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Conexões do pensamento de Celso Furtado com o institucionalismo vebleniano: hábitos, emulação e efeito-demonstração

Connections between Celso Furtado and Veblenian institutionalism: habits, emulation and demonstration-effect

Resumo

Este artigo busca elementos do institucionalismo original para fazer uma releitura da dinâmica de desenvolvimento de países periféricos. Com base nas especificidades dos países subdesenvolvidos destacadas pelo estruturalismo, procuramos estabelecer um nexo teórico com o institucionalismo, no intuito de apreender aspectos intrínsecos de estratificação da estrutura social na periferia. Nesse sentido, incorporamos a noção vebleniana de emulação como a raiz analítica do efeito-demonstração, que, a partir do consumo conspícuo, difunde e legitima padrões de consumo e produção para a sociedade. Concluímos que a complementaridade das abordagens contribui para aprofundar a compreensão sobre aspectos sociais do processo de diferenciação do sistema centro-periferia.

Palavras-chave:
estruturalismo; institucionalismo; desenvolvimento econômico

Abstract

The paper uses elements of the original institutionalism to analyze the development dynamics in peripheral countries. Based on the specificities of underdeveloped countries described by the structuralist approach, we strive to establish a theoretical nexus with the institutionalism in order to comprehend the intrinsic aspects of the social structure stratification. Thus, we incorporate the veblenian notion of emulation as the analytical root of the demonstration-effect, which, through conspicuous consumption, diffuses and legitimizes consumption and production patterns in the society. We conclude that the complementarity of the approaches contributes to deepen the understanding about social characteristics of the differentiation process in the center-peripheral system.

Keywords:
Structuralism; institutionalism; economic development

1 Introdução

Um dos objetivos centrais do estruturalismo latino-americano é compreender o desenvolvimento dos países periféricos, buscando identificar e analisar o funcionamento da dinâmica de acumulação de capital nos países subdesenvolvidos e sua relação com o centro. A perspectiva, ainda que holística, se destacou na medida em que descreveu os mecanismos de reprodução material da sociedade e a sua tendência à diferenciação em relação aos países centrais.

O objetivo deste artigo é analisar os aspectos de conformação da estrutura social que se encontram presentes na obra estruturalista, mas não foram plenamente desenvolvidos. Nesse sentido, buscamos identificar uma estrutura analítica aderente à abordagem estruturalista, denotando como os fatores sociais têm papel central na dinâmica de reprodução periférica.

Para tanto, adotamos o enfoque de Veblen sobre a conformação da estrutura social a partir de hábitos e instituições. Tal perspectiva, quando analisada sob a ótica do desenvolvimento periférico estruturalista, corrobora a ideia de que a dinâmica social tem impacto direto no regime de acumulação de capital, em um processo de causalidade cumulativa que perpetua (e reforça) as características econômicas e sociais da periferia. Nossa hipótese central é de que os aspectos sociais estão intrinsecamente ligados à reprodução e perpetuação do processo de acumulação de capital. Na realidade, procuramos resgatar as próprias contribuições estruturalistas para ressaltar que os fatores materiais, físicos e tecnológicos são reforçados por questões sociais e culturais que se consolidam dentro do arcabouço institucional (explícito e tácito) no sentido de perpetuar a diferenciação econômica e social da periferia em relação ao centro.

Em outros termos, entendemos que a “estrutura produtiva” é diretamente influenciada pelas mediações sociais, políticas e econômicas, que delineiam a forma de pensar da sociedade e, por decorrência, as suas instituições. Tal tema, ainda que ambicioso, revela importantes mediações teóricas que ainda são pouco exploradas.

O elo de convergência é dado pela relação entre o “efeito-demonstração” de Furtado e a concepção vebleniana de “emulação”, que se consubstanciam no consumo conspícuo da elite periférica. Saliente-se que o conceito de efeito-demonstração foi também largamente empregado pela tradição institucionalista seguidora de Veblen, que, a partir dos escritos de Clarence Ayres e Keneth Galbraith, explorou igualmente essa noção como diferencial analítico do potencial de desenvolvimento da periferia, conforme assinalaremos na sequência deste texto.

Analisamos primeiramente o estruturalismo latino-americano, identificando os eixos centrais do processo de acumulação de capital da periferia. Em seguida, apresentamos as contribuições do institucionalismo vebleniano, que busca compreender os mecanismos de reprodução das estruturas sociais, sob a ótica da relação biunívoca indivíduo-estrutura. Uma vez definido o marco analítico de tal abordagem, estabelecemos um paralelo com a teoria estruturalista com o intuito de demonstrar como os aspectos sociais e culturais são determinantes para reforçar a dimensão econômica no sentido de perpetuar a diferenciação entre centro e periferia.

Dessa forma, a partir das concepções estruturalistas, revisitamos os mecanismos que contribuem para conformar a diferenciação da renda em relação aos países desenvolvidos, com ênfase nos aspectos materiais que condicionam a acumulação de capital. Feito esse panorama, defendemos que, dentro do marco teórico estruturalista, existem elementos que tratam da importância dos aspectos sociais para delimitar a lógica de reprodução do sistema periférico, principalmente com base no conceito de dependência cultural de Furtado (1974FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.). No intuito de desenvolver essa hipótese, identificamos aspectos da abordagem institucionalista que aprofundam a compreensão sobre as especificidades periféricas e analisamos sua contribuição em relação às concepções estruturalistas.

Este artigo está dividido em quatro partes, além desta introdução. Na primeira identificamos os principais pontos da dinâmica de acumulação de capital de acordo com a abordagem estruturalista. Na segunda, apresentamos uma breve síntese do pensamento institucionalista, vinculado ao Original Institutional Economics (OIE), de Veblen, Commons e Mitchell. Em seguida, procuramos estabelecer a conexão entre as duas abordagens a partir da exploração de conceitos-chave em ambas as correntes. Por fim, são tecidas algumas considerações sobre o tema.

2 Dinâmica de acumulação de capital na periferia do capitalismo

O estruturalismo latino-americano foi pioneiro na tentativa de definir as especificidades do crescimento e desenvolvimento dos países periféricos. Para tanto, aprofundou-se a análise sobre a composição das estruturas do sistema econômico global na busca de mecanismos que perpetuavam uma dinâmica de crescimento divergente entre os países ao longo do tempo (Bielschowsky, 1998BIELSCHOWSKY, R. Cinquenta anos de pensamento da CEPAL. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.).

O ponto fundamental da abordagem estruturalista é que a relação centro-periferia foi constituída historicamente pela diferença expressiva na propagação do progresso técnico pela economia mundial (Prebisch, 1962PREBISCH, R. El desarrollo económico de América latina y algunos de sus principales problemas. Boletín Económico América Latina, 1962.; Furtado, 1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.; Pinto, 1971; Tavares, 1981TAVARES, M. C. Problemas de industrialización avanzada en capitalismos tardíos y periféricos. Economia de América Latina. México: Centro de Investigación y Docência Económicas, n. 6, primeiro semestre, 1981.; Rodriguez, 2009RODRIGUEZ, O. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2009.). No centro, a inovação se difunde para o sistema econômico de forma relativamente rápida. Isso acontece porque existe um estímulo constante ao progresso devido à recorrente pressão nos custos oriunda da conjunção de escassez de mão de obra com a organização dos sindicatos, que culminam em contínuos aumentos reais de salário.

