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“Terra é Vida, Despejo é Morte”: Saúde e Luta Kaiowá e Guarani1 1 Sentença repetida em diferentes momentos por lideranças Kaiowá e Guarani em ocasiões de mobilizações contra os despejos realizados em 2016 (“Terra é vida…”, 2016).

“Territory is Life, Eviction is Death”: Kaiowá and Guarani Health and Fight

“Tierra es Vida, Desalojo es Muerte”: Salud y Lucha Kaiowá y Guaraní

Resumo

Partindo da psicologia, este texto compõe nosso exercício ético-político de assumir a perspectiva dos povos e de suas organizações, neste caso em específico, da Aty Guasu, movimento étnico-social dos Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul. A colonização e expropriação violenta dos territórios tradicionais destes povos, o tekoha guasu, culminou na limitação do modo originário de ser, segundo os princípios cosmológicos, desdobrando-se na precarização da saúde, visível pelos altos índices de desnutrição, suicídio, violência e mortalidade. Com este estudo, visamos descrever e analisar aspectos da dimensão saúde para os Kaiowá e Guarani a partir de suas próprias narrativas. Como estratégia metodológica, realizamos a análise documental de todos os comunicados, em formato de notas, publicados entre 2011 e 2013 no blog do movimento na internet. Também participamos, de 2015 a 2020, de momentos importantes para as comunidades, como as Grandes Assembleias Kaiowá e Guarani, com registros em diário de campo. Esses procedimentos, articulados às produções teóricas da antropologia, psicologia da libertação, estudos decoloniais e anticoloniais, possibilitaram o entendimento da indissociabilidade da saúde indígena dos processos de colonização territorial e intersubjetiva. Nesse sentido, a saúde dos Kaiowá e Guarani, tendo o tekoha como aspecto vital, segundo a cosmopolítica, encontra-se em profundo conflito devido à expropriação, expulsão e confinamento empreendido pelas políticas colonialistas. Portanto, propomos a compreensão do tekoha como indicador da saúde Kaiowá e Guarani e os movimentos de reocupação dos territórios, protagonizados pela organização autônoma das comunidades e sintetizados pela sentença: “terra é vida”, como retomada da saúde.

Palavras-chave:
Povos Ameríndios; Saúde; Psicologia da Libertação; Estudos Decoloniais; Descolonização

Abstract

From the psychology, this text makes up our ethical-political exercise of regarding the perspective of the peoples and their organizations, in this specific case, Aty Guasu, ethnic-social movement of the Kaiowá and Guarani of Mato Grosso do Sul. Colonization and violent expropriation of the traditional territories of these peoples, the tekoha guasu, resulted in limiting the original way of being, according to cosmological principles, unfolding in the precariousness of health, visible from the high rates of malnutrition, suicide, violence, and mortality. With this research, we aim to describe and analyze aspects about the health dimension for the Kaiowá and Guarani from their own narratives. As a methodological strategy, we carry out the Document Analysis of all communications, in the form of notes, published between 2011 and 2013 on the organization’s blog on the internet. We also participated, from 2015 to 2020, of important moments for the communities, such as the Highs Assemblies Kaiowá and Guarani, with records in a field diary. These proceedings, articulated with the theoretical productions of anthropology, liberation psychology, decolonial and anticolonial studies, made it possible to understand the inseparability of indigenous health from the processes of territorial and intersubjective colonization. In this sense, the health of the Kaiowá and Guarani, taking the tekoha as a vital aspect, according to cosmopolitics, is in deep conflict due to the expropriation, expulsion, and confinement undertaken by colonialist policies. Therefore, we propose the understanding of the tekoha as an indicator of Kaiowá and Guarani health, and the movements of reoccupation of territories, led by the autonomous organization of communities and synthesized by the sentence: “land is life,” as a recovery of health.

