Resumo
O diferencial de desempenho entre estudantes de escolas militares e civis não pode ser atribuído somente ao efeito escola, uma vez que fatores como características familiares, acúmulo de conhecimento e o próprio processo de seleção estabelecido por escolas militares podem gerar um viés na performance. Este trabalho investiga se ainda persiste um efeito escola militar em modelos empíricos de proficiência a la Hanushek (2016), uma vez que esses fatores são controlados. Utilizou-se uma base de dados administrativos longitudinal para escolas públicas do Ceará, acompanhando alunos no 5º e no 9º ano, os quais foram selecionados pelo método de pareamento CEM (Coarsened Exact Matching) com relação ao desempenho no ano base. Verificou-se que a falta de controle para o viés de seleção e para desempenhos passados majora o efeito escola militar em uma vez e meia nos modelos tradicionais. Entretanto, mesmo controlando esses fatores, o efeito escola militar ainda é significante.
Palavras-chave escolas militares; desempenho educacional; método de pareamento
Abstract
The performance differential between students from military and civilian schools cannot be attributed only to the school effect, since factors such as family characteristics, accumulation of knowledge and the selection process established by military schools can generate a bias in performance. This work investigates whether there is still a military school effect in empirical models of proficiency a la Hanushek (2016), once these factors are controlled. A longitudinal administrative database for public schools in Ceará was used, following students in fifth and ninth grades, who were selected by CEM (Coarsened Exact Matching) matching method related to performance in base year. It was found that the lack of control for selection bias and former performance increases the military school effect by one and a half times in traditional models. However, even controlling these factors, the military school effect is still significant.
Keywords military schools; educational performance; matching method
1 Introdução
Atualmente, há um debate incipiente, seja na imprensa seja entre pedagogos e gestores educacionais, sobre o crescimento e o papel das escolas públicas militares. A polêmica instalada sobre o tema e os argumentos contra e a favor ainda estão no campo normativo/argumentativo. Alguns pesquisadores (PRICE, 2008) ressaltam que a linha pedagógica militarizada trabalha qualidades não cognitivas dos alunos, como a disciplina, respeito à hierarquia, trabalho em equipe e o cuidado com a higiene corporal. Por outro lado, professores, pedagogos e estudiosos (Galaviz et al., 2011) apontam que esse tipo de escola forma uma massa acrítica de estudantes, pautados mais pelo medo que pelo respeito.
No Brasil, entre 2015 e 2017 o número de escolas registradas como militares no Brasil aumentou mais de 42% passando de 76 para 108 escolas de acordo com o Censo Escolar1, e ainda com planos de expansão em vários estados2.
Por trás dessa expansão sem precedentes estão o inquestionável bom desempenho dos estudantes em avaliações como a Prova Brasil e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e a rígida disciplina e respeito à hierarquia, típicos da metodologia militar. No entanto, essa atribuição direta desse diferencial de desempenho como efeito escola é questionável dado que os alunos dos colégios militares são normalmente diferenciados, tanto por características familiares, como pelo acúmulo de conhecimentos (condição inicial), além do próprio processo de seleção que as escolas militares estabelecem. Ou seja, o diferencial de desempenho das escolas militares pode estar mais relacionado com o processo seletivo do que com sua proposta pedagógica. Dessa forma, a metodologia de estimação de um efeito escola militar em provas de proficiência deve considerar não apenas fatores demográficos e estruturais da escola, mas também o próprio histórico escolar dos alunos.
Embora a rede de ensino estadual do Ceará contasse apenas com duas escolas militares em 20153, não havendo ainda no estado uma política deliberada de incentivo à militarização das escolas públicas4, o estudo de caso merece uma atenção especial por dois fatores. O primeiro que essas escolas possuem desempenho acima da média das escolas públicas, e formam, portanto, um caso representativo do nacional neste quesito.5 O segundo fator torna este um caso diferenciado, pois a rede estadual de ensino possui um sistema de avaliação educacional próprio - Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE), de onde foi possível gerar, em parceria com a Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC-CE), uma base de dados longitudinal com informações de desempenho para os mesmos alunos no 5º e no 9º anos do ensino fundamental.
Essa possibilidade de usar informações do aluno em mais de um período é fundamental para a estimação do efeito escola controlando para o viés de autosseleção dos alunos. A estimação desse efeito escola militar líquido é o objetivo deste artigo. Mais especificamente, verifica-se como a ausência de informações de desempenhos passados dos alunos, e a utilização de um grupo comparativo (de controle) não compatível com os alunos das escolas militares pode comprometer a estimação do efeito escola em uma prova de proficiência de matemática do 9º ano.
Este trabalho utiliza, especialmente para fins comparativos, modelos tradicionais para aferição do diferencial de desempenho dos alunos das escolas militares, com uso do método de matching com propensity scores e também de regressão linear multivariada (dummy para identificar os alunos militares e outras variáveis de controles). O ajuste de compatibilidade na comparação dos alunos militares e não militares é realizado via Coarsened Exact Matching (CEM) (Blackwell et al., 2009), que faz a seleção e o pareamento dos alunos utilizando as informações de desempenhos (notas) passados (5º ano). Trata-se, portanto, de uma metodologia de seleção amostral para analisar o diferencial de proficiência dos alunos no 9º ano apenas para alunos similares em desempenho no quinto ano. Como o método seleciona para cada aluno das escolas militares outro(s) não militar(res) que teve(tiveram) o mesmo desempenho no 5º o ano, trata-se dessa forma o potencial viés de autosseleção.
Para consubstanciar a aplicação dessa proposta metodológica na estimação do efeito escolas militares, este estudo está organizado em seções informativas da literatura relacionada direta ou indiretamente ao assunto (seção 2); da base de dados gerada e das estratégias empíricas de estimação dos modelos baseados na função de produção educacional a laHanushek (2016) (seção 3); e dos resultados obtidos que confirmam a importância de contar com dados de acompanhamento dos alunos na estimação de efeitos escola (seção 4 e Conclusão).
