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OUTRO BAUDELAIRE: Sobre a forma livre de “O spleen de Paris” e das “Memórias póstumas de Brás Cubas”

Another Baudelaire: on the Free Form of “Paris Spleen” and “The Posthumous Memoirs of Brás Cubas”

RESUMO

A partir da análise minuciosa de um poema em prosa de O spleen de Paris e de um capítulo das Memórias póstumas de Brás Cubas, este artigo busca elucidar a proximidade formal entre as duas obras e mostrar como, ao mesmo tempo que se consolidava uma tradição de jovens baudelairianos leitores de As flores do mal, um pequeno grupo de escritores, dentre os quais Machado, exercitava-se na forma livre da prosa poética de Baudelaire.

PALAVRAS-CHAVE:
Machado de Assis; Charles Baudelaire; O spleen de Paris; poemas em prosa; Memorias postumas de Bras Cubas

ABSTRACT

Through minute analysis of a prose poem from Paris Spleen and a chapter from The Posthumous Memoirs of Brás Cubas, this paper seeks to elucidate the formal proximity between the two oeuvres and to show how, while a tradition of young baudelairians readers of The Flowers of evil was being consolidated, a small group of writers, among which Machado, was practicing the free form of Baudelaire’s poetical prose.

KEYWORDS:
Machado de Assis; Charles Baudelaire; Paris Spleen; Prose poems; The Posthumous Memoirs of Bras Cubas

Tire uma vértebra, e as duas partes desta tortuosa fantasia se reunirão sem esforço. Pique-as em numerosos fragmentos, e verá que cada qual pode existir à parte.

Charles Baudelaire, O spleen de Paris

1.

Ao sair de uma tabacaria, o narrador do vigésimo oitavo poema em prosa de O spleen de Paris fica intrigado com a “singular e minuciosa divisão” que seu amigo faz do troco: “no bolso esquerdo do colete, guardou as moedinhas de ouro; no direito, as moedinhas de prata; no bolso esquerdo das calças, uma massa de soldos graúdos; e, por fim, à direita, uma moeda de prata de dois francos, que tinha examinado com atenção”. Em seguida, caminhando pelas ruas de Paris, os dois transeuntes encontram um homem pedindo esmolas. O narrador nota que a oferenda do amigo é muito mais considerável que a sua: “você tem razão; depois do prazer de ser surpreendido, não há prazer maior que o de causar uma surpresa” (Baudelaire, 2020Baudelaire, Charles. O spleen de Paris. Trad. de Samuel de Vasconcelos Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2020., p. 65). O outro, no entanto, revela ter oferecido a moeda falsa.

O narrador segue conjecturando sobre os efeitos daquela conduta, certo de que ela só poderia ser perdoável pelo desejo de produzir um acontecimento que fosse na vida do pauvre diable, ou então pela curiosidade em conhecer as múltiplas consequências da “moeda falsa nas mãos de um mendigo”, funestas ou não. Mas o amigo põe abaixo tais hipóteses e retoma cada palavra sua - com exceção do qualificativo “maior”, que com ares de tartufice ele substitui por “doce” -, com o que o narrador constata que ele “quisera fazer, ao mesmo tempo, uma caridade e um bom negócio, ganhar quarenta soldos e o coração de Deus; conquistar a preço módico o paraíso; enfim, levar grátis um brevê de homem caridoso” (Baudelaire, 2020Baudelaire, Charles. O spleen de Paris. Trad. de Samuel de Vasconcelos Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2020., p. 66).

Dali a pouco mais de uma década, Machado de Assis escrevia uma cena de motivo muito semelhante. Viajando de Coimbra a Lisboa, Brás Cubas por pouco não sofre um acidente grave: o jumento em que ia montado empaca e, fustigado, quase dispara com o cavaleiro preso ao estribo - não fosse a ajuda de um almocreve. De início, Brás reconhece o mérito do homem - “se o jumento corre por ali fora, contundia-me deveras, e não sei se a morte não estaria no fim do desastre” (Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., p. 617) - e resolve dar três das cinco moedas que trazia consigo como recompensa. No curto diálogo que se segue entre os dois, entretanto, o almocreve dá despreocupadamente os créditos do feito à Providência (“com a ajuda do Senhor, viu vosmecê que não aconteceu nada”). Enquanto isso, Brás vai até os alforjes, de onde tira um colete velho em cujo bolso carregava as moedas de ouro: cogita se “não era excessiva a gratificação”, se não bastavam duas moedas ou mesmo uma “para lhe dar estremeções de alegria” (Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., p. 617). Da roupa, supõe que o pobre-diabo nunca vira moeda de ouro, e do monólogo paternal dirigido ao bicho, que merecia antes “um cruzado de prata”. Negócio feito, sai cavalgando a trote largo, envergonhado, “um pouco incerto do efeito da pratinha”. Contudo, ao olhar para trás, Brás nota as claras mostras de cortesia do outro. O dizer descompromissado do almocreve vem então a calhar (ele fora um “simples instrumento da Providência” e, portanto, “o mérito do ato era positivamente nenhum”), mas tarde demais: “Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre; eram os vinténs que eu devera ter dado ao almocreve, em lugar do cruzado em prata” (Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., p. 617).

Entre o episódio das moedas de cobre e o da moeda falsa vai alguma diferença, mas a curiosa semelhança de um e outro passo não deixa de sugerir uma provável leitura por parte de Machado dos petits poèmes e, mais importante ainda, uma íntima afinidade entre as duas prosas, como se verá adiante.

Na cena parisiense, quem recebe a moeda falsa é um pedinte; ele não prestou serviço algum aos dois passantes, e estes são chamados a exercer publicamente um ato de caridade. Já no caso de Brás, o almocreve lhe salvou a vida “não sem esforço nem perigo”, o que envolveria algum tipo de remuneração. No poema, a oferenda do amigo bota suposições fantasiosas no cérebro do narrador a respeito dos efeitos da moeda falsa na vida do miserável, da riqueza de alguns dias à prisão por acusação de falsário; no capítulo das Memórias, a gratificação provoca uma daquelas reflexões autocomplacentes e caprichosas típicas de Brás, estratégia com a qual ele fica uma vez mais “desobrigado diante da pobreza” (Schwarz, 2008Schwarz, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2008., p. 67): de recompensa pela boa ação, o cruzado passa a desperdício, uma vez que o almocreve não fizera nada além de ceder “a um impulso natural, ao temperamento, aos hábitos do ofício” (Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., p. 617). Sumariamente, fica tudo explicado pela convicção arrogante de que o feliz destinatário do cruzado de prata não fizera mais do que a obrigação.

