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Revista do Globo: as mulheres porto-alegrenses nas práticas equestres

Revista do Globo Magazine: Porto Alegre's women in equestrian practices

Resumos

O turfe e o hipismo são assuntos veiculados pela Revista do Globo, editada em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, de 1929 até 1967. O objetivo deste estudo histórico foi identificar que representações das mulheres nas práticas equestres em Porto Alegre foram produzidas pela Revista do Globo no período de sua publicação. Realizou-se uma análise de conteúdo das reportagens da revista acerca destas práticas. As reportagens sugerem duas imagens sobre as mulheres no contexto das práticas equestres: no turfe, a presença feminina é limitada à assistência, associada à elegância, à fragilidade; no hipismo, as mulheres competem com igualdade com os homens, alcançando vitórias. Este olhar remete à análise do contexto sociocultural e político-econômico porto-alegrense que sustentou tais práticas equestres, cada qual reservando à mulher distintas possibilidades de atuação. Tais representações construídas pela revista podem resultar das distintas origens históricas e étnico-culturais do turfe e do hipismo.

Esporte; Turfe; Hipismo; História; Mulheres


Turf and show jumping are topics diffused by Revista do Globo magazine, edited in Porto Alegre, Rio Grande do Sul's capital state, from 1929 until 1967. The aim of this study was to identify which women's representations in equestrian practices in Porto Alegre were produced by Revista do Globo magazine in its publication period. A content analysis of the magazine´s reports about these practices was carried out. The reports suggest two images about women in equestrian practices context: in turf, feminine presence limited to assistance and to elegance and frailty. In show jumping, women, competing with equality with men, reaching victories. This magazine's look remits to social cultural and political economical Porto Alegre´s context analysis which sustained both equestrian practices, each one reserving different possibilities of actuation to the woman. These representations constructed for women by the magazine can result from the different historical and ethnic-cultural origins of turf and show jumping.

Turf; Show jumping; History; Women


ARTIGO ORIGINAL

Revista do Globo: as mulheres porto-alegrenses nas práticas equestres

Revista do Globo Magazine: Porto Alegre's women in equestrian practices

Ester Liberato PereiraII; Carolina Fernandes da SilvaIII; Janice Zarpellon MazoI

IPrograma de Pós-Graduação da Escola de Educação Física (ESEF) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora do Núcleo de Estudos em História e Memória do Esporte e da Educação Física (NEHME) da ESEF-UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

IIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS e integrante do NEHME da ESEF-UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

IIIMestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS, bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e integrante do NEHME da ESEF da UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ester Liberato Pereira Av. Bento Gonçalves, 2306/701 - Bairro Partenon Porto Alegre RS Brasil 90650-001 Telefone: (51) 3336.3463. e-mail: ester_lp@yahoo.com.br

RESUMO

O turfe e o hipismo são assuntos veiculados pela Revista do Globo, editada em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, de 1929 até 1967. O objetivo deste estudo histórico foi identificar que representações das mulheres nas práticas equestres em Porto Alegre foram produzidas pela Revista do Globo no período de sua publicação. Realizou-se uma análise de conteúdo das reportagens da revista acerca destas práticas. As reportagens sugerem duas imagens sobre as mulheres no contexto das práticas equestres: no turfe, a presença feminina é limitada à assistência, associada à elegância, à fragilidade; no hipismo, as mulheres competem com igualdade com os homens, alcançando vitórias. Este olhar remete à análise do contexto sociocultural e político-econômico porto-alegrense que sustentou tais práticas equestres, cada qual reservando à mulher distintas possibilidades de atuação. Tais representações construídas pela revista podem resultar das distintas origens históricas e étnico-culturais do turfe e do hipismo.

Palavras-chave: Esporte. Turfe. Hipismo. História. Mulheres.

ABSTRACT

Turf and show jumping are topics diffused by Revista do Globo magazine, edited in Porto Alegre, Rio Grande do Sul's capital state, from 1929 until 1967. The aim of this study was to identify which women's representations in equestrian practices in Porto Alegre were produced by Revista do Globo magazine in its publication period. A content analysis of the magazine´s reports about these practices was carried out. The reports suggest two images about women in equestrian practices context: in turf, feminine presence limited to assistance and to elegance and frailty. In show jumping, women, competing with equality with men, reaching victories. This magazine's look remits to social cultural and political economical Porto Alegre´s context analysis which sustained both equestrian practices, each one reserving different possibilities of actuation to the woman. These representations constructed for women by the magazine can result from the different historical and ethnic-cultural origins of turf and show jumping.

Key Words: Turf. Show jumping. History. Women.

Introdução

O presente estudo trata das representações construídas pela Revista do Globo acerca das mulheres nas práticas equestres em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, no período de 1929 a 1967, quando foram difundidas reportagens sobre o turfe e o hipismo. A Revista do Globo, que neste estudo será identificada pela sigla RG, foi um quinzenário que perdurou por quase quatro décadas (1929-1967) veiculando, principalmente, assuntos sobre a cultura e a vida social do Estado.

