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Heterogeneidade do habitat, riqueza e estrutura da assembléia de besouros rola-bostas (Scarabaeidae: Scarabaeinae) em áreas de cerrado na Chapada dos Parecis, MT

Habitat heterogeneity, richness and structure of assemblages of dung beetles (Scarabaeidae: Scarabaeinae) in areas of cerrado in the Chapada dos Parecis, Mato Grosso state, Brazil

Resumo

Ecological theory of habitat heterogeneity and limited niche-similarity assumes that more heterogeneous environments provide a greater amount and diversity of resources than simple environments, resulting in a greater diversity of species. This study aimed to evaluate the effect of the habitat heterogeneity on the richness of dung beetles and to examine the spatial patterns of assemblage structure in relation to patterns of habitat heterogeneity. Dung beetles were collected using pitfall traps without bait in 30 points distributed in an area of cerrado sensu lato, in the region of Tangará da Serra, MT, Brazil, including areas of cerrado sensu stricto, campo sujo, cerradão and gallery forest. A total of 1,291 dung beetles were collected, distributed in 16 genera and 29 species. Overall habitat heterogeneity exerted a negative effect on patterns of dung beetles richness. Higher levels of species richness were observed in areas of cerrado campo sujo, while the areas of gallery forest were the most species poor. Regarding assembly structure, it was found that the dung beetles were separated into two major groups, one formed by the presence of specialized species in forest areas and other composed of species that occurred predominantly in cerrado. In conclusion, it was found that habitat complexity influenced the distribution of dung beetles, but the level of turnover in species composition along the heterogeneity gradient was relatively weak.

Distribution pattern; species turnover; Brazilian savannah; phytophysiognomy


Distribution pattern; species turnover; Brazilian savannah; phytophysiognomy

ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Heterogeneidade do habitat, riqueza e estrutura da assembléia de besouros rola-bostas (Scarabaeidae: Scarabaeinae) em áreas de cerrado na Chapada dos Parecis, MT

Habitat heterogeneity, richness and structure of assemblages of dung beetles (Scarabaeidae: Scarabaeinae) in areas of cerrado in the Chapada dos Parecis, Mato Grosso state, Brazil

Ricardo J da SilvaI; Soraia DinizII; Fernando Z Vaz-de-MelloIII

ICPEDA, UNEMAT, Tangará da Serra, MT, Brasil; ricardojosesilva@yahoo.com.br

IIDepto de Botânica e Ecologia, IB, UFMT, Cuiabá, MT, Brasil; saf@ufmt.br

IIIDepto de Biologia e Zoologia, IB, UFMT, Cuiabá, MT, Brasil; vazdemello@gmail.com.br

ABSTRACT

Ecological theory of habitat heterogeneity and limited niche-similarity assumes that more heterogeneous environments provide a greater amount and diversity of resources than simple environments, resulting in a greater diversity of species. This study aimed to evaluate the effect of the habitat heterogeneity on the richness of dung beetles and to examine the spatial patterns of assemblage structure in relation to patterns of habitat heterogeneity. Dung beetles were collected using pitfall traps without bait in 30 points distributed in an area of cerrado sensu lato, in the region of Tangará da Serra, MT, Brazil, including areas of cerrado sensu stricto, campo sujo, cerradão and gallery forest. A total of 1,291 dung beetles were collected, distributed in 16 genera and 29 species. Overall habitat heterogeneity exerted a negative effect on patterns of dung beetles richness. Higher levels of species richness were observed in areas of cerrado campo sujo, while the areas of gallery forest were the most species poor. Regarding assembly structure, it was found that the dung beetles were separated into two major groups, one formed by the presence of specialized species in forest areas and other composed of species that occurred predominantly in cerrado. In conclusion, it was found that habitat complexity influenced the distribution of dung beetles, but the level of turnover in species composition along the heterogeneity gradient was relatively weak.

Key words: Distribution pattern, species turnover, Brazilian savannah, phytophysiognomy

A hipótese de que a heterogeneidade de habitat determine o aumento da diversidade, desenvolvida inicialmente por MacArthur & MacArthur (1961), considera que ambientes mais heterogêneos disponibilizariam mais recursos, o que acarretaria em maior número de nichos, suportando maior diversidade de espécies do que ambientes mais simples (Bazzaz 1975). Essa relação positiva entre o aumento da heterogeneidade do habitat e o aumento da riqueza já foi registrada para várias espécies de animais. Porém, dependendo do grupo taxonômico e da escala espacial, a riqueza pode ter relação negativa com o aumento da heterogeneidade de habitat (Tews et al 2004, González-Megias et al 2007).

