) da Amazônia, com o acumulado de desflorestamento de 287,58 km2 no ano de 2019 (IPAM, 2019IPAM. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Amazonas em Chamas- nota Técnica. Disponível em: http://ipam.org.br. Acesso em: 10 set. 2019.
http://ipam.org.br...
; INPE, 2019INPE. Programa de Monitoramento da Amazônia e demais Biomas. Desmatamento - Amazônia Legal -Disponível em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads/. Acesso em: 14 dez., 2019.
http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloa...
), sobretudo no PA Rio Juma e ao longo da BR-230 (Mapa 4).

Mapa 4
Configuração territorial do município de Apuí (2019).

Outro elemento que vem ganhando expressão na fronteira do sul do estado do Amazonas é a disputa pelo subsolo, por meio da exploração e prospecção de diversos minérios. No município de Apuí, segundo dados do Sistema de Informações Geográficas da Mineração - SIGMINE do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM3 3- Dados acessado no Sistema de Informação Geográfica da Mineração - SIGMINE (http://sigmine.dnpm.gov.br/webmap/). , existem solicitações de 209 áreas para pesquisa e exploração, sendo que 49 áreas estão em diferentes fases de processo (Quadro 1), localizadas nas Florestas Estaduais do Sucunduri, do Apuí, de Aripuanã, de Manicoré e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Aripuanã, ambas Unidades de Conservação de usos sustentável que compõem o Mosaico do Apuí.

Tabela 1
Solicitações de exploração mineral no Mosaico do Apuí (2019). Fonte: adaptado do DNPM, (2019).

A exploração mineral em Unidades de Conservação de uso sustentável é apenas proibida nas RESEX, segundo o parágrafo 6°, do artigo 18, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). No que se refere às Florestas Estaduais, segundo o Sistema Estadual de Unidades de Conservação do Amazonas (Lei Complementar n° 53 de 05 de junho de 2007), a exploração mineral depende de autorização ou concessão da União, e ainda, das normas estabelecidas pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas. No entanto, para obtenção do direito à exploração mineral, devem ser realizados Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), além de uma forma sustentável no desenvolvimento da atividade. De todo modo, há uma clara “corrida” pelo subsolo, uma disputa pela mercantilização da natureza, convertendo em espaço do capital, ainda que sejam áreas protegidas.

Em outro campo de disputa estão os projetos para a produção de energia, também evidenciados na fronteira do sul do estado do Amazonas. Tais projetos foram denominados por Lima e Costa Silva (2018)LIMA, L. A. P.; COSTA SILVA, R. G. Cartografia das hidroestratégias na Amazônia Brasileira. Acta Geográfica, Boa Vista, v.12, n.28, p. 129-142, 2018. como hidroestratégias, ou seja, ações do Estado associadas ao capital industrial que projetam a Amazônia como um espaço de acumulação e intensa mercantilização dos recursos hídricos. Estão planejadas e em execução, no interior ou nos limites de Unidades de Conservação, pequenas centrais hidrelétricas e usinas nos rios Roosevelt e Aripuanã, gerando tensões e pressões político-territoriais para flexibilizar ou converter áreas naturais em territórios do capital e disputas por territórios pelos diferentes agentes, ou seja, Estado, capital, movimentos sociais e comunidades tradicionais. Ambos os setores têm se beneficiado da flexibilização do processo de licenciamento, o que certamente, contribuirá para o aumento da corrida identificada localmente.

Esses processos qualificam os limites da expansão da fronteira e encontram bases nas mudanças das políticas de gestão ambiental e territorial, a exemplo das alterações do Código Florestal (2012), alterações no Código de Mineração (2018), alterações no Projeto Terra Legal (Lei 11.952/09 e a Lei 13. 465/2017) que ficou conhecida como a “MP da Grilagem”, que dispõe sobre a regularização fundiária urbana e rural no âmbito da Amazônia Legal.

