Acessibilidade / Reportar erro

Medidas de precisão experimental e número de repetições em ensaios de genótipos de cana-de-açúcar

Measurements of experimental precision and number of replicates in sugarcane genotype trials

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a adequação das estatísticas acurácia seletiva e valor do teste F para genótipo como medidas do grau de precisão experimental, e determinar o número de medições (repetições) necessário à predição do desempenho de genótipos de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum). Foram utilizados dados de produtividade de colmos, de três colheitas realizadas em 68 ensaios de competição de genótipos de cana-de-açúcar. Em todos os ensaios, os genótipos foram avaliados no delineamento de blocos ao acaso, com três repetições e número de genótipos entre 16 e 28. Foram realizadas análises de correlação e de trilha e calculada a frequência de ensaios em cada classe de precisão experimental. Foram estimados os coeficientes de repetibilidade e calculado o número de repetições necessárias para predizer o valor real dos genótipos. As estatísticas acurácia seletiva e valor do teste F para genótipo são adequadas para avaliar a precisão experimental, em ensaios de competição de genótipos de cana-de-açúcar. Ensaios com três repetições identificam genótipos superiores de cana-de-açúcar, com 80% de exatidão no prognóstico de seu valor real.

Saccharum officinarum; planejamento experimental; produtividade de colmos; qualidade experimental; repetibilidade


The objective of this work was to evaluate the appropriateness of the statistics selective accuracy and F-test value for genotype as measurements of the experimental precision degree, and to determine the number of measurements (replicates) necessary to predict the performance of sugarcane genotypes (Saccharum officinarum). Data on stalk yield from three harvests in 68 genotype competition trials of sugarcane were used. In all trials, the experimental design was a randomized complete block, with three replicates and number of genotypes between 16 and 28. Correlation and path analyses were performed and the frequency of trials was calculated in each experimental precision class. Repeatability coefficients were estimated and the number of needed replicates was calculated to predict true genotypic values. The statistics selective accuracy and F-test value for genotype are appropriate to evaluate the experimental precision of sugarcane genotype competition trials. Trials with three replicates identify superior sugarcane genotypes, with 80% accuracy of the true prognostic value.

Saccharum officinarum; experimental planning; stalk yield; experimental quality; repeatability


ESTATÍSTICA

Medidas de precisão experimental e número de repetições em ensaios de genótipos de cana-de-açúcar

Measurements of experimental precision and number of replicates in sugarcane genotype trials

Alberto Cargnelutti FilhoI; Rubens Leite do Canto Braga JuniorII; Alessandro Dal'Col LúcioI

IUniversidade Federal de Santa Maria, Departamento de Fitotecnia, Avenida Roraima, no 1.000, Camobi, CEP 97105-900 Santa Maria, RS. E-mail: alberto.cargnelutti.filho@gmail.com, adlucio.capi@gmail.com

IICentro de Tecnologia Canavieira S/A, Fazenda Santo Antonio, s/no, Caixa Postal 162, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: rubens@ctc.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a adequação das estatísticas acurácia seletiva e valor do teste F para genótipo como medidas do grau de precisão experimental, e determinar o número de medições (repetições) necessário à predição do desempenho de genótipos de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum). Foram utilizados dados de produtividade de colmos, de três colheitas realizadas em 68 ensaios de competição de genótipos de cana-de-açúcar. Em todos os ensaios, os genótipos foram avaliados no delineamento de blocos ao acaso, com três repetições e número de genótipos entre 16 e 28. Foram realizadas análises de correlação e de trilha e calculada a frequência de ensaios em cada classe de precisão experimental. Foram estimados os coeficientes de repetibilidade e calculado o número de repetições necessárias para predizer o valor real dos genótipos. As estatísticas acurácia seletiva e valor do teste F para genótipo são adequadas para avaliar a precisão experimental, em ensaios de competição de genótipos de cana-de-açúcar. Ensaios com três repetições identificam genótipos superiores de cana-de-açúcar, com 80% de exatidão no prognóstico de seu valor real.

