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Mulheres e esporte de risco: um mergulho no universo das apneístas

Women and risk sports: diving into the universe of apneístas

Resumos

Este estudo, de natureza qualitativa propõe-se investigar, sob a ótica do Imaginário Social, os sentidos de limite, risco e corpo para mulheres praticantes de mergulho em apneia, no qual a vivência de uma prática de risco extremo é deliberadamente escolhida pelas informantes. Nossa amostra, intencional, foi composta por oito mulheres que praticam o esporte. O procedimento metodológico utilizado para a interpretação das falas foi a Análise do Discurso proposta por Orlandi (1987, 1993, 1999). Também trabalhamos com a interpretação das palavras que emergem na realização da técnica da Associação de Ideias (ABRIC, 1994). Nove grupos semânticos organizaram-se em torno de um grupo de associações comuns e outro de associações não comuns. As mergulhadoras das grandes profundidades sabem que ao praticarem um esporte de risco extremo desafiam seus limites corporais, e precisam tomar cuidado para não extrapolar esses limites. É preciso estendê-los. A preocupação parece estar presente na vivência deste limiar entre a vida e a morte.

Esporte; Mulheres; Risco; Mergulho


This study of qualitative nature aims at investigating, from a Social Imaginary perspective, the senses of limit, risk and body are for the women who practice apneic diving. The experience of this extreme risk practice is deliberately chosen by informants. Our intentionally selected sample was made up of eight women who practice the sports. The method applied for the interpretation of those speeches was Orlandi's Discourse Analysis (1987, 1993, 1999). We have worked with the interpretation of words that emerge from the Idea Association (ABRIC, 1994) technique. Nine semantic groups were organized around a group of common associations and another group of uncommon associations. The divers who go down great depths know that the practice of that sport of high risks challenges their body limits, and they must be careful not to go beyond those limits. They must extend them. That concern seems to be present in the experience of that boundary between life and death.

Sports; Women; Risk; Diving


ARTIGO ORIGINAL

Mulheres e esporte de risco: um mergulho no universo das apneístas

Women and risk sports: diving into the universe of apneístas

Luciana Silva AbdaladI; Vera Lucia de Menezes CostaI; Ludmila MourãoI; Nilda Teves FerreiraI; Roberto Ferreira dos SantosII

IUniversidade Gama Filho, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIUniversidade Salgado de Oliveira, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luciana Silva Abdalad Universidade Gama Filho - UGF Rua Manuel Vitorino, 553 - Piedade Rio de Janeiro RJ Brasil 20748.900 e-mail: luabdalad@globo.com

RESUMO

Este estudo, de natureza qualitativa propõe-se investigar, sob a ótica do Imaginário Social, os sentidos de limite, risco e corpo para mulheres praticantes de mergulho em apneia, no qual a vivência de uma prática de risco extremo é deliberadamente escolhida pelas informantes. Nossa amostra, intencional, foi composta por oito mulheres que praticam o esporte. O procedimento metodológico utilizado para a interpretação das falas foi a Análise do Discurso proposta por Orlandi (1987, 1993, 1999). Também trabalhamos com a interpretação das palavras que emergem na realização da técnica da Associação de Ideias (ABRIC, 1994). Nove grupos semânticos organizaram-se em torno de um grupo de associações comuns e outro de associações não comuns. As mergulhadoras das grandes profundidades sabem que ao praticarem um esporte de risco extremo desafiam seus limites corporais, e precisam tomar cuidado para não extrapolar esses limites. É preciso estendê-los. A preocupação parece estar presente na vivência deste limiar entre a vida e a morte.

Palavras-chave: Esporte. Mulheres. Risco. Mergulho.

ABSTRACT

This study of qualitative nature aims at investigating, from a Social Imaginary perspective, the senses of limit, risk and body are for the women who practice apneic diving. The experience of this extreme risk practice is deliberately chosen by informants. Our intentionally selected sample was made up of eight women who practice the sports. The method applied for the interpretation of those speeches was Orlandi's Discourse Analysis (1987, 1993, 1999). We have worked with the interpretation of words that emerge from the Idea Association (ABRIC, 1994) technique. Nine semantic groups were organized around a group of common associations and another group of uncommon associations. The divers who go down great depths know that the practice of that sport of high risks challenges their body limits, and they must be careful not to go beyond those limits. They must extend them. That concern seems to be present in the experience of that boundary between life and death.

Key words: Sports. Women. Risk. Diving.

Introdução

Os esportes de risco parecem envolver seus adeptos em alguns sentidos distintos dos esportes institucionalizados, como a competição, que desloca-se do outro humano para uma competição paradoxal com os elementos da natureza, que deve ser companheira e adversária ao mesmo tempo, afim de que os indivíduos consigam ter êxito em sua atividade esportiva (COSTA, 2000).

Os praticantes abandonam provisoriamente seus lares, o conforto e a praticidade da vida moderna, para estarem próximos à natureza, em um ambiente até certo ponto hostil se considerar o estilo de vida dos habitantes de grandes centros urbanos.