2 Gestão escolar
O que as escolas militares têm que as diferenciam das demais em termos de desempenho? Quais fatores influenciam no melhor desempenho daquelas instituições em comparação a estas? Em muitos modelos empíricos de proficiência em escolas públicas, as escolas militares são deixadas de fora da amostra sob alegação de que a metodologia é diferente, sem, no entanto, detalhar em que elas se diferenciam (Hunt, 2016). Por outro lado, essa mesma literatura destaca um conjunto de fatores que pode levar a um efeito escola e que inclui a autonomia da gestão escolar e o modelo disciplinar, que, de fato, são específicos nas escolas militares6.
2.1 Autonomia da gestão
Um dos diferenciais das escolas militares estaduais em relação às outras escolas públicas da rede é a possibilidade de uma maior autonomia de gestão com fontes complementares de recursos. No caso das escolas militares do Ceará os recursos advêm não somente da Secretaria da Educação Básica, mas também da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado e de uma taxa mensal cobrada aos estudantes (valor simbólico).
Poder contar com mais recursos financeiros não necessariamente é garantia de melhores desempenhos. A literatura não é consolidada nesta questão (Chaudhary, 2009; Häkkinen et al., 2003), uma vez que o efeito causal pode estar mais relacionado à forma de utilização dos recursos que ao montante disponível.
Verifica-se, por exemplo, que alunos em turmas menores podem ter vantagens refletidas em melhores desempenhos em provas de proficiência (Gordon; Vegas, 2004), assim como alunos em turmas com menor rotatividade de professores (Biondi; Felício, 2007). Segundo este último estudo, escolas que conseguem gerenciar melhor a saída de professores ao longo do ano obtêm melhores resultados de proficiência.
Interessante observar que os dados de média de aluno/turma do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Legislação e Documentos (INEP), em 2016, apontam que, para o Ensino Fundamental, as turmas dos colégios militares têm quase o dobro de alunos (31,5) se comparados às escolas privadas (16,4) e públicas não militares (20,3). Portanto, é fácil constatar que este não é o canal de transmissão explicando o diferencial de desempenho dessas escolas. Na verdade, o maior número de alunos por turma reflete exatamente a maior demanda por qualidade na rede pública, forçando uma concorrência crescente ao ingresso nessas escolas.
Com relação à rotatividade do corpo docente, o Índice de Regularidade Docente (IRD),7 elaborado pelo INEP, aponta que, das duas escolas militares estaduais do Ceará, o Colégio da Polícia Militar apresenta um IRD substancialmente maior (3,8) do que o das outras escolas públicas (3,0). Aponta, ainda, que o Colégio do Corpo de Bombeiros encontra-se na média (IRD de 2,9), o que pode configurar um importante fator explicativo do diferencial de desempenho.
Vale destacar ainda que a autonomia de escolha dos diretores de escola, via processo eletivo, não chegou às escolas militares. Tanto para o Colégio da Polícia Militar quanto para o Colégio do Corpo de Bombeiros, os respectivos comandantes da PM8 e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE) indicam os diretores, que são dos quadros das instituições. Se por um lado a direção militar pode não ser especializada em educação, por outro, ela é fundamental para o grande fator diferencial dessas escolas, ou seja, o rigor disciplinar e o respeito hierárquico.
2.2 Disciplina na escola
Talvez a primeira palavra que venha à mente quando se faz referência a uma escola militar seja “disciplina”. As escolas militares baseiam a conduta dos estudantes em um esquema hierárquico dentro e fora de sala de aula. Ao entrar em um colégio militar, o aluno deve conhecer o regulamento disciplinar e suas diversas categorizações de transgressão disciplinar9. Mas, de nada adiantaria ter tais regulamentos sem o efetivo poder de coação e sem o comprometimento do estudante com a autoridade escolar (Way, 2011).
As discussões em torno da questão disciplinar alertam para os limites da rigidez e as consequências psicológicas que podem trazer para o aluno. Nos Estados Unidos, adotou-se em muitas escolas a política de Tolerância Zero, na esteira da política de segurança pública antidrogas, durante a década de 1990.
A Associação Americana de Psicologia montou uma força tarefa para analisar se essa política tem resultados efetivos e relatar recomendações para reformá-la ou mesmo substituí-la (American Psychological Association, 2008). Segundo essa entidade, os dados indicam que escolas com maiores taxas de suspensão ou expulsão de alunos têm menores taxas de satisfação do clima escolar.
A política de Tolerância Zero, em teoria, assegura que a disciplina seja distribuída consistentemente e que os alunos sejam impedidos de violar as regras por meio do medo da punição. Mas, na prática, gestores afirmam que as medidas são desnecessariamente duras (Arum; Ford, 2012). Para eles, o grau de autoridade que a sociedade garante aos seus professores é o fator-chave de como um país mantém um bom clima de aprendizagem nas escolas. A submissão às regras depende do grau de comprometimento não somente com as regras, mas também com a autoridade, bem como da percepção de justiça e legitimidade em relação a elas (Way, 2011).
Embora não seja óbvia a relação entre indisciplina e baixo desempenho acadêmico, no Brasil, estudos sugerem que há não somente um impacto sobre proficiência média, mas também sobre outros resultados educacionais, como a repetência escolar (Rezende, 2015; Silva; Matos, 2014; Vóvio et al., 2016; Matos; Ferrão, 2016; Becker; Kassouf, 2016).
Um estudo comparativo entre Brasil, Chile e Cuba aponta que há um gasto maior de tempo com transições e interrupções nas aulas de matemática brasileiras e chilenas em relação às cubanas. No Brasil, as conversas e distúrbios em salas de aula pareciam sem controle (Carnoy; Gove; Marshall, 2003).