Termos para indexação:Saccharum officinarum, planejamento experimental, produtividade de colmos, qualidade experimental, repetibilidade.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the appropriateness of the statistics selective accuracy and F-test value for genotype as measurements of the experimental precision degree, and to determine the number of measurements (replicates) necessary to predict the performance of sugarcane genotypes (Saccharum officinarum). Data on stalk yield from three harvests in 68 genotype competition trials of sugarcane were used. In all trials, the experimental design was a randomized complete block, with three replicates and number of genotypes between 16 and 28. Correlation and path analyses were performed and the frequency of trials was calculated in each experimental precision class. Repeatability coefficients were estimated and the number of needed replicates was calculated to predict true genotypic values. The statistics selective accuracy and F-test value for genotype are appropriate to evaluate the experimental precision of sugarcane genotype competition trials. Trials with three replicates identify superior sugarcane genotypes, with 80% accuracy of the true prognostic value.

Index terms:Saccharum officinarum, experimental planning, stalk yield, experimental quality, repeatability.

Introdução

Nas etapas finais de programas de melhoramento de plantas, é importante avaliar os genótipos em distintas condições ambientais, para identificar aqueles promissores e aqueles que devem ser descartados. Para isso, devem ser realizados experimentos com a máxima precisão experimental possível, para que pequenas diferenças entre genótipos sejam identificadas, e, por consequência, os genótipos sejam discriminados adequadamente.

Tradicionalmente, a precisão experimental tem sido avaliada por meio de estatísticas como coeficiente de variação (CV) (Pimentel-Gomes, 1990), índice de variação (Pimentel-Gomes, 1991) ou coeficiente de precisão (Storck et al., 2006), e a diferença mínima significativa (DMS) pelo teste de Tukey, em percentagem da média (Lúcio et al., 1999). Experimentos com menores estimativas destas estatísticas são almejados, pois apresentariam maior precisão experimental e maior confiabilidade nos resultados obtidos.

Particularmente, para ensaios de competição de genótipos, tem sido discutida a abordagem da classificação da precisão experimental por meio de novas estatísticas (Cargnelutti Filho & Storck, 2007, 2009; Resende & Duarte, 2007; Cargnelutti Filho et al., 2009b). Com base em dados de produtividade de grãos de ensaios de competição de cultivares de milho (Zea mays L.), Cargnelutti Filho & Storck (2007) estudaram as estatísticas herdabilidade, coeficiente de determinação, valor do teste F para genótipo e índice de diferenciação de Fasoulas, como medidas de precisão experimental. Estes autores concluíram que estas estatísticas são mais adequadas que o CV e a DMS para a classificação da precisão de experimentos. Contudo, enfatizaram a necessidade de se desenvolver algum critério para a definição de valores críticos (faixas de classificação), a fim de classificar a precisão dos experimentos. Paralelamente a esse estudo, Resende & Duarte (2007), ao discutir as bases teóricas de estatísticas como a acurácia seletiva e o valor do teste F para genótipo, também as consideraram como adequadas para avaliar a precisão experimental de ensaios de competição de genótipos. Estes autores estabeleceram faixas de precisão experimental que completaram a lacuna existente no estudo de Cargnelutti Filho & Storck (2007).

As faixas de classificação estabelecidas em Resende & Duarte (2007) foram utilizadas em estudos posteriores, com ensaios de milho (Cargnelutti Filho & Storck, 2009), de feijão e de soja (Cargnelutti Filho et al., 2009b), e de arroz irrigado (Cargnelutti Filho et al., 2012). Nessas pesquisas, ficou evidenciado que a acurácia seletiva e o valor do teste F para genótipo são apropriadas para avaliar a precisão experimental de ensaios de competição de genótipos das espécies vegetais avaliadas nesses estudos. Embora o comportamento dessas estatísticas tenha sido semelhante nos ensaios de competição de genótipos dessas culturas, Cargnelutti Filho et al. (2012) salientam que é importante realizar estudos com outras culturas antes de se generalizar o uso dessas estatísticas para a avaliação da precisão experimental de ensaios de competição de genótipos.

Uma técnica para obter precisão experimental apropriada é dimensionar, adequadamente, o número de repetições. É preciso aproveitar os dados de ensaios de genótipos, para investigar a necessidade de redimensionar o número de repetições, pois isso dispensaria experimentos com essa finalidade específica. Essa abordagem é possível com base em estimativas de coeficiente de repetibilidade, obtidas por meio do método da análise de variância (Cruz, 2006). Este enfoque tem sido utilizado com êxito no dimensionamento do número de repetições, em ensaios de competição de genótipos de feijão (Cargnelutti Filho et al., 2009a), de soja (Storck et al., 2009), de milho (Cargnelutti Filho et al., 2010) e de arroz irrigado (Cargnelutti Filho et al., 2012). Nesses estudos, observou-se que, para avaliar a produtividade de grãos dessas culturas, ensaios com quatro repetições possibilitam a identificação de genótipos superiores de feijão, de soja, de milho e de arroz irrigado com 85, 80, 81 e 79% de precisão, respectivamente.