Opta-se neste artigo por estudar as mulheres praticantes de mergulho em apneia, esporte de risco realizado nos mares. É importante ressaltar que os praticantes também utilizam espaços artificiais para a realização de algumas modalidades do mergulho, para treinamento físico ou por dificuldade de acesso aos espaços da natureza. Em termos clínicos, apneia significa a suspensão voluntária ou involuntária dos movimentos respiratórios. No caso do mergulho livre, no qual ocorre uma produção voluntária da apneia, é ocasionada uma série de modificações complexas no organismo que culminam com o retorno involuntário da respiração (DANCINI, 2005).

O mergulho começou a ser praticado a partir do desejo humano de explorar o mundo submarino. Esse desejo, no entanto, foi sendo concretizado ao longo da história com sentidos distintos: busca de alimentos, salvamentos, com fins militares, colheita de pérolas, pesca submarina, lazer esportivo, ou com o objetivo de estabelecer recordes na profundidade, como no mergulho em apneia.

Durante a prática do mergulho em apneia os indivíduos devem manter o ar nos pulmões, quando em imersão, sem o uso de aparelhos que auxiliem sua permanência na água. Há uma suspensão voluntária da respiração para manter o fôlego durante o mergulho. O grande desafio do mergulhador de apneia é manter o corpo sem a entrada de oxigênio, para atingir a maior profundidade, percorrer a maior distância ou estabelecer o maior tempo possível submerso. Para a conquista desses objetivos, no entanto, é preciso treinar o corpo para alcançar um condicionamento físico e um autocontrole corporal que permita perceber seus limites individuais.

A principal dificuldade que o mergulhador apneísta sofre, afora a falta de ar, é o aumento da pressão: quanto mais fundo ele desce, maior a pressão, pois o peso da água faz pressão para baixo, causando diversos tipos de alterações fisiológicas. É preciso um grande esforço para controlar as sensações de desconforto. Trata-se de um esporte de risco, que exige do mergulhador determinação, concentração, autocontrole corporal, domínio e controle dos movimentos respiratórios e um treinamento constante. Na verdade, é preciso que as praticantes reaprendam a respirar para que possam ficar sem respirar.

Existem cinco modalidades de mergulho livre: (a) a apneia estática, na qual o apneísta fica a maior parte do tempo submerso ou flutuando imóvel, com as vias respiratórias imersas na água; (b) a apneia dinâmica, na qual o apneísta deve percorrer, submerso, a maior distância horizontal possível; (c) lastro constante, na qual o apneísta desce a uma determinada profundidade usando um cinto-lastro e nadadeiras, mas não pode utilizar-se do cabo-guia; (d) imersão livre, na qual o apneísta utiliza apenas o cabo-guia para ir o mais fundo possível em lagos ou no mar; não é permitida a utilização de nadadeiras ou lastro; esta é considerada a modalidade de mergulho em apneia mais natural; (e) O "no limits", que é a variação das grandes profundidades; esta prática do mergulho é derivada do lastro constante, mas no momento do retorno o mergulhador pode utilizar-se de um balão ou colete inflável, ou de outro meio mecânico para subir o mais rápido possível, devido à grande profundidade atingida (DANCINI, 2005).

Este estudo busca compreender os sentidos do mergulho em apneia, praticado por mulheres, voltado para as grandes profundidades, nas modalidades "no limits", lastro constante ou imersão livre.

Mergulhar sozinha sem auxílio de equipamentos para respirar em busca de profundidades cada vez maiores propicia risco para essas praticantes. A vivência do risco por meio de uma atividade esportiva como o mergulho em apneia, pode ser considerada como uma experiência de prática de um esporte de risco extremo, ou seja, de atividades que

Caracterizam-se pelo conjunto de modalidades esportivas formais e não-formais, controladas e vivenciadas a partir de sensações e de emoções sob condições de incerteza de informações e de risco calculado, exigindo esforço intenso do organismo e autocontrole emocional do praticante. Aqui, são buscados limites superadores de desempenho e de desafio extremo [...]. (BRASIL, 2007)

Neste sentido, um esporte de risco extremo exige de suas participantes uma busca constante de manutenção do condicionamento físico para que possam suportar o grande esforço pelo qual corpos serão submetidos em uma grande profundidade.

Essas mulheres também vivenciam, como afirma Vaz (1999), uma forma de sacrifício por meio do esporte. Segundo o autor,

Parece haver um parentesco muito próximo entre o processo sacrifical de formação do sujeito e aquele que é levado a cabo pelo esporte. É preciso tentar entender como o esporte não só partilha da lógica do sacrifício, mas também a leva muito adiante, na medida em que desenvolve um conjunto de conhecimentos para sua operação. (p. 101)

Mas este sacrifício, no caso dos esportes de risco extremo, parece ser compartilhado com um imenso prazer pela conquista do objetivo predeterminado pelo esportista. No caso do mergulho em apneia, é como se a motivação pela superação de seus limites permitisse que até mesmo as dores (afinal a pressão, a falta de ar e o frio podem se transformar em sensações corporais muito desconfortáveis) sejam obstáculos passíveis de serem ultrapassados.