O aumento dos salários reais induz a inovação e o aprofundamento da intensidade de capital. Como a estrutura produtiva tem maiores encadeamentos intersetoriais, há maior difusão das inovações. Ou seja, nos países centrais observa-se crescimento da produtividade paralelamente ao aumento do salário real de forma horizontal (vários setores), dando sustentabilidade ao crescimento na medida em que garante o aprofundamento da acumulação de capital concomitantemente com a melhoria do padrão de vida da classe trabalhadora.

Na periferia, as novas técnicas são implementadas inicialmente nos setores exportadores que são, geralmente, de produtos menos complexos. Por eles apresentarem menores encadeamentos produtivos, baixa integração vertical e menores economias externas, não ocorre efetiva difusão da inovação na economia. Paralelamente, esses países são marcados por excesso de mão de obra, atenuando as pressões por aumentos salariais. Nesse contexto, o menor crescimento da produtividade ocorre por duas vias: no nível macro, a dificuldade de difusão acentua os diferenciais entre setores; e no nível micro, a menor pressão por aumentos salariais inibe a introdução de inovações. Essas duas dimensões se retroalimentam continuamente.

A baixa difusão das inovações induz uma diferença expressiva nos níveis de produtividade entre setores, denominada heterogeneidade produtiva (Pinto, 1971). Assim, as economias periféricas têm estruturas produtivas especializadas e heterogêneas, características básicas que condicionam a inserção nos fluxos comerciais, estabelecendo um padrão de comércio com especialização em bens de menor sofisticação tecnológica. Essas características condicionam a participação dessas economias no mercado global e, consequentemente, suas possibilidades de crescimento por diferentes dimensões que se complementam e se reforçam cumulativamente.

Uma dessas dimensões, primeiramente ressaltada por Prebisch (1962PREBISCH, R. El desarrollo económico de América latina y algunos de sus principales problemas. Boletín Económico América Latina, 1962.), se refere à deterioração dos termos de troca, dados pela razão entre os preços das importações e exportações. A discrepância das elasticidades-renda e preço faz com que a receita das exportações seja insuficiente para cobrir os gastos com importações, sujeitando as economias periféricas à restrição externa e diminuindo a acumulação de capital.

É importante destacar que a deterioração dos termos de troca não deve ser entendida como uma lei inexorável, mas como uma tendência que afeta o desempenho das exportações e pode ser contornada de acordo com conjunturas específicas do comércio internacional (i.e., boom de commodities), mas se mantém como uma característica estrutural latente dos países periféricos que tende a se manifestar em momentos de crise e/ou desaceleração do crescimento.1 1 O trabalho de Arezki et al. (2013) apresenta evidências de que a deterioração dos termos de troca tem impacto significativo na periferia e é prejudicial à acumulação de capital.

Essa tendência à deterioração é uma decorrência das diferenças nas elasticidades-preço e renda dos produtos exportados, o que influencia o grau de restrição externa e, consequentemente, a capacidade de crescimento da economia (Dosi et al., 1990DOSI, G; PAVITT, K. SOETE, L. Economics of technical change and international trade. New York: Penguins, 1990.; Cimoli et al., 2005CIMOLI, M.; PORCILE, G; PRIMI, A.; VERGARA, S. Cambio estructural, heterogeneidad productiva y tecnologia em America Latina. In: PORCILE, G. Heterogeneidad estructural, asimetrias tecnológicas y crecimiento en America Latina. 2005.; Rodriguez, 2009RODRIGUEZ, O. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2009.; Gouvêa; Lima 2013GOUVÊA, R. R.; LIMA, G. T. Mudança estrutural e crescimento sob restrição externa na economia brasileira: 1962-2006. Economia e Sociedade, Campinas, v. 22, n. 1, abr. 2013.).

Com relação à diferença de elasticidades de exportação, de acordo com Dosi et al. (1990DOSI, G; PAVITT, K. SOETE, L. Economics of technical change and international trade. New York: Penguins, 1990.), a estrutura produtiva define a inserção externa. A maior complexidade tecnológica se expressa em melhores elasticidades (preço e renda) de comércio. A correlação positiva entre grau de sofisticação tecnológica e oligopolização do mercado se deve à dificuldade de imitação (maior apropriabilidade), o que aumenta a diferenciação de preços e diminui sua volatilidade.

Assim, a especialização produtiva em setores com menor sofisticação tecnológica implica menor incorporação de progresso técnico, limitando a competitividade, restringindo as importações e freando a acumulação de capital (Furtado, 1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.; Pinto, 1970; Rodriguez, 2009RODRIGUEZ, O. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2009.).

Essas características fazem com que as exportações periféricas tenham menores elasticidades-renda e preço nas suas exportações, o que limita o processo de acumulação de capital.

Para justificar a menor expansão dos setores exportadores, Jayme Jr.; Resende (2009) identificam quatro características que definem o potencial de crescimento das exportações: estrutura de mercado (grau de concentração); dinamismo (taxas de crescimento), grau de proteção; e diversificação produtiva. Quanto mais próxima de um oligopólio, maior a capacidade de fixação de preços e maior a rentabilidade. Quanto maior o crescimento da demanda, maior o valor das exportações. Quanto menos práticas protecionistas, maior o valor exportado. Por fim, quanto mais diversificada a produção, maior a quantidade de setores capazes de competir e mais complexa é a pauta de exportações.

Outra dimensão de diferenciação estrutural se refere à tecnologia. Como o progresso técnico na periferia é fruto da importação de tecnologias externas, o menor crescimento da produtividade é acompanhado pela incapacidade de geração interna de inovações (Fajnzylber, 1976FAJNZYLBER, F. A empresa internacional no processo de industrialização da América Latina. In: SERRA, J. América Latina: ensaios de interpretação econômica. São Paulo: Paz e Terra, 1976.). Por um lado, isso acarreta a dependência tecnológica. Por outro, inovações tecnológicas são bens (e processos) diferenciados, de modo que seus detentores têm maior possibilidade de estabelecer preços, o que acaba aumentando os custos de aquisição de novas tecnologias.

Visto que a tecnologia foi desenvolvida em um contexto de escassez de mão de obra, sua adoção na periferia tem dois impactos sobre a acumulação de capital. Primeiramente, o crescimento da produção ocorre com absorção decrescente de emprego, exacerbando o excesso de mão de obra existente. Em segundo lugar, investimentos adicionais necessitam de quantidades crescentes de imobilização de capital, ou seja, o coeficiente de capital de alguns setores cresce continuamente em um contexto de escassez relativa de capital em relação ao trabalho, o que encarece o investimento, além de aumentar seu custo de oportunidade (Tavares, 1983TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.).

A conjunção dessas características (especialização, heterogeneidade, tecnologia estrangeira e restrição externa) gera um processo contínuo de diferenciação de renda entre os polos do sistema.

Em outras palavras, como a renda é dada pelo produto entre a produtividade e os preços (Rodriguez, 2009RODRIGUEZ, O. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2009.), a diferenciação ocorre porque na periferia tanto a produtividade quanto os preços crescem menos do que no centro. A produtividade cresce menos devido à menor introdução e difusão de inovações enquanto os preços sobem menos pela conjunção do excesso de mão de obra (que diminui a pressão por aumentos salariais) com a menor elasticidade-preço dos produtos da periferia. As características estruturais destacadas fazem com que essa tendência se retroalimente ao longo do tempo, constituindo, por si só, mecanismo fundamental para a diferenciação de renda no sistema centro-periferia.