Entretanto, a adequabilidade das estatísticas acurácia seletiva e valor do teste F para genótipo ainda não foi avaliada em conjuntos de ensaios de genótipos de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.). Além disso, a precisão experimental dos ensaios de competição de genótipos de cana-de-açúcar, por essas estatísticas, também é desconhecida. A análise de repetibilidade tem sido utilizada para estimar o número de colheitas necessárias para seleção de clones de cana-de-açúcar (Santos et al., 2004; Ferreira et al., 2005). No entanto, não há referência, na literatura consultada, ao emprego da análise de repetibilidade para a estimação do número de repetições, na cultura de cana-de-açúcar que, por ter múltiplas colheitas, em comparação a uma única colheita das culturas estudadas, pode provocar efeitos distintos nos resultados dos ensaios, que justificariam estudos dessa natureza.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a adequação das estatísticas acurácia seletiva e valor do teste F para genótipo como medidas do grau de precisão experimental, e determinar o número de medições (repetições) necessário à predição do desempenho de genótipos de cana-de-açúcar.

Material e Métodos

Foram usados dados de produtividade de colmos, em Mg ha-1, de 68 ensaios de competição de genótipos de cana-de-açúcar, realizados nos estados do Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Pernambuco e Alagoas. Esses ensaios fazem parte da fase final do programa de melhoramento de cana-de-açúcar do Centro de Tecnologia Canavieira, com sede em Piracicaba, SP.

Foram instalados 20, 21 e 27 ensaios, em 2006, 2007 e 2008, respectivamente. Em cada ensaio, foram realizadas três colheitas (cortes) anuais. Assim, as colheitas, nos ensaios instalados em 2006, foram realizadas em 2007, 2008 e 2009. Nos ensaios instalados em 2007, as colheitas foram realizadas em 2008, 2009 e 2010. Já nos ensaios instalados em 2008, as colheitas foram realizadas em 2009, 2010 e 2011.

Em todos os ensaios, os genótipos foram avaliados no delineamento de blocos ao acaso, com três repetições e número de genótipos entre 16 e 28. As unidades experimentais foram constituídas por quatro ou cinco fileiras, com comprimentos entre 8 e 20 m e espaçamentos entre 1 e 1,5 m. Dessa forma, as unidades experimentais oscilaram entre 40 e 80 m lineares de cana-de-açúcar ou entre 50 e 120 m2.

Inicialmente, para a produtividade de colmos, foram realizadas as análises de variância para cada uma das três colheitas de cada um dos 68 ensaios (204 análises). Foram anotadas as estatísticas: quadrado médio de genótipo (QMG), quadrado médio do erro (QME) e média geral do ensaio (m).

A seguir, em cada colheita, de cada ensaio, foi calculado o coeficiente de variação experimental, em percentagem [CV = 100 × (QME/m)0,5]. Posteriormente, foi estimada a diferença mínima significativa (DMS) entre as médias de genótipos, pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade, expresso em percentagem da média, por meio da expressão: DMS = 100∆/m, em que ∆ = qα(n;GLE) (QME/J)0,5 e J é o número de repetições (J = 3); qα(n;GLE) é o valor crítico para o uso do teste de Tukey; n é o número de genótipos; e GLE é o número de graus de liberdade do erro. Em seguida, foi determinado o valor do teste F para genótipo (Fc = QMG/QME) e o valor p do teste F para genótipo. Também foi estimada a acurácia seletiva (AS) por meio da expressão: AS = (1-1/Fc)0,5, conforme Resende (2002) e Resende & Duarte (2007).

As avaliações, em cada bloco, foram consideradas como medições realizadas no mesmo indivíduo (genótipo). O coeficiente de repetibilidade (k) foi estimado em cada colheita e ensaio, pelo método da análise de variância, por meio da expressão k = [(QMG - QME)/J]/[(QMG - QME)/J + QME] (Cruz & Regazzi, 1997; Cruz, 2006).