Assim, a territorialização desses projetos econômicos vem acompanhada da expropriação de grupos sociais com modos de vida relacionados à floresta e aos rios, ocasionando uma relação social de conflito e de estranhamentos de mundos culturais diferentes.

Portanto, a prática política estabelecida é aquela que ignora a Constituição Federal, os arcabouços jurídicos que consagraram a política ambiental e o reconhecimento dos territórios tradicionais dos povos amazônicos. Percebe-se, sobretudo no governo atual, uma erosão nas políticas ambientais proposta pelas forças do agronegócio, que tende a fragilizar os instrumentos de gestão do território e incentivar invasões de áreas protegidas na região amazônica, como se registrou nos anos de 2018 e 2019 ao longo da rodovia Transamazônica (SILVA; COSTA SILVA; LIMA, 2019SILVA, V. V; COSTA SILVA, R. G; LIMA, L. A. P. A estruturação da fronteira agrícola no sul do Estado do Amazonas. GEOGRAPHIA OPPORTUNO TEMPORE, v. 5, p. 67-82, 2019. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/Geographia/article/view/37193. Acesso em:
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php...
, MELLO-THÉRY, 2019).

CONCLUSÃO

As políticas territoriais implementadas na Amazônia, desde o início da ditadura militar, priorizaram a perspectiva da região como produtora de matérias-primas fundamentais para a o crescimento econômico do país. Essas políticas sustentaram a colonização agrícola, migração, projetos agropecuários, mineração e energia elétrica, construção de uma malha rodoviária que se converteu em frentes de expansão do desmatamento e que, atualmente, se direcionam às sub-regiões amazônicas mais protegidas. Na década de 1990, com base nos princípios do desenvolvimento sustentável, o governo federal e os estados da Amazônia Legal instituíram um conjunto de políticas públicas ambiental e territorial para a ampliação das áreas protegidas, gestão do território e estímulos às economias sustentáveis.

Ainda assim, os macroprojetos econômicos pensados para a região continuam os mesmos: mineração, hidrelétrica, mercados de terras, grilagem de terras públicas, extração ilegal de madeira, pecuária e agronegócio da soja. Como demonstrado, tais evidências são encontradas ao logo da rodovia BR-230 - Transamazônica. Na dinâmica territorial da fronteira, a institucionalidade das Áreas Protegidas foi considerada como a possibilidade real de frear o desmatamento na região, no entanto, hoje, na atual conjuntura política do Brasil, as Áreas Protegidas e os territórios tradicionais são indicados como obstáculo à marcha do desenvolvimento econômico, um modelo que já demonstrou seus limites.

Conclui-se que as políticas territoriais estruturam a região amazônica para proporcionar uma suposta integração aos circuitos econômicos nacionais, tendo nas rodovias os eixos de expansão e conexão. Esse processo se atualiza com o reavivamento da rodovia BR-230 como nova frente de expansão da fronteira, que se realiza em territórios ordenados, com áreas públicas destinadas à proteção ambiental e ao reconhecimento de territórios tradicionais. A pressão econômica instaura novas disputas por áreas públicas já destinadas nos mecanismos jurídicos de ordenamento territorial, o que indica que a fronteira e seus agentes econômicos ultrapassam o conceito de terras devolutas para disputar territórios definidos pelo Estado brasileiro.