2.3 Desempenho escolar
A literatura sobre avaliação de desempenho escolar é vasta e consolidada. Milhares de estudos analisam a relação entre os inputs educacionais e o nível e/ou ganho de aprendizagem dos alunos (Pritchett, 2013; Glewwe et al., 2011), investigando o impacto das mais diversas variáveis de característica dos alunos, dos professores, das escolas e dos municípios.
Especificamente no Brasil, diversos estudos apontam que o background educacional familiar, bem como o nível socioeconômico não somente do estudante, mas também da escola, estão entre os principais fatores determinantes do desempenho escolar do ensino básico (Soares; Alves, 2013; Araújo; Siqueira, 2010; Andrade; Laros, 2007).
A decisão familiar de levar a criança a ingressar mais cedo na escola é outro fator que influencia positivamente no desempenho acadêmico dos estudantes, gerando um impacto de longo prazo na acumulação de capital humano (Felício; Vasconcellos, 2007; Laros; Marciano; Andrade, 2010; Menezes-Filho, 2007).
Embora sejam as características do aluno e da família que determinem grande parte do desempenho acadêmico, há espaço para que políticas públicas de gestão escolar consigam contribuir positivamente nessa performance (Alves; Franco, 2008). O efeito escola pode explicar até 28,4% da desigualdade total de proficiência em português, e até 34,4% em matemática (Felício; Fernandes, 2005).
Desde quando tiveram início, os testes de proficiência em larga escala - Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) -, em meados da década de 1990, observou-se um declínio na performance média do aluno. O aumento do número de estudantes na cauda inferior da distribuição, mesmo condicionado ao nível socioeconômico, empurrou a performance para baixo. Além disso, a entrada de alunos com menos habilidades reduziu o desempenho dos alunos da cauda superior (Rodrigues; Rios-Neto; Pinto, 2011; 2013).
2.4 Escolas militares
Escolas de ensino médio com um viés militarizado ou que são diretamente geridas por militares existem há bastante tempo em diversos países. Na Índia, as Rashtriya Military Schools foram criadas a partir de 1930 para os filhos de militares. Na Turquia, escolas militares de ensino médio foram fundadas a partir de 1845. O Programa Junior Reserve Officers’ Training Corps (JROTC) foi criado nos Estados Unidos em 1916 para preparar os jovens para a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, as escolas militares do Exército Brasileiro se destacam por sua excelência no ensino desde 1889 (Colégio Militar do Rio de Janeiro). Entretanto, o fenômeno do aumento da militarização do ensino básico é bem mais recente (Hajjar, 2005).
Nos Estados Unidos, os alunos que participam do JROTC têm performance menor que outros estudantes, embora grande parte dessa diferença possa ser explicada pela condição de vulnerabilidade deles (Pema; Mehay, 2009). Isso ocorre porque, nos Estados Unidos, as escolas que abrigam o programa em Chicago, por exemplo, estão em comunidades de baixa renda e de negros ou imigrantes (Lipman, 2003), o que reflete a composição das escolas. A análise do perfil de uma escola militar nos Estados Unidos mostra que a instituição é formada por 90% de negros ou hispânicos e que 74% são pobres (Hajjar, 2005).
Não obstante os resultados apontados por Pema e Mehay (2009) sobre desempenho indicam uma boa performance dos militares no ranking das escolas de Chicago. O índice de absenteísmo dos professores nessas instituições é de apenas 1%, enquanto o índice no distrito como um todo é de 8% (Price, 2008).
No Brasil, até mesmo pelo processo seletivo de ingresso de alunos, o perfil socioeconômico dessas instituições é elevado10, sendo as vagas bastante concorridas. No Estado do Tocantins, por exemplo, a concorrência é em média de 70 candidatos civis por vaga disponível (Rocha; Silva Filho, 2016).
Em Goiás, as evidências empíricas indicam que as escolas militarizadas e aquelas mais especializadas tendem a ter desempenho superior no ENEM com um nível de eficiência maior (Oliveira et al., 2017). Os autores ressaltam que mesmo as instituições de tempo integral são menos eficientes que as militares.
Este artigo pretende estimar o efeito escola militar na proficiência de matemática para os alunos do 9º ano, tendo como principal contribuição metodológica o controle do problema de autosseleção.
3 Metodologia e dados
O grande desafio em estimar o efeito escola é capturar esse impacto por meio de variáveis que efetivamente traduzam a influência da escola sobre o desempenho do aluno (Hanushek, 2016). O autor ressalta que, desde o Relatório Coleman, em 1966, pesquisadores focam no efeito do background familiar, rechaçando a importância da escola. Sem dúvida, o efeito da família e dos pares sobre a performance do aluno tem maior peso, entretanto, também há espaço para contribuições de oferta.
Para que seja possível estimar o efeito escola militar é preciso que os alunos dessas escolas sejam comparados com outros de desempenho potencial parecido. Se os alunos em um determinado ponto do tempo tiveram desempenho similar (5º ano), pode-se esperar que eles tenham capacidades similares, portanto, qualquer diferencial observado entre estes em séries posteriores (9º ano), salvo mudanças demográficas, pode advir do efeito escola.
Existem vários métodos de pareamento de indivíduos que tanto podem ser utilizados para seleção de amostra como para estimação direta de efeitos médios de tratamento (efeito escola). Os métodos baseados em escore de propensão, por exemplo, normalmente são utilizados para este último propósito. Esses métodos vêm sendo utilizados frequentemente na estimação de efeitos médios de tratamento em bases de dados não experimentais e transversais sob o pressuposto de que as informações (variáveis) disponíveis ao pesquisador são capazes de determinar a demanda por participação no grupo de tratamento e o próprio resultado de impacto (Austin, 2011). Fatores não observados, como habilidades adquiridas e o próprio processo de seleção dos alunos, podem comprometer as estimativas desses métodos.