Postas de lado as diferenças de meio e desenlace, tanto num episódio como no outro há um esboço da charlatanice do filantropo moderno. Nas cenas, ambos estão curiosamente equipados de vários bolsos para dispor o dinheiro miúdo, o que dá uma nota cômica e ridícula aos retratos: pelo traço caricato da triagem do troco no poema, pela gradação decrescente do valor das moedas no capítulo do almocreve. Naquele, a hipocrisia da filantropia burguesa é contrastada por um “deleite criminoso” em “comprometer os pobres” - violência que é explorada em outros poemas do livro, como “O mau vidraceiro” e o muito comentado “Pau nos pobres!”.1 1 “Quando os personagens de Baudelaire fazem o mal, isso não se dá, como em Bataille, pelo simples prazer da transgressão e do misticismo erótico, mas como protesto objetivo contra o mal banalizado do cotidiano burguês e como sua rememoração” (Oehler, 1999, p. 293). O procedimento segue a mesma lógica dos contos machadianos da virada dos anos 1870 para os anos 1880, como “A causa secreta”, em que a crítica da naturalização de práticas cruéis (muitas para o bem da ciência) não se faz pela denúncia explícita, mas sim pela incorporação daquela mesma frieza descritiva dos relatos científicos a que o leitor dos jornais da época estava habituado. Ver: Granja (2018), pp. 50-1. Nas Memórias, uma agressividade semelhante surge da naturalidade com a qual o mesmo gênero de hipocrisia, senão em maior grau, é tratado. Assim, não há constrangimento algum em unir o lucro à filantropia, o par de benefícios da invenção do emplasto usado como desculpa para encobrir o desejo verdadeiro, “a paixão do arruído”, tampouco em ter Cotrim como modelo de um caráter “ferozmente honrado”: “seco de maneiras” quando manda “com frequência escravos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue”, mas dotado de “sentimentos pios” quando pratica benefícios filantrópicos em nome de várias irmandades, apesar do “sestro de mandar para os jornais a notícia” (Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., p. 728).

Visto desse ângulo, o sangue-frio adotado na descrição de disparates, ou mesmo a conhecida crueldade de Brás com a pobre Eugênia e companhia, tem muito a ver com a voluntária moral desagradável com que Baudelaire pretendia encerrar seus poemas em prosa.2 2 Como se lê em carta a Saint-Beuve de 15 de janeiro de 1866 (Baudelaire, 1973, p. 583, apudCompagnon, 2014, p. 37). Confluentes também são os maus-tratos com o leitor, que é alternada e repetidamente imbecilizado (“leitor obtuso”), vilipendiado (“o maior defeito do livro és tu” [Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., pp. 649; 675]) ou comparado a um cão miserável “a quem se devem oferecer não perfumes delicados, que o exasperam, mas imundícies cuidadosamente selecionadas” (Baudelaire, 2020Baudelaire, Charles. O spleen de Paris. Trad. de Samuel de Vasconcelos Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2020., p. 18) -, além de ter constantemente frustrada sua expectativa narrativa. O procedimento, afim com o objetivismo flaubertiano nos princípios que o ditam, seria um “exercício de traição de classe”, como sugeriu Roberto Schwarz retomando a estética antiburguesa estudada por Dolf Oehler a propósito de Baudelaire (Oehler, 1997Oehler, Dolf. Quadros parisienses: estética antiburguesa em Baudelaire, Daumier e Heine (1830-1848). São Paulo: Companhia das Letras , 1997.). A cumplicidade traiçoeira dos narradores é ainda uma maneira de pôr as cartas na mesa, de expor num movimento autorreflexivo a relação contraditória com os leitores-consumidores3 3 Sobre as implicações formais da relação narrador-leitor e as questões relativas à incorporação do texto-mercadoria nas Memórias, ver: Guimarães (2004). e o estatuto ambíguo do escritor-jornalista (Granja, 2018Granja, Lúcia. Machado de Assis. Antes do livro, o jornal: suporte, mídia e ficção. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2018.). Tal movimento é manifesto também no jogo irônico com as convenções impostas pelo jornal, como a serialização e a convivência promíscua com seus conteúdos, do fait divers ao anúncio da venda de escravos.

2.

Os pequenos poemas em prosa de Baudelaire foram reunidos e publicados em livro pelo editor Michel Levy em 1869, dois anos após a morte do poeta. Dez anos depois, na revista em que sairiam pela primeira vez as Memórias póstumas (1880), Machado publicava o famoso artigo sobre a nova geração de poetas, marcada justamente pela influência de Baudelaire e Victor Hugo, ou pelo encontro do Romantismo e do Realismo, segundo um dos poetas comentados pelo autor. A escola hugoísta, escreve Machado, parece ter acabado com Castro Alves. Quanto à influência do primeiro, diz que “a imitação é mais intencional do que feliz. O tom dos imitadores é demasiado cru; e aliás não é outra a tradição de Baudelaire entre nós. Tradição errônea. Satânico, vá; mas realista o autor de D. Juan aux Enfers e da ‘Tristesse de la Lune!’” (Assis, 1959______. “A nova geração”. In: Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959, pp. 823-49., p. 827). Para o gosto de Machado, a nova geração carregava nas tintas ao traduzir o satanismo baudelairiano no amor às carnes. Dessa leitura enviesada viria a “nota violenta, excessivamente carnal” criticada nos versos de Carvalho Júnior (1859-1929) a que ele e seus companheiros “por inadvertência” (Assis, 1959______. “A nova geração”. In: Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959, pp. 823-49., p. 829) chamavam Realismo.