Keywords:
Amerindian Peoples; Health; Liberation Psychology; Decoloniality Studies; Decolonization

Resumen

Este texto realiza un ejercicio ético-político desde el aporte de la Psicología al asumir la perspectiva de los pueblos y sus organizaciones, en este caso, de la Aty Guasu, un movimiento étnico y social de los Kaiowá y Guaraní. La colonización y expropiación violenta de los territorios tradicionales de estos pueblos, los tekoa guasu, culminó en la limitación de los modos originarios de ser según los principios cosmopolíticos, que tienen como resultado la precarización de la salud, visibles por los altos índices de desnutrición, suicidio, violencia y mortalidad. En este estudio se busca tejer aproximaciones acerca la dimensión salud para los Kaiowá y Guaraní a partir de sus proprias narrativas. La metodología utilizada realizó un Análisis Documental de todos los anuncios en formato de “notas”, publicados en los años 2011 y 2013, en el blog del movimiento en la internet. También hubo participación, de 2015 a 2020, en momentos importantes para las comunidades, tales como en las Gran Asambleas Kaiowá y Guaraní, con registro en diario de campo. Estos procedimientos articulados a las producciones de la Antropología, Psicología de la Liberación, Estudios Decoloniales y Anticoloniales permiten comprender la condición indisociable de la salud indígena en los procesos de colonización territorial e intersubjetiva. En este sentido, la salud de los Kaiowá y Guaraní, por el tekoha ser aspecto vital según la cosmovisión de estos pueblos, se encuentra en profundo conflicto debido a la expropiación, expulsión y confinamiento practicado por las políticas colonialistas. Por lo tanto, comprender el tekoha como indicador de la salud Kaiowá y Guaraní, y los movimientos de reocupación de los territorios, protagonizado por la autonomía de las comunidades, como recuperación de la salud, sintetiza en la sentencia: “tierra es vida”.

Palabras clave:
Pueblos Amerindios; Salud; Psicología de la Liberación; Decolonialidad; Descolonización

Introdução

Este texto é um recorte da pesquisa realizada durante o mestrado em Processos Psicossociais pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, da Universidade Federal da Grande Dourados, e é construído a partir de nosso exercício de diálogo com os povos Kaiowá e Guarani, não envolvendo a coleta de dados primários com seres humanos. Nosso objetivo é descrever e analisar aspectos que compõem a dimensão da saúde para os Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul (MS), a partir das narrativas de suas organizações étnicas-sócio-políticas. Por meio deste estudo, buscamos contribuir com a desideologização dos discursos modernos/coloniais e com a produção de processos de cuidado contextualizados aos conhecimentos e sensibilidades dos povos originários. E, ainda, sinalizar para a potência libertadora do engajamento ao projeto ético-político de profissionais de saúde, em especial da psicologia, com a perspectiva e organização dos povos indígenas (Martín-Baró, 1980/2017aMartín-Baró, I. (2017a). O psicólogo no processo revolucionário. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 25-29). Vozes. (Trabalho original publicado em 1980); Yamamoto, 2012Yamamoto, O. H. (2012). 50 anos de profissão: Responsabilidade social ou projeto ético-político? Psicologia: Ciência e Profissão, 32(spe), 6-15. https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000500002
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).

A trajetória histórica da psicologia - na América Latina, marcada pela submissão teórico-metodológica à episteme europeia e norte-americana (Lane, 1981Lane, S. T. M. (1981). O que é psicologia social. Brasiliense.; Montero, 1989Montero, M. (1989). La psicología social en América Latina: Desarollo y tendencias actuales. Revista de Psicología Social, 4(1), 47-74. https://doi.org/10.1080/02134748.1989.10821593
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, 2000Montero, M. (2000). Construcción, desconstrucción y crítica: Teoría y sentido de la psicología social comunitaria en América Latina. In R. H. F. Campos & P. A. Guareschi (Orgs.), Paradigmas em psicologia social: A perspectiva latino-americana (pp. 70-83). Vozes.; Sandoval, 2000Sandoval, A. M. (2000). O que há de novo na psicologia social latino-americana. In R. H. F. Campos & P. A. Guareschi (Orgs.), Paradigmas em psicologia social: A perspectiva latino-americana (pp. 101-109). Vozes.), e no Brasil, com o alinhamento elitista durante o processo de institucionalização e desenvolvimento (Yamamoto, 2007Yamamoto, O. H. (2007). Políticas sociais, “terceiro setor” e “compromisso social”: Perspectivas e limite do trabalho do psicólogo. Psicologia & Sociedade, 19(1), 30-37. https://doi.org/10.1590/S0102-71822007000100005
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, 2012Yamamoto, O. H. (2012). 50 anos de profissão: Responsabilidade social ou projeto ético-político? Psicologia: Ciência e Profissão, 32(spe), 6-15. https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000500002
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) - compõe o cenário nebuloso quanto ao compromisso social junto às camadas populares, especialmente em relação aos povos indígenas. Em contraposição às perspectivas hegemônicas, nesta pesquisa, exercitamos o desprendimento e a desobediência epistêmica (Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.), articulados ao projeto de libertação da psicologia de suas dependências coloniais e imperialistas (Martín-Baró, 1980/2017aMartín-Baró, I. (2017a). O psicólogo no processo revolucionário. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 25-29). Vozes. (Trabalho original publicado em 1980)), para dialogar com as demandas e reivindicações dos Kaiowá e Guarani.