Já o método de pareamento chamado de Coarsened Exact Matching (CEM) é um processo voltado para seleção amostral que reduz monotonicamente o desequilíbrio na distribuição empírica entre os tratados e o grupo de controle, permitindo que o equilíbrio seja escolhido ex ante pelo próprio pesquisador (Blackwell et. al., 2009). O CEM possui algumas vantagens em comparação a outros métodos de pareamento, embora faça a seleção de amostra apenas com base nas variáveis observáveis, como todos os outros. A primeira vantagem é que ele não estima a probabilidade de um determinado indivíduo pertencer ou não ao tratamento (escore de propensão). O CEM categoriza as variáveis utilizadas no pareamento, dividindo-as em estratos, e pinça o controle que mais se aproxima do tratado. A segunda vantagem é que o pesquisador pode estipular ex ante qual será o estrato, fazendo a amplitude tão pequena quanto queira, reduzindo o desequilíbrio entre grupo de controle e de tratamento. Por fim, o método evita um problema comum nos métodos de escore de propensão que, ao fazer as regressões após o pareamento, estão estimando em dois estágios, mas os erros padrões do segundo estágio não levam em consideração os do primeiro.11 Quando o pareamento gera um equilíbrio entre os grupos é possível estimar efeitos médios de tratamentos utilizando modelos simples de regressão linear múltipla, sendo esta a estratégia metodológica para estimação do efeito escola militar neste trabalho.
Pode-se destacar ainda que o contrafactual metodológico na ausência de informações longitudinais seria um modelo baseado em escore de propensão ou mesmo um modelo linear multivariado que possuísse apenas informações demográficas e de desempenho, e que fossem transversais. Este é o caso das bases de dados do INEP (Prova Brasil e ENEM, por exemplo), onde não é possível a identificação do aluno em dois períodos do tempo. Neste artigo verificou-se como a ausência de informações longitudinais do aluno pode levar a um viés na estimação do efeito escola quando se utilizam esses métodos tradicionais.
3.1 Base de dados
Antes de descrever as estratégias de seleção de amostra em si, será preciso conhecer as bases de dados utilizadas no estudo. O sistema que avalia a educação básica no Ceará, conhecido como SPAECE, aplicava anualmente avaliações para os alunos de 2º, 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e para a 1ª, 2ª e 3ª séries do ensino médio.12 Em convênio com a SEDUC-CE, foi possível montar uma base de dados para esta pesquisa que acompanha duas coortes (2008 e 2010) de alunos do 5º ano. Na formação dos dados longitudinais, verificou-se se estes mesmos alunos estavam presentes nas avaliações do 9º ano de 2012 e 2014, respectivamente, o que coincide com a evolução educacional natural dos alunos.13 Os alunos retidos em alguma série neste período tiveram de ser excluídos da amostra, bem como não foi possível incluir nos dados a coorte de 2009 porque o 9º ano, em 2013, não foi censitário no SPAECE.
Além das variáveis de proficiência em matemática e português, os dados do SPAECE incluem variáveis contextuais dos alunos, como gênero, raça, escolaridade da mãe, ser beneficiário do Bolsa Família, entre outras, que são fundamentais para controlar os fatores observáveis dos estudantes.
3.1.1 Validação dos dados
Dos 138.766 alunos cursando 5º ano encontrados no SPAECE 2008, foi possível identificar um total de 52.594 que estavam no 9º ano e participaram do SPAECE 2012. Da segunda coorte de alunos cursando o 5º ano e identificados no SPAECE 2010 (143.740 alunos), foi possível a captura de informações para 56.002 alunos que estavam no 9º ano e participaram do SPAECE 2014.
As duas coortes foram empilhadas, resultando na base de dados final com 108.596 observações, sendo 266 alunos das escolas militares e outros 108.330 de escolas públicas não militares. O atrito ocorreu tanto para os alunos militares como não militares, sendo uma perda percentual de informações maior para os primeiros dada pela menor quantidade absoluta de informações disponíveis (64,4% para os militares e 49,5% para os não militares). Ressalta-se ainda que quando comparados os valores médios de desempenho (nota de matemática) dos alunos com os que sofreram atrito verifica-se um pequeno diferencial positivo a favor dos primeiros, e um pouco maior para o grupo de alunos militares (4,84%) vis-à-vis os alunos não militares (3,14%).14 Embora pequeno, esse diferencial pode causar um viés de atrito que diminui o poder de validação externa do parâmetro de efeito colégio militar, forçando, portanto, uma análise conservadora da estimativa encontrada para este.
Por outro lado, a análise comparativa de metodologias que usam ou não informações passadas dos alunos não perde sua validade interna para a amostra resultante. É objetivo deste trabalho verificar se, e como, modelos transversais podem levar a estimativas muito diferentes de efeito escola se não controlarem para o problema de autosseleção de aluno e de seus históricos de desempenho.
3.2 Estratégias de seleção de amostra
Neste trabalho a estratégia para comparar métodos de estimação do efeito escola é realizada por meio de seleção amostral. A primeira, é a base de dados bruta que inclui todos os 108.596 alunos citados na seção anterior. Embora haja informações de desempenho para os alunos em dois períodos de tempo, a amostra total equivale à análise com uso de informações transversais com grandes chances de ocorrer desbalanceamento entre os grupos. Esta, portanto, é uma amostra que não passa por qualquer filtro de pareamento pré-selecionado para lidar com o problema de autosseleção. Os modelos tradicionais para aferição do diferencial de desempenho dos alunos das escolas militares incidem sobre essa amostra, e se constituem pelo uso do método de matching com propensity scores ou de regressão linear multivariada com uma dummy para identificar os alunos militares, e outras variáveis de controle.