Dessa forma, o processo de acumulação de capital na periferia é concentrador em múltiplos aspectos. Na estrutura produtiva, com predominância de poucas atividades com pouca difusão intersetorial de inovações; no mercado de trabalho, que é conformado pela matriz produtiva especializada e heterogênea; e na distribuição de renda, como resultado da conjunção da estrutura econômica e ocupacional (Tavares, 1981TAVARES, M. C. Problemas de industrialización avanzada en capitalismos tardíos y periféricos. Economia de América Latina. México: Centro de Investigación y Docência Económicas, n. 6, primeiro semestre, 1981.). Assim, o conceito de heterogeneidade produtiva é expandido para a perspectiva de uma heterogeneidade social (Furtado, 1992FURTADO, C. Culturas híbridas. Estratégias para entrar y salir de la modernidad. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1992.), que considera a incapacidade de satisfação das necessidades da parcela da população que não tem acréscimo de renda.

Nesse sentido, consolida-se uma estrutura produtiva atrasada tecnologicamente e uma estrutura social altamente concentrada e estratificada. São diferentes facetas do mesmo processo de acumulação de capital, com deficiências estruturais que impedem a convergência de renda e determinam um padrão de distribuição de renda excessivamente concentrado.

Furtado (1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.) busca analisar os impactos da concentração de renda sobre o desenvolvimento periférico, destacando que a adoção de uma estrutura produtiva externa tem como contrapartida a incorporação de padrões de consumo também determinados exogenamente, o que tende a reforçar a restrição externa.

Esse fenômeno é denominado efeito-demonstração e representa uma característica fundamental da estrutura periférica, na medida em que consolida padrões de consumo e de produção incompatíveis com a dotação de fatores e com a renda de países subdesenvolvidos (Furtado, 1983FURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo. Abril Cultural, 1983.; Tavares, 1983TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.).

Essa lógica está relacionada ao conceito de modernização, entendido como diversificação da estrutura de demanda sem uma contrapartida na estrutura produtiva (Furtado, 1974FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.). À medida que os bens são importados para atender ao consumo conspícuo da elite, eles implicam a absorção de valores e preferências dos países centrais, denotando a faceta cultural do dualismo periférico (Furtado, 1983).

A dependência cultural é vista tanto no âmbito da cultura material, relacionada ao avanço técnico e da acumulação, quanto da cultura não material, constituída pelo patrimônio de ideias e valores que uma sociedade vai construindo (Furtado, 1978). A introdução de novos produtos para consumo vem acompanhada de novos processos de trabalho que impõem à sociedade periférica um sistema de cultura definido pelo centro, diferente daquele estabelecido nos setores arcaicos da economia (Borja, 2013BORJA, B. Notas sobre a dimensão Cultural em Celso Furtado. In D’AGUIAR, R.F. (Org.). Celso Furtado e a dimensão cultural do desenvolvimento. Rio de Janeiro: E-papers: Centro Internacional Celso Furtado. pp. 125-153, 2013.; Caetano; Missio, 2017CAETANO, J. E. B.; MISSIO, F. Notas sobre o papel da cultura no desenvolvimento em Celso Furtado. Textos de economia. v. 20, p. 19, 2017.).

Ao se manifestar pelo consumo conspícuo das classes mais ricas, o efeito-demonstração estabelece padrões de consumo e de produção que reforçam as características estruturais da periferia e contribuem para aprofundar a estratificação da estrutura social e reforçar as particularidades do sistema de acumulação de capital. A internalização dessa cultura material vem acompanhada da incorporação dos aspectos não materiais, dos valores e ideias exógenos que se configuram como elementos indutores da desarticulação das identidades culturais dos países periféricos. Essa característica está ligada à importância dada pelo estruturalismo aos “parâmetros não econômicos” na conformação do sistema econômico e social. Para Fonseca (2009FONSECA, P. C. D. A política e seu lugar no estruturalismo: Celso Furtado e o impacto da grande depressão no Brasil. Economia, Selecta, Brasília (DF), v. 10, n. 4. p. 867-885, 2009.), no que se refere aos aspectos metodológicos, o estruturalismo cepalino se diferenciou na medida em que procurou deliberadamente incorporar variáveis não econômicas em seus modelos e teorias.

Esse caráter holístico do estruturalismo é ressaltado por Missio et al. (2015MISSIO, F.; JAYME JR., F.; CONCEIÇÃO, O. A. O problema das elasticidades nos modelos de crescimento com restrição externa: Contribuições ao debate. Estud. Econ., São Paulo, v. 45, n. 2, p. 317-346, abr.-jun. 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/>. DOI: 10.1590/0101-4161201545233ffo.
https://doi.org/10.1590/0101-41612015452...
), ao mostrar que os sistemas econômicos devem ser entendidos como uma rede de elementos inter-relacionados, que não podem ser separados para serem analisados atomisticamente, ou seja, há uma organicidade do sistema como um todo. As relações que constituem a estrutura são mais importantes do que a agregação de seus elementos individuais, o que não quer dizer que as totalidades encobrem suas partes constituintes (Jackson, 2003JACKSON, W. A. Social structure in economic theory. Journal of Economic Issues, v. 37, n. 3, 727-746, 2003.).

Sob essa perspectiva, a proposta de desenvolvimento endógeno se fundamenta na necessidade de reversão da heterogeneidade social e da dependência cultural das economias periféricas, que é possível mediante a consolidação da identidade própria, valorizando as potencialidades inerentes ao arcabouço cultural dessas sociedades.

A partir desse panorama, em seguida utilizamos as contribuições de Veblen para identificar como fatores institucionais são relevantes para perpetuar a dependência cultural. Isso é feito mediante a utilização dos conceitos de hábitos e instituições como elementos-chave para o processo de legitimação de ideias e valores na sociedade. Assim, é possível identificar as interseções entre as abordagens que contribuem para compreender o processo de acumulação de capital na periferia.

Na seção seguinte, apresentamos os conceitos de hábitos, instituições e o processo de legitimação social de preferências. Em seguida, discute-se a ideia vebleniana de emulação e sua correspondência com o efeito-demonstração estruturalista.

3 Hábitos, instituições e conformação social

O institucionalismo originário de Veblen parte de uma conexão entre os indivíduos, seus hábitos, instintos e padrões comportamentais, com o ambiente “macroeconômico”, cuja interação social estabelece padrões e regularidades do comportamento humano (Hodgson, 2007HODGSON, G. Peripheral vision institutions and individuals: Interaction and evolution. Organization Studies, v. 28, n. 1, 2007.; Agne; Conceição, 2018AGNE, C. L.; CONCEIÇÃO, O. A. Dos hábitos às instituições: proposições analíticas na Economia Institucional de Thorstein Veblen. Redes, Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul, v. 23, n. 2, p. 386-407, maio-ago. 2018.). Em outros termos, tais regularidades estabelecem sistemicamente padrões de comportamento que emergem do nível micro e se estabelecem no plano macro, criando um processo retroalimentador de ação e reação.

Alguns dos seguidores de Veblen, como Gunnar Myrdal, designaram esse processo de “causação cumulativa”. A nosso ver essas variações seguem o mesmo processo de destruição-criadora descrito por Schumpeter, gerando mutações (ou novas regularidades) que eclodem no nível micro e tomam forma “agregada” no plano macro. Assim, os desdobramentos macroeconômicos estão intrinsecamente ligados às inovações que ocorrem no nível micro (Agne; Conceição, 2018AGNE, C. L.; CONCEIÇÃO, O. A. Dos hábitos às instituições: proposições analíticas na Economia Institucional de Thorstein Veblen. Redes, Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul, v. 23, n. 2, p. 386-407, maio-ago. 2018.). Entendemos que tal mecanismo também está presente na noção de subdesenvolvimento do estruturalismo latino-americano.