Para tanto, nos propomos ao desafio do pensamento fronteiriço e da gramática decolonial (Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.), debatendo criticamente as formações sociais forjadas nessas terras ao Sul. Esse horizonte torna-se urgente diante dos desdobramentos violentos e desumanizantes das colonialidades enquanto matriz colonial de dominação nas esferas do ser, saber e poder (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 107-130). Clacso.). Essa perspectiva caminha em direção à desnaturalização e desideologização (Martín-Baró, 1985/2017cMartín-Baró, I. (2017c). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 55-65). Vozes. (Trabalho original publicado em 1985)) das relações coloniais para um posicionamento comprometido com a descolonização das ações, pensamentos e subjetividades.

É a partir da terra vermelha da cidade de Dourados (MS), marcada pela exploração colonial, que emergem nossos pensamentos desobedientes. Buscamos nas bases da psicologia social latino-americana referenciais teóricos que possibilitem o diálogo com este contexto, resultando na interlocução com a psicologia da libertação, com ênfase para as contribuições de Martín-Baró sobre uma psicologia crítica e comprometida com a transformação social. A necessária relação apontada por Martín-Baró (1980/2017aMartín-Baró, I. (2017a). O psicólogo no processo revolucionário. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 25-29). Vozes. (Trabalho original publicado em 1980)) entre a psicologia e as organizações populares e perspectivas do povo fortalece nossa aproximação à Aty Guasu2 2 Alinhados à gramática da decolonialidade (Mignolo, 2014), optamos por manter as palavras do idioma guarani sem o padrão de fonte itálico, por entendermos não se tratar de uma língua estrangeira. Embora não seja qualificada como idioma oficial, tal como o português, reflexos das colonialidades, entendemos que as línguas indígenas não são estrangerias ao território brasileiro, mas originárias destas terras. , organização política intracomunitária e intercomunitária dos Kaiowá e Guarani. Essa postura ética-política também se alinha às concepções decoloniais (Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.; Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 107-130). Clacso.) e anticoloniais (Fanon, 2020Fanon, F. (2020). Medicina e colonialismo. Terra Sem Amos.), ao priorizar as narrativas teóricas e populares indígenas e latino-americanas.

As considerações e reflexões expostas neste texto decorrem das inquietações de estudante-pesquisador e professora-pesquisadora em contato com a dura realidade vivenciada pelos Kaiowá e Guarani em Dourados e região do entorno, seja nas ruas das cidades, nos serviços de saúde e assistência social, nas reservas, nos acampamentos à beira das rodovias, nas áreas de retomada ou na universidade. Dos aprendizados obtidos através da escuta de anciões (jari), das lideranças religiosas (nãnderu e ñadesy), de guerreiros e guerreiras participantes dos Conselhos de Base (Aty Guasu, Kuñangue Aty Guasu e Retomada Aty Jovem), em espaços acadêmicos e de ação política, tomamos como substancial a relação entre território ancestral (tekoha) e saúde, de acordo com princípios cosmológicos. Por isso, torna-se imprescindível para a análise proposta a compreensão dos processos históricos que configuram as experiências Kaiowá e Guarani.