Em relação às estatísticas QMG, QME, m, CV, DMS, AS, Fc e k, obtidas em cada uma das três colheitas de cada um dos 68 ensaios (204 estimativas), foram calculados, para cada colheita (68 estimativas) e no geral (204 estimativas), os valores mínimo e máximo, as medidas de tendência central (média e mediana) e a medida de dispersão (coeficiente de variação). Também foi realizado o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov (Siegel & Castellan Júnior, 2006).

Para cada colheita e no geral, foi calculado o coeficiente de correlação linear de Pearson (r), entre as estatísticas QMG, QME, m, CV, DMS, AS, Fc e k, e sua significância foi verificada por meio do teste t de Student, a 5% de probabilidade. A seguir, para cada colheita e no geral, foi realizado o diagnóstico de multicolinearidade (Cruz & Carneiro, 2003) e a análise de trilha das variáveis principais, candidatas a medidas de precisão (CV, DMS, AS e Fc), em função das variáveis explicativas (QMG, QME e m). Com base em AS e Fc, foram calculadas, para cada colheita e no geral, as frequências simples e relativas de ensaios, nas classes de precisão experimental estabelecidas em Resende & Duarte (2007).

O número mínimo de medições ou repetições (J) necessário para predizer o valor real dos indivíduos (genótipos), com base em um coeficiente de determinação genotípico (R2), pré-estabelecido em 0,81, foi calculado por meio da expressão J = [R2(1 - k - )]/[(1 - R2)k - ] (Cruz & Regazzi, 1997), em que k - é a média dos coeficientes de repetibilidade (k) das três colheitas de cada um dos 68 ensaios (média das 204 estimativas). O valor de R2 (0,81) equivale à acurácia seletiva de 90% (Resende & Duarte, 2007). Assim, estabeleceu-se esse valor para alcançar acurácia seletiva de 90%, ou seja, obter experimento com precisão experimental muito alta, de acordo com critérios de Resende & Duarte (2007). Em seguida, com base em k - , foi calculado o coeficiente de determinação genotípico (R2), em função de diferentes números de repetições (J com variação de 0 a 10), para mostrar, graficamente, o comportamento da relação entre R2 e J. O R2, que representa a certeza da predição do valor real dos genótipos selecionados, com base em J medições realizadas, foi obtido pela expressão R2 = (J k - )/[1 + k - (J - 1)] (Cruz, 2006). As análises estatísticas foram realizadas com auxílio do programa Genes (Cruz, 2006) e do aplicativo Microsoft Office Excel.

Resultados e Discussão

Em relação à produtividade de colmos de cana-de-açúcar, entre os 204 casos avaliados (três colheitas/ensaio x 68 ensaios), o teste F da análise de variância evidenciou efeito de genótipo significativo (p<0,05) em 195 casos (95,59%). O fato de ocorrer F significativo já era esperado e desejado. Isso implica, apenas, que há variabilidade, se o efeito de genótipo for considerado aleatório ou, de modo equivalente, que há alguma diferença entre genótipos, se o efeito de genótipo for considerado fixo.

A variabilidade existente na primeira (9,20%< CV <66,36%), na segunda (8,09%< CV <72,89%) e na terceira (14,88%< CV <58,56%) colheitas e no geral (11,07%< CV <64,67%), quanto às estatísticas quadrado médio de genótipo (QMG), quadrado médio do erro (QME), média geral do ensaio (m), coeficiente de variação (CV), diferença mínima significativa (DMS) pelo teste de Tukey, em percentagem da média, acurácia seletiva (AS), valor do teste F para genótipo (Fc) e repetibilidade (k), obtidas para cada uma das três colheitas de cada um dos 68 ensaios, conferiu maior abrangência às inferências realizadas, por incluir cenários extremos (Tabela 1).

A terceira colheita apresentou maiores médias das estimativas do CV (10,17%) e da DMS (31,37%) quando comparadas com a primeira (CV = 7,68%, DMS = 23,70%) e a segunda (CV = 8,31%, DMS = 25,65%) colheitas (Tabela 1). Esse aumento das estimativas de CV e DMS da primeira até a terceira colheita pode ser resultado do maior tempo de exposição ao ambiente - ou seja, da primeira para a segunda e para a terceira colheita, o efeito das condições ambientais pode ter contribuído com o aumento da variabilidade - e, também, da diminuição gradativa da produtividade de colmos (primeira colheita, 110,17 Mg ha-1; segunda colheita, 87,98 Mg ha-1; e terceira colheita, 74,41 Mg ha-1).