Cabe, porém, referir que não há em Veblen uma “teoria do desenvolvimento” como o fez o estruturalismo, a partir da relação centro-periferia examinada na seção anterior. No entanto, a tradição institucionalista de Veblen, Commons e Mitchell sempre se preocupou com os contornos de uma formatação teórica capaz de dar conta da complexidade desse processo. As noções de causalidade, da interação entre indivíduos e estrutura, o processo de mudança das estruturas (e instituições), a importância da governança, o papel das inovações dos empresários criativos e tantos outros aspectos influíram no avanço da própria noção de desenvolvimento econômico. Sem pretender esgotar esse infindável tema, destacamos algumas contribuições dos institucionalistas, que, a partir de Veblen, ocuparam-se desse tema.

Entendemos que a perspectiva institucionalista sobre desenvolvimento econômico desdobra-se a partir de quatro frentes não exclusivas, que, em nossa ótica, interagem entre si no tratamento do referido tema. Essa agenda de pesquisa inicia-se com os estudos de Veblen materializados em Teoria da classe ociosa e The instinct of workmanship, seguindo-se The theory of business enterprise, e outros estudos. Posteriormente, Commons e Mitchell estabeleceram avanços no campo das teorias das organizações e business cycles. Enquanto o primeiro focou seus estudos sobre as organizações do mercado de trabalho, Mitchell atentou para conexões do institucionalismo com o campo macroeconômico, que o permitiram avançar na mensuração estatística e no tratamento dos agregados macroeconômicos.

Há outra tradição norte-americana seguidora de Veblen, a qual teve em Clarence Ayres importante referência, a partir do pós-guerra, que estabeleceu notáveis avanços na proposição da “dicotomia vebleniana”, distinguindo elementos cerimonialistas (instituições) de instrumentalistas (tecnológicos). Os primeiros “retardavam” os avanços, os últimos os aceleravam.

Na revista Journal of Economics Issues essa abordagem tem sido referida como conexão Veblen-Peirce-Dewey-Ayres, que, desde os anos de 1950, vem exercendo grande influência no institucionalismo americano. Seus estudos avançaram nos conceitos de “valor instrumental”, que constituiriam os espaços institucionais. Galbraith, nos anos de 1960, foi importante seguidor de Veblen, que avançou nessa trilha propondo a noção de “efeito-demonstração”. Tool argumenta que a obra de Veblen Imperial Germany and the Industrial Revolution foi uma das primeiras a explicar esse tipo de mudança evolutiva. Nesse trabalho, Veblen considerava o impacto da transferência dos modos comportamentais tecnológicos e industriais ingleses sobre as tradições culturais germânicas, gerando padrões diferenciados, específicos e imprevisíveis.

Saliente-se também, que, sob esse espectro, os estudos de Gunnar Myrdal sobre causação circular têm grande convergência com a abordagem estruturalista. É a partir desse panorama que a relação entre indivíduos, hábitos e instintos conforma o desenho de estratégias nacionais de desenvolvimento e evolução institucional. As noções emulação e efeito-demonstração advêm dessas interações, como veremos na sequência.

No continente europeu, a partir dos anos de 1980, fortaleceu-se a conexão entre Veblen e evolucionismo, que estabeleceu novos avanços no campo evolucionário, relativamente negligenciado pelos norte-americanos ayresianos. Geoffrey Hodgson é referência nesse campo.

Já a tradição da Nova Economia Institucional (North; Coase; Williamson), embora hegemônica no campo mais próximo ao mainstream, estabeleceu expressivos avanços no campo do desenvolvimento econômico, mas omitiu explicitamente qualquer vinculação com os estudos de Veblen, condenando seu legado a uma posição próxima do ostracismo.

Em A Teoria da classe ociosa (1899), Veblen explicitou que o papel dos indivíduos na formação do ambiente institucional tem um duplo caráter: eles são influenciados através da cultura e das rotinas socialmente estabelecidos ao mesmo tempo que influenciam as instituições através de seus hábitos e padrões de comportamento. Há uma relação biunívoca entre indivíduos e instituições, em um processo de “causalidade cumulativa”.

A cumulatividade se alimenta das mutações oriundas do processo de evolução, que permitem a consolidação ou desarticulação de determinado processo de formação institucional. Essa consolidação tem implícita a ideia de que o arcabouço institucional para o desenvolvimento econômico, tecnológico e social2 2 Esse nexo teórico seria designado pelos neo-schumpeterianos, como Freeman e Perez (1988), de paradigma tecno-econômico. desdobra-se em novas trajetórias, trazendo novidades que tendem a se espraiar até se tornarem sistêmicas, gerando novas instituições que substituem os paradigmas vigentes. Esses paradigmas, por sua vez, podem ser entendidos como hábitos e convenções que são socialmente legitimados como um padrão de comportamento social.

Assim, o processo adaptativo tem um caráter duplo: “(…) according to Veblen (1899VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899., p. 190), the adaptive process works through both ‘a selection between stable types of temperament and character’ and ‘an adaptation of men’s habit of thought to changing circumstances’” (Hodgson, 2007HODGSON, G. Peripheral vision institutions and individuals: Interaction and evolution. Organization Studies, v. 28, n. 1, 2007.). A interação dos indivíduos com as instituições conduz ao desenvolvimento da sociedade.

Nesse contexto, o conceito de hábito tem papel central. Para Hodgson (2007HODGSON, G. Peripheral vision institutions and individuals: Interaction and evolution. Organization Studies, v. 28, n. 1, 2007.), hábito é a propensão não deliberada e autorrealizada de engajamento em um padrão de comportamento previamente adotado. É um padrão de comportamento autossustentado estabelecido a partir de situações repetitivas. Ou seja, os hábitos se vinculam ao conhecimento e às crenças, contribuindo para sua consolidação e legitimação social e condicionando a forma pela qual os agentes realizam suas escolhas individuais.3 3 Para a economia convencional, os hábitos são derivados do comportamento racional e resultam de escolhas prévias. Para os institucionalistas originais há uma inversão dessa lógica: a escolha “racional” é que deve ser explicada em termos de hábitos (Agne; Conceição, 2018). Dessa forma, o hábito está ligado tanto aos indivíduos quanto às instituições.

Veblen (1899VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899.) define as instituições como um padrão de ação coletiva que se origina do conjunto de hábitos e do comportamento humano que parte dos indivíduos.4 4 Já a Nova Economia Institucional (NEI) propõe o conceito de instituição como o conjunto de regras formais e informais e sua “evolução”. As regras asseguram a estabilidade do sistema, minimizando as incertezas inerentes às imperfeiçoes de mercado. Williamson (1993; 1995; 2000) realiza uma discussão mais detalhada desses aspectos, explicitando os pontos centrais da agenda de pesquisa da NEI. As instituições são, também, fruto da ação dos indivíduos. Hamilton (1932) estabelece um conceito de instituição conectado com a noção de hábito, onde instituição é: “a way of thought or action of some prevalence and permanence, which is embedded in the habits of a group or the customs of a people” (Hamilton, 1932, apudHodgson, 2007HODGSON, G. Peripheral vision institutions and individuals: Interaction and evolution. Organization Studies, v. 28, n. 1, 2007., p. 48). Genericamente, podemos, a partir de proposição sugerida pelo referido autor, caracterizar instituições como oriundas da: interação dos agentes; comportamentos comuns ou rotineiros; concepções compartilhadas por expectativas, reforçadas pela ação individual; incorporação de valores e processos de avaliação normativa; padrões de durabilidade mais ou menos estáveis (Agne; Conceição, 2018AGNE, C. L.; CONCEIÇÃO, O. A. Dos hábitos às instituições: proposições analíticas na Economia Institucional de Thorstein Veblen. Redes, Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul, v. 23, n. 2, p. 386-407, maio-ago. 2018.).