Comentando o mesmo grupo de poetas em ensaio, Antonio Candido sustenta que a “deformação” da obra de Baudelaire teria fundamento histórico, pois corresponderia “às necessidades expressivas” da juventude de um país provinciano e atrasado, que via no sexo “uma plataforma de libertação e combate” (Candido, 1989Candido, Antonio. “Os primeiros baudelairianos”. In: A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989, pp. 23-39., p. 25), além de meio para se atualizar com o que de mais avançado se produzia nas artes e ciências na Europa.

Seja como for, a “tradição errônea” comentada por Machado em 1879 era uma tradição que, ao longo daquele decênio, vinha se nutrindo sobretudo de As flores do mal. Provêm desse livro os temas que os jovens transformam em “fomes bestiais”, em “vermes sensuais”, nas “carnes febris” (Assis, 1959______. “A nova geração”. In: Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959, pp. 823-49., p. 829) - como as páginas que Machado cita no ensaio servindo de termo de comparação. É a partir desse livro também que primeiro se tem notícia de Baudelaire no Brasil, seguindo as datas das primeiras traduções do poeta repertoriadas pela crítica. Uma tradução de “Le poison” em 1871, uma paráfrase de “Le balcon” em 1872, uma estrofe de “L’irréparable” servindo de epígrafe a um dos poemas na mesma obra, outra tradução de “Le jet d’eau” em 1874, e ainda aquela de “L’albatroz”, em 1878, que Teófilo Dias incluiu nos seus Cantos tropicais, também comentados por Machado na “Nova geração”.4 4 A primeira tradução é de Luís Delfino (1834-1910); a paráfrase, intitulada “Modulações”, é assinada por Carlos Ferreira (1844-1913) e publicada em seu livro Alcíones (1872). A estrofe de “L’irréparable” serve de epígrafe ao poema “O insone”, do mesmo livro. Por último, a tradução de “Le jet d’eau” é de Regueira Costa (1845-1915) e foi publicada no volume Flores transplantadas (1874). Ver: Amaral (1996; 2017).

Nem é preciso especular muito sobre o contato precoce que poetas viajados como Sousândrade (1833-1902) ou Arthur de Oliveira (1851-1882) teriam estabelecido com a obra baudelairiana no ultramar. A leitura do poeta francês no país é anterior ao decênio de 1870. Já em 1856, é noticiada no Courrier du Brésil a publicação de Histoires extraordinaires, contos de Poe traduzidos por Baudelaire. Seria, aliás, a partir da sua versão do poema The Raven (1845) que alguns anos mais tarde Machado traduziria O corvo (Massa, 2008Massa, Jean-Michel. Machado de Assis tradutor. Trad. de Oséias Silas Ferraz; Guilherme Gontijo Flores. Belo Horizonte: Crisálida, 2008., p. 56). Em 1862 o mesmo jornal publica “La lune offensée” (Courrier du Brésil, 20 abr. 1862Courrier du Brésil. Rio de Janeiro, 1856, 1862.), e em 1867, ano da morte do poeta, nas páginas do Correio Mercantil e nas do Diário de Notícias, lê-se “A espingarda de Baudelaire”, uma singular anedota sobre o autor de O spleen de sentinela numa noite de fevereiro de 1848 (Correio Mercantil, 22 out. 1867Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 1867., p. 2; Diário de Notícias, 22 out. 1867, p. 2).

Afora as menções nos jornais da época, cabe lembrar que Baudelaire publicara os primeiros poemas das Flores do mal na Revue des Deux Mondes, revista que Machado lia e apreciava, e cuja assinatura era oferecida nas principais livrarias cariocas da época, como a B. -L. Garnier, além de ser vendida em seus estabelecimentos. Essas mesmas livrarias vendiam também livros recém-editados na França, de modo que uma busca nos catálogos poderia auxiliar nesse inventário. Contudo, uma pesquisa por palavras-chave nos jornais da época já rende bons achados. Descobrimos assim que, ao mesmo tempo que As flores do mal eram lidas e treslidas, outras peças de Baudelaire eram traduzidas no início daquela década de 1870, e cultuadas por um pequeno círculo de escritores que começavam a se exercitar no novo gênero - o que faz supor que, ao falar em “tradição errônea” em seu artigo sobre os jovens compositores de versos, Machado tivesse em mente outra tradição, talvez mais acertada, do poeta francês no país.

Figura 1
Diário de Notícias, 13 de março de 1872.

Assim, lá nas páginas do Correio Paulistano do dia 10 de setembro de 1871 estão publicados sete poemas em prosa de Baudelaire, traduzidos pelo poeta Campos Carvalho (1848-1876). São eles: “O estrangeiro”, “Embriagai-vos”, “Um hemisfério nos cabelos”, “Fora do mundo”, “Vênus e o louco”, “Desejo de pintar” e “Epílogo” (Correio Paulistano, 10 set. 1871Correio Paulistano. São Paulo, 1871., p. 2). No ano seguinte, o Diário de Notícias do Rio de Janeiro, cotidiano que teve vida breve (1870-1872), republica seis dos poemas do Correio Paulistano, acrescidos de “O relógio” (Diário de Notícias do Rio de Janeiro, 13 mar. 1872Diário de Notícias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1870-1872., pp. 2-3), do mesmo tradutor. Em novembro de 1873, O Domingo publica mais um, “O ideal e o real”, dessa vez sem mencionar o tradutor (O Domingo, Jornal Literário e Recreativo, 30 nov. 1873O Domingo, Jornal Literário e Recreativo. Rio de Janeiro, 1873., p. 3), e em 1879, O Repórter publica na seção de variedades outro poema inédito, “As quimeras”, seguido dos já conhecidos “O bobo e a Vênus” e “Um hemisfério nos teus cabelos”, todos traduzidos por um certo G. R. (O Repórter, 12 fev. 1879O Repórter. Rio de Janeiro, 1879., p. 4).