Na primeira, segunda e terceira colheitas, de acordo com os valores p do teste de Kolmogorov-Smirnov, os dados de quatro (m, CV, DMS e k), seis (QME, m, CV, DMS, AS e k) e sete (QMG, QME, m, CV, DMS, Fc e k) estatísticas, respectivamente, se ajustaram à distribuição normal (Tabela 1). Com base nos dados das três colheitas dos 68 ensaios (n = 204), apenas os dados da média e da repetibilidade se ajustaram à distribuição normal. As demais estatísticas (QMG, QME, CV, DMS, AS e Fc) apresentaram valores p do teste de Kolmogorov-Smirnov menores ou iguais a 0,05. É provável que algumas dessas estatísticas se ajustem às outras distribuições de probabilidade; por exemplo, os quadrados médios poderiam ter melhor aderência à distribuição qui-quadrado em relação à normal. Contudo, o foco desse trabalho não foi investigar a aderência desses dados às outras distribuições de probabilidade.

Por meio do diagnóstico de multicolinearidade, realizado na matriz de correlação linear de Pearson (Tabela 2) entre as estatísticas QMG, QME e média da produtividade de colmos, na primeira, na segunda e na terceira colheitas e no geral (três colheitas dos 68 ensaios), observou-se que o número de condição foi igual a quatro, três, quatro e quatro, respectivamente. Portanto, essas quatro matrizes de correlações são classificadas como de colinearidade baixa, o que permite a realização adequada da análise de trilha (Cruz & Carneiro, 2003; Cruz, 2006). De modo geral, os resultados das análises de trilha realizadas para as variáveis principais CV, DMS, AS e Fc, em função das variáveis explicativas QMG, QME e m, em cada uma das colheitas e no geral (Tabela 3), foram concordantes com os obtidos em relação à produtividade de grãos de ensaios de milho (Cargnelutti Filho & Storck, 2007, 2009), de feijão e de soja (Cargnelutti Filho et al., 2009b), e de arroz irrigado por alagamento (Cargnelutti Filho et al., 2012).

As matrizes de coeficientes de correlação linear de Pearson, entre as oito estatísticas (QMG, QME, m, CV, DMS, AS, Fc e k), obtidas com os dados de produtividade de colmos da primeira, da segunda e da terceira colheitas e de todas as colheitas, foram semelhantes (Tabela 2). Assim, as inferências sobre as associações lineares podem ser realizadas a partir da matriz que considera os dados das três colheitas. Da mesma forma, os resultados das análises de trilha, com base nos dados de cada uma das três colheitas e no geral, foram similares, o que confirma que as inferências feitas com dados das três colheitas são adequadas.

Nas análises de trilha, as variáveis principais, candidatas a medidas de precisão (CV, DMS, AS e Fc), formaram dois grupos, com resultados semelhantes dentro dos grupos e distintos entre os grupos. O CV e a DMS formaram o primeiro grupo, e a AS e o Fc o segundo (Tabela 3). A elevada associação linear positiva entre CV e DMS (r = 0,999) (Tabela 2) e a relação direta e não linear entre AS e Fc, apresentada em Cargnelutti Filho & Storck (2009), reforçam a existência desses dois grupos de estatísticas. Com esses resultados, confirmam-se as inferências de Resende (2002), Cargnelutti Filho & Storck (2007, 2009), Resende & Duarte (2007), Cargnelutti Filho et al. (2009b) e Cargnelutti Filho et al. (2012) sobre as diferenças entre esses grupos de estatísticas utilizadas para avaliar a precisão experimental. De acordo com esses autores, as estatísticas AS e Fc são mais adequadas que o CV e a DMS para avaliar a precisão experimental de ensaios de genótipos de milho, feijão, soja e arroz irrigado por alagamento.