Assim, sob essa perspectiva, os hábitos são um elemento central da estrutura cognitiva dos indivíduos e, consequentemente, cruciais para a formação e manutenção das instituições. A habilidade de aprendizado encontra-se embedded nos hábitos, que formam as instituições. Em uma aproximação com a linguagem neo-schumpeteriana tem-se que:

Habits and routines thus preserve knowledge, particularly tacit knowledge in relation to skills, and institutions act through time as their transmission belt. Institutions are regarded as imposing form and social coherence upon human activity partly through the continuing production and reproduction of habits of thought and action. This involves the creation and promulgation of conceptual schemata and learned signs and meanings. Institutions are seen as a crucial part of the cognitive processes through which sense-data are perceived and made meaningful by agents (Veblen, 1899VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899., p. 180).

Esse é o sentido em que estrutura social e indivíduos sempre interagem. As instituições são resultado de hábitos, crenças e padrões de comportamento dos indivíduos ao mesmo tempo que repercutem, reforçando ou não, as convenções sociais. A ação individual materializa-se da base (indivíduos) para o topo (instituições), ao mesmo tempo que a ação coletiva faz o caminho contrário, consolidando os hábitos individuais através das instituições.5 5 Essa é a razão que levou o pensamento institucionalista herdeiro da tradição de Veblen a questionar tanto o individualismo metodológico, quanto o coletivismo metodológico. Ambos são insuficientes para apreender a dinâmica simultânea de indivíduos e estruturas na conformação social.

O hábito é o elo entre o indivíduo e a estrutura, afetando ambos concomitantemente. A consolidação dos hábitos se materializa como uma estrutura institucional. Essa estrutura afeta a formação de preferências individuais (Reconstitutive Downward Causation, ou Effects), que, concomitantemente, dão legitimidade à estrutura institucional vigente (reinforcement), consolidando e/ou recriando instituições em um processo cumulativo que não tem uma trajetória predefinida.

Para os institucionalistas originais, há dois níveis de análise: o micro e o macro. Ambos preservam sua relativa autonomia teórica, mas estão conectados metodologicamente. Ou seja, a análise institucionalista baseia-se em uma metodologia que tem como aspecto central a cumulatividade, o lock-in e self-reinforcement das relações sociais.

A economia institucional de Veblen procura restaurar a noção de hábito como mecanismo central para explicar as ações individuais. Tal incorporação analítica traz novos elementos à compreensão da relação agência-estrutura (indivíduo-instituição) e o modo como essa relação se manifesta como uma tendência do processo de estratificação social. A forma como os agentes individuais se relacionam através de instituições impede que, analiticamente, sejam tratados como elementos “exógenos”, como procede a abordagem convencional. Ou, em outros termos, assim como as estruturas não podem ser adequadamente explicadas em termos individuais, os indivíduos não podem ser adequadamente explicados em termos de estruturas (Hodgson, 2007HODGSON, G. Peripheral vision institutions and individuals: Interaction and evolution. Organization Studies, v. 28, n. 1, 2007.). É a interação contínua entre indivíduos e instituições que condiciona a evolução do ambiente institucional.

Como salientado em Agne e Conceição (2018AGNE, C. L.; CONCEIÇÃO, O. A. Dos hábitos às instituições: proposições analíticas na Economia Institucional de Thorstein Veblen. Redes, Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul, v. 23, n. 2, p. 386-407, maio-ago. 2018.), nenhum dos elementos constitutivos dessa interação “são dados”. Há sempre a possibilidade de surgirem mudanças oriundas dos próprios agentes e da evolução das instituições. Os hábitos dos indivíduos fortalecem ao mesmo tempo que são fortalecidos pelas instituições. Esse círculo mútuo dota as instituições de inércia e estabilidade, formando uma estrutura cognitiva de interpretação das informações que reforça, de maneira cumulativa, os hábitos e rotinas vinculados às instituições. Essa inércia, ainda que contribua para uma estabilidade, não implica de forma alguma a imutabilidade das instituições. Ao contrário, a própria dinâmica de interação entre as esferas micro e macro contribui para que as mudanças institucionais ocorram.

As regularidades do institucionalismo manifestam-se no nível sistêmico, através do mecanismo de reconstitutive downward causation, e são reforçadas pelos indivíduos por feedbacks positivos, que influenciam o nível macroeconômico (reinforcement), estabelecendo uma permanente interação micro-macro, com forte lock-in e self-reinforcement. Há sempre a possibilidade de surgirem mudanças oriundas dos próprios agentes e da evolução das instituições.6 6 Tal perspectiva é bastante diferente da construção microeconômica a partir de “sólidos microfundamentos”, dos quais derivariam as regularidades macroeconômicas.

Essas mudanças podem ser marginais ou disruptivas, seguindo a mesma lógica da concepção de inovação schumpeteriana. Como salientou Veblen, “When a step in the development has been taken, this step itself constitutes a change of situation which requires a new adaptation; it becomes the point of departure for a new step in the adjustment and so on interminably” (idem, p. 191).

Entretanto, também nessa esfera podemos observar que há um conflito claro de interesses entre as classes7 7 É importante ressaltar que o conceito de classe de Veblen não denota a posição econômica do indivíduo, e sim de um grupo que ocupa uma posição socialmente demarcada entre os membros de uma comunidade. que compõem a sociedade. Sob esse aspecto, Veblen atesta que “the members of the wealthy class do not yield to the demand for innovation as readily as other men because they are not constrained to do so (…) they have the material interest in leaving things as they are” (ibid., p. 206). Essa resistência à mudança busca manter seus privilégios sociais.

Dada a contraposição, era de se esperar que as camadas inferiores se organizassem para alcançar seus objetivos. Entretanto, a subordinação às classes privilegiadas inibe a criação de uma identidade efetivamente autônoma (Veblen, 1899VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899.). Para explicar tal fato, utiliza-se o conceito de emulação.

De acordo com Veblen (1899VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899.), a emulação pode ser caracterizada como “um estímulo no sentido de diferenciar-se em relação àqueles que estão no mesmo entorno social” (p. 64). Ela induz a segmentação social a partir de estratos que servem como referência dentro de uma estrutura cultural existente. A demonstração de riqueza, ao colocar em evidência o proprietário, constitui o eixo de segmentação da estrutura social.

The motive that lies at the root of ownership is emulation; and the same motive of emulation continues active in the further development of the institution to which it has given rise and in the development of all those features of the social structure to which this institution of ownership touches. The possession of wealth confers honor; it is an invidious distinction (Veblen, 1899VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899., p. 17).

A riqueza torna-se a evidência socialmente reconhecida e legítima de reputação, é o instrumento de diferenciação com relação aos outros estratos sociais. Aqueles que não a possuem são discriminados e estimulados a obtê-la a fim de se equalizarem.

É nesse sentido que se manifesta a comparação odiosa (invidious comparison), denominada como mensuração e valorização dos indivíduos de acordo com o conjunto de costumes sociais estabelecidos. É uma comparação pejorativa que diferencia e segmenta os estratos sociais de uma comunidade.