A aparição desses apanhados de poemas em prosa na imprensa do país dá ideia do crescente interesse pelo Baudelaire dos Pequenos poemas, tanto assim que em 1871 João Ribeiro de Campos Carvalho, ao que tudo indica o primeiro tradutor de alguns poemas de O spleen no Brasil, publica Arabescos. Fantasias, definidos por Luís Guimarães Júnior - que assinou a introdução do volume - como “caprichos do pensamento”, “folhas soltas”, livro “rápido”, “veloz”, “fugitivo” e “revolucionário” (Guimarães Jr., 1872Guimarães Júnior, Luís. Noturnos. Rio de Janeiro: Lemos, 1872., pp. VIII, IX). Todavia, o livro tem seus senões: um estilo meio empolado, sem “cunho próprio”, como comenta Guimarães; além do fato de cada peça ocupar longas páginas que as distanciam da concisão do modelo. Apesar disso, a obra deve ter sido um acontecimento no “turbilhão vertiginoso das letras fluminenses” (Guimarães Jr., 1872Guimarães Júnior, Luís. Noturnos. Rio de Janeiro: Lemos, 1872., p. VII), pois Luís Guimarães ainda deu notícia do livro em resenha para o Diário do Rio de Janeiro:

O livro do Sr. J. R. de Campos Carvalho, de que já tivemos ensejo de falar em umas páginas que abrem o volume, é propriamente um livro de ocasião, uma coleção fugitiva de folhetins, escritos ligeiros onde se encontram os defeitos próprios de escritor novel, com os ímpetos entusiásticos da mocidade, que lança ao papel todas as impressões e imagens, que, em variadas circunstâncias e peripécias, espelham-se-lhe na alma independente.

O gênero a que se filiam os Arabescos é dos mais elegantes e apaixonados da literatura moderna. Em França Mme Gasparin, Latouche e a própria George Sand, o mais perfeito estilista das letras francesas contemporâneas, têm feito correr em inúmeras edições desses devaneios, desses contos, desses poemetos em prosa, que Baudelaire denomina “o dolce far niente da poesia”, e que rivalizam com o verso em doçura, sobrepujando-o quase em pensamento. (Diário do Rio de Janeiro, 2 fev. 1872, p. 2, grifos meus)

Um ano depois, quem se aventura no “dolce far niente da poesia” é o próprio Luís Guimarães Júnior com a obra Noturno5 5 Poèmes nocturnes: essais de poésie lyrique en prose, dans le genre de Gaspard de la Nuit é o título que Baudelaire atribui ao primeiro apanhado de poemas publicados em 1857 na revista hebdomadária Le Présent. O poeta presta homenagem aos Contos noturnos de Hoffmann e, naturalmente, a Bertrand de Gaspard de la Nuit, de 1842. É desse autor que Baudelaire toma emprestada a ideia “de tentar alguma coisa de análogo e de aplicar à descrição da vida moderna, ou antes, de certa vida moderna, mais destilada, o mesmo procedimento que ele aplicara à descrição da vida antiga, tão estranhamente pitoresca” (Baudelaire, 2020, p. 7). (1872Guimarães Júnior, Luís. Noturnos. Rio de Janeiro: Lemos, 1872.), que logo em seguida o amigo Machado iria resenhar na Semana Ilustrada.6 6 Lírio branco (1862), obra de estreia de Guimarães Júnior, já havia sido elogiada por Machado n’O Futuro, assim como seu primeiro volume de poemas, Corimbos (1866). O volume vinha precedido por um “noturno” (isto é, um poema em prosa) em guisa de introdução de ninguém menos que José de Alencar, que assim emprestava seu prestígio ao novo gênero. Nas peças que compunham o volume, em geral muito mais bem-acabadas que as de Campos Carvalho,7 7 A sinuosidade da sintaxe, marcada menos pelo ritmo do pensamento do que pela introdução arbitrária de um vocábulo, dá claras mostras da vontade do autor de filiar sua composição ao universo lexical de O spleen de Paris: “O meu humor vagabundo fez-me correr como um cometa sem órbita pela desvairada fantasia de um spleen sem ideal”. O mesmo gesto estilístico produz uma exposição canhestra da forma no nível do assunto: “O cinismo fez-me pensar a trancos e barrancos, a nicotina escrever à toa e eu obriguei-me a mim mesmo sujeitar a imaginação ao devaneio desigual, imperfeito, sem nexo, sem arte e de um sonambulismo boêmio” (Carvalho, 1871, p. 49). fica clara a filiação aos petits poèmes baudelairianos. Por exemplo, em “Esmola” - quadro em que a pobreza de duas crianças ladeia a fortuna de famílias abastadas desperdiçada no jogo -, o autor parece explorar à sua maneira os contrastes de “Os olhos do pobre” e “O brinquedo do pobre”. A história de horror de “O lobisomem” remete por sua vez aos Poemas licantrópicos, título com que foram publicados, possivelmente em homenagem ao poeta romântico Pétrus Borel (Cervoni, 2017Cervoni, Aurélia. “Baudelaire lycanthrope”. Cahiers de Littérature Française: Adjectif Baudelaire, 2017, n. 16, pp. 25-37.), dois poemas em prosa de Baudelaire na Revue du Dix-Neuvième Siècle, em 1866: “A moeda falsa” e “O jogador generoso”. E como não pensar em “Um hemisfério numa cabeleira” ao ler passagens como estas: “Teus cabelos negros e cheios de perfume abrem-se como um manto maternal, onde se vai aquecer minha fronte sombria, e conduzem-me à semelhança das capas encantadas das mil e uma noites, a países longínquos” (Guimarães Jr., 1872Guimarães Júnior, Luís. Noturnos. Rio de Janeiro: Lemos, 1872., p. 127)?

Figura 2
Frontispício de Arabescos (1871Carvalho, João Ribeiro de Campos. Arabescos. Fantasias. Rio de Janeiro: Perseverança, 1871.), de Campos Carvalho.

Figura 3
Frontispício de Noturnos (1872Guimarães Júnior, Luís. Noturnos. Rio de Janeiro: Lemos, 1872.), de Luís Guimarães Jr.

As dedicatórias e epígrafes do livro também são boas pistas sobre a circulação do gênero no país. “Alcova”, por exemplo, é destinada ao autor de As noites da Virgem (1868), um dos precursores do poema em prosa no Brasil.8 8 O autor é o pernambucano Vitoriano Palhares (1840-1890), poeta esquecido e comumente associado à escola condoreira. “Os olhos de Mariana” são dedicados ao já mencionado Carlos Ferreira, autor das Modulações; e, entre uns versos de Heine e trovinhas populares, um poema tem por epígrafe uma passagem de Eurico, o presbítero, de Alexandre Herculano, romance histórico que era divulgado naqueles anos justamente como “poemas em prosa”; e, outro ainda, dois versos de Falenas do poeta Machado de Assis. Por fim, para que não houvesse dúvidas quanto à filiação dos Noturnos, “As nuvens” cita um trechinho de “O estrangeiro” (“les nuages, les merveilleux nuages!”).