Dessa amostra bruta, extrai-se uma subamostra de investigação utilizando o método Coarsened Exact Matching (CEM) e as notas dos alunos no 5º ano, de forma que a seleção de amostra resultante não tenha diferença/desequilíbrio15 no desempenho prévio entre alunos militares ou não. Ou seja, o principal objetivo dessa seleção de amostra é escolher os pares que tenham um desempenho prévio mais próximo possível. Esse tipo seleção de amostra permite que o modelo isole os efeitos de alunos que já eram bons muito antes de chegarem ao último ano do ensino fundamental, mimetizando o processo de seleção a que os alunos militares são submetidos para os não militares. Portanto, se o critério de seleção para entrada no 5º ano nos colégios militares fosse a nota no SPAECE todos os alunos dessa amostra estariam aptos.
No processo de seleção da amostra, os 266 alunos militares são pareados caso a caso entre os 108.330 alunos do grupo de controle. De acordo com Iacus, King e Porro (2008), o problema de estabelecer o pareamento caso a caso é a possibilidade de que nem todos os tratados tenham par, provocando, dessa forma, o descarte das observações não pareadas. Esse potencial problema é minorado quando o método CEM é aplicado a uma variável contínua e se tem um grupo de controle com informações suficientes como é o caso deste estudo de caso.
Para cada nota de matemática do 5º ano dos alunos militares, o método procura e seleciona o aluno não militar que teve o mesmo desempenho. Quando a base de informações é grande, podendo existir vários alunos no grupo de controle com o mesmo desempenho, o método pode escolher de forma aleatória os alunos que participarão do grupo de controle para avaliação do efeito escola. Este foi o procedimento utilizado neste trabalho onde, para cada aluno militar, foram selecionados até quatro alunos com desempenhos similares na prova de matemática do 5º ano. Esses desempenhos similares permitiram desvios de até um ponto de amplitude, de forma que um aluno militar que tivesse nota de 204,5 na prova seria pareado apenas por aqueles com notas entre 204 e 205. Com esse procedimento, chegou-se a uma amostra final balanceada de 1.301 alunos.
Para fins de nomenclatura, designa-se daqui para diante a amostra maior como amostra 1 (sem seleção de alunos), e a subamostra resultante do método CEM como amostra 2 (com seleção de alunos por desempenho anteriores).
Para cada uma das amostras definidas estimam-se modelos para tentar capturar o efeito diferenciado dos alunos militares no exame de matemática do 9º ano do SPAECE. Esse exame padronizado está fundamentado na Teoria de Resposta ao Item (TRI), que associa a habilidade do aluno à probabilidade de ele responder corretamente a uma determinada questão, sendo que a escala de desempenho em matemática do SPAECE varia entre 0 e 500 pontos, com média 250 e desvio padrão de 50 pontos.16
Quando a nota de matemática no 9º ano é contrastada com a nota no 5º ano para os mesmos alunos (militares ou não), é possível observar o efeito gerado pela estratégia de seleção da amostra 2, que procura minimizar o viés de autosseleção dos alunos militares. A Tabela 1 aponta os resultados dos testes de diferença entre as médias de proficiência em matemática para alunos militares e civis tanto no 5º quanto no 9º ano.
Na amostra 1, os alunos militares possuem um diferencial próximo de 60 pontos em relação aos alunos regulares, o que os deixaria em classes diferenciadas de desempenho. Em uma análise simples e transversal este poderia ser um efeito escola de magnitude muito alta. Por outro lado, percebe-se ainda que parte desse diferencial já existia nas notas do 5º ano dos mesmos alunos, o que poderia sugerir que o diferencial já estaria delimitado no processo de seleção de bons alunos no início do ensino fundamental.
Na amostra 2, observa-se que não há diferença significante entre os desempenhos médios dos alunos no 5º ano. Adicionalmente, percebe-se que, para o 9º ano, existiu uma diferença significante de notas favorável aos alunos militares, o que favorece uma inferência maior de efeito escola militar. A magnitude desse efeito, no entanto, não é tão elevada comparativamente à simples análise transversal, nem desprezível se comparada com o ponto de partida do ensino fundamental.
A Figura 1 mostra as distribuições de densidade kernel17 para as notas dos alunos militares ou não para as amostras 1 e 2. É possível observar que somente na amostra 2 os alunos do 9º ano partem de performances equivalentes na proficiência em matemática no 5º ano e conseguem se diferenciar em desempenho no 9º ano. Para a amostra 1, o diferencial entre as Figuras 1B (9º ano) e 1A (5º ano) parecer ser uma mudança na escala de notas dos dois grupos, mantendo-se o diferencial comparativo entre estes.
Embora essas análises de médias ou distribuições sejam sugestivas de efeito escola, é preciso gerar uma estimativa mais precisa dele, bem como verificar o prejuízo de uma metodologia contrafactual que não possa contar com informações longitudinais de desempenho.
3.3 Modelos empíricos
Estimaram-se modelos de propensity score matching (PSM) e regressões lineares multivariadas (Mínimos Quadrados Ordinários18 (MQO)) sob duas especificações para as duas amostras. A utilização de dois métodos tradicionais de estimação (PSM e MQO) do efeito escola com as informações da amostra 1 visa gerar o contrafactual do que seriam os efeitos médios de tratamento na posse apenas de informações transversais. Enquanto modelos lineares multivariados tentam equilibrar a diferenciação de características e potencialidades entre os dois grupos de alunos por meio dos cofatores e sob o pressuposto dessa forma funcional específica, as metodologias de PSM modelam ao mesmo tempo participação nos grupos (propensity scores) e diferenciais de potencialidades (efeito médio de tratamento). As duas modelagens, no entanto, são dependentes da hipótese de que todo o desempenho potencial dos alunos pode ser capturado pela combinação das informações/variáveis (transversais) contidas nos questionários dos sistemas de avaliações.