É preciso estar preparado para esta aventura repleta de riscos. Se para os homens representa um grande ato de coragem e ousadia, o que pensar das mulheres que se lançam neste universo do risco no fundo dos oceanos? A vivência do risco físico é deliberadamente escolhida por essas mulheres, corajosas aventureiras que desbravam o fundo dos mares. Mas será que elas não têm medo de que algo lhes aconteça nesse universo? O que o risco representa para elas? Quais sensações o mergulho propicia para essas mulheres?

Este estudo propõe-se a investigar, sob a ótica do Imaginário Social, quais são os sentidos de limite, risco e corpo para mulheres praticantes de mergulho em apneia.

O Imaginário Social é um campo de estudos que não dissocia o valor das funções do real e do irreal. O real apresenta-se de imediato nas relações sociais e é possuidor de uma lógica "óbvia" para o observador, enquanto as funções irreais e imaginárias do homem camuflam-se e formam uma rede de sentidos nos quais o sujeito identifica-se socialmente. É por suas crenças, valores e significados que os indivíduos organizam-se em grupos sociais. Esta trama imaginária, oriunda das produções fantasmáticas e dos sonhos dos indivíduos, conduz as ações e comportamentos sociais (PITTA, 2005).

A vivência do risco pelas mulheres mergulhadoras

Em relação ao universo dos esportes, observa-se que, ainda hoje, alguns estereótipos de gênero são observados em modalidades que mantêm a distinção de atributos pertencentes ao grupo masculino e ao grupo feminino. Saraiva (2002) comenta esta ideia reforçando o fato de que a educação física contribuiu para uma masculinização do esporte e uma feminilização das atividades rítmico-expressivas. Pesquisas de gênero e estudos que tratam das questões relativas ao corpo feminino têm conseguido desvelar ideários de construção dessas desigualdades (DEVIDE, 2003; MOURÃO, 1998; LOURO 1996; GOELLNER, 2003).

É importante ressaltar, em relação a essas diferenças e mudanças, que não se trata de uma transformação ligada às identidades biológicas e fisiológicas de cada sexo, mas sim da construção social do sujeito feminino ou masculino (LOURO, 1996). São os atributos e comportamentos aceitáveis socialmente para homens e mulheres que se transformam. Estes compõem as mudanças de gênero, observadas em diferentes aspectos da sociedade contemporânea. Percebe-se, então, que as representações sobre o corpo da mulher aos poucos foram se modificando e o universo do esporte lentamente sendo vivenciado por elas.

Mas como pode-se pensar na vivência do risco extremo por corpos femininos - por meio do esporte de risco -, que ao longo da história foram se constituindo como corpos disciplinados, com a função própria para a maternidade? Mulheres que tiveram um processo de inserção no universo das atividades físico-desportivas lento e recente. Esta participação só tornou-se mais evidente no começo do século XX, devido a suaves modificações das ideias e representações sobre o corpo feminino, e quando havia o apoio e incentivo da família (MOURÃO, 1998; GOELLNER, 2003).

No Brasil, até o final do século XIX as mulheres da elite possuíam um estilo de vida marcado por influências do imaginário da aristocracia portuguesa. A família patriarcal brasileira era comandada pelo pai. Este homem, que habitava a casa-grande e dominava as senzalas, detinha o poder sobre seus dependentes, agregados e escravos. Às mulheres cabia o papel do cuidado do lar e da família (DEL PRIORE, 2006). Até então, o imaginário a respeito dos corpos femininos abrigava representações de fragilidade e doçura, características de um corpo que possui tradicionalmente como principal função a maternidade. Atualmente este corpo cuja imagem é de "fragilidade" começa a aventurar-se em situações de risco extremo por meio de esportes, pondo em evidência o seu potencial de audácia e ousadia.

Quanto à apropriação dos espaços esportivos competitivos, a emancipação da mulher, ocorreu inicialmente a partir de conquistas isoladas. Hobsbawm (2008) comenta que não podemos deixar de lado o mérito das mulheres realizadoras individuais nos esportes competitivos. Para o autor,

A criação das simples femininas em Wimbledon, depois de seis anos das simples masculinas, e também, num mesmo intervalo, nos campeonatos franceses e norte-americanos, era uma inovação mais revolucionária na década de 1880 do que é reconhecido hoje (p.292).

Nas provas olímpicas de 1896 houve a primeira participação de uma mulher: Stamati Revithi, uma grega, cuja inscrição foi negada pela comissão organizadora do evento. A corredora então competiu sozinha de forma extra-oficial a maratona, finalizando o trajeto em cinco horas e meia. Já em 1900, nos Jogos Olímpicos de Paris, 11 mulheres participam nas modalidades de golfe e tênis (MOURÃO, 1998).