Em sua primeira edição, no mês de janeiro de 1929, a RG já publicou, em suas páginas, reportagens sobre práticas esportivas. Estas matérias eram ilustradas por interessantes imagens de atletas, dirigentes esportivos, clubes, competições, além de informações sobre o mundo esportivo local, nacional e, inclusive, internacional. Desde o primeiro número da RG, a seção dedicada aos esportes foi, paulatinamente, conquistando mais espaço na revista e adquirindo destaque. Em 1933, a revista dedicou um número especial aos esportes, tendo a capa ilustrada pela figura de um atleta segurando a bandeira do Brasil, alinhavando a figura do esportista à sua pátria. Tal imagem era representativa do período em que havia um movimento de valorização daquilo que era identificado como pertencente à "cultura brasileira". Esta representação pode ser evidenciada no catálogo sobre o esporte e a educação física produzido por Mazo (2004).

Dentre os esportes que tiveram reportagens veiculadas na referida revista, encontram-se as práticas equestres, principalmente o turfe e o hipismo. O turfe é uma prática esportiva que exerceu influência nos aspectos da formação sociocultural de Porto Alegre, bem como, provavelmente, do estado do Rio Grande do Sul. Segundo os estudos de Roessler e Votre (2002) e Melo (2007a), o turfe constitui uma prática esportiva equestre que envolve corridas de velocidade de cavalos, estruturadas e organizadas por clubes. Já o hipismo, diferentemente é uma prática esportiva equestre olímpica, em que é composto um conjunto entre o animal e o atleta - cavaleiro, referindo-se ao sexo masculino, ou amazona, tratando-se do sexo feminino (DUARTE, 2000).

As práticas esportivas equestres reconhecidas pela Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) e pela Federação Equestre Internacional (FEI) são: rédeas, volteio, enduro, atrelagem, saltos, adestramento, concurso completo de equitação (CCE) e especial (paraolímpica). As quatro últimas práticas citadas consideradas olímpicas ou pan-americanas. Nesta pesquisa, dentre as reportagens referentes ao hipismo, serão tratadas somente aquelas relacionadas à prática de saltos, uma vez que, além de ser olímpica e pan-americana, é a mais difundida de acordo com Vieira e Freitas (2007).

O salto consiste em uma prova realizada em pista de areia ou grama, onde o cavaleiro/amazona deve transpor obstáculos montando em seu cavalo (ROESSLER; VOTRE, 2002). É de suma importância ressaltar o fato de que o hipismo constitui uma das poucas práticas esportivas em que homens e mulheres competem entre si com igualdade. Esta prática equestre fez-se presente pela primeira vez nos Jogos Olímpicos de 1900 em Paris; no entanto, só passou a ser reconhecida oficialmente como esporte olímpico no ano de 1912, em Estocolmo. Decorridos mais de 30 anos, a equipe brasileira fez-se representar, pela primeira vez, em 1948, nos Jogos Olímpicos de Londres (ROESSLER; VOTRE, 2002).

Apesar de o hipismo ter sido incluído na programação olímpica, foi determinada a participação apenas para homens por mais de 40 anos. Somente em 1952, nos Jogos Olímpicos de Helsinque, as mulheres passaram a ser admitidas em competições olímpicas de hipismo. Esta data foi um marco na conquista do espaço feminino nesta prática esportiva equestre, que não apenas permaneceu exclusiva dos homens por muitos anos, como também era de domínio absoluto dos militares, os quais tinham contato frequente com a equitação, sempre objetivando melhorar a montaria e atuar em eventuais batalhas com o melhor desempenho possível (VIEIRA; FREITAS, 2007).

Diante destas considerações, o objetivo da pesquisa foi identificar que representações das mulheres nas práticas equestres do turfe e do hipismo em Porto Alegre foram construídas pela Revista do Globo, no período de 1929 a 1967. Este estudo histórico buscou contemplar o objetivo proposto utilizando como apoio teórico-metodológico, a História Cultural (CHARTIER, 1990; PESAVENTO, 2008; BURKE, 2005), tendo em vista que tal abordagem pressupõe que a realidade social é culturalmente construída. Para a análise historiográfica, concebeu-se o turfe e o hipismo como práticas das quais emergem representações culturais, e a Revista do Globo, que perdurou por quase quatro décadas, se constituiu em um meio de difundir representações das práticas equestres. Sendo assim, procedeu-se a análise documental das reportagens sobre as práticas esportivas equestres do turfe e do hipismo publicadas nos 943 exemplares da Revista do Globo por meio do catálogo "O Esporte e a Educação Física na Revista do Globo" (MAZO, 2004).

A utilização de reportagens da Revista como fonte de pesquisa exige alguns cuidados metodológicos (DALMÁZ, 2002). Ao fazer uso da imprensa, é necessário elaborar uma leitura distinta daquela realizada pelo leitor ao qual o periódico se destina (ELMIR, 1995). Se o objetivo deste é desenvolver uma leitura extensiva, priorizando a quantidade de informações, o pesquisador deve ler de forma intensa, ou seja, privilegiando a qualidade da análise. Assim, debruçou-se sobre o método de análise de conteúdo de Bardin (1977) para buscar esta qualidade.