A mudança na heterogeneidade de habitat também influencia a composição das assembléias de espécies (Lassau & Hochuli 2004, Durães et al 2005). Ambientes com níveis de heterogeneidade de habitat variáveis apresentam diferenças nos níveis de luminosidade, temperatura e umidade (Li & Reynolds 1994). Essas características podem determinar a ocorrência ou não de espécies, dando suporte para a reprodução, nidificação, desenvolvimento e forrageamento das diferentes espécies de animais (August 1983, Martínez & Montes de Oca 1984, Halffter 1991, Franklin et al 2005).

Os besouros rola-bostas são cosmopolitas, com maior diversidade em florestas e savanas tropicais (Hanski & Cambefort 1991). São insetos detritívoros, utilizando principalmente fezes, carcaças e frutos em decomposição como fonte de alimento. Desempenham importante função na dinâmica de nutrientes em diferentes tipos de ecossistemas. Alguns deles têm o hábito de confeccionar, rolar e enterrar bolas de fezes, principalmente de mamíferos, que são utilizadas como substrato para a construção de ninhos, onde depositam seus ovos (Halffter & Matthews 1966). A manipulação, a realocação e o consumo de fezes de mamíferos pelos rola-bostas contribuem para uma série de funções ecológicas, incluindo ciclos de nutrientes, diminuição de parasitas, aeração do solo e dispersão secundária de sementes expelidas nas fezes dos mamíferos (Andresen 2002, Nichols et al 2008).

Os rola-bostas são frequentemente utilizados em trabalhos de ecologia, comportamento, entomologia econômica e entomologia forense (Halffter & Matthews 1966), assim como indicadores de biodiversidade em florestas tropicais (Halffter & Favila 1993). Formam assembléias bem definidas em termos taxonômicos e funcionais (Halffter & Matthews 1966, Halffter 1991) e respondem prontamente a alterações e modificações no habitat, sejam elas de origem antrópica, como a fragmentação (Howden & Nealis 1975, Klein 1989, Nichols et al 2007, Gardner et al 2008), ou mudança natural na estrutura da vegetação (Durães et al 2005, Davis et al 2008, Almeida & Louzada 2009). Tais mudanças podem afetar a riqueza e a composição da assembléia desses besouros (Nichols et al 2007, Gardner et al 2008, Jay-Robert et al 2008, Davis et al 1999, 2008).

Alguns trabalhos relacionam de forma positiva o aumento da heterogeneidade do habitat com a riqueza de rola-bostas (Krell et al 2003, Spector & Ayzama 2003, Costa et al 2009); no entanto, outros relacionam de forma negativa o aumento da heterogeneidade do habitat com o aumento da riqueza desse grupo (Lumaret & Kirk 1991, Davis et al 1999,Romero-Alcaraz & Ávila 2000, Jay-Robert et al 2008). Para o cerrado brasileiro, também há trabalhos que relacionam de forma positiva o aumento da heterogeneidade do habitat e a riqueza de rola-bostas (Durães et al 2005, Almeida & Louzada 2009) e outros de forma negativa (Milhomem et al 2003).

O bioma Cerrado é o segundo maior do Brasil, com aproximadamente 23% do território nacional, e abrange umaárea de 204,7 milhões de hectares (IBGE 2004). É uma das 34 áreas do mundo consideradas críticas para a conservação, denominadas de hotspots (Myers et al 2000). Devido à grande pressão antrópica, aproximadamente 40% da área original desse bioma já foi convertida em zona de agricultura ou pastagens (Sano et al 2008). O cerrado apresenta grande variação de fitofisionomias, possuindo desde áreas com baixa heterogeneidade, como as áreas de campo sujo, até áreas com elevada heterogeneidade, como as matas de galeria e matas secas (Ribeiro & Walter 1998). Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar a influência da heterogeneidade de habitat na riqueza e estrutura da assembléia de besouros rola-bostas em áreas de cerrado.