Hoje, porém, observamos a presença feminina em modalidades esportivas que se apresentavam predominantemente como reduto masculino. É comum vê-las, superados os preconceitos e outras barreiras, em esportes como atletismo, futebol, basquetebol, voleibol, ciclismo, tênis, judô, karatê, box e outros. Suor, lágrimas, sacrifícios e renúncias as encaminharam a ocupar esse espaço, chegando até aos esportes de alto risco. Mergulhadas na busca do ideal de superação e de alto rendimento, as mulheres apneístas descem a altas profundidades e vão ao encontro de seus limites corporais e emocionais.

As mergulhadoras apneístas apropriam-se, então, dos conhecimentos da fisiologia do exercício para estabelecer marcas e recordes. Vivenciam riscos que podem ser extremos e que, se não forem calculados, podem levar a consequencias fatais. Para Le Breton (2006), ao procurar descobrir limites, o indivíduo testa suas capacidades individuais, aprende a se reconhecer, a se diferenciar, a restaurar o valor de sua existência. Conhecendo cada um dos nossos limites, descobrimos a capacidade de superar os desafios que a vida nos proporciona.

Giddens (2002) afirma que uma das características presente nos indivíduos que se lançam em situações arriscadas são as emoções que podem ser atingidas na vivência do risco cultivado. Para senti-las, os sujeitos dependem de uma exposição deliberada à incerteza, o que permite que a atividade vivenciada se destaque da rotina do cotidiano. Para o autor a emoção do risco cultivado se nutre de uma coragem sentida de forma socialmente positiva. O indivíduo passa a cortejar e a vivenciar riscos sem nenhuma obrigação; vive pelo prazer de arriscar-se e de dominar o risco. É o caso das praticantes de mergulho em apneia.

Na história do mergulho, percebe-se que a participação das mulheres é marcada por diferentes sentidos, que percorreram de uma dimensão pragmática, com as Amas do Japão - mulheres que mergulhavam em um ritual de sair em barcos, assistidas por um barqueiro, e mergulhar verticalmente, com as pernas bem unidas, segurando um peso e levando uma faca na cintura para buscar alimentos, pérolas e mariscos no fundo do mar - (ASHCROFT, 2001) até uma dimensão lúdica por meio da prática esportiva de aventura e risco. O corpo obediente e disciplinado, que se lançava nas grandes profundidades pela sobrevivência, deu lugar ao corpo lúdico, que brinca e joga com seu autocontrole.

Em relação às mulheres que praticam apneia como esporte, o universo do mergulho mundial também conta com algumas desbravadoras do fundo dos mares. Nos anos 1980 duas irmãs italianas, Rossana e Patrizia Maiorca, começaram a bater recordes mergulhando. Em 1985, a também italiana Ângela Bandini atingiu seu primeiro recorde, mas foi em 1989 que esta mergulhadora chegou aos 107 metros (DANCINI, 2005). Já nos últimos anos destacaram-se a cubana Deborah Andolo e a inglesa Tanya Streeter, sendo esta última recordista mundial na categoria "no limits" com a marca de 160 metros de profundidade.

A apneísta francesa Audrey Mestre, no entanto, não poderia deixar de ser lembrada. A mergulhadora foi a primeira mulher a alcançar a marca de 125 metros de profundidade. Em 2002, Tanya Streeter superou esta marca com o mergulho dos 160 metros. Audrey partiu em busca de uma nova marca para o mergulho feminino. Preparou-se para chegar à profundidade de 170 metros e conseguiu alcançá-la durante seu treinamento. No dia 12 de outubro de 2002, data da prova oficial para o novo recorde, um acidente fatal na República Dominicana levou a mergulhadora à morte. Triste momento para a história das mulheres apneístas. O relatório final sobre o trágico desfecho deste mergulho diz que

O balão ascensor não inflou adequadamente, provavelmente porque o tanque de ar comprimido não estava totalmente cheio. A ascensão foi retardada porque o lastro de concreto no fundo não era pesado o bastante para manter a linha esticada e vertical, e também porque as novas aletas estabilizadoras da câmera estavam forçando lateralmente o cabo, funcionando como um freio. As interrupções, quando o trenó chegou mesmo a parar, possivelmente foram causadas por afrouxamentos intermitentes na linha de subida, provocados por ondas oceânicas deixadas pela tempestade da manhã. A causa da morte de Audrey foi registrada como afogamento acidental. Mas ela não estava 171 metros abaixo da superfície do mar por acidente. Chegara lá com o apoio da mais alta tecnologia - uma tecnologia que colocou seu corpo no limite extremo da sobrevivência, e então se mostrou frágil demais para trazê-la de volta. (KAMLER, 2004, p.222)

No Brasil, algumas mulheres também desafiam o fundo dos mares em busca de recordes. A mergulhadora Karol Meyer é a atual recordista brasileira em várias categorias, inclusive a "no limits", com a marca de 121 metros de profundidade. É a primeira mulher brasileira a atingir e ultrapassar a marca dos 100 metros de profundidade.