Assim, a emulação torna-se, em si, um motivo para a acumulação, ainda que não seja o único. Ela atua em duplo sentido. Uma minoria busca continuamente diferenciar-se ao mesmo tempo que a maioria almeja alcançar a posição social diferenciada (Veblen, 1899VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899.). Veblen denomina o estrato superior da estrutura social como “classe ociosa”, aquela que ostenta sua propriedade. Os produtos são desejados não só pelo seu valor de uso, mas como sinalizadores da posse de riqueza e status.

Com o desenvolvimento das forças produtivas, a emulação adquire um caráter fortemente pecuniário, associado à posse e consumo (Veblen, 1899VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899.). Além da diferenciação por status, a emulação também tem impactos no âmbito econômico. O consumo conspícuo das classes abastadas e sua ânsia por diferenciação induzem o melhoramento e/ou a criação de novos produtos, estimulando a inovação. A difusão desse padrão como referência social estimula o consumo desses bens pelos outros estratos sociais, legitimando o processo de acumulação e os hábitos de consumo da classe ociosa ao mesmo tempo que garante a realização dos produtos. A importância do consumo das classes abastadas denota o primeiro ponto de contato com o estruturalismo latino-americano.

O processo de diferenciação/difusão confere dinâmica ao sistema. O acesso pelas classes pobres impulsiona o crescimento, possibilitando a introdução de inovações que contribuem para a diferenciação de produtos para a classe ociosa, conformando uma dinâmica cíclica e cumulativa de expansão da produção e do consumo.

Dessa forma, configura-se uma estratificação social na qual a classe ociosa tem papel central, utilizando-se do consumo conspícuo para se diferenciar frente à sociedade. Esses padrões se difundem, de modo que os indivíduos de cada estrato tendem a se tornar referência para o estrato imediatamente inferior, em um efeito dominó que perpassa todas as classes. Nas palavras de Veblen:

But as fast as a person makes new acquisitions, and becomes accustomed to the resulting new standard of wealth, the new standard forthwith ceases to afford appreciably greater satisfaction than the earlier standard did. The tendency in any case is constantly to make the present pecuniary standard the point of departure for a fresh increase of wealth; and this in turn gives rise to a new standard of sufficiency and a new pecuniary classification of one’s self as compared with one’s neighbors (p. 20).

É nesse sentido que o consumo pecuniário de bens se manifesta como um instrumento de diferenciação social, pois induz a diferenciação/difusão dos padrões estabelecidos pela classe ociosa. A emulação, pela sua dupla natureza de constante diferenciação e cópia, é o elemento dinâmico que retroalimenta essa tendência. As formas de expressão das preferências assumem características próprias em cada caso particular, mas não deixam de ser uma característica intrínseca da vida social.

Assim, o consumo conspícuo é o hábito individual que consolida um padrão de consumo que se torna referência para toda a sociedade (econstitutive downward effects). Na medida em que a emulação faz com que outros estratos sigam o padrão, ocorre a legitimação social da estrutura institucional vigente (reinforcement).

É importante ressaltar que a análise feita pelos institucionalistas originais se direciona para a dinâmica social em caráter mais abstrato. Uma vez delineados os conceitos fundamentais da abordagem, é possível analisar especificamente como os conceitos veblenianos se encaixam na dinâmica de acumulação de capital de países subdesenvolvidos. Neste sentido, a próxima seção busca estabelecer um paralelo entre as abordagens, identificando pontos de superposição e conceitos que possam amalgamar as concepções teóricas apresentadas até então.

4 Perspectivas institucionalistas na dinâmica periférica

Esta seção busca avaliar se os conceitos do institucionalismo vebleniano contribuem para aprofundar a compreensão acerca da dinâmica de acumulação de capital dos países subdesenvolvidos descrita na primeira seção.

O primeiro ponto de convergência se refere à concepção da relação indivíduo-estrutura. Ambas as abordagens refutam a ideia convencional de agentes representativos que buscam a maximização de preferências e são atomisticamente agregados para conformar a estrutura vigente. Enxergam os indivíduos como frutos do entorno no qual estão inseridos, condicionados pelas características institucionais vigentes ao mesmo tempo que podem modificá-las mediante suas ações individuais. O todo é visto como mais do que a soma das suas partes, é fruto da interação contínua entre os indivíduos e as instituições em um processo evolutivo indefinido e não determinista. Indivíduos e estrutura se influenciam mutuamente.

Para incorporar as contribuições institucionalistas, é necessário identificar a classe ociosa na periferia. Além da elite econômica representada pelos segmentos exportadores, é importante considerar a relevância da elite política local, que pode ser consubstanciada pelo conceito de estamento burocrático de Faoro (1973). Ainda que existam eventuais divergências entre elas, é inegável que ambas são diretamente influenciadas pelo padrão cultural dos países centrais e são responsáveis por estabelecer e consolidar o padrão de preferências que é socialmente aceito e serve como um referencial na sociedade periférica.

Ao retratar o desenvolvimento na periferia, Furtado (1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.) destaca a importância do consumo conspícuo. De acordo com sua perspectiva, a importação de bens não essenciais representa um vazamento de renda, diminuindo as reservas disponíveis para a acumulação de capital. Ele afirma que o consumo conspícuo torna-se um ponto central do desenvolvimento periférico. Nas palavras de Furtado:

Desenvolvimento periférico passa a ser, portanto, a diversificação (e a ampliação) do consumo de uma minoria cujo estilo de vida é ditado pela evolução cultural dos países de alta produtividade. (...) O principal fator causante da elevação de produtividade na economia periférica industrializada parece ser a diversificação dos padrões de consumo das minorias de alta renda, sem que o processo tenha necessariamente repercussões nas condições de vida da grande maioria da população (p. 182).

Esse trecho mostra que o consumo conspícuo tem papel central no processo de crescimento da periferia, sendo diretamente influenciado pelos países centrais. Além disso, também denota que esse processo é gradativamente difundido para a sociedade. Na periferia, as elites locais são o epicentro do processo de difusão do padrão de consumo socialmente aceito como ideal. Dessa forma, a relação é primeiramente estabelecida no âmbito internacional entre as elites central e periférica, sendo esta responsável pela posterior difusão desse padrão para o restante da sociedade.

Esse fenômeno remete à emulação descrita por Veblen em um processo de contínua diferenciação/difusão, tendo a elite local como meio de difundir e legitimar as preferências da elite central como padrão de referência na sociedade periférica. A emulação corresponde à faceta cultural do dualismo periférico destacado por Furtado. Ela é o mecanismo social pelo qual se manifesta e se perpetua a relação centro-periferia. A diferença para a concepção vebleniana é que na periferia há um elo adicional no processo de emulação, que parte da elite central para a elite local e posteriormente propagado para a sociedade periférica, consolidando os padrões de consumo e produção socialmente legitimados como ideais.

A emulação induz a diferenciação social entre indivíduos. As preferências dos países centrais tornam-se a base para a valorização pessoal, fundamentada em padrões pecuniários de consumo que legitimam os modelos externos como superiores, e têm impactos sobre a conformação das estruturas internas. Esse processo gradualmente se difunde para outros estratos em um efeito dominó que consolida os padrões vigentes.