Para a amostra 2, serão estimados apenas modelos lineares, dado que o balanceamento das potencialidades nos dois grupos já foi realizado pelo método CEM. Duas especificações de modelos são estimadas cuja única diferença entre elas é a inclusão (ou não) da variável de desempenho (nota de matemática) no 5º ano. Como conhecimento é cumulativo, e pretende-se estimar o efeito escola especificamente para o 9º ano, é fundamental controlar o próprio histórico de desempenho do aluno. Para fins de exposição, têm-se os modelos (1) e (2) abaixo, nos quais se observa que a diferença ocorre pela presença da variável (Profic5º).
O indexador k indica o tipo de amostra que é utilizada, sendo que k = 1 ou 2. A variável de interesse é a dummy indicativa de escola militar que tem valor igual a um para o aluno dessa escola, e zero caso contrário. Portanto, β1 é o parâmetro de interesse que captura o efeito escola nesses modelos.
Os modelos incluem uma série de variáveis de controle que representam características socioeconômicas do aluno e de sua família e um indicador de estrutura física da escola (Araújo; Siqueira, 2010). As informações foram obtidas do questionário contextual do SPAECE e do Censo Escolar do INEP.
As definições empíricas dessas variáveis de controle como também suas médias para as duas amostras e os dois grupos de alunos estão detalhados na Tabela 2. Vale destacar a definição de quatro variáveis em especial. A variável ID é uma dummy representando o fato de que o aluno tinha 13 anos ou mais ou 9 anos ou menos no 5º ano. Essa variável indica se existe distorção entre a idade e a série do estudante, levando em consideração o conceito adotado pelo INEP.19
Outra variável a ser destacada por sua definição específica para este estudo é o indicador do nível socioeconômico do aluno (ISE). Este é uma adaptação do Índice ABEP20, da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), às informações disponíveis no SPAECE. Essa variável captura a relação de alunos que têm acesso a bens como geladeira, automóvel, entre outros, com seu desempenho no SPAECE. O índice varia de zero a 19 pontos e, diferentemente do Índice ABEP, não leva em consideração a escolaridade da mãe, que é tratada no modelo como outra variável independente dada sua importância direta no desempenho dos alunos. A variável Ano que aparece nas especificações do modelo é uma dummy que capta o efeito das diferentes coortes de alunos (2012 é o ano de referência).
Finalmente, a variável “infra” é uma dummy que indica se a escola do aluno possui infraestrutura física adequada de acordo com os parâmetros do MEC. Esse critério foi definido no Plano Nacional de Educação, que toma valor igual a um se a escola possuir todos os sete itens de uma infraestrutura adequada, quais sejam, ter acesso à energia elétrica, água tratada, rede pública de esgotamento sanitário, internet banda larga, biblioteca ou sala de leitura, quadra de esportes e ter laboratório de ciências, e valor zero, caso contrário. Todas essas variáveis estão disponíveis no Censo Escolar.21
Observando as informações descritivas das variáveis de controle na Tabela 2, constata-se desbalanceamento de características entre os alunos das escolas militares e civis. As estatísticas são bem mais favoráveis aos alunos das escolas militares, que possuem um melhor índice socioeconômico e menor participação no programa Bolsa Família, mães mais escolarizadas e um índice menor de distorção idade-série.
Das duas escolas militares estaduais, uma possui infraestrutura adequada, o que contribui para o grande diferencial no indicador infraestrutura escolar adequada para o aluno. Interessante observar que, mesmo para a amostra 2, essas diferenças entre os grupos permanecem o que remete à necessidade de utilizar esses controles nas regressões de forma a tentar identificar com mais precisão o efeito escola militar.
4 Resultados dos modelos
Esta seção apresenta os resultados dos modelos econométricos estimados seguindo a ordem dos objetivos de mostrar o custo de oportunidade de metodologias de avaliação com informações apenas transversais, além da própria estimação do efeito escola militar com controle amostral para autosseleção. Os modelos empíricos de base são aqueles especificados no modelo teórico 1 (modelo 1) e que utilizam a amostra 1. Para esse conjunto de informações e especificação, utilizaram-se duas metodologias de aferição de efeito escola que são o propensity score matching e regressões lineares multivariadas. Foram estimados três efeitos médios de tratamento (EMTs) seguindo a metodologia de PSM, embora na Tabela 3 tenha o resultado apenas do método de ponderação de kernel22 por este incorrer em menos perda de informações do grupo de tratamento.23
Resultados econométricos para proficiência em matemática no 9º ano dos alunos das escolas estaduais do Ceará
Observa-se uma estimativa de efeito escola militar elevado (54,7 pontos), um pouco maior que o encontrado na metodologia de regressão linear (50,08 pontos), e abaixo do diferencial simples de médias (58,8 pontos). Considerando que o ganho médio de aprendizagem foi de 55,5 pontos e admitindo a uniformidade de ganho de aprendizagem no tempo, conforme Carneiro e Irffi (2017), a proficiência em matemática dos militares estaria entre 4 e 3,5 anos letivos à frente dos seus colegas civis. Atribuir esse resultado ao método escolar geraria sobrevalorização considerável.
É possível observar essa sobrevalorização com a especificação do modelo 2, que inclui a variável de desempenho passada como cofator, seja na formação dos propensity scores (PSM), seja como variável explicativa direta (MQO). Há redução considerável de 18 e 24 pontos no efeito escola, respectivamente, mantendo-se a amostra 1. Ou seja, saindo-se do padrão de informações apenas transversais para incluir nota anterior (5º ano) do aluno já diminui consideravelmente o efeito que seria atribuído à formação escolar. Ressalta-se que o coeficiente da variável defasada no modelo linear indica uma transmissão alta de conhecimento entre períodos (0,58), mas que é diferente da unidade, o que poderia sugerir uma especificação de modelo em diferenças.