Mas em busca de quê essas mergulhadoras se encaminham com seus corpos para o fundo dos mares? Desafio pessoal? Conquista de recordes? Prazer na vivência do risco?

Metodologia do estudo

Buscando compreender o universo das mergulhadoras apneístas e responder nossas indagações a respeito de que sentidos o corpo, o risco e o limite adquirem nos discursos das informantes, trabalhamos em um primeiro momento com a Análise do Discurso proposta por Orlandi (1987, 1993, 1999). A autora desenvolve uma proposta de reflexão sobre a linguagem, sobre o sujeito, sobre a história e sobre a ideologia, pois em nosso cotidiano estamos sempre sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade. O simbólico é irremediável e permanente. Não existe neutralidade no discurso. Este apresenta-se como a instância material desta relação: ele é a materialidade da linguagem. E é pela via do discurso que se torna possível a permanência, a continuidade, o deslocamento e a transformação do sujeito e de sua realidade vivida. O discurso é a palavra em movimento; é o ritual da palavra, mesmo das que não dizem. Interpretar um discurso é imprimir sentidos a essa linguagem.

Com base nos fundamentos que constituem a AD, mergulhamos no funcionamento do discurso por meio do interdiscurso, ou seja, a memória discursiva do sujeito; pelo intradiscurso, que significa o que está sendo dito no presente; pela paráfrase e pela polissemia, que representam um jogo de forças que atuam de forma contínua nas falas, provocando uma tensão entre o mesmo e o diferente; pelo não-dito, expresso no silêncio das informantes; pelo efeito metafórico e pelo deslize de sentidos expressos no discurso.

O interdiscurso manifesta-se como "todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos" (ORLANDI, 1999, p. 35). Há uma relação entre o já-dito e o que está sendo dito, entre o interdiscurso e o intradiscurso. As falas constituem-se de palavras que não são só nossas; há algo mais forte, presente na história, que forma naturalmente a ideologia. Algo que não pede licença e desponta na memória do indivíduo falante. É pelo funcionamento do interdiscurso que a exterioridade inscreve-se no interior da textualidade. Orlandi (1999) afirma que "o sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentido se constituem nele" (p. 32). Neste sentido, o interdiscurso pode ser compreendido como um conjunto de ideias elaboradas e já esquecidas que influenciam nosso discurso.

Orlandi (1999) assinala que duas forças trabalham continuamente no dizer, formando um jogo entre a paráfrase e a polissemia, entre o mesmo e o diferente. A paráfrase são dizeres onde algo sempre se mantém; isto é, são diferentes formulações do mesmo dizer e de sentidos já sedimentados, caminhando junto com a estabilização. A polissemia é a produção de múltiplos sentidos; joga com o equívoco, representa os deslocamentos, as rupturas dos processos de significações. É nesta relação entre a paráfrase e a polissemia que os sujeitos e os sentidos se movimentam, significam.

Para que o analista possa trabalhar os discursos de seus informantes, Orlandi (1999) desenvolve um dispositivo de análise, que possui algumas características: colocar o dito em relação ao não-dito; o que o sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar; o que é dito de um modo com o que é dito de outro. A partir deste dispositivo, o analista irá interpretar os resultados a que chegar pela análise do discurso que empreendeu.

No primeiro momento da análise, o pesquisador deve "construir a partir do material bruto um objeto discursivo em que analisamos o que é dito nesse discurso e o que é dito em outros, em outras condições, afetados por diferentes memórias discursivas" (ORLANDI, 1999, p.65). É um trabalho de leitura, concentração e percepção para que possamos desfazer a ilusão de que aquilo que é dito só poderia ser dito daquela forma. Começa sutilmente a emergir o modo de funcionamento do discurso. O trabalho inicial de quem interpreta é transformar a superfície linguística em objeto discursivo. O objeto discursivo é um objeto linguisticamente de-superficializado, produzido por uma primeira abordagem analítica que trata criticamente a impressão da realidade do pensamento, ilusão que sobrepõe palavras, ideias, coisas.

A população do estudo foi composta por mulheres praticantes de mergulho em apneia, sendo nossa amostra de oito informantes. O tamanho da amostra se constituiu por saturação discursiva (BAUER; GASKELL, 2004).

Em um segundo momento de análise trabalhamos com a interpretação das palavras que emergem na realização da técnica da Associação de Ideias (ABRIC, 1994).

O instrumento foi inserido em um roteiro de entrevista semi-estruturado, no qual solicitamos às informantes da entrevista que, após a indicação de uma palavra indutora, falassem outra palavra que tivesse associação com a primeira (ABRIC, 1994). As palavras indutoras utilizadas foram: aventura, paz, mulher, segurança, natureza, mar, esporte, mergulho, limite, risco, medo, concentração, autocontrole, respiração. Estas palavras foram selecionadas a partir das ideias e da linguagem presentes no universo do grupo social em estudo.