Daí a referência ao termo “efeito-demonstração” que, embora não tenha sido diretamente empregado por Veblen, se aproxima com a abordagem a partir do conceito de emulação. Galbraith, ao estudar “O novo Estado industrial”, avança nesse sentido, estabelecendo que tal efeito ocorre quando tenta se reproduzir em ambientes diversos o mesmo padrão de comportamento do país original. Isso ocorre com a tecnologia (Inglaterra e Alemanha, vide texto do próprio Veblen), que reproduz na “periferia” padrões incompatíveis com a realidade local porque derivam de uma transmutação comportamental de um país a outro. Isso gera outras peculiaridades, só compreensíveis com o conceito de emulação: não se consegue reproduzir estruturas institucionais a partir de países bem-sucedidos.

O consumo conspícuo remete à noção vebleniana de hábito, ao passo que a difusão do referencial representa ao mesmo tempo a emulação na sociedade e a aceitação de convenções socialmente estabelecidas, que se consolidam como instituições nos países subdesenvolvidos. Observa-se, assim, a consolidação de uma estrutura institucional que legitima hábitos individuais como um paradigma de comportamento social.

A difusão do referencial de consumo da classe rica para o restante da sociedade representa o reconstitutive downward effect, ao passo que a contínua busca dos estratos inferiores para reproduzir esse padrão reflete o reinforcement institucional. O primeiro mostra como convenções sociais afetam as preferências individuais, ao passo que o segundo revela como essas preferências acabam por legitimar as instituições.

Assim, defendemos que o institucionalismo original é relevante para aprofundar a compreensão da dinâmica de dependência cultural da periferia, que se manifesta como um aspecto social e cultural que influencia a conformação da estrutura produtiva e atua cumulativamente no processo de diferenciação de renda em relação ao centro. A emulação contribui para a assimilação e legitimação da dependência cultural material e, principalmente, não material, com internalização de valores e ideias que se tornam socialmente aceitos na periferia.

Ainda que o foco de análise seja o estudo da conformação da estrutura social periférica a partir do estabelecimento do padrão de consumo da elite, é importante ressaltar que esse consumo tem sua contrapartida produtiva, conforme destacado por Furtado (1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.). A consolidação de preferências estimula a produção de bens destinados à satisfação das necessidades. Para tanto, a periferia incorpora tecnologia externa para atender à busca por diferenciação da elite. Assim, a principal fonte de aumento de produtividade e de inovações das economias periféricas está inerentemente ligada à matriz produtiva condicionada pelo padrão de consumo da elite local.

A emulação induz a disseminação da produção e faz com que os bens de luxo se tornem parte da cesta de consumo da população, em um processo de difusão para as outras classes sociais. Como contrapartida da difusão, a venda das mercadorias reforça a acumulação de capital, que se direciona para a importação de novos produtos, possibilitando a subsequente diferenciação pelo estrato mais rico. Dessa forma, a incorporação do progresso técnico faz com que ocorra a difusão dos padrões de consumo para o restante da sociedade ao mesmo tempo que consolida uma matriz produtiva de tecnologia externa. Isso possibilita o aprofundamento concomitante da dependência tecnológica e cultural dos países periféricos.

Assim, a intensificação da acumulação de capital na periferia ocorre mediante um contínuo processo de diversificação de produtos para consumo pela elite combinado com a posterior difusão desses produtos para os outros estratos sociais. Em ambos os casos, a matriz tecnológica externa condiciona o desenvolvimento da capacidade produtiva e tecnológica da periferia, bem como a estrutura de emprego da economia. Paralelamente, ocorre também a difusão de valores e padrões de consumo da cultura não material que reforçam a dependência cultural, contribuindo para consolidar, difundir e legitimar os aspectos sociais e produtivos da acumulação de capital.

Determinam-se, concomitantemente, os padrões de consumo e de produção. A consolidação de ambos ocorre a partir da difusão da referência de consumo legitimada como preferível e pela consolidação de uma matriz tecnológica exógena para atender essa demanda.

O conceito institucionalista de emulação se materializa a partir da ideia estruturalista de efeito-demonstração, pela qual uma minoria estabelece um padrão socialmente legítimo de diferenciação social. A elite periférica emula a elite central e estabelece padrões de consumo que, por sua vez, são emulados pelo restante da população.

Esse processo ocorre através do consumo conspícuo, o hábito da elite local (classe ociosa). Ao se alastrar para a sociedade, dissemina um padrão aceito como superior, construindo uma convenção social. A difusão de preferências representa o reconstitutive downward effect (como a estrutura afeta o indivíduo), influenciando a consolidação de hábitos individuais ao passo que a busca por reproduzir esse padrão representa o reinforcement institucional (como o indivíduo afeta a estrutura).

Dessa forma, observa-se que aspectos culturais têm impactos sobre a acumulação de capital na medida em que conformam um mercado consumidor latente para a expansão dos setores ligados ao consumo conspícuo e contribuem para a assimilação da cultura não material do centro. Não apenas a tecnologia tem caráter externo, mas também as referências de consumo. A dependência tecnológica e cultural são duas facetas do mesmo processo de acumulação de capital, retroalimentando-se cumulativamente no sentido de acentuar a diferenciação econômica entre centro e periferia mediante a homogeneização de padrões culturais importados do centro.

Dessa forma, é possível observar que os fatores sociais atuam cumulativamente para reforçar a dinâmica da esfera produtiva, afetando a acumulação de capital. Acreditamos que os aspectos sociais e econômicos são intrinsecamente conectados e se retroalimentam, reproduzindo um processo de crescimento que perpetua a diferenciação de renda entre os polos do sistema centro-periferia.

5 Considerações finais

Este artigo procurou aprofundar a compreensão da dinâmica de acumulação de capital em países subdesenvolvidos a partir de uma conexão entre a escola estruturalista latino-americana e o institucionalismo vebleniano. Apresentamos as principais características de ambas as correntes para identificar possíveis complementaridades.

Este trabalho, de caráter introdutório, não procura enquadrar o estruturalismo como uma teoria institucional, apenas utiliza esta abordagem para aprofundar a compreensão sobre os aspectos não econômicos do desenvolvimento periférico, ponto fundamental da perspectiva estruturalista.

Para tratar tais questões, buscamos conceitos centrais do estruturalismo com o intuito de analisar aspectos sociais nas economias periféricas. A partir da descrição dos processos fundamentais que determinam a dinâmica de acumulação desses países, procuramos identificar os principais elementos que contribuem para perpetuar o diferencial de renda em relação ao centro.

A incapacidade de geração e difusão do progresso técnico induz um padrão de crescimento que é concentrado tanto do ponto de vista da produção quanto da distribuição, conformando a excessiva heterogeneidade produtiva e social da periferia. Dessa forma, o crescimento econômico é associado à capacidade de diversificação do consumo da elite.

Esse consumo conspícuo é reflexo do efeito-demonstração, entendido como a emulação pela elite periférica dos padrões de consumo dos países centrais. Ou seja, a evolução dos padrões de consumo internos é determinada exogenamente e incorporada pela elite local. No âmbito da estrutura produtiva, a principal decorrência do efeito-demonstração é a consolidação de uma estrutura produtiva e ocupacional determinada pelo centro, além do vazamento de renda para o exterior, acentuando a restrição externa, inibindo o desenvolvimento interno e reforçando a acumulação de capital no centro.

Ainda que os aspectos materiais sejam os mais destacados, é importante considerar que há implicações não econômicas nessa dinâmica. Esse ponto é abordado no estruturalismo a partir do conceito de dependência cultural, ressaltando que a incorporação tecnológica não restringe a dependência ao âmbito econômico, mas também abarca aspectos sociais e culturais.