O efeito escola é reduzido ainda mais quando se utiliza a amostra 2 que, efetivamente, coloca os alunos em condições iniciais de igualdade. Essa redução evidencia a importância de um controle maior para autosseleção, especialmente quando o efeito escola é estimado para aquelas que possuem algum processo seletivo.
Interessante observar que, para a amostra 2, o efeito escola é comparativamente maior na especificação do modelo 2 vis-à-vis o modelo 1. Neste caso, a variável de nota defasada, que é um importante preditor do modelo, isola o efeito escola em um contexto de igualdade de proficiência matemática. Ou seja, uma vez que a própria nota anterior é utilizada no processo de selecionar amostras compatíveis por desempenho potencial, sua utilização como um cofator adicional na equação de desempenho captura o efeito líquido e direto das demais variáveis explicativas.
Nesse modelo 2 (amostra 2), o efeito colégio militar é de 18,6 pontos sobre a proficiência em matemática, o que ainda é um efeito significante em desempenho, representando uma vantagem de aproximadamente três semestres letivos em relação ao aluno civil. Se comparado ao modelo linear básico (modelo 1 e amostra 1), observa-se que a falta de controle para autosseleção e para os desempenhos passados majora pontualmente o efeito escola militar em 2,7 vezes.
Em relação aos cofatores representando as características do aluno e de sua família, verificou-se que, no modelo 2 (amostra 2), poucos permaneceram estatisticamente significantes e robustos, reforçando possíveis efeitos indiretos dessas variáveis no desempenho potencial dos alunos. Apenas a escolaridade da mãe permanece com um efeito direto e de grande magnitude a partir do ensino médio completo (Hanushek, 2016).
Também houve um diferencial de coorte, sendo a turma do 9º ano em 2012 um pouco melhor que a de 2014. As variáveis de distorção idade-série e a identificadora de raça tiveram os sinais como previstos, mas não tiveram um nível de significância estatística que pudesse indicar robustez. Portanto, se apenas as informações de 9º ano para o SPAECE estivessem disponíveis para análise empírica (base de dados transversal), é possível que o entusiasmo com as escolas militares fosse bem maior, assim como o efeito de vários cofatores na função de produção educacional.
Ainda assim, verificou-se um efeito escola militar bastante significativo, sugerindo que essas instituições não apenas selecionam bem seus alunos como também os preparam para os testes de proficiência. Desagregar esse efeito por capacidade administrativa (menor rotação dos professores), financeira (recursos adicionais), metodológica (maior quantidade de horas efetivas de aula), ou disciplinar (respeito a hierarquia e ao conteúdo) é algo que vai além das pretensões e das informações levantadas para este trabalho. Nestes casos, seria importante maior variabilidade de informações dentro das próprias escolas militares, o que não é possível para este estudo de caso.
5 Conclusão
É notório o destaque dos alunos das escolas públicas militares nas avaliações padronizadas brasileiras. A maioria desses alunos pertence à rede pública estadual de ensino e possui desempenhos médios bem superiores (até 50 pontos), que os deixam em outro nível de performance quando comparados aos seus colegas de rede e, em alguns casos, até da rede privada de ensino. Atribuir esse diferencial apenas à metodologia implementada nesses colégios parece ser um exagero, como também dizer que o diferencial é apenas por conta do processo de seleção de bons alunos também não condiz com os resultados encontrados neste estudo.
Verificou-se neste trabalho que metodologias de avaliação que utilizam apenas informações transversais dos alunos para estimar efeito escola podem gerar estimativas que são até 2,7 vezes o valor encontrado quando se adiciona aos modelos controles mais criteriosos para viés de autosseleção e histórico escolar do aluno. Esses controles foram possibilitados pela construção de uma base de dados de acompanhamento dos desempenhos dos mesmos alunos no SPAECE no 5º e no 9º anos do ensino fundamental. A nota de matemática do quinto ano foi utilizada para selecionar os alunos com mesmo desempenho nessa etapa, de forma que a comparação no nono ano fosse feita apenas com alunos de mesmo potencial. No processo de pareamento e seleção de amostra dos alunos, foi utilizado o método CEM, que tem a funcionalidade de tornar balanceados grupos heterogêneos para aferição de efeitos médios de tratamento (efeito escola militar). A nota anterior do aluno também foi utilizada como cofator e, ainda assim, foi encontrado um efeito significante de escola militar da ordem de 18,6 pontos na escala do SPAECE. Apesar desse resultado promissor, algumas ressalvas podem ser feitas desta análise quantitativa e sobre possíveis extrapolações normativas das análises. Primeiro, a quantidade de escolas militares analisadas neste estudo é pequena, fazendo dele um estudo de caso com validade externa nacional questionável, apesar do comportamento representativo em estatísticas descritivas básicas das escolas cearenses no contexto nacional. Segundo, a perda de informações no processo de cruzamento das bases de dados temporais por aluno também sugere cautela no uso da magnitude do efeito escola e reforça a necessidade de melhorar os Sistemas de Avaliação Educacionais Estaduais com identificadores mais precisos de seguimento longitudinal, mantendo-se a confidencialidade das informações. Nesse aspecto, a SEDUC-CE tem evoluído bastante e, mesmo no caso aqui estudado, a amostra final dos estudantes militares cobriu 38,2% dos alunos registrados no Censo Escolar da rede estadual. O diferencial de médias de notas entre alunos que sofreram ou não atrito de seguimento foi baixo para cada grupo de estudantes e menor ainda entre eles, o que sugere um potencial efeito de viés de seleção reduzido.