À medida que Teófilo Dias, Afonso Celso Jr., Fontoura Xavier e Carvalho Jr. compunham seus versos ao sabor das “flores doentias”, um pequeno grupo de escritores lia, traduzia e se exercitava no gênero de O spleen de Paris, antes mesmo que Cruz e Souza e Raul Pompeia se lançassem na empresa. Prova disso é também o juízo fino de Machado quanto à complexidade daquele tipo de composição cuja “feição rara e especial” ele mais tarde demonstraria dominar, como se lê na sua resenha de Noturnos:

Com brevíssimo intervalo publicou o Sr. Dr. Luís Guimarães Júnior dois livros. Noturnos é o título do primeiro em data e valor. Chama-se o segundo Curvas e Zigue-zagues, e compõe-se de pequenos artigos publicados em jornais, contos e fantasias humorísticas, que se leem entre dois charutos, depois do café, ou à noite à hora do chá. Tem seu merecimento esse livro, se o tomarmos como o autor no-lo dá, e também se atendermos ao gênero [a crônica], que não é vulgar entre nós, e que o autor domina com muita habilidade e aticismo. Não é vulgar igualmente o gênero dos Noturnos, e com razão disse a imprensa que é esse o primeiro livro do Sr. Guimarães Júnior. Creio até que não temos obra perfeitamente semelhante a ela, e se alguma existe não terá o mesmo mérito. Na literatura estrangeira sabemos que muitos escritores têm tratado com grande mérito esse gênero literário. O Sr. Guimarães estudou-os com afinco e desvelo; determinou-se a fazer alguma coisa em português, e saiu-se com uma composição que o honra. Tudo nessa casta de obras é difícil. De longe nada mais fácil que escrever páginas soltas, e coligi-las num volume. Quem folheia porém os Noturnos, e lê esses pequenos poemas em prosa, cada um deles tão completo em si mesmo, reconhece logo que a empresa não é tão fácil como lhe parece. Além disso, não é bastante exigir arte do escritor; é necessário também que ele tenha a feição rara e especial desta ordem de composições. Não conheço entre nós quem a possua como o Sr. Guimarães Júnior, cujas poesias em geral são noturnos metrificados. (Assis, 2013______. “Dois livros”. In: Azevedo, Sílvia Maria; Dusilek, Adriana; Callipo, Daniela Mantarro (orgs.). Machado de Assis: crítica literária e textos diversos. São Paulo: Unesp, 2013, pp. 405-6., pp. 405-6, grifos meus)

3.

Como se sabe, Machado iniciou-se cedo na crônica, ainda no final da década de 1850, e já com o tino para o jogo rendoso entre o “útil e o fútil”, o sério e o frívolo, e também para a particularidade das “saliências fisionômicas” inerentes ao seu berço, o jornal (Assis, 1959______. “O folhetinista”. In: Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959, pp. 968-70., p. 968). Começa a carreira de cronista colaborando com revistas efêmeras, até que em 1860 entra para a equipe do Diário do Rio de Janeiro, primeiro jornal diário do país. Dali em diante escreve crônicas de forma ininterrupta até 1878, ano em que publica, no rodapé d’O Cruzeiro, Iaiá Garcia, as crônicas Notas Semanais e, antes destas, uma série de narrativas breves tão difíceis de classificar como os Poemas em prosa de Baudelaire.

E onde apareceriam aquelas composições de gênero quase inclassificável? Na recém-criada seção de “Fantasias” do rodapé d’O Cruzeiro, naturalmente. Peça literária ou musical afim do capriccio na pintura (como as gravuras de Callot, de Giambattista Tiepolo e Goya), fantasia designava, na segunda metade do século XIX, justamente aquele gênero sem regra definida que é o poema em prosa, inaugurado pelo autor de Gaspard de la Nuit, e que vinte anos mais tarde levaria Baudelaire a compor suas “tortuosas fantasias” - dessa vez aplicadas à descrição da vida moderna, ou antes, de certa vida moderna.

De fato, as fantasias de Baudelaire nasceriam do tortuoso caminho entre o recorte forçado dos materiais imposto pela imprensa e o projeto de livro, numa “extraordinária mistura”, como disse um crítico, entre os estilos raciniano e o do jornal (Rivière, 1948Rivière, Jacques. Études. Paris: Gallimard , [1912] 1948., p. 15, apudBenjamin, 1979Benjamin, Walter. Charles Baudelaire: un poète lyrique à l’apogée du capitalisme. Trad. J. Lacoste. Paris: Payot, 1979., p. 143). Excetuados “O crepúsculo da tarde” e “Solidão”, que são publicados num livro em homenagem a Denecourt, os petits poèmes aparecem em periódicos distintos. Em 1857, seis despontam na revista literária Le Présent (incluindo dois já publicados em 1855); em 1861, mesmo ano em que sai a segunda edição d’As flores do mal acrescida dos Tableaux - para compensar os poemas condenados em 1857 -, nove poemas são publicados no décimo nono número da Revue Fantasiste com a menção “continua”, mas anunciados desde o sexto número. Naquele ano, Baudelaire promete a Arsène Houssaye cerca de quarenta poemas que deveriam aparecer alternadamente no folhetim da Presse e na revista L’Artiste, ideia que lhe agrada, como mencionado em carta.9 9 Carta a Arsène Houssaye, 20 de dezembro de 1861. Ver: Baudelaire (1973), p. 196, apudCompagnon (2014), p. 33. O projeto, no entanto, toma outro rumo. Vinte poemas são publicados na Presse de agosto a setembro de 1862 e apenas três na revista, em 1866: “A moeda falsa”, “Uma morte heroica” e “A corda”. Nos últimos anos de vida, Baudelaire ainda publica esses e outros poemas em prosa em diversas revistas e jornais, enquanto anuncia nas cartas para um editor, mãe ou amigo O spleen de Paris, que ele não viverá para ver publicado em livro.