Bardin (1977) afirma que a análise de conteúdo constitui-se em uma procura de outras realidades através das mensagens. Foi através desta análise e de um vasto número de imagens e informações acerca do turfe e do hipismo - seus atletas, cavalos e competições - ao longo de 72 reportagens referentes ao turfe e 24 referentes ao hipismo - que foram construídas representações sobre estas práticas equestres. Da mesma forma, foram produzidas representações culturais acerca de seu contexto e da participação masculina e feminina em cada uma destas práticas esportivas.

Sob o olhar de Scott (1995), a emergência do termo "gênero" se processa a partir dos estudos feministas contemporâneos, caracterizando-se como uma tentativa de elaboração de uma teoria que proporcionasse formas de se analisar e, posteriormente, explicar as constantes desigualdades entre homens e mulheres. Ao adotar a noção de "gênero" como parte do aparato conceitual e linha analítico-interpretativa, vislumbrou-se a oportunidade de desconstruir a representação engendrada de que homens e mulheres constroem-se masculinos e femininos baseados nas diferenças corporais, as quais justificariam determinadas desigualdades, atribuindo funções sociais, determinando papéis a serem desempenhados por cada sexo (GOELLNER, 2007).

Em razão de esta revista ser um dos meios de comunicação de massa que documentou a cultura corporal e esportiva do Rio Grande do Sul, torna-se relevante este estudo, assim como a possibilidade de recuperar a memória das práticas equestres do turfe e do hipismo sul-rio-grandenses como práticas esportivas de destaque nas décadas de 1930 a 1960. Desta forma, a principal colaboração deste estudo é uma compreensão da influência das práticas equestres para os aspectos socioculturais ao longo da construção histórica da cidade de Porto Alegre, visto que, como Melo (1997, p. 58) afirma, "a História nos ajuda a entender que o homem tem/teve uma ação concreta: o que temos atualmente foi construído e não fruto exclusivo do acaso, tão pouco estava escrito em um livro dos destinos''.

Neste sentido, procurou-se contribuir para a concepção de um mapeamento histórico cultural das práticas esportivas no Estado, uma vez que a presente pesquisa está inserida em um dos eixos do projeto de pesquisa mais amplo, denominado Esporte e Educação Física no Rio Grande do Sul: estudos históricos, do Núcleo de Estudos em História e Memória do Esporte e da Educação Física (NEHME), da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A seguir, a pesquisa assumirá a seguinte divisão, em três tópicos: "As Mulheres no Cenário Esportivo Porto-Alegrense", tratando da atuação feminina no contexto sócio-político-econômico da cidade; "Imagens da Mulher no Turfe Porto-Alegrense", discorrendo sobre as possíveis representações construídas sobre as mulheres no contexto turfístico porto-alegrense; "Mulheres Assumindo as Rédeas no Hipismo Porto-Alegrense", retratando a imagem contrastante da mulher nesta prática equestre em comparação à sua atuação no turfe.

As Mulheres no Cenário Esportivo Porto-Alegrense

A Porto Alegre do final dos anos 1920 e início dos anos 1930 apresentava-se em plena modificação não somente de seu colorido e de seu traçado, mas também de seus aspectos sociais e culturais. A população da capital crescia rapidamente, inclusive com a chegada de muitos imigrantes. Esta é a época em que a cultura europeia e norte-americana passava a influenciar os porto-alegrenses, favorecendo rupturas e algumas mudanças na cultura local (JÁ EDITORES, 1997).

Diante de tal cenário, a elite dominante deparava-se com a necessidade de ordenar a heterogênea população, bem como seus valores e costumes. Neste processo, dentre as diversas pedagogias que tomam parte, destaca-se a pedagogia corporal. É neste sentido que o esporte desempenhou um papel fundamental, pois foi inserido como parte de uma política ocidental aplicada a indivíduos provenientes de qualquer lugar. A prática esportiva, portanto, determinou normas de beleza e saúde; no entanto, tal aplicação restringia-se basicamente aos homens (SCHPUN, 1999). Às mulheres, cabia a função de meras espectadoras das práticas culturais dos homens, observando discretamente das arquibancadas dos hipódromos.

Era nestes locais que, nos domingos porto-alegrenses, uma das principais atrações esportivas e de lazer ocorria: as corridas de cavalos, um costume dos europeus. Neste ambiente, no entanto, a presença feminina restringia-se à assistência e ao embelezamento do espetáculo, atuando de forma elegante no acompanhamento dos pais ou maridos.