No conjunto das três colheitas dos 68 ensaios de genótipos de cana-de-açúcar, não houve associação linear entre o QMG e o CV (r = -0,125) e entre o QMG e a DMS (r = 0,128), com efeitos diretos desprezíveis do QMG sobre o CV (-0,032) e a DMS (-0,036) (Tabela 3). Portanto, pode-se inferir que não há associação linear entre a variabilidade genética (QMG) e o CV e a DMS, ou seja, a classificação da precisão experimental por essas estatísticas é independente da variabilidade genética. Foi observada associação linear positiva entre o QME e as estatísticas CV (r = 0,438) e DMS (r = 0,438), e os efeitos diretos do QME sobre o CV (0,778) e a DMS (0,779) foram altos e de mesmo sinal que o r, o que configura relação de causa e efeito entre o QME e essas estatísticas. Também houve associação linear negativa entre a média e estatísticas CV (r = -0,569) e DMS (r = -0,569). Os efeitos diretos da média sobre o CV (-0,850) e a DMS (-0,847) foram altos e de mesmo sinal do r, o que confirma a verdadeira relação linear existente. Com esses resultados, evidenciou-se que experimentos mais precisos (menores escores de CV e de DMS) estão associados a menores variâncias residuais e maiores médias de produtividade de colmos, e independem da variabilidade genética do grupo de genótipos avaliados no ensaio.

Para ensaios de competição de genótipos é importante que a estatística de precisão experimental contemple a variabilidade genética (Resende & Duarte, 2007) e seja independente da média. Assim, as estatísticas CV e DMS, tradicionalmente utilizadas para essa finalidade, podem ser substituídas por outras estatísticas, como AS e Fc, apontadas como mais apropriadas (Resende, 2002; Resende & Duarte, 2007).

Houve associação linear positiva entre o QMG e as estatísticas AS (r = 0,365) e Fc (r = 0,438), com efeitos diretos sobre a AS (0,640) e o Fc (0,841), de mesmo sinal que o r e com magnitudes semelhantes. Os coeficientes de correlação linear de Pearson entre o QME e as estatísticas AS (r = -0,402) e Fc (r = -0,448) e os efeitos diretos do QME sobre AS (-0,760) e Fc (-0,833) foram de mesmo sinal e magnitude semelhante, o que revela verdadeira associação linear negativa. No entanto, os coeficientes de correlação linear de Pearson entre a média e as estatísticas AS (r = -0,205) e Fc (r = 0,110) foram baixos, e os efeitos diretos foram desprezíveis (Tabela 3). Desse modo, a partir de dados reais, pode-se inferir que ensaios mais precisos (maiores escores das estatísticas AS e Fc) estão associados a maiores variâncias genéticas e menores variâncias residuais, e independem da média de produtividade de colmos, como provado em Resende & Duarte (2007).

Essas características confirmam a adequabilidade da AS e do Fc como medidas de precisão experimental de ensaios de genótipos de cana-de-açúcar, conforme mostrado teoricamente em Resende & Duarte (2007) e confirmado em ensaios de milho (Cargnelutti Filho & Storck, 2007, 2009), de feijão e de soja (Cargnelutti Filho et al., 2009b), e de arroz irrigado (Cargnelutti Filho et al., 2012). É provável que essas inferências confirmem-se para ensaios de competição de genótipos de culturas em geral, pois o comportamento dessas estatísticas foi similar em conjuntos de ensaios de milho, feijão, soja, arroz irrigado por alagamento e, no presente trabalho, cana-de-açúcar. Entretanto, é importante realizar estudos com outras culturas antes da generalização do uso dessas estatísticas, para a avaliação da precisão experimental de ensaios de competição de genótipos.

Entre os 204 casos avaliados (três colheitas/ensaio x 68 ensaios), em 195 casos (95,59%), a precisão foi classificada como alta ou muito alta (AS ≥0,70 e Fc ≥1,9608) (Tabela 4). Por meio dessas estatísticas, respectivamente, 89,10, 88,89, 75 e 90,86% dos ensaios de competição de genótipos de milho (Cargnelutti Filho & Storck, 2009), de feijão e de soja (Cargnelutti Filho et al., 2009b), e de arroz irrigado (Cargnelutti Filho et al., 2012) apresentaram precisão alta ou muito alta. Para os casos em que a precisão experimental foi moderada ou baixa, como identificado, principalmente, para a terceira colheita, com cinco ensaios (7,35%), o redimensionamento do número de repetições é importante para melhorar a precisão experimental.