Em um primeiro momento, organizou-se o mapa das associações de ideias por escolha e semelhança. Destacou-se em seguida o grupo semântico das associações comuns, ou seja, a categoria dos sentidos expressos por meio de mais de uma palavra indutora; e o grupo das associações não-comuns, que emergiram somente em correspondência com uma palavra indutora.

Análise dos Resultados

No primeiro momento desembaraçamos a superfície linguística em busca do objeto discursivo. Neste instante trabalhamos o material bruto coletado transformando os discursos em objetos linguisticamente de-superficializado. É o momento onde percebemos os deslizamentos de sentidos, as falas marcadas pela memória, ou seja, pelo interdiscurso, identificamos a paráfrase, a polissemia e as metáforas. No segundo momento transformamos o objeto discursivo em processo discursivo. É quando percebemos como se constituem os sentidos nesse dizer, delineamos as formações discursivas para sua formação com a ideologia.

Os discursos das mergulhadoras apneístas convergem no sentido da presença feminina em um esporte que solicita atributos historicamente pertencentes ao masculino. Para as informantes há uma superioridade dos homens em relação às mulheres no que diz respeito ao desafio por meio do esporte de risco. Uma informante comenta que "as mulheres têm dificuldade. Assim, as mulheres ficam excluídas do grupo dos meninos. Porque com certeza eles são melhores do que eu, com certeza" (Inf. 2). Parece que o mergulho é um esporte permitido e aceito socialmente com naturalidade para os homens. Eles são melhores que as mulheres. Em outras falas de nossas informantes identificamos essas diferenças entre as mulheres que praticam esportes de risco.

Porque eles mandam melhor, eles já estão treinando há um tempão, eles têm, assim, eu não tenho muito tempo para treinar, então fico um pouco afastada, aí, quando volto tenho que recomeçar tudo de novo. Eles não, geralmente os meninos estão sempre treinando, sempre fazendo muita apneia. Aí, a gente se sente muito excluída, porque é o grupo deles, né? Não sei, os meninos são mais competitivos que as meninas, eu acho, não sei. (Inf. 4)

Eu acho que o psicológico deles é melhor. Porque na verdade, na apneia o que conta é o psicológico. Muitas vezes, a mulher com um probleminha, quando eu vou fazer, por ex: estática, é uma coisa que se você não estiver bem com a cabeça você não consegue fazer legal. Tem que estar muito bem. Então, o homem consegue melhor, porque ele, você sabe como é que é, ele sabe separar muito bem as coisas. Na hora que ele tem trabalhar, ele trabalha, não liga para a namorada, não liga para a mulher, o filho está doente e ele não está nem aí. Às vezes, a mulher não, ela está fazendo mil coisas ao mesmo tempo. De fato é mesmo, quando você está fazendo apneia, muitas vezes você está com um problema e aí você se concentra no problema, na hora que você está fazendo apneia e isso desconcentra. (Inf. 6)

O que emerge no interdiscurso das informantes é o fato de que mergulho não é esporte para mulher. Os homens são mais competitivos e possuem uma capacidade de concentração superior. O acontecimento neste caso é a mulher experimentar o desafio. Treinar para evoluir e bater recordes. Essas mergulhadoras também desafiam todos os riscos que a prática envolve para realizar o mergulho em profundidade.

Não, eu acho que eu aprendi isso com meu ex-namorado que você tem que aprender a respeitar o espaço de cada um. Quando a gente namorava, ele fazia um monte de esporte radical e eu ficava lá olhando, fotografando, filmando. Então, da mesma maneira que eu respeito a pessoa, ela tem que me respeitar, porque eu preciso do esporte para me libertar, entendeu? Do estresse da vida, das loucuras que acontecem. Acho que cada um tem que saber se colocar no seu próprio lugar, senão, não dá certo nenhum tipo de relacionamento. A pessoa querer que você faça o que você não quer fazer (grifo nosso) (Inf. 3).

O namorado fazia esportes radicais e ela ficava só olhando, fotografando, filmando, ou seja, ele curtia e ela se mantinha na condição de mulher que acompanha nas realizações esportivas. O que está na memória é que os homens são superiores, podem se divertir enquanto as namoradas aguardam e ficam distantes. No entanto, a informante afirma que precisa conquistar sua liberdade por meio de uma prática esportiva. Ela precisa do esporte para se libertar da condição de mulher, do estresse da vida. Se ela precisa de liberdade é porque sente-se aprisionada. Parece estar aprisionada na crença ideológica do homem possuir atributos relacionados a coragem, ao enfrentamento, a permissão de romper com a rotina com mais facilidade. A nova formação ideológica é a relação do esporte com liberdade.

A informante comenta que cada um deve "Colocar-se no seu próprio lugar. Cada um tem o seu lugar". No relacionamento também cada um tem o seu lugar. E o lugar dela é ao lado dos homens. Vivenciando e praticando os esportes. Os homens são melhores, mas ela é especial como eles. Ela compete junto. Vence inclusive deles.