Porém, com o começo da luta feminina pelos seus direitos, além da quebra de preconceitos, ideias e transformações graduais emergiram em alguns países desenvolvidos. Paulatinamente, hábitos e costumes passaram a ser modificados, com o aceite do sexo feminino como parte integrante da sociedade porto-alegrense. Neste movimento, as mulheres conquistam novas posições na sociedade e a defesa de seus direitos passou a ser uma constante em suas vidas. No governo de Getúlio Vargas, por exemplo, as mulheres atingiram uma significativa vitória, conquistando o direito ao voto (SOARES, 2001).

A tensão social que atravessava o universo de mulheres e homens também foi refletida no cenário do turfe. Um possível exemplo desta paulatina mudança observa-se em outro espaço de diversão e lazer de Porto Alegre, no momento: as hípicas. Destacam-se a seção hípica do Country Club, a Sociedade Hípica Rio-Grandense e a Sociedade Hípica Porto-Alegrense. Nestes espaços sociais, realizavam-se muitas festas contando com a presença de destacados membros da sociedade da época, ladeados por autoridades. Estes eventos contavam também com a presença de militares do Exército e da Brigada Militar, além da significativa presença feminina nas disputas a cavalo (FESTA..., 1932). A prática da equitação, portanto, a exemplo do que já ocorria em São Paulo, admitia a participação das mulheres em Porto Alegre (SCHPUN, 1999).

No final dos anos 1930, o perfil dos bairros centrais da cidade sofreu mudanças por meio da energia e dos bondes elétricos, dos serviços de água e esgoto. Estes são alguns indícios de que a urbanização da cidade acentuava-se (JÁ EDITORES, 1997). Relacionado a este processo, há o desenvolvimento de uma demanda não somente de cultura física masculina e feminina, como também de diferentes atividades e formas de apresentação corporal características da cidadania que é estabelecida em uma cidade de grande porte (SCHPUN, 1999). Neste momento, a diferença entre os gêneros, ou seja, a experiência essencialmente distinta de homens e mulheres passou a constituir o apelo mais recorrente à exibição pública.

Desta forma, a RG, um dos espelhos da sociedade porto-alegrense da época, evidencia as mudanças sofridas pela mulher no âmbito social por meio de suas reportagens e campanhas publicitárias, demonstrando tal processo por meio de sua linguagem. Nesta revista, era destacada como a maior virtude da mulher a sua devoção ao lar. O aspecto da beleza constituía outro tema constante, com fascículos inteiros dedicados aos concursos de misses (SOARES, 2001).

Foi na década de 1940 que a influência do modo de vida norte-americano se acentuou sobre a população porto-alegrense, especialmente através do cinema (JÁ EDITORES, 1997). Contudo, Soares (2001) nos apresenta que o pensamento da sociedade com relação às mulheres não apresentou significativas alterações, apesar do fato de que a Segunda Guerra Mundial havia obrigado a população feminina a trabalhar fora do ambiente doméstico para ajudar nas despesas ou substituir o marido/pai/irmão na força de trabalho, caso tivessem ido lutar na Força Expedicionária Brasileira (FEB). Isto permitiu com que fossem, gradativamente, conquistando lugares ocupados pelos homens não somente na indústria, mas em outros setores também.

Os anos 1940 e 1950 marcaram o auge dos bailes da elite porto-alegrense no Clube do Comércio, nas festas de caridade na Sociedade Leopoldina Juvenil, nos bailes de gala do clube de golfe - Porto Alegre Country Club, no Jockey Club e nos clubes de vela da zona sul da cidade. Em alguns destes salões, além de apresentar suas debutantes, a sociedade promovia carnavais memoráveis (JÁ EDITORES, 1997). Além disto, muitas práticas esportivas foram introduzidas em Porto Alegre pela iniciativa dos clubes. A partir daí, os eventos esportivos foram assumindo uma dimensão essencial na vida urbana.

Este interesse pelas práticas corporais dedicava-se, na época, à importância particular que a sociedade atribuía à juventude. A glorificação dos jovens, em âmbito mundial, surge como tentativa de ultrapassar o trauma causado pela Segunda Grande Guerra (SCHPUN, 1999). Neste sentido, o esporte emerge como um campo excepcional para a consolidação deste ideal de juventude. No entanto, neste âmbito, estabeleceram-se diferenças entre as percepções sociais dos corpos masculinos e femininos, por meio da sexualização das práticas esportivas, com base em determinações tidas como naturais (SCHPUN, 1999). Assim, a diferença existente entre a preparação física feminina e masculina convinha ao interesse de fortalecer as características corporais e comportamentais que distinguem os gêneros.

Não obstante, apesar desta suposta separação esportiva, ao longo da primeira metade do século XX, as mulheres abandonaram o anonimato e, desta forma, atuaram de distintas maneiras no contexto dos esportes vigentes na época: assistindo às provas de turfe; emprestando seu nome para batizar os barcos de remo; participando das sessões de ginástica alemã e atletismo; acertando o alvo no bolão e no tiro ao alvo; e acelerando no automobilismo; enfim, praticando esportes que, primeiramente, eram recomendados para os homens. Em um duplo movimento, as mulheres, no cenário das práticas esportivas na cidade de Porto Alegre, oscilaram entre o lugar de espectadoras e protagonistas (MAZO et al, 2009b).