NOTAS

  • 1-
    A discussão sobre o Zoneamento e MacroZEE da Amazônia remonta o ano de 1990, quando o IBGE foi contratado para realizá-lo. Muitas polêmicas e conflitos sobre metodologias, recursos, atribuições da União ou dos Estados federados surgiram ao longo das duas décadas seguintes até, finalmente, em 2010, conseguirem aprová-lo.
  • 2-
    O MacroZEE instituiu dez unidades territoriais distribuídas entre as categorias território-rede, território-fronteira e território-zona. O território-rede corresponde as áreas de povoamento consolidado, caracterizado por dominância de redes e engloba as seguintes unidades territoriais: o corredor de integração Amazônia-Caribe, as capitais costeiras, a mineração e outras cadeias produtivas, o entroncamento Pará-Tocantins-Maranhão, o eixo Araguaia-Tocantins, o complexo agroindustrial e o polo logístico. Os território-zona correspondem as áreas de floresta ombrófila densa e outras formações vegetais contínuas e com baixo grau de antropismo e abrangem as unidades territoriais defesa do coração florestal com base em atividades produtivas e defesa do Pantanal com a valorização da cultura local, das atividades tradicionais e do turismo. Por fim, os território-fronteira apresentam diferentes estágios de apropriação da terra, do povoamento e de organização e constituem as franjas de penetração e compreendem as unidades territoriais da diversificação da fronteira agroflorestal e pecuária e a contenção das frentes com Áreas Protegidas e usos alternativos (BRASIL, 2010BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Ministério do Meio Ambiente, 2000. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm. Acesso em: 27 nov. 2019.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ).
  • 3-
    Dados acessado no Sistema de Informação Geográfica da Mineração - SIGMINE (http://sigmine.dnpm.gov.br/webmap/).
  • Projeto de pesquisa apoiado pelas instituições: FAPEAM (Edital 006/2019 Universal Amazonas); FAPERO (Edital 004/2018 PAP/Universal).