Terceiro, o estudo estima o efeito colégio militar estadual e não da militarização de escolas públicas, que seria um ajuste administrativo em escolas tradicionais da rede. As duas escolas contidas na amostra são tradicionais e já foram criadas dentro do ordenamento militar, inicialmente para acolhimento dos filhos dos militares estaduais e se expandiu para os demais civis.
Finalmente, outros reforços (ou não) a essa evidência inicial de efeito escola militar no Brasil poderiam advir de análises com informações de acompanhamento da fila dos alunos candidatos a vagas nessas escolas, de uma base em painel mais longa (notas do fundamental I ou do ensino médio, por exemplo), ou de escolas contrafactuais que também possuam processo de seleção competitivo e/ou rigor disciplinar sem o uso da autoridade militar.
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1
A identificação de escola militar no Censo Escolar foi realizada por meio da especificação do nome da escola, dado que ela não possui uma codificação própria por tipo de administração ou docência.
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2
Goiás, Minas Gerais e Bahia, por exemplo, já aumentaram o número de vagas ofertadas para novas unidades militares de acordo com os editais de suas respectivas secretarias.
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3
Colégio da Polícia Militar do Ceará e Colégio Militar do Corpo de Bombeiros.
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4
Vale destacar, no entanto, que em 2017 uma escola militar a mais foi incluída na rede estadual.
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5
As escolas obtiveram notas de 286 e 314 pontos em matemática na Prova Brasil de 2015.
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6
Vale ressaltar que as informações relativas às escolas militares do Ceará foram adquiridas por meio de entrevistas não estruturais in loco com dirigentes e pelos sites oficiais destas instituições.
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7
O IRD varia de 0 a 5, sendo que, quanto mais próximo de 0, mais irregular é o professor e, quanto mais próximo de cinco, mais regular.
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8
Art. 7º do Regimento Escolar do Colégio da Polícia Militar do Ceará General Edgar Facó.
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9
Faltas leves (arrancar, pintar ou rabiscar as páginas e capa da agenda escolar, de forma a tirar sua originalidade), médias (apresentar-se com o uniforme diferente do previamente estabelecido ou estando o mesmo sujo), graves (danificar objetos de colegas) ou faltas eliminatórias (portar drogas).
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10
Segundo dados do INEP, em 2014, havia 59 escolas públicas militares da rede estadual, sendo 18 com indicador de nível socioeconômico alto e outras 18 com indicador muito alto. Apenas uma escola militar, em Goiás, possui nível socioeconômico médio baixo.
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11
Para mais informações, acesse: <https://www.ssc.wisc.edu/sscc/pubs/stata_psmatch.htm>.
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12
O SPAECE é uma avaliação externa de desempenho em português e matemática dos estudantes das escolas públicas estaduais e municipais do Ceará. A realização e administração das informações ocorrem em parceria da SEDUC-CE com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF).
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13
Vale destacar que como não havia um código de identificação único para o aluno em diferentes anos, a variável de ligação foi montada a partir de uma combinação de variáveis do aluno, incluindo os caracteres do seu nome, o que exigiu a assinatura de termo de confidencialidade das informações. Essa ausência de um identificador numérico único para o aluno contribuiu consideravelmente para a perda de informações entre anos.
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14
Enquanto a nota média dos alunos militares acompanhados longitudinalmente foi de 303,78 na prova de 9º ano de matemática, a nota média dos que sofreram atrito foi de 289,73. O diferencial respectivo para os alunos não militares foi de 244,9 e 237,52.
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15
O CEM fornece um parâmetro que mede o desequilíbrio (imbalance) entre as distribuições dos dois grupos, tratados e de controle. O limite máximo de desequilíbrio foi calculado no valor de 1,246 nesta amostra. Após os pareamentos, o desequilíbrio foi reduzido para 0.00752. Para mais informações sobre o assunto, ler Iacus, King e Porro (2008).
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16
As categorias de performance são definidas a partir de cortes numéricos que agrupam os níveis da Escala de Proficiência. Observando especificamente a proficiência em matemática do 9º ano, uma pontuação até 225 pontos indica padrão “muito crítico” de desempenho; entre 225 e 275 pontos, aponta padrão “crítico”; entre 275 e 325 pontos, padrão “intermediário”, e acima de 325 pontos o desempenho é “adequado” em matemática.
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17
O estimador de densidade kernel aproxima a densidade f (x) das observações de x. A densidade kernel é formada somando os valores ponderados com a função kernel, K, em onde . A função kernel usada é a Epanechnikov, representada por
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18
Com matriz de variância e covariância robusta, com correção de White.
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19
O INEP considera que o aluno está com idade adequada para a série se estiver no intervalo de um ano, para mais ou para menos. Segundo o INEP, a adequação teórica entre série e idade no 5º ano seria de 11 anos.
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20
Para mais detalhes sobre a tabela de pontuação, entrar em contato com os autores.
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21
Vale destacar que o Censo Escolar é realizado anualmente pelo INEP, em parceria com as secretarias de Educação dos estados. É uma base de dados importante na coleta de informações sobre os estabelecimentos de ensino, turmas, alunos, profissionais escolares, além de considerar dados sobre movimento e rendimento escolar dos estudantes.
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22
Foi utilizado o software Stata 13 para esse propósito com os pacotes de comandos “attk”, “attnd”, e “atts” contidos em Becker e Caliendo (2002). Vale destacar que as estimações dos efeitos médios de tratamento foram restritas ao conjunto de informações pareadas em suporte comum dos grupos.
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23
Utilizaram-se também estratificação e vizinho mais próximo. Os resultados para essas metodologias não diferenciaram muito das de kernel, sendo de 50,47 (3,40) e 51,87 (3,85), respectivamente, para as especificações do modelo 1, e 26,65 (3,01) e 23,16 (4,51) para as do modelo 2.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Jun 2020 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2020
Histórico
-
Recebido
16 Fev 2017 -
Aceito
25 Maio 2018