Análise da Associação de Ideias

Nove grupos semânticos organizaram-se em torno de um grupo de associações comuns, ou seja, a palavra emergia a partir de mais de uma indutora. O outro que se formou está relacionado às associações não-comuns, ou seja, a palavra aparece apenas uma vez sem relação com outra palavra indutora.

No Quadro 1 apresentamos os sentidos que foram elaborados pelas informantes nas associações comuns.


Nove grupos semânticos organizaram-se em torno de necessidade / importante / essencial. Parece que a vivência da prática esportiva do mergulho é algo intenso, uma necessidade na vida dessas mulheres. Estar no mar experimentando as sensações de estar em uma grande profundidade, desafiando seus limites corporais, é essencial.

Garra e mar também emergem indicando que para a realização de mergulhos as mulheres precisam vencer obstáculos sociais e físicos. O mar é o espaço que envolve e acolhe o corpo da mulher para que ela realize a sua atividade esportiva. Elas necessitam conhecê-lo e respeitá-lo para que tudo dê certo, sem nenhum acidente. Simbolicamente, é o lugar das transformações, dos nascimentos e renascimentos (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999).

É preciso também ter garra e força para este desafio. Afinal, seus corpos têm que estar com o condicionamento físico adequado para suportar as alterações fisiológicas provocadas pela profundidade e pressão das águas marinhas. Além disso, o fato de ser mulher se lançar em um universo esportivo de risco extremo parece significar uma vitória sobre os estereótipos de gênero construídos socialmente (nos quais eram atribuídas aos corpos femininos as funções da maternidade e do cuidado com a família e com o lar). Para Simões (2004), as mulheres podem ser consideradas "heroínas de mil faces pela força que têm no caminho da mudança e da transformação da sua própria realidade e nos processos que as identificaram ao longo dos tempos" (p.28). O cenário dos esportes de risco faz parte desta realidade. Essas mulheres, sem nenhum movimento explícito de luta, parecem possuir este sentimento de garra ao decidirem se lançar na prática um esporte de risco extremo, afinal, força, desafio, treinamento físico, vivência de riscos são atributos que possuem uma história na constituição do estereótipo masculino. O autor prossegue comentando que as mulheres desportistas "abrem mão da chamada passividade, ternura e obediência em troca de assertividade, agressividade e ambição, ou seja: de assumir um comportamento sui generis que incorpora quaisquer tipos de estereótipos sexuais" (SIMÕES, p.28). O que passa a ser relevante para as mergulhadoras parece ser o desafio, neste caso, de seus limites individuais.

A preocupação / estresse apresenta-se relacionada ao grande desafio que é praticar uma atividade esportiva que pode causar danos ou traumas físicos e emocionais. As mergulhadoras das grandes profundidades sabem que ao praticarem um esporte de risco extremo desafiam seus limites corporais, e precisam tomar cuidado para não extrapolar esses limites. É preciso estendê-los. A preocupação parece estar presente na vivência deste limiar entre a vida e a morte. Buscam prazer e realização como opção de vida ainda que tangencie o perigo de morte. Para Le Breton (2009) as práticas físicas de risco provocam instantes de total prazer àqueles que as buscam. Segundo o autor

O jogo simbólico com a morte com uma impressão de controle e profissionalismo é uma maneira de dar novo encanto à existência, de suscitar regularmente um frêmito que faz lembrar a importância da vida (p.95).

Vida, autocontrole e mergulho são associações comuns presentes na fala das entrevistadas. Mergulhar é vida, mas somente se houver um autocontrole da respiração, das emoções e dos efeitos fisiológicos que a falta de ar causa ao corpo. É preciso consciência, concentração, meditação. Durante a prática do mergulho em apneia, o corpo vivencia sensações de desconforto, pois o movimento do diafragma é involuntário e começa a se contrair para que o ar entre e a pessoa respire. É este autocontrole que precisa ser desenvolvido, pois é preciso saber o momento exato de retornar a superfície. É na verdade um desconforto proporcionado pelo esgotamento extremo do organismo. Mais é neste instante, no jogo com seus limites individuais, que, segundo Le Breton (2009)

Alcança-se o êxtase que mistura o indivíduo com o mundo, outorga-lhe uma realeza provisória, cuja lembrança, porém, não o abandonará mais, lembrando-lhe a eminência de seu valor pessoal, seu privilégio íntimo de ter sabido tornar-se digno de tal momento (p.113).

Em relação à atividade lúdica, observamos que esta parece apresentar-se como uma manifestação da subjetividade que estimula a fantasia em relação ao desejo de praticar um esporte de risco. É Duvignaud (1991) que apresenta a ideia de polaridade para as atividades lúdicas. Para o autor, o lúdico pode transitar pelo polo da subversão, e surge o imprevisível, o lado dionisíaco, ou pelo polo de integração, normalizado, no qual ele se apresenta ritualizado, apolíneo, institucional. As mulheres parecem vivenciar uma atividade lúdica que emerge de forma apolínea, relacionada à busca da introspecção e do autoconhecimento.