Imagens da Mulher no Turfe Porto-Alegrense

A RG, muito além de simplesmente proporcionar informações sobre as corridas de cavalos, jóqueis, cavalos, hipódromos, assistência, etc., produziu representações sobre as mulheres neste domínio. No conjunto destas representações, eventualmente, uma imagem acerca da mulher no turfe é construída. Considerando-se que, no âmbito da relação interativa entre as noções de "representações" e "práticas" é trabalhado o termo "cultura", ou as diversas formações culturais, de acordo com Chartier (1990), tem-se que as práticas geram representações, e as suas representações geram práticas, em um emaranhado no qual é complexo definir se o início está em assentadas práticas ou em determinadas representações.

Faz-se necessário destacar que, segundo Dalmáz (2002, p. 14), a produção de reportagens sobre um determinado assunto "sempre carrega uma alta dose de subjetividade". Desta maneira, os meios de comunicação acabam por criar o próprio acontecimento, uma vez que selecionam o que está passando no mundo, o que irá tornar-se notícia ou não, o que será editado destacadamente ou com pouca relevância (BARBOSA, 1998). É neste sentido que, dentre outras formas de manifestação, as representações sociais - entendidas como um conjunto de conceitos, proposições e explicações originadas na vida diária no curso de comunicações interpessoais - também são significativamente estabelecidas pela imprensa. As representações podem, assim, ser expressas por normas, códigos, instituições, juízos, cerimônias, rituais, discursos e imagens (PESAVENTO, 2008).

A imprensa, de forma geral, costumava estar intimamente relacionada ao cotidiano turfístico. Seu papel foi de extrema importância, divulgando o esporte e atraindo a população porto-alegrense para assistir às corridas de cavalos (PEREIRA, 2008). Estas eram noticiadas através dos jornais e do rádio, sendo esta divulgação uma maneira das sociedades turfísticas gerarem maior quantidade de apostas e, como consequência, aumentar o ganho financeiro dos responsáveis pela organização das corridas (BENTO, 2002).

Ainda com relação à imprensa, tem-se que as corridas de cavalos eram noticiadas periodicamente pela imprensa escrita. Alguns jornais da época que destinavam espaço ao turfe eram: Correio do Povo; Folha da Tarde; Jornal do Commercio; Gazeta da Tarde; A Reforma; A Federação; A República; O Mercantil; Gazeta do Povo; A Nação. Dentre estas, destaca-se a publicação denominada A Voz do Turfe, revista especializada em turfe editada em Porto Alegre, na primeira metade do século XX, que fornecia informações sobre as corridas de cavalos semanais realizadas no Prado Moinhos de Vento. Evidencia-se, desta forma, a importância que esta prática equestre possuía na sociedade porto-alegrense.

Incluída na relação dos meios de comunicação que noticiavam o turfe, está a RG. Nela, se denota que, nas primeiras reportagens acerca do turfe em Porto Alegre, datadas de 1929, destacam-se imagens de mulheres vestidas elegantemente, usando belos chapéus, colares, longas saias e saltos altos (NAS CORRIDAS..., 1929). Além disto, sua presença parece estar sempre condicionada à companhia de uma figura masculina, como pai ou marido. (GRANDE..., 1931).

A partir disto, nota-se que, com relação à presença feminina no campo esportivo brasileiro, sempre existiram imprecisões e tensões (MELO, 2007b). Corroborando com tal fato, Goellner (2004) afirma que muitas vezes no passado, e ainda no presente, as condições de acesso e participação das mulheres neste campo, se comparadas às dos homens, não foram e não são iguais. Ao analisar como se processou tal aspecto no cotidiano das corridas de cavalos, Melo (2007a) nos relata a significativa importância que tal prática esportiva teve no que se refere à possibilidade de uma participação social feminina mais expressiva em cidades brasileiras no século XIX, principalmente naquelas de maior porte.

Aproximadamente na época em que o turfe atingiu seu período áureo em Porto Alegre, na década de 1890, ocorreu a consolidação do principal e mais importante hipódromo da cidade - o Hipódromo Independência - tornando-se o espaço preferencial da elite porto-alegrense, mobilizando, inclusive, o público feminino (BISSÓN, 2008). Também ratificando o aspecto familiar que circundava este hipódromo, e enfatizando a presença masculina, registra-se um trecho de uma reportagem que destaca o fato de que seu pavilhão "regurgita nas tardes de domingo, de excelentíssimas famílias e cavalheiros que passam ali horas agradáveis e divertidas" (A PROTETORA..., 1933, p. 45).