Entre os 204 casos (três colheitas/ensaio x 68 ensaios), a estimativa do coeficiente de repetibilidade (k), da produtividade de grãos, oscilou entre 0,01 e 0,90, com média de 0,57 (Tabela 2). De acordo com Cruz & Regazzi (1997), ensaios que apresentam menor coeficiente de repetibilidade requerem maior número de medições (repetições) para predizer o valor real de determinado caráter e vice-versa. Portanto, a variabilidade entre as 204 estimativas dos k resulta em variabilidade no número de repetições para um mesmo valor de determinação genotípico (R2). Isso é indicação de que há necessidade de aplicação de planejamentos experimentais específicos por colheita e ensaio, o que na prática é difícil.

Assim, quando se considera que as 204 estimativas dos coeficientes de repetibilidade (k) ajustaram-se à distribuição normal (Tabela 1), parece adequado realizar abordagem geral, com base na média do k, para contemplar, de forma satisfatória, um maior conjunto de colheitas e ensaios. A partir do coeficiente de repetibilidade médio dos 204 casos (k - = 0,57), seriam necessárias 3,21 repetições, ou seja, J = 0,81(1 - 0,57)/(1 - 0,81)0,57 = 3,21, para afirmar, com 81% de precisão (R2 = 0,81), a superioridade de um determinado genótipo. Ensaios com coeficiente de determinação genotípico (R2) igual ou superior a 81%, ou seja, com acurácia seletiva igual ou superior a 90% (Resende & Duarte, 2007), devem ser almejados, pois, nessa situação, apresentariam precisão experimental muito alta.

Contudo, não é possível conduzir ensaios com 3,21 repetições. Dessa forma, quando se realiza o cálculo inverso, a partir de J = 3 repetições, o valor estimado do coeficiente de determinação genotípico é R2 = (3 × 0,57)/[1 + 0,57(3 - 1)] = 0,80 (muito próximo dos 81% almejados). Quando se aumenta para J = 4 repetições, o valor estimado do coeficiente de determinação genotípico é R2 = (4 × 0,57)/[1 + 0,57(4 - 1)] = 0,84, e para J = 5 o R2 é 0,87 (Figura 1). Portanto, ao se considerar um valor médio para o coeficiente de repetibilidade (k - = 0,57), pode-se inferir que é possível identificar genótipos superiores, em relação à produtividade de colmos, com precisão de 80, 84 e 87%, em ensaios com três, quatro e cinco repetições, respectivamente. Ganhos menores e inexpressivos em precisão são obtidos a partir de cinco repetições (Figura 1). Para esse grupo de ensaios, o redimensionamento do número de repetições de três para quatro ou cinco, com o intuito de melhorar a precisão experimental, deve ser visto com cautela. Os ganhos em precisão experimental, a partir de três repetições, devem ser confrontados com o aumento dos custos e de mão de obra, que resultariam do aumento do número de repetições em ensaios de uma rede de avaliação de genótipos. Na cana-de-açúcar, o fato de serem feitas múltiplas colheitas no mesmo ensaio, pode melhorar a caracterização dos genótipos, o que, também, deve ser considerado no momento de definir o número de repetições. Em culturas com apenas uma colheita, para avaliar a produtividade de grãos, ensaios com quatro repetições possibilitam a identificação de genótipos superiores de feijão (Cargnelutti Filho et al., 2009a), de soja (Storck et al., 2009), de milho (Cargnelutti Filho et al., 2010) e de arroz irrigado (Cargnelutti Filho et al., 2012), com, respectivamente, 85, 80, 81 e 79% de exatidão no prognóstico de seu valor real.


Na prática, metas de acurácia seletiva de 90%, o que equivale ao coeficiente de determinação genotípico de 81%, têm sido alcançadas em ensaios de milho, feijão, soja, arroz irrigado e cana-de-açúcar, com número de repetições relativamente menor que as seis recomendadas, teoricamente, por Resende & Duarte (2007). Porém, o uso de um número maior de repetições deve ser encorajado para maximizar a precisão experimental.

Conclusões

1. As estatísticas acurácia seletiva e valor do teste F para genótipo são adequadas para avaliar a precisão experimental, em ensaios de competição de genótipos de cana-de-açúcar.

2. Ensaios com três repetições identificam genó-tipos superiores de cana-de-açúcar, em relação à produtividade de colmos, com 80% de exatidão no prognóstico de seu valor real.