Material e Métodos

Área de estudo. O estudo foi realizado em uma área de aproximadamente 5.500 ha localizada na Chapada dos Parecis, pertencente aos municípios de Nova Marilândia, Santo Afonso e Tangará da Serra, no estado de Mato Grosso, Brasil. A área abrange a reserva de três fazendas localizadas entre as coordenadas geográficas 14º21'48" S, 57º40'13" W e 14º20'23" S, 57º46'22" W. O clima predominante é oTropical Continental Úmido, com totais pluviométricos anuais que variam de 1.500 a 2.200 mm, e temperaturas médias anuais entre 21ºC e 26,8ºC (Moreira & Vasconcelos 2007). A vegetação predominante é o cerrado sensu stricto, com áreas de cerrado campo sujo, cerradão e matas de galeria.

Coleta dos dados. Os dados foram coletados durante o período de chuva de 8 a 16 de fevereiro de 2008, em 30 pontos distribuídos ao longo da reserva. Os pontos de coleta foram distanciados no mínimo 1 km entre si e 60 m da borda da reserva. Cada ponto foi composto de nove subamostras distribuídas em três linhas de três subamostras com 5 m de distância entre as linhas e entre as subamostras na linha, formando um quadrado de 10 x 10 m. Este desenho foi utilizado para a coleta das variáveis ambientais e para a coleta dos besouros.

Para a coleta dos besouros rola-bostas foram utilizadas armadilhas de queda (pitfall). Cada armadilha foi constituída de um recipiente plástico de 19 cm de diâmetro e 11 cm de profundidade com uma cobertura para proteger de folhas e da chuva. As armadilhas foram enterradas ao nível do solo, retirando-se as gramíneas e a serapilheira em um raio de 10 cm. Permaneceram expostas por um período de nove dias colocando-se 250 ml de formalina a 4% e detergente. O material coletado foi acondicionado em mantas entomológicas e identificado sempre que possível ao nível de espécie. Posteriormente este material foi depositado nas coleções entomológicas da Coleção Zoológica da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, e do Centro de Pesquisa, Estudos e Desenvolvimento Agro-ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso, Tangará da Serra.

Para a mensuração da heterogeneidade de habitat em cada subamostra, foram medidas sete variáveis ambientais: cobertura de dossel, cobertura de serapilheira, volume de serapilheira e cobertura de gramínea. Em um raio de 2 m de cada ponto de instalação da armadilha, foi medida a quantidade de árvores com DAP (diâmetro à altura do peito: 1,30 m) acima e abaixo de 30 cm, assim como registrada a presença de troncos caídos.

Para medir as coberturas de dossel, de serapilheira e gramíneas, foi utilizada uma tela quadrada de 50 x 50 cm, constituída de 100 quadrados abertos (25 cm2), e estimou-se a quantidade de quadrados ocupados pela variável ambiental em questão, com acuidade de 10%. Para medir o volume de serapilheira, delimitou-se uma área de 50 x 50 cm, da qual foram retirados os galhos com circunferência superior a 5 cm. Para tal medida, utilizou-se um recipiente de 21 x 32,5 x 40 cm, sobre o qual foi colocada uma tampa de madeira e sobre esta um peso de 2 kg. Mediu-se, assim, o volume prensado com uso de uma régua milimétrica presa junto à parede do recipiente.

Análise dos dados. Para análise da riqueza, foi somado o número de espécies das nove subamostras obtendo-se um valor para cada ponto de coleta. Para analisar a heterogeneidade do habitat, primeiramente foi tirada a média das variáveis ambientais para cada ponto de coleta. Posteriormente, foi utilizada a análise de componentes principais (ACP) (Manly 2008) para resumir em dois eixos as sete variáveis ambientais mensuradas. Para isso, os dados foram padronizados pela divisão dos valores individuais pelo desvio padrão das variáveis ambientais analisadas. O primeiro eixo da ACP captura a maior variação dos dados, representando um gradiente ambiental, assumido como uma medida de heterogeneidade do habitat. Para analisar a relação da heterogeneidade do habitat com a riqueza de espécies de besouros rola-bostas foi utilizada regressão linear simples.