No entanto, conforme Melo (2007a), apesar de o turfe ter se configurado como uma das práticas que possibilitou o começo da inserção da mulher na vida social, incentivada pelas inovações trazidas da Europa, a partir de meados do século XIX, esta presença nos prados restringia-se às arquibancadas, desfilando seus belos vestidos da última moda e penteados. Rodrigues (2006) acrescenta que as arquibancadas constituíam um lugar elegante dos prados, uma vez que eram ocupadas por cavalheiros, senhoras, senhoritas e rapazes da elite da cidade. Já as camadas populares ocupavam o pavilhão inferior dos prados.

Nas primeiras décadas do século XX, com o processo de modernidade em voga em Porto Alegre, ainda podia-se testemunhar a presença das mulheres e com o mesmo objetivo no cotidiano dos hipódromos. Nota-se que, neste período, a natureza da mulher continuou sendo frequentemente identificada como muito frágil, defendendo a ideia de que a função da mulher no conjunto das práticas esportivas corresponderia, predominantemente, à assistência (GOELLNER, 2004). Tratadas por adjetivos como "lindas", em uma reportagem de 1936 (JOCKEY-CLUB..., 1936), também já passam a ser consideradas "aficionadas" por uma prática equestre em que representavam não mais do que parte da assistência, apesar de constituírem um grande número desta. Até mesmo, de acordo com Rozano e Fonseca (2005), mostravam-se interessadas pelos prognósticos para as corridas.

Indo a este encontro, Melo (2007b) lembra que, até meados do século XIX, não era permitida às mulheres uma movimentação significativa além do seu ambiente familiar e doméstico, principalmente quando se tratava daquelas que pertenciam às elites. O turfe, neste sentido, passava a ser um dos primeiros locais de circulação e exibição destas mulheres, apesar da constante companhia e vigilância masculina por parte dos familiares e da mera função a elas designada e restrita da assistência e da elegância dos ambientes turfísticos. O turfe, neste momento, é considerado o "esporte da moda" (O TURF..., 1937, p. 28).

No entanto, apesar da evolução cultural, econômica, social e política de Porto Alegre, percebe-se que a essência da imagem feminina representada pela RG não foi significativamente alterada na segunda metade da década de 1960, quando a revista encerrou suas atividades, daquela construída nas primeiras edições no princípio da década de 1930. No final da década de 1940, observa-se o que já se poderia considerar uma conquista para as mulheres frequentadoras dos hipódromos: elas passam a estudar os prognósticos das disputas e algumas já se convertem em apostadoras (G.P. BENTO..., 1949).

Outro aspecto que merece destaque é a variação da moda acompanhando a mudança do Hipódromo Independência, localizado, inicialmente, no Bairro Moinhos de Vento, para o Bairro Cristal. Neste local foi inaugurado um hipódromo de distinta arquitetura moderna, constituindo, na época, o maior da América do Sul (SOUZA, 1959). A partir disto, paulatinamente, percebe-se a crítica nas páginas da RG acerca da mudança no visual feminino: cada vez se usavam menos chapéus, ameaçando a elegância dos anos anteriores, apesar dos toaletes e jóias utilizadas (CARNEIRO, 1965). Tal fato, refletido pela revista, pode denotar certa resistência em mudar, inovar em um contexto com suas origens tão fortemente arraigadas ao rural. Dalmáz (2002) já atentava para o fato de que a RG apresentava um estimulante tom opinativo em seu conjunto de artigos, aliando-se sempre à política da situação.

A cidade rumava do rural para o urbano, o moderno. Todavia, os hábitos patriarcais típicos da aristocracia rural luso-brasileira associada ao turfe porto-alegrense, (MAZO et al, 2009a) pareciam tentar resistir ao avanço do tempo, encontrando no contexto desta prática equestre um dos prováveis últimos resquícios predominantes desta forma de organização social em que o homem representa o sexo forte e a mulher a fragilidade elegante. Disto, possivelmente, decorrem as identidades de gênero hegemonicamente aceitáveis do homem como um jóquei - forte e dominador de um animal -, como apostador, proprietário de cavalos e treinador - detentor do saber - e da mulher como acompanhante embelezadora - frágil e submissa.

Mulheres Assumindo as Rédeas no Hipismo Porto-Alegrense

Tendo como base teórica a análise do trabalho de representação em Chartier (1990), a qual procura identificar as "classificações e as exclusões que constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceituais próprias de um tempo ou de um espaço" (p. 27), procurou-se identificar as possíveis imagens construídas pela RG acerca da participação feminina na prática do hipismo porto-alegrense. Jovchelovitch (2000) acrescenta a ideia de que a construção de representações sociais envolve, concomitantemente, a proposição de uma identidade, além de uma interpretação da realidade. Nesta direção, como Dalmáz (2002) afirma, a interpretação de um determinado fato elaborada pelos autores das reportagens, bem como a seleção dos acontecimentos e a construção da informação, são os mecanismos utilizados pela imprensa para criar uma realidade. Por conseguinte, faz-se necessário traçar as características fundamentais de um determinado meio de comunicação, o qual se pretende consultar para uma dada pesquisa (ZICMAN, 1985).