REFERÊNCIAS

  • APUBLICA. O “maior desmatador do Brasil” possui 120 madeireiras na região Norte. 22 de novembro de 2019. Disponível em: https://apublica.org/2019/11/o-maior-desmatador-do-brasil-possui-120-madeireiras-na-regiao-norte/
    » https://apublica.org/2019/11/o-maior-desmatador-do-brasil-possui-120-madeireiras-na-regiao-norte/
  • BECKER, Bertha K. O uso político do território: questões a partir de uma visão do terceiro mundo. In: BECKER, BK; COSTA, RH. (Orgs). Abordagens políticas da espacialidade 1983.Rio de Janeiro: UFRJ,1983, p. 1-21.
  • BECKER, Bertha. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
  • BECKER, Bertha K. & EGLER, Claudio. Detalhamento da metodologia para execução do zoneamento ecológico econômico pelos estados da Amazônia. Rio de Janeiro: SAE-Secretaria de Assuntos Estratégicos/Ministério do Meio Ambiente. 1997. 43p.
  • BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Ministério do Meio Ambiente, 2000. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm Acesso em: 27 nov. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm
  • BRASIL. Plano Amazônia Sustentável: diretrizes para o desenvolvimento sustentável na Amazônia Brasileira, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7378.htm Acesso em: 20 de junho de 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7378.htm
  • CASTRO, E. Dinâmica Socioeconômica e desmatamento na Amazônia. Novos Cadernos NAEA, Belém, 8 (2), 5-39, 2005.
  • COSTA SILVA, R. G. Avanços dos espaços da globalização: a produção de soja em Rondônia.N0 de folhas. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) - Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2005.
  • COSTA SILVA, R. G; CONCEIÇÃO, F. S. Agronegócio e campesinato na Amazônia brasileira: transformações geográficas em duas regiões nos estados de Rondônia e Pará. GEOGRAPHIA (UFF), v. 19, p. 54-72, 2017. Disponível em: http://www.geographia.uff.br/index.php/geographia/article/view/1008 Acesso em:
    » http://www.geographia.uff.br/index.php/geographia/article/view/1008
  • COSTA SILVA, R. G; SILVA, V. V; LIMA, L. A. P. Os novos eixos da fronteira na Amazônia ocidental. CONFINS (PARIS), v. 43, p. 1-6, 2019. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/24950 Acesso em:
    » https://journals.openedition.org/confins/24950
  • COSTA SILVA, R. G. Da apropriação da terra ao domínio do território: as estratégias do agronegócio na Amazônia Brasileira. Internacional Journal of Development Research, v. 07(12), 17699-17707, 2017. Disponível em: http://journallijdr.com/sites/default/files/issue-pdf/11514_0.pdf Acesso em: 19 maio de 2019.
    » http://journallijdr.com/sites/default/files/issue-pdf/11514_0.pdf
  • GALUCH, M.V. e MENEZES, T.C.C. Da reforma agrária ao agronegócio: notas sobre dinâmicas territoriais na fronteira agropecuária amazônica e partir do município de Apuí (sul do Amazonas). Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v.28, n.2, p.388-412, jun. 2020.
  • GELPI, A.; KALIL, R. M. L. Planejamento e Gestão do Território: Escalas, Conflitos e Incertezas. Revista Cidades, v.12, n° 20, 2015.
  • HUERTAS, D. M. Da fachada atlântica à imensidão amazônica: fronteira agrícola e integração territorial. São Paulo: Annablume; FAPESP; Belém: Banco da Amazônia. 2009. 344p.
  • IPAM. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Amazonas em Chamas- nota Técnica. Disponível em: http://ipam.org.br Acesso em: 10 set. 2019.
    » http://ipam.org.br
  • INPE. Programa de Monitoramento da Amazônia e demais Biomas. Desmatamento - Amazônia Legal -Disponível em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads/ Acesso em: 14 dez., 2019.
    » http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads/
  • LIMA, L. A. P.; COSTA SILVA, R. G. Cartografia das hidroestratégias na Amazônia Brasileira. Acta Geográfica, Boa Vista, v.12, n.28, p. 129-142, 2018.
  • LOUREIRO, V. R. A Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Editora Empório do Livro, 2009. 279p.
  • MELLO, N. A. de; PASQUIS, R; THÉRY, H. 2004. L'Amazonie "durable" de Marina Silva. In: Pour comprendre le Brésil de Lula. Paris: L'Harmattan, 2004. 169-183p.
  • MELLO, N. A. Políticas territoriais na Amazônia. São Paulo, Brasil: Annablume, 2006.
  • MELLO-THÉRY, N. A. de. Território e gestão na Amazônia: terras públicas e os dilemas do Estado. São Paulo: Annablume, 2011.
  • MENEZES, T. C. C. A regularização fundiária e as novas formas de expropriação rural na Amazônia. Estudos Sociedade e Agricultura, v.23 (1), p.110-130, 2015.
  • MESQUITA, B. A. A dinâmica recente do crescimento do agronegócio na Amazônia e a disputa por territórios. In: Sérgio Sauer; Wellington Almeida. (Org.). Terras e territórios na Amazônia: demandas, desafios e perspectivas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011, v. 1, p. 45-68.
  • OLIVEIRA NETO, T. Rodovia Transamazônica: o projeto de integração deu certo? Revista de Gestão e Políticas Públicas. v.5 (2), p. 284-308, 2015.
  • SANTOS, F. P. dos. Gestão de UCs no Amazonas: avanços e desafios para a conservação ambiental. Revista Geonorte, Manaus, v.8, n.1, p.102-124, 2013.
  • SILVA, V. V; COSTA SILVA, R. G; LIMA, L. A. P. A estruturação da fronteira agrícola no sul do Estado do Amazonas. GEOGRAPHIA OPPORTUNO TEMPORE, v. 5, p. 67-82, 2019. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/Geographia/article/view/37193 Acesso em:
    » http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/Geographia/article/view/37193
  • VILLARROEL, L. C. L.; TONI, F. Política e meio ambiente: a inclusão das unidades de conservação na agenda de governo do estado do Amazonas. Raízes, Campina Grande, v.32, n.1, p. 96-109. jan/jun, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2021
  • Aceito
    04 Ago 2021
  • Publicado
    15 Set 2021
Universidade Federal do Ceará UFC - Campi do Pici, Bloco 911, 60440-900 Fortaleza, Ceará, Brasil, Tel.: (55 85) 3366 9855, Fax: (55 85) 3366 9864 - Fortaleza - CE - Brazil
E-mail: edantas@ufc.br