Para analisar a estrutura da assembléia, foram excluídas as espécies de besouros rola-bostas com apenas um ou dois indivíduos (singletons e doubletons) para minimizar possíveis erros causados por falhas na amostragem. Posteriormente, a independência dos dados de composição com relação à autocorrelação espacial foi analisada utilizando o teste de Mantel. Para isso, os dados de composição da assembléia de besouros rola-bostas foram padronizados dividindo-se a abundância local de cada espécie (atributo) pela abundância total de espécies em cada ponto de coleta. Foram utilizados dois índices de dissimilaridade: Bray Curtis (dados quantitativos) e Jaccard (dados qualitativos). Para os dados da distribuição dos pontos de coleta, os dados foram transformados em UTM (universal transversa de mercator), sendo empregado o índice de distância euclidiana.

Posteriormente, o teste de Mantel parcial foi realizado no intuito de minimizar o efeito da autocorrelação espacial sobre os dados de composição e permitir melhor interpretação do efeito das variáveis ambientais sobre a composição. Nesse teste, os dados das variáveis ambientais foram padronizados pelo desvio padrão e foi utilizado o índice de distância euclidiana. Para detectar o padrão na estrutura da assembléia de besouros rola-bostas, foi utilizada a ordenação análise de correspondência (CA). Para isso, os dados quantitativos foram padronizados dividindo-se a abundância local de cada espécie pela abundância total de espécies em cada ponto de coleta.

A relação de heterogeneidade do habitat com a variação na composição da assembléia de besouros rola-bostas foi analisada utilizando regressão múltipla multivariada. Para isso, foram utilizados os escores dos dois primeiros eixos da CA como variáveis dependentes e os escores dos dois primeiros eixos da ACP como variáveis independentes. Para todas as análises foi utilizado o programa estatístico R (R Development Core Team 2003). Adicionalmente, foi feito um gráfico de ordenação direta, sendo o eixo X o primeiro eixo da ACP e no eixo Y a densidade relativa de cada espécie, para se observar o efeito da heterogeneidade do habitat sobre a estrutura da assembléia de besouros rola-bostas.

Resultados

Relação da heterogeneidade de habitat com a riqueza de besouros rola-bostas. Foram coletados 1.291 indivíduos de Scarabaeinae, pertencentes a 16 gêneros e 29 espécies. O gênero Canthidium Erichson apresentou a maior abundância, com 631 indivíduos (48,8%), representado por sete espécies, seguido por Dichotomius Hope com 219 indivíduos (16,9%) e três espécies. Besourenga Vaz-de-Mello com 133 indivíduos (10,3%) e Canthon Hoffmannsegg com 122 indivíduos (9,4%) apresentaram duas e três espécies, respectivamente. Canthidium multipunctatum Balthasar, com 365 indivíduos, representou 28% do total de Scarabaeinae coletados, seguido por C. barbacenicum Preudhomme de Borre e Dichotomius aff. lucasi (Harold), ambos com 178 indivíduos (14%) (Documento Suplementar Online ).

Os dois primeiros eixos da ACP explicaram 78% da variação dos dados ambientais analisados (61,9% no primeiro eixo e 16,1% no segundo eixo). O primeiro eixo da ACP representa o gradiente de aumento da cobertura de dossel e da serapilheira, concomitante à redução da cobertura de gramíneas, reproduzindo um gradiente de heterogeneidade estrutural da vegetação. Pode ser considerada em um extremo a cobertura de serapilheira e em outro extremo a cobertura de gramíneas, como as principais variáveis formadoras do primeiro eixo (Tabela 1).

No extremo direito do primeiro eixo da ACP foram ordenados os pontos com maior cobertura de grama, menor cobertura de dossel e de serapilheira, assim como menor cobertura e volume de serapilheira, os quais correspondem às áreas de cerrado campo sujo, que possui a menor heterogeneidade do habitat. Os pontos da parte intermediária do eixo representam os pontos distribuídos em uma grande área de cerrado sensu stricto e cerradão. Esses pontos apresentam grande variação, porém nunca por ausência total da cobertura de grama e de serapilheira, possuindo heterogeneidade de habitat intermediaria. No extremo esquerdo encontram-se os pontos com maior cobertura e volume de serapilheira, assim como maior cobertura de dossel e quantidade de árvores, localizados nas áreas de mata de galeria, sendo considerados os pontos com maior heterogeneidade do habitat. O segundo eixo da ACP é formado basicamente pela presença de árvores com menos de 30 cm de DAP.

A riqueza de besouros rola-bostas apresentou relação negativa com a heterogeneidade do habitat (r2 = 0,43; P < 0,0001). As áreas com maior heterogeneidade, mata de galeria, apresentaram as menores riquezas e as com a menor heterogeneidade, cerrado campo sujo, apresentaram as maiores riquezas (Fig 1).