Uma vez cientes de que a RG caracterizou-se como mecanismo formador de opinião, como já salientava Dalmáz (2002), pode-se questionar o porquê de não encontrarmos em suas páginas uma reportagem ou um comentário atentando para o paradoxo. Se no contexto do turfe a participação das mulheres não ultrapassava os limites da coadjuvante companhia elegante, como pôde não ser estranhado o protagonismo por elas assumido na prática do hipismo?

Desafiando a concepção hegemônica de fragilidade feminina, vigente na época, as mulheres praticantes de hipismo, como o próprio nome sugere, amazonas, conforme Adelman (2006, p. 16), "exercitavam sua competência em atividades cujos riscos e desafios supostamente descaracterizariam um sujeito feminino". No entanto, por meio de cuidados com o corpo, com a beleza e com a indumentária, não deixavam de produzir e reproduzir normas vinculadas à construção do feminino.

Já no início dos anos de 1930, em reportagem datada de 1932, a Revista apresentava variadas imagens de mulheres participando sobre seus cavalos de uma festa hípica dominical realizada na extinta Sociedade Hípica Rio-Grandense, no Campo da Redenção (FESTA..., 1932). Nas décadas seguintes, outras matérias sobre o turfe e hipismo foram ilustradas pelas mulheres exibindo sua marcante presença e apontando a conquista de visibilidade no campo esportivo. Uma jovem amazona porto-alegrense, Bety Belmonte, já é tratada como promessa desta prática esportiva no Estado em 1965 (OSÓRIO, 1965).

No Rio Grande do Sul, o ato de montar a cavalo era um atributo exclusivamente reservado aos homens, por estes possuírem uma lida diária com o cavalo - instrumento de guerra e de trabalho. As mulheres, inicialmente, utilizaram o cavalo por meio de charretes ou carroças. Tais fatos comprovam, portanto, que a prática do hipismo carrega a longa tradição de constituir um espaço acessível, pelo menos formalmente, a ambos os sexos (ROJO, 2007). Em 1951, vitórias de amazonas em competições entre mulheres e homens já eram registradas pela RG, como a da senhora Dóris Coelho de Souza (UMA TARDE..., 1951).

Porém, esta característica de abertura a homens e mulheres nas competições hípicas pode ser devida a uma possível dupla origem desta prática esportiva equestre. O hipismo, além de apresentar seus primórdios no contexto das práticas militares associadas à cavalaria, também encontra a sua origem nas atividades aristocráticas europeias, como as caçadas e demais práticas de lazer das famílias nobres, das quais eram adeptos homens e mulheres (ROJO, 2007).

A identificação do caráter aristocrático das práticas equestres permite uma aproximação entre ambas, turfe e hipismo: suas tribunas oficiais sempre contavam com a presença de autoridades e representantes da alta sociedade. Reportagens tratando do comparecimento do Presidente do Estado - governador - nas festas hípicas e de competições destinadas a homenagear prefeitos ilustram e evidenciam este aspecto (QUINZENA..., 1939).

Outro fato relevante é o de que as matérias acerca do hipismo na RG trazem sobrenomes de distintas etnias europeias, dentre os quais se destacam a portuguesa e a alemã. Com relação a este aspecto, cabe ressaltar a citação feita por Mazo e Frosi (2009, p. 62), destacando que, no associativismo esportivo porto-alegrense, "contrastava o sedentarismo da herança cultural lusitana com a atitude inovadora dos teuto-brasileiros praticantes de esportes", importante indício que auxilia a compreender a caracterização do hipismo por influência destes grupos étnicos.

Os teuto-brasileiros foram fundadores de associações esportivas, em Porto Alegre, que abarcavam inúmeras práticas - como a ginástica, o remo, o tiro, entre outras (MAZO, 2003) - e incentivadores de uma participação mais ativa nos esportes. Em função disto, provavelmente, podem ter influenciado as mulheres de forma mais proeminente a arriscar os primeiros saltos a cavalo na cidade.

A presença participativa das amazonas é sempre realçada nas reportagens acerca dos festivais hípicos em Porto Alegre pela RG, a qual destaca que as mulheres "dirigiam com habilidade suas montadas" (QUINZENA..., 1939, p. 48). Esta afirmação revela uma postura fundamentalmente oposta ao tratar da participação feminina entre o turfe e o hipismo: se uma mulher era hábil sobre um cavalo que salta, por que não poderia o ser sobre um cavalo que galopa velozmente? Uma possível explicação para isso são as distintas características entre ambas as práticas: uma poderia oferecer mais riscos que outra. Ainda cabe referir outra distinção entre o turfe e o hipismo: enquanto o primeiro representa um trabalho, uma forma de subsistência para quem o pratica (jóqueis), conforme declaram Adelman e Moraes (2008), o segundo está mais fortemente relacionado aos momentos de lazer das elites.