Pois bem, como os Petits poèmes de Baudelaire, as fantasias que Machado escreve para o rodapé d’O Cruzeiro nascem de uma profunda experimentação estética, guiada menos pela exigência de se compor uma prosa poética - e de fato Machado ensaia todos os gêneros - do que pelo desejo de dar forma às coisas fugidias da cidade e do próprio jornal.

Assim, nas nove peças publicadas no primeiro semestre de 1879, Machado diverte-se com o próprio suporte do texto como em “O bote de rapé: Comédia em sete colunas” e “A sonâmbula: Ópera cômica em sete colunas”; satiriza o charlatanismo de terapias com bases científicas duvidosas que dão no jornal; cria uma alegoria política das relações diplomáticas conflituosas entre platinos e brasileiros; compõe um elogio prosopopeico da vaidade; escreve um diálogo de mexerico e trivialidades em verso, e dá um show de virtuosismo estilístico (Crestani, 2015Crestani, Jaison Luís. O Cruzeiro e a reinvenção de Machado de Assis. Relatório (pós-doutorado em jornalismo e editoração). São Paulo, Escola de Comunicação e Artes/Universidade de São Paulo, 2015.) que faria o autor de Noturnos lhe escrever com entusiasmo, diretamente de Roma.10 10 “Com esta quero dizer-te que li três folhetins teus no Cruzeiro, remetidos pelo Serra. O humour do que se intitula ‘Um cão de lata ao rabo’ era digno de ser vazado em molde francês e lido em Paris, pátria adotiva de Heine” (Carta de 24 de junho de 1878). Ver: Guimarães Jr. (2009), p. 140. No meio-tempo ainda reflete sobre o Realismo na famosa crítica ao romance de Eça de Queiroz, seguida quinze dias depois de uma tréplica às objeções da primeira - ambas curiosamente publicadas naquela mesma seção.

Com admirável desembaraço, Machado transita de um gênero para o outro, parodia toda sorte de discurso, além de aproveitar da experiên­cia de cronista para tomar por diferentes ângulos os mais variados assuntos, do consumismo da rua do Ouvidor a um mero par de botas, fazendo pouco caso das coisas graves e alarido para as coisas miú­das. Não é esta “metafísica de quinquilharias”, para usar a expressão feliz de Davi Arrigucci (1987Arrigucci Jr., Davi. “Fragmentos sobre a crônica” [1986]. In: Enigma e comentário. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp. 51-66., p. 58), que dá o tom nas Memórias? Para se ter uma ideia do aproveitamento dessa experimentação estética no romance da reviravolta machadiana, vale a pena ler de mais perto uma das narrativas breves da série no jornal.

No dia 23 de abril de 1878, o leitor podia encontrar lá no pé da primeira página d’O Cruzeiro uma divertida fantasia em que um flâneur carioca descobre um par de botas cambaias e falantes na praia de Santa Luzia. Mas ao passar os olhos para a seção de notícias “do sul do império”, na mesma página, o leitor talvez pudesse confundir as botas e botinas da fantasia com aquelas do caso do surripiador italiano e suposto sapateiro, um tal de Pedro Possi, que fundeara no porto de Pelotas com diversos trastes, dentre os quais “um par de botas de couro da Rússia e dous pares de botinas” (O Cruzeiro, 23 abr. 1878O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1878.. p. 1). As matérias da notícia e da peça provocam uma espécie de trompe-l’oeil, talvez involuntário, pouco importa. O que conta notar é como essa miragem típica da escrita fugidia, experimental e fragmentária - essa sem dúvida intencional - iria entrar na composição das Memórias.

Tomemos a moral dessa fantasia: “Não há bota velha que não encontre um pé cambaio”. Sem muito esforço, o leitor afeito às Memórias pode lembrar do capítulo XXVI - “A propósito de botas”. Na ficção do folhetim, as botas tinham “rolado todos os degraus da escala social”, das vidraças da rua do Ouvidor até o pé de um “preto padeiro” que as abandona rotas na praia. A direita era vaidosa, queria ainda ser calçada; a esquerda estava contente com a “aposentadoria”. Finalmente um mendigo que passava por ali resolve calçá-las, e a vaidosa chega então à moral da história.

Na versão de Brás, a filosofia das botas torna-se um epicurismo de sapateiro em defesa da felicidade barata de descalçar botas apertadas, e equiparado ao prazer de se desembaraçar de um amor que compromete os brios do moço rico. Isto é, ele é comparado ao alívio de dispensar Eugênia, “a aleijadinha”, a quem é renegado tal privilégio e, como se vê depois, só devem sobrar botas velhas e cambaias - “Tu, minha Eugênia, é que não a descalçaste nunca; foste aí pela estrada da vida, manquejando da perna e do amor” (Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., p. 636). Seguindo o paralelo sugerido pelo narrador da “Filosofia de um par de botas”, em que os calçados servem para “considerar as vicissitudes humanas”, é plausível supor que Machado tenha pensado nas botas acalcanhadas, sem serventia e ainda por cima vaidosas, que compusera anos antes, para criar a menina coxa da perspectiva de Brás.11 11 Nesse sentido, “as botas acalcanhadas” de “Filosofia de um par de botas” poderiam entrar para o “festival de maldades” no plano da linguagem inventariado por Roberto Schwarz (2008), p. 62. São meras suposições, mas o exercício talvez tenha o mérito de mostrar o jogo de espelhos entre as fantasias e as Memórias e o quanto da forma concisa, caleidoscópica e fragmentada daquela “ordem de composições” que Machado ensaiava no rodapé d’O Cruzeiro concorreria para a “forma livre” das Memórias.

4.

Voltemos ao capítulo XXI das Memórias: como “A moeda falsa”, “O almocreve” poderia perfeitamente ser lido à parte, assim como tantos outros do romance. E, inversamente, a leitura do romance poderia muito bem prosseguir sem este ou outros episódios do mesmo gênero. Na dedicatória “A Arsène Houssaye”, Baudelaire escrevia que em sua “pequena obra” tudo era “ao mesmo tempo pé e cabeça”, combinação que teria a vantagem de permitir ao autor e ao leitor interromper um o devaneio, o outro a leitura. Não é este também o princípio que rege as Memórias póstumas?