Relação da heterogeneidade de habitat com a estrutura da assembléia de besouros rola-bostas. Houve relação entre os dados de composição da assembléia de besouros rola-bostas com a distância geográfica dos pontos, tanto para os dados quantitativos quanto qualitativos (r = 0,29 quantitativo; r = 0,27 qualitativo; P < 0,001). Porém, o teste de Mantel parcial demonstrou que a maior parte das variações da composição da assembléia de besouros rola-bostas apresentou relação com as variáveis ambientais analisadas, tanto para dados quantitativos quanto qualitativos (r = 0,60 quantitativo; r = 0,57 qualitativo; P < 0,001).

Os besouros rola-bostas foram separados em dois grandes grupos pela análise de correspondência (CA). Os pontos localizados em área de maior heterogeneidade do habitat (mata de galeria) foram agrupados na parte direita do primeiro eixo. A formação desse grupo foi influenciada pela grande abundância e exclusividade de Dichotomius aff. lucasi Harold. Já os pontos localizados em área com heterogeneidade intermediária e baixa (cerrado sensu stricto e cerrado campo sujo) foram agrupados na parte esquerda na CA. Entre esses pontos ocorreu uma diferenciação quanto às fitofisionomias. Os pontos localizados em área de cerrado campo sujo foram agrupados na parte superior esquerda, enquanto na parte inferior esquerda foram agrupados os pontos de cerrado sensu stricto (Fig 2).


A composição da assembléia de besouros rola-bostas foi influenciada pela heterogeneidade do habitat (regressão múltipla multivariada F2,27 = 12,71; r2 = 0,48; P < 0,0001). Porém, apenas o primeiro eixo da ACP teve efeito significativo no modelo (P < 0,0001). Ocorreram espécies especialistas, tanto para áreas com baixa, quanto para as áreas com alta heterogeneidade do habitat, assim como espécies que ocorrem ao longo de todo o eixo de heterogeneidade ambiental (Fig 3).


Em áreas mais heterogêneas, extremo esquerdo do primeiro eixo da ACP, apenas a espécie D. aff. Lucasi, com 178 indivíduos, pode ser considerada especialista para esse ambiente (Fig 3). Canthidium aff. gerstaeckeri Harold também ocorreu somente em áreas de mata, porém em baixa abundância. Apenas Coprophanaeus spitzi (Pessôa) pode ser considerada especialista para as áreas com baixa heterogeneidade, extremo direito do primeiro eixo da ACP (Fig 3). Foi constatada também a presença de espécies que ocorreram somente em áreas de cerrado sensu stricto, como Beusorenga sp. 2 e Leotrichillum louzadorum (Vaz-de- Mello & Canhedo), porém em baixa abundância para serem consideradas especialistas de habitat.

Discussão

A heterogeneidade do habitat em área de Cerrado afetou negativamente a riqueza e influenciou a estrutura e composição de espécies da assembléia de besouros rolabostas. Esses resultados contrariaram a hipótese de que o aumento da heterogeneidade de habitat promoveria aumento da riqueza de animais (revisão: Tews et al 2004). Porém, corroboram vários trabalhos que demonstraram o efeito de variáveis ambientais na composição e estrutura da assembléia de besouros rola-bostas (Nichols et al 2007, Davis et al 2008, Gardner et al 2008, Jay-Robert et al 2008, Almeida & Louzada 2009).

A relação de maior riqueza de espécies em locais com menor heterogeneidade de habitat também foi encontrada em estudos com o mesmo tipo de fitofisionomias em diferentes áreas do cerrado brasileiro (Milhomem et al 2003). De acordo com Milhomem et al (2003), a menor riqueza em área de mata de galeria se dá pelo fato de essas áreas serem de pequenas e isoladas. As matas de galerias estão restritas às bordas de rios, ocupando menos de 10% da área do bioma Cerrado, sendo o restante ocupado por áreas mais abertas, como cerrado sensu stricto e cerrado campo sujo (Eiten 1977). Provavelmente, muitas dessas espécies, por um processo histórico, adaptaram-se a esses habitats mais abertos e menos heterogêneos.