Nesta mesma linha, Melo (2007b) nos apresenta que, no Rio de Janeiro, desde os primórdios do esporte nesta cidade (primeira década do século XIX) até aproximadamente o início do século XX, o hipismo também constituía uma prática na qual se podia perceber uma participação feminina mais efetiva. Tal fato pode estar relacionado à concepção desta prática esportiva como um elemento do ensino das jovens das elites, além de consistir em um sinal de status e distinção, um saber, uma capacidade. Ao encontro desta ideia, Goellner (1999, p.124) também aponta para laços mais igualitários entre os sexos na prática do hipismo apresentada nas páginas da Revista Educação Physica, do Rio de Janeiro, publicada entre 1932 e 1945, em função de que o "[...] andar a cavalo é uma paixão antiga da oligarquia, tanto de homens como de mulheres [...]". Ou, talvez, as diferentes origens históricas e etno-culturais poderiam explicar as representações tão distintas acerca das mulheres em cada uma destas práticas em Porto Alegre.

Considerações finais

Tendo em vista o objetivo da pesquisa, que foi o de identificar que representações das mulheres nas práticas equestres do turfe e do hipismo foram construídas pela Revista do Globo em Porto Alegre no período de 1929 a 1967, por meio da análise de reportagens publicadas pela Revista, apresentamos algumas considerações.

Porto Alegre, no período demarcado da pesquisa, apresentava-se em plena modificação do seu colorido e de seu traçado. A energia elétrica, os bondes elétricos e os serviços de água e esgoto foram mudando o perfil dos bairros centrais da cidade. A população da capital cresceu rapidamente, inclusive com a chegada de muitos imigrantes. Os porto-alegrenses eram influenciados pela cultura europeia e, posteriormente, também norte-americana, favorecendo uma modificação na cultura local.

Neste contexto, a RG veiculava imagens de mulheres no cotidiano turfístico de Porto Alegre vestidas elegantemente e usando adornos como chapéus e colares. Além disto, sua presença parecia estar sempre condicionada à companhia de uma figura masculina.

Nas primeiras décadas do século XX, com o processo de modernidade instalando-se em Porto Alegre, ainda podia-se testemunhar a presença das mulheres da mesma forma e com o mesmo objetivo no cotidiano dos hipódromos. Considerados ambientes aristocráticos e familiares, estes espaços relegavam as mulheres a um segundo plano, de mero acompanhamento de seus pais ou maridos e embelezamento do espetáculo. Neste período, início do século XX, a natureza da mulher era frequentemente identificada como muito frágil, difundindo-se a ideia de que a função da mulher no contexto das práticas esportivas corresponderia, predominantemente, à espectadora.

No entanto, apesar das mudanças no cenário cultural, econômico, social e político de Porto Alegre, percebe-se que a essência da imagem feminina no turfe porto-alegrense representada pela RG não foi significativamente alterada em 1967 daquela construída em 1929. A cidade rumava do rural para o urbano, o moderno. Todavia, os hábitos patriarcais típicos da aristocracia rural luso-brasileira associada ao turfe porto-alegrense, pareciam tentar resistir ao avanço do tempo, encontrando no contexto desta prática equestre um dos prováveis últimos resquícios predominantes desta forma de organização social em que o homem representa o sexo forte e a mulher, a fragilidade. Possivelmente, deste entendimento, decorrem as identidades de gênero hegemonicamente aceitáveis do homem como um jóquei e da mulher como acompanhante.

Já com relação ao hipismo, a presença participativa das amazonas nesta prática é sempre realçada nas reportagens acerca dos festivais hípicos em Porto Alegre pela revista, a qual destaca que as mulheres demonstravam muita habilidade ao montar seus cavalos. A partir disto, evidencia-se uma postura fundamentalmente oposta ao tratar da participação feminina entre o turfe e o hipismo. No hipismo, certo protagonismo é conferido às mulheres ao destacar, inclusive, suas vitórias em competições em que homens competiam com elas igualmente.

Uma possível explicação são as diferentes origens históricas e etno-culturais de cada uma destas práticas, as quais poderiam explicar tais representações tão distintas acerca das mulheres no turfe e no hipismo em Porto Alegre. O turfe, em razão de sua origem aristocrática patriarcalista rural luso-brasileira limitaria a participação feminina à assistência, ao passo que o hipismo, associado a mais de uma etnia de origem europeia - trazendo os influentes ideais das lutas femininas e apresentando novas perspectivas para as brasileiras - propunha uma nova perspectiva de protagonismo às mulheres das elites, compondo parte de sua educação.

Esta identidade de gênero conferida às mulheres no hipismo representada nas páginas da Revista do Globo pela coragem e habilidade tão distinta daquela oferecida a elas pela mesma Revista no contexto do turfe - fragilidade -, parece evidenciar o salto almejado há muito tempo, não somente no contexto esportivo e equestre. Talvez, poderia refletir uma iminente superação de um obstáculo mais amplo, de dificuldades e conquistas sócio-culturais.

Recebido em: 26 de abril de 2010.

Aceito em: 13 de janeiro de 2011.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      26 Abr 2010
    • Aceito
      13 Jan 2011
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