Por esse ângulo, a autonomia e concisão da forma “flexível e compósita”, afeita “às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da consciência” (Baudelaire, 2020Baudelaire, Charles. O spleen de Paris. Trad. de Samuel de Vasconcelos Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2020., p. 7) e experimentada alguns anos antes no rodapé d’O Cruzeiro, vem se somar à longa lista de motivos não menos pertinentes da viravolta machadiana. E estendendo o paralelo para o outro lado, a prosa poética praticada por Baudelaire n'O Spleen não parece tão distante assim da romanesca.12 12 Agradeço a Samuel Titan Jr. pela sugestão perspicaz. Com efeito, o livro poderia ser lido como um romance, segundo as próprias indicações do autor: “não suspendo a vontade renitente” do leitor “pelo fio interminável de uma intriga supérflua”. De outra parte, não é à toa que o próprio gênero das Memórias pareceu incerto para seus contemporâneos,13 13 A respeito das Memórias, Urbano Duarte escreve que “para um romance, falta-lhe uma intriga”. (Duarte, 1881, apudGuimarães, 2008, p. 201); e Capistrano de Abreu pergunta: “As Memórias póstumas de Brás Cubas serão um romance? Em todo caso são mais alguma coisa. O romance aqui é simples acidente” (Abreu, 1881, apudRego, 1989, p. 9). tanto assim que Machado tratou de incorporar a perplexidade dos leitores ao prólogo da terceira edição das Memórias, reiterando que o livro “era romance para uns e não o era para outros” (Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., p. 573).

Pensando bem, o empréstimo da técnica setecentista proclamado por Brás, e do qual as Memórias dão inegáveis provas discutidas pela crítica a partir de diferentes pontos de vista - filiando a obra à tradição luciânica (Rego, 1989Rego, Enylton José de Sá. O calundu e a panaceia: Machado de Assis , a sátira menipeia e a tradição luciânica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.) ou ainda à narrativa shandiana (Rouanet, 2005Rouanet, Sérgio Paulo. “A forma shandiana: Laurence Sterne e Machado de Assis ”. Trad. de Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. Teresa: Revista de Literatura Brasileira, n. 6-7, 2005.), para citar apenas dois exemplos -, poderia ser mais um dentre outros. O que não é nada improvável, dada a famosa e voluntária falta de credibilidade do narrador. Machado mesmo sublinhou a diferença entre a obra “de um Sterne ou de um Xavier de Maistre” e a sua, cuja particularidade seria aquilo que o defunto autor chamou de “rabugens de pessimismo” (Assis, 2014Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Os romances de Machado de Assis. Lisboa/Rio de Janeiro: Glaciar/ABL, 2014, pp. 569-755., p. 573). Como nas fantasias d’O Cruzeiro, as liberdades narrativas das Memórias, facilmente reconhecíveis em um de seus efeitos imediatos - o famoso bazar estilístico -, não provêm tanto da transposição de um modelo literário, mas do propósito de formalizar, inclusive a partir de uma prosa de feição arcaizante, a aleatoriedade da experiência contemporânea. A “forma livre” das Memórias figura assim num único gesto mimético o feitio esplenético do indivíduo avesso à intriga usual do romance e, como assinalou Roberto Schwarz, a postura arbitrária da elite escravista do país (Schwarz, 2008Schwarz, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2008.).

Com proporções distintas e levados pelo olhar moderno sobre a multiplicidade de imagens que lhes oferece o cotidiano parisiense e carioca, Baudelaire e Machado compõem narrativas fora das amarras da sequência nexo-causal habitual do romance. Além disso, a autossuficiência das peças (“tão completas em si mesmas”, como disse Machado) era um modo de manobrar com graça e ironia o caráter fragmentário da imprensa, da mesma maneira que o perspectivismo narrativo, a vizinhança de textos das mais distintas naturezas e acomodados aleatoriamente nas folhas dos jornais e revistas.

Mencionemos por fim um último exemplo dessa estratégia literária. Na edição de março de 1880 da Revista Brazileira, nas páginas que precediam o início das Memórias, Téofilo Dias - um dos poetas da geração sobre a qual Machado escrevera dois anos antes naquela mesma revista - publicou um apanhado de versos seus. O último falava do amor de um verme pela flor mais pura. Como sugeriu Samuel Titan Jr., é possível que o verme homenageado mais tarde nas Memórias seja parente do outro verme, e que a dedicatória pomposa e inverossímil do romance em livro, assim como os ademanes de quem sofre da “volúpia do aborrecimento” aludam “à pose satanista de Teófilo Dias” (Titan Jr., 2009Titan Jr., Samuel de Vasconcelos. “O romance e a revista. As memórias póstumas de Brás Cubas na Revista Brasileira”. Serrote, mar. 2009, n. 1. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistaserrote.com.br >. Acesso em: 17/6/2021.
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). Seguindo este raciocínio, o conselho que na ocasião Machado dá aos jovens poetas - “Digo aos moços que a verdadeira ciência não é a que se incrusta para ornato, mas a que se assimila para nutrição; e que o modo eficaz de mostrar que se possui um processo científico, não é proclamá-lo a todos os instantes, mas aplicá-lo oportunamente” (Assis, 1959______. “A nova geração”. In: Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959, pp. 823-49., p. 848) - bem poderia valer para o jovem Brás, que a duras penas “tenta” arraigar a ciência no cérebro. Nada impede supor também que, ao mesmo tempo que satirizava o tom postiço dos jovens, Machado respondesse à “tradição errônea” do poeta no país pela “fisionomia”, pelo “espírito” da forma livre descoberta no outro Baudelaire.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    » https://www.revistaserrote.com.br