Recebido em 17 de junho de 2012

Aprovado em 28 de setembro de 2012

  • CARGNELUTTI FILHO, A.; MARCHESAN, E.; SILVA, L.S. da; TOEBE, M. Medidas de precisão experimental e número de repetições em ensaios de genótipos de arroz irrigado. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.47, p.336-343, 2012.
  • CARGNELUTTI FILHO, A.; RIBEIRO, N.D.; STORCK, L. Número de repetições para a comparação de cultivares de feijão. Ciência Rural, v.39, p.2419-2424, 2009a.
  • CARGNELUTTI FILHO, A.; STORCK, L. Estatísticas de avaliação da precisão experimental em ensaios de cultivares de milho. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.42, p.17-24, 2007.
  • CARGNELUTTI FILHO, A.; STORCK, L. Medidas do grau de precisão experimental em ensaios de competição de cultivares de milho. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.44, p.111-117, 2009.
  • CARGNELUTTI FILHO, A.; STORCK, L.; GUADAGNIN, J.P. Número de repetições para a comparação de cultivares de milho. Ciência Rural, v.40, p.1023-1030, 2010.
  • CARGNELUTTI FILHO, A.; STORCK, L.; RIBEIRO, N.D. Medidas da precisão experimental em ensaios com genótipos de feijão e de soja. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.44, p.1225-1231, 2009b.
  • CRUZ, C.D. Programa Genes: Biometria. Viçosa: UFV, 2006. 382p.
  • CRUZ, C.D.; CARNEIRO, P.C.S. Modelos biométricos aplicados ao melhoramento genético Viçosa: UFV, 2003. v.2, 585p.
  • CRUZ, C.D.; REGAZZI, A.J. Modelos biométricos aplicados ao melhoramento genético 2.ed. Viçosa: UFV, 1997. 390p.
  • FERREIRA, A.; BARBOSA, M.H.P.; CRUZ, C.D.; HOFFMANN, H.P.; VIEIRA, M.A.S.; BASSINELLO, A.I.; SILVA, M.F. da. Repetibilidade e número de colheitas para seleção de clones de cana-de-açúcar. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.40, p.761-767, 2005.
  • LÚCIO, A.D.; STORCK, L.; BANZATTO, D.A. Classificação dos experimentos de competição de cultivares quanto a sua precisão. Pesquisa Agropecuária Gaúcha, v.5, p.99-103, 1999.
  • PIMENTEL-GOMES, F. Curso de estatística experimental 13.ed. Piracicaba: Nobel, 1990. 468p.
  • PIMENTEL-GOMES, F. O índice de variação, um substituto vantajoso do coeficiente de variação Piracicaba: Ipef, 1991. 4p. (IPEF. Circular técnica, 178).
  • RESENDE, M.D.V. de. Genética biométrica e estatística no melhoramento de plantas perenes Brasília: Embrapa Informação Tecnológica; Colombo: Embrapa Florestas, 2002. 975p.
  • RESENDE, M.D.V. de; DUARTE, J.B. Precisão e controle de qualidade em experimentos de avaliação de cultivares. Pesquisa Agropecuária Tropical, v.37, p.182-194, 2007.
  • SANTOS, M.S.M. dos; MADALENA, J.A.; SOARES, L.; FERREIRA, P.V.; BARBOSA, G.V.S. Repetibilidade de características agroindustriais em cana-de-açúcar. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.39, p.301-306, 2004.
  • SIEGEL, S.; CASTELLAN JÚNIOR, N.J. Estatística não-paramétrica para ciências do comportamento 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 448p.
  • STORCK, L.; CARGNELUTTI FILHO, A.; LÚCIO, A.D.; LOPES, S.J. Método de Papadakis e número de repetições em experimentos de soja. Ciência Rural, v.39, p.977-982, 2009.
  • STORCK, L.; GARCIA, D.C.; LOPES, S.J.; ESTEFANEL, V. Experimentação vegetal Santa Maria: UFSM, 2006. 198p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2012

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2012
  • Aceito
    28 Set 2012
Embrapa Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento; Pesquisa Agropecuária Brasileira Caixa Postal 040315, 70770-901 Brasília DF Brazil, Tel. +55 61 3448-1813, Fax +55 61 3340-5483 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: pab@embrapa.br