Dessa forma, o presente artigo busca as contribuições do institucionalismo vebleniano para compreender como esses processos não econômicos se estruturam e se consolidam na periferia. Procuramos sistematizar a lógica de reprodução da dinâmica social e a forma como essa lógica contribui para consolidar (e legitimar) o processo de acumulação de capital na periferia.

Nesse sentido, hábitos e instituições são os elementos constitutivos básicos para a análise da conformação social. Os hábitos são definidos como uma propensão à adoção de comportamentos estabelecidos a partir de situações repetitivas. As instituições, por sua vez, são padrões de ação coletiva que se originam de conjuntos de hábitos. As instituições são resultado de hábitos, crenças e padrões de comportamento dos indivíduos ao mesmo tempo que repercutem, reforçando ou não, as convenções sociais que regem esses hábitos. Assim, observa-se uma relação biunívoca entre indivíduos e estrutura social.

Como salientado ao longo deste texto, a ação individual materializa-se da base para o topo, e a ação coletiva faz o caminho contrário através das instituições, de modo que o hábito é o elo entre o indivíduo e a estrutura. A consolidação dos hábitos se materializa como uma estrutura institucional, que afeta a formação de preferências individuais (Reconstitutive Downward Causation). As instituições, por sua vez, são validadas pelos próprios hábitos (reinforcement), consolidando ou recriando instituições em um processo cumulativo que não tem uma trajetória predefinida.

É sob essa perspectiva de interação mútua indivíduo-estrutura que Veblen introduz o conceito de emulação, entendida como propensão à diferenciação dentro de uma comunidade, induzindo uma estratificação social baseada em status. Ela tem um aspecto ambíguo. Uma minoria busca continuamente diferenciar-se, ao passo que a maioria adota esses padrões como forma de aceitação social e satisfação pessoal. A emulação acaba se tornando parte da estrutura social na medida em que determina hábitos individuais e os padrões de referência da sociedade.

A partir dessa visão de conformação social, procuramos traçar um paralelo com os processos observados em economias periféricas. Para tanto, analisamos a correspondência entre a emulação vebleniana e o efeito-demonstração estruturalista, que se materializa a partir do consumo conspícuo da elite periférica.

O consumo conspícuo é o hábito individual que atua em duplo sentido. Por um lado, estabelece um padrão de referência que é gradativamente difundido para a sociedade, promovendo a internalização de preferências oriundas dos países centrais. Por outro, à medida que se difunde, acaba legitimando tais referenciais e consolidando a dependência cultural da sociedade periférica, tanto no âmbito material quanto no não material. É possível observar a interação biunívoca entre indivíduos e instituições, entre ação individual e ação coletiva se retroalimentando e se reforçando mutuamente.

Esse processo atua tanto na esfera produtiva quanto na esfera social. Na primeira, consolida um paradigma produtivo que é desenvolvido externamente, conformando uma dependência tecnológica que implica menor incremento da produtividade na periferia, perpetuando a heterogeneidade produtiva. Na esfera social, a adoção dos padrões de consumo atua para consolidar a dominância cultural e legitimar a estrutura produtiva na medida em que garante um mercado consumidor latente para tais produtos. Assim, a emulação acaba por reforçar os aspectos econômicos da acumulação de capital periférica, em um processo que se retroalimenta ao longo do tempo.

Nesse sentido, o artigo avançou em elementos teóricos que servem de suporte para aprofundar a compreensão acerca dos aspectos não econômicos que influenciam a acumulação de capital em países periféricos, demonstrando que há pontos de interseção e complementaridade entre o institucionalismo vebleniano e a abordagem estruturalista.

Além disso, a compreensão da dinâmica de reprodução social abre novas perspectivas para o desenvolvimento endógeno. Visto que a relação mútua entre hábitos e instituições denota as características fundamentais de legitimação e perpetuação da estrutura institucional vigente, é possível atuar para ressignificação de hábitos e valores. Dessa forma, um esforço para constituição de um arcabouço institucional que valorize as identidades culturais locais tem potencial de criar e consolidar novos hábitos, induzindo um ciclo cumulativo para legitimação de novo paradigma institucional que promova o desenvolvimento da sociedade dentro de suas próprias bases culturais.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq pelo auxílio financeiro para a realização dessa pesquisa.

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  • VEBLEN, T. The theory of the leisure class. New York: Cosimo Classics, 1899.
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  • WILLIAMSON, O. E. Transaction cost economics and organization theory. Industrial and Corporate Change, v. 2, n. 2, p. 107-156, 1993.
  • WILLIAMSON, O. E. Hierarquies, markets and power in the economy: An economic perspective. Industrial and Corporate Change, v. 4, n. 1, p. 21-49, 1995.
  • WILLIAMSON, O. E. The New Institutional Economics: Taking stock, looking ahead. Journal of Economic Literature, v. XXXVIII, pp. 595-613. Sept, 2000.
  • Ccódigos JEL:

    B41, B52, 043
  • JEL Codes:

    B41, B52, O43.
  • 1
    O trabalho de Arezki et al. (2013AREZKI, R.; HADRI, K; LOUNGANI, P.; RAO, Y. Testing the Prebisch-Singer Hypothesis since 1605: Evidence from panel techniques that allow for multiple breaks. IMF Working Paper. WP/13/180, 2013.) apresenta evidências de que a deterioração dos termos de troca tem impacto significativo na periferia e é prejudicial à acumulação de capital.
  • 2
    Esse nexo teórico seria designado pelos neo-schumpeterianos, como Freeman e Perez (1988FREEMAN, C.; PEREZ, C. Structural crisis of adjustment, business cycles and investment behavior. In: DOSI, G.; NELSON, R.; SILVERBERG, F.; SOETE, L. (Ed.). Technical change and economic theory. New York: Penguins, 1988.), de paradigma tecno-econômico.
  • 3
    Para a economia convencional, os hábitos são derivados do comportamento racional e resultam de escolhas prévias. Para os institucionalistas originais há uma inversão dessa lógica: a escolha “racional” é que deve ser explicada em termos de hábitos (Agne; Conceição, 2018AGNE, C. L.; CONCEIÇÃO, O. A. Dos hábitos às instituições: proposições analíticas na Economia Institucional de Thorstein Veblen. Redes, Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul, v. 23, n. 2, p. 386-407, maio-ago. 2018.).
  • 4
    Já a Nova Economia Institucional (NEI) propõe o conceito de instituição como o conjunto de regras formais e informais e sua “evolução”. As regras asseguram a estabilidade do sistema, minimizando as incertezas inerentes às imperfeiçoes de mercado. Williamson (1993WILLIAMSON, O. E. Transaction cost economics and organization theory. Industrial and Corporate Change, v. 2, n. 2, p. 107-156, 1993.; 1995; 2000) realiza uma discussão mais detalhada desses aspectos, explicitando os pontos centrais da agenda de pesquisa da NEI.
  • 5
    Essa é a razão que levou o pensamento institucionalista herdeiro da tradição de Veblen a questionar tanto o individualismo metodológico, quanto o coletivismo metodológico. Ambos são insuficientes para apreender a dinâmica simultânea de indivíduos e estruturas na conformação social.
  • 6
    Tal perspectiva é bastante diferente da construção microeconômica a partir de “sólidos microfundamentos”, dos quais derivariam as regularidades macroeconômicas.
  • 7
    É importante ressaltar que o conceito de classe de Veblen não denota a posição econômica do indivíduo, e sim de um grupo que ocupa uma posição socialmente demarcada entre os membros de uma comunidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2020
  • Aceito
    13 Maio 2021
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