PERIÓDICOS

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  • Diário de Notícias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1870-1872.
  • O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1878.
  • O Domingo, Jornal Literário e Recreativo. Rio de Janeiro, 1873.
  • O Repórter. Rio de Janeiro, 1879.
  • 1
    “Quando os personagens de Baudelaire fazem o mal, isso não se dá, como em Bataille, pelo simples prazer da transgressão e do misticismo erótico, mas como protesto objetivo contra o mal banalizado do cotidiano burguês e como sua rememoração” (Oehler, 1999______. O velho mundo desce aos infernos: autoanálise da modernidade após o trauma de junho de 1848 em Paris. São Paulo: Companhia das Letras, 1999., p. 293). O procedimento segue a mesma lógica dos contos machadianos da virada dos anos 1870 para os anos 1880, como “A causa secreta”, em que a crítica da naturalização de práticas cruéis (muitas para o bem da ciência) não se faz pela denúncia explícita, mas sim pela incorporação daquela mesma frieza descritiva dos relatos científicos a que o leitor dos jornais da época estava habituado. Ver: Granja (2018)Granja, Lúcia. Machado de Assis. Antes do livro, o jornal: suporte, mídia e ficção. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2018., pp. 50-1.
  • 2
    Como se lê em carta a Saint-Beuve de 15 de janeiro de 1866 (Baudelaire, 1973______. Correspondance, tome II: 1860-1866. Paris: Gallimard, 1973. Coleção Bibliothèque de la Pléiade., p. 583, apudCompagnon, 2014Compagnon, Antoine. Baudelaire. L’irréductible. Paris: Flammarion, 2014. , p. 37).
  • 3
    Sobre as implicações formais da relação narrador-leitor e as questões relativas à incorporação do texto-mercadoria nas Memórias, ver: Guimarães (2004)Guimarães, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de leitores do século 19. São Paulo: Nankin/Edusp, 2004..
  • 4
    A primeira tradução é de Luís Delfino (1834-1910); a paráfrase, intitulada “Modulações”, é assinada por Carlos Ferreira (1844-1913) e publicada em seu livro Alcíones (1872). A estrofe de “L’irréparable” serve de epígrafe ao poema “O insone”, do mesmo livro. Por último, a tradução de “Le jet d’eau” é de Regueira Costa (1845-1915) e foi publicada no volume Flores transplantadas (1874). Ver: Amaral (1996______. Aclimatando Baudelaire. São Paulo: Annablume, 1996. ; 2017Amaral, Glória Carneiro do. “Baudelaire au Brésil”. L’Année Baudelaire, 2017, v. 21 pp. 53-63.).
  • 5
    Poèmes nocturnes: essais de poésie lyrique en prose, dans le genre de Gaspard de la Nuit é o título que Baudelaire atribui ao primeiro apanhado de poemas publicados em 1857 na revista hebdomadária Le Présent. O poeta presta homenagem aos Contos noturnos de Hoffmann e, naturalmente, a Bertrand de Gaspard de la Nuit, de 1842. É desse autor que Baudelaire toma emprestada a ideia “de tentar alguma coisa de análogo e de aplicar à descrição da vida moderna, ou antes, de certa vida moderna, mais destilada, o mesmo procedimento que ele aplicara à descrição da vida antiga, tão estranhamente pitoresca” (Baudelaire, 2020Baudelaire, Charles. O spleen de Paris. Trad. de Samuel de Vasconcelos Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2020., p. 7).
  • 6
    Lírio branco (1862), obra de estreia de Guimarães Júnior, já havia sido elogiada por Machado n’O Futuro, assim como seu primeiro volume de poemas, Corimbos (1866).
  • 7
    A sinuosidade da sintaxe, marcada menos pelo ritmo do pensamento do que pela introdução arbitrária de um vocábulo, dá claras mostras da vontade do autor de filiar sua composição ao universo lexical de O spleen de Paris: “O meu humor vagabundo fez-me correr como um cometa sem órbita pela desvairada fantasia de um spleen sem ideal”. O mesmo gesto estilístico produz uma exposição canhestra da forma no nível do assunto: “O cinismo fez-me pensar a trancos e barrancos, a nicotina escrever à toa e eu obriguei-me a mim mesmo sujeitar a imaginação ao devaneio desigual, imperfeito, sem nexo, sem arte e de um sonambulismo boêmio” (Carvalho, 1871Carvalho, João Ribeiro de Campos. Arabescos. Fantasias. Rio de Janeiro: Perseverança, 1871., p. 49).
  • 8
    O autor é o pernambucano Vitoriano Palhares (1840-1890), poeta esquecido e comumente associado à escola condoreira.
  • 9
    Carta a Arsène Houssaye, 20 de dezembro de 1861. Ver: Baudelaire (1973)______. Correspondance, tome II: 1860-1866. Paris: Gallimard, 1973. Coleção Bibliothèque de la Pléiade., p. 196, apudCompagnon (2014)Compagnon, Antoine. Baudelaire. L’irréductible. Paris: Flammarion, 2014. , p. 33.
  • 10
    “Com esta quero dizer-te que li três folhetins teus no Cruzeiro, remetidos pelo Serra. O humour do que se intitula ‘Um cão de lata ao rabo’ era digno de ser vazado em molde francês e lido em Paris, pátria adotiva de Heine” (Carta de 24 de junho de 1878). Ver: Guimarães Jr. (2009)______. “Carta [155] a Machado de Assis, 24 de junho de 1878”. In: Moutinho, Irene; Eleutério, Sílvia (orgs.). Correspondência de Machado de Assis, tomo II, 1870-1889. Rio de Janeiro: ABL, 2009, pp. 139-141., p. 140.
  • 11
    Nesse sentido, “as botas acalcanhadas” de “Filosofia de um par de botas” poderiam entrar para o “festival de maldades” no plano da linguagem inventariado por Roberto Schwarz (2008)Schwarz, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2008., p. 62.
  • 12
    Agradeço a Samuel Titan Jr. pela sugestão perspicaz.
  • 13
    A respeito das Memórias, Urbano Duarte escreve que “para um romance, falta-lhe uma intriga”. (Duarte, 1881, apudGuimarães, 2008______. “L’Impact de l’œuvre de Machado de de Assis sur les conceptions du roman”. Cahiers du Brésil Contemporain, 2008, pp. 69-70., p. 201); e Capistrano de Abreu pergunta: “As Memórias póstumas de Brás Cubas serão um romance? Em todo caso são mais alguma coisa. O romance aqui é simples acidente” (Abreu, 1881, apudRego, 1989Rego, Enylton José de Sá. O calundu e a panaceia: Machado de Assis , a sátira menipeia e a tradição luciânica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989., p. 9).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2021
  • Aceito
    20 Out 2021
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