A área de cerrado estudada apresenta grande diversidade de mamíferos (Golin et al 2008). Estudos em áreas de cerrado brasileiro demonstraram maior riqueza e abundância de mamíferos de médio e grande porte em áreas de cerrado aberto quanto comparados com áreas mais fechadas, com maior heterogeneidade do habitat (Hülle 2006). O aumento na diversidade de mamíferos acarreta maior disponibilização de recursos alimentares para os besouros rola-bostas, que se alimentam de fezes e carcaças. Essa relação entre maior riqueza de besouros rola-bostas com a maior quantidade de grandes mamíferos também foi observada em savanas africanas (Cambefort 1991, Davis et al 1999).

Os resultados demonstraram que a composição de espécies da assembléia de besouros rola-bostas está associada com as variáveis ambientais analisadas. Entre as variáveis ambientais, a cobertura da vegetação, que estava relacionada diretamente com heterogeneidade do habitat é um fator de grande efeito na distribuição espacial desses besouros. A cobertura da vegetação representa um conjunto de fatores que afetam as oscilações microclimáticas, o que influencia na escolha e na preferência do habitat pelas espécies (Halffter 1991). Vários trabalhos constataram que ambientes com diferentes estruturas do habitat apresentam limites bem definidos entre as assembléias de besouros rola-bostas (Krell et al 2003, Milhomem et al 2003, Durães et al 2005, Almeida & Louzada 2009).

Embora sejam comuns registros de besouros rolabostas como especialistas de habitat, a maioria das espécies coletadas neste trabalho suportam grande variação ambiental e não ocorre uma alta substituição de espécies ao longo do gradiente de heterogeneidade do habitat. Apenas D. aff. lucasi pôde ser considerada exclusiva de áreas de mata, havendo vários registros de espécies aparentadas em ambientes fechados (Vaz-de-Mello 1999, Andresen 2002, Spector & Ayzama 2003, Scheffler 2005). Nas áreas menos heterogêneas, apenas C. spitzi pode ser considerada exclusiva para essa fitofisionomia, a especificidade de habitat para essa espécie é proposta por trabalhos de Milhomem et al (2003) e Almeida & Louzada (2009).

Apesar da presença de espécies especialistas tanto para áreas de cerrado sensu stricto, como para áreas de cerrado campo sujo, essas fitofisionomias compartilharam inúmeras espécies. Isto sugere que as variáveis ambientais analisadas neste trabalho, para as duas fitofisionomias, não foram fatores estruturantes da assembléia de besouros rola-bostas, que as consideraram uma única unidade vegetacional. A sobreposição de espécies entre as áreas de cerrado sensu stricto e cerrado campo sujo corroborou trabalhos sobre estrutura da assembléia de Scarabaeidae para áreas de cerrado brasileiro (Milhomem et al 2003, Almeida & Louzada 2009). As áreas de mata apresentaram a maior quantidade de espécies exclusivas, porém apresentaram também muitas espécies em comum com o cerrado sensu stricto, principalmente dos gêneros Canthidium e Uroxys Westwood.

Os resultados demonstraram que a heterogeneidade do habitat influencia na riqueza e na estrutura da assembléia de besouros rola-bostas. A relação negativa da riqueza desses besouros com o aumento da heterogeneidade de habitat ocorre possivelmente por não haver relação entre aumento da heterogeneidade do habitat e aumento da disponibilização de recursos alimentares. As áreas de mata de galeria claramente mantêm uma assembléia de rola-bostas com estrutura e composição próprias, diferindo das áreas abertas, tanto na riqueza e composição, como na estrutura. Provavelmente, isso se deve a fatores biogeográficos, já que as espécies dominantes nas matas de galeria da região estudada também são dominantes ou sub-dominantes em ambientes de floresta amazônica contínua relacionada às mesmas bacias hidrográficas (obs. pes. FZVM).

Agradecimentos

Agradecemos a Jerry Penha, Toby A Gardner e Thiago J Izzo pelos comentários e ajuda no manuscrito. À FAPEMAT pelo financiamento parcial, FZVM (447441/2009). À UNEMAT campus de Tangará da Serra, pelo apoio logístico, aos proprietários das fazendas, Clodoveu Franciosi, Leandro Sales, Senhor Ernesto e ao Cícero pelo apoio nos trabalhos de campo.

Received 10/VII/09.

Accepted 04/I/10.

Edited by Kleber Del Claro - UFU

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2009
  • Aceito
    04 Jan 2010
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