Há também a presença do lúdico com o sentido da estética. Afinal, o mar que as mergulhadoras se encaminham para praticar o mergulho é belo e infinito. É a casa / lar que as recebe para que pratiquem seu esporte. Schiller (1995) desenvolveu um estudo, no qual preconizava uma educação estética fundamentada em padrões de beleza que se julgava terem pertencido aos gregos, na qual a emoção estética é sentida como um instinto ou impulso. Para o autor, a dimensão estética que se caracteriza no lúdico e na criação nos instantes de liberdade permite ao homem encontrar sua humanidade. Sendo o lúdico, a criação e a liberdade componentes essenciais às atividades de lazer, percebemos esses momentos como facilitadores para o encontro da sensibilidade dos homens.

O impulso lúdico equilibra a realidade e a forma, pois resulta de uma ação recíproca entre o impulso sensível (vida) e o impulso formal (forma). Identifica-se com a humanidade do homem (SCHILLER, 1995).

O impulso sensível parte da própria natureza do homem ou da própria existência física, e acentua o caráter instintivo da função estética, enquanto o impulso formal, que parte da natureza racional do homem ou da existência absoluta, tem por objetivo libertar o homem e afirmar a sua pessoa. Para Schiller (1995), o sensível e o racional se completam em suas oposições. São necessidades que se humanizam.

As cadeias semânticas que se organizam em torno de energia e paz parecem indicar o que as informantes do presente estudo encontram após a experiência do mergulho. Deixar de respirar, desafiar o autocontrole corporal e mental se lançando ao fundo dos mares renova a energia dessas mergulhadoras. É mergulhando que elas encontram a sua paz interior, pois extrapolando, ou seja, estendendo seus limites corporais, essas mulheres parecem se engrandecer e aumentam a consciência sobre seus corpos e o controle sobre suas vidas.

Mas parece que é por meio das associações não-comuns que os sentidos do mergulho se desvelam de forma mais transparente. A cadeia semântica que aos poucos se formou indica alguns sentimentos e temores vivenciados pelas mergulhadoras: o que temem; o que vivenciam; o que vêem; o que conquistam.

No Quadro 2, apresentamos os sentidos que foram elaborados pelas informantes nas associações não-comuns.


Parece que descer na profundidade do mar simbolicamente representa para as informantes mergulhar em seu próprio interior, descobrindo seus medos, estendendo seus limites, desafiando seus temores e renascendo vitoriosas e livres.

O desconforto e os animais marinhos parecem estar relacionados aos principais temores das mergulhadoras. Diferentes sentimentos emergiram, formando uma cadeia semântica que destaca as vivências e percepções das mulheres que mergulham: prazer, adrenalina, relaxamento, emoção, coragem e recuperação.

A recompensa desta aventura repleta de riscos, no entanto, encaminha a conquista de seus objetivos, evolução e descobrimento pessoal. É por meio de uma prática esportiva que essas mulheres parecem conquistar sua liberdade.

Considerações finais

A participação das mulheres em atividades esportivas de risco extremo ainda apresenta-se quantitativamente inferior a presença masculina, no entanto, algumas mulheres já despontam no cenário dos esportes de risco em diferentes modalidades. No caso do mergulho em apneia, foco do olhar nesta pesquisa, alguns sentidos próprios deste grupo emergiram nas falas das mulheres.

O grupo masculino de mergulhadores é quantitativamente maior e, segundo as informantes são mais competitivos e possuem uma capacidade de lidar com o risco e de se concentrar superior. No entanto essas mulheres experimentam o desafio por meio de um esporte. Treinam para evoluir e bater recordes. Elas também desafiam todos os riscos que a prática envolve para realizar o mergulho em profundidade.

O corpo emerge como o instrumento que irá conduzi-las ao universo das profundezas marinhas, mas para isto é preciso que as mergulhadoras estejam preparadas e realizem um treinamento físico, assim como um cuidado com suas emoções. Ampliar sua capacidade respiratória e controlar a mente praticando yoga ou meditação são atividades prévias antes da decida no mar. Os limites corporais representam o grande obstáculo nesta atividade. O desafio, então, parece apresentar-se na capacidade de estender seus limites individuais sem a perda do controle sobre seu corpo, conquistando uma profundidade cada vez maior dentro de si e no universo dos mares.

Convidam-se os leitores a refletir sobre os sentidos encontrados neste estudo para que se possa ampliar o debate e a compreensão a respeito da participação das mulheres em práticas esportivas de risco extremo.

Recebido em: 6 de maio de 2010.

Aceito em: 22 de julho de 2010.

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  • Endereço para correspondência:
    Luciana Silva Abdalad
    Universidade Gama Filho - UGF
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      06 Maio 2010
    • Aceito
      22 Jul 2010
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