Psicologia da Libertação e Estudos Decoloniais: Diálogos Fronteiriços e Desobedientes

Viver nas terras vermelhas do Cone Sul de Mato Grosso do Sul é habitar fronteiras, sejam elas geográficas, geopolíticas, intersubjetivas, interculturais, epistemológicas etc. Essa experiência de ser, sentir e pensar nas fronteiras atravessa nossas opções epistêmico-teórico-metodológicas, aqui expressas pelo exercício de articulação das narrativas indígenas, produções antropológicas e etnográficas, e das teorias da psicologia da libertação e dos estudos decoloniais. A estas últimas, dedicamos este tópico para nos localizarmos na geopolítica do conhecimento.

A psicologia da libertação insurge do processo de crítica de psicólogas/os latino-americanos, no início da década de 1970 e em meados da década de 1980, à psicologia social de matriz europeia e norte-americana. Naquele momento de efervescências, na América Latina, de ditaduras militares alinhadas ao imperialismo estadunidense, de um lado, e de mobilizações populares para redemocratizações, de outro, pululavam inquietações no campo da psicologia social latino-americana (Lacerda Jr., 2017Lacerda, F., Jr. (2017). Colocando a psicologia contra a ordem: Introdução aos escritos de Ignacio Martín-Baró. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 7-19). Vozes.; Montero, 1989Montero, M. (1989). La psicología social en América Latina: Desarollo y tendencias actuales. Revista de Psicología Social, 4(1), 47-74. https://doi.org/10.1080/02134748.1989.10821593
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, 2000Montero, M. (2000). Construcción, desconstrucción y crítica: Teoría y sentido de la psicología social comunitaria en América Latina. In R. H. F. Campos & P. A. Guareschi (Orgs.), Paradigmas em psicologia social: A perspectiva latino-americana (pp. 70-83). Vozes.). As críticas a este campo de conhecimento direcionavam-se à descontextualização indiscriminada das importações teórico-metodológicas para o contexto latino-americano e à impossibilidade de diálogo com as realidades locais (Montero, 1989Montero, M. (1989). La psicología social en América Latina: Desarollo y tendencias actuales. Revista de Psicología Social, 4(1), 47-74. https://doi.org/10.1080/02134748.1989.10821593
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, 2000Montero, M. (2000). Construcción, desconstrucción y crítica: Teoría y sentido de la psicología social comunitaria en América Latina. In R. H. F. Campos & P. A. Guareschi (Orgs.), Paradigmas em psicologia social: A perspectiva latino-americana (pp. 70-83). Vozes.; Sandoval, 2000Sandoval, A. M. (2000). O que há de novo na psicologia social latino-americana. In R. H. F. Campos & P. A. Guareschi (Orgs.), Paradigmas em psicologia social: A perspectiva latino-americana (pp. 101-109). Vozes.), além de ressaltarem o caráter ideológico-conservador dessas produções (Lane, 1984Lane, S. T. M. (1984). A psicologia social e uma nova concepção de homem para a psicologia. In S. T. M Lane & W. Codo (Orgs.), Psicologia social: O homem em movimento (pp. 10-19). Brasiliense.).

Em El Salvador, emergiam das mobilizações populares contra as desigualdades sociais e políticas intervencionistas dos Estados Unidos na América Central os escritos do psicólogo Ignácio Martín-Baró, precursor da psicologia da libertação. Os esforços do autor em problematizar as desordens instituídas na América Latina desde a psicologia social se concentravam em conhecer os processos psicossociais e identificar condições possíveis para superação dos problemas experienciados pelas maiorias populares (Lacerda Jr., 2017Lacerda, F., Jr. (2017). Colocando a psicologia contra a ordem: Introdução aos escritos de Ignacio Martín-Baró. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 7-19). Vozes.).

Do empenho revolucionário de Martín-Baró, temos como contribuições primordiais: a necessária implicação da psicologia nas dimensões sociopolíticas e nas lutas sociais; as críticas aos pressupostos conservadores e ideologizados das teorias psicológicas, que se pretendiam assépticas; e as bases para a reconstrução de outras psicologias, engajadas com o povo (Lacerda Jr., 2017Lacerda, F., Jr. (2017). Colocando a psicologia contra a ordem: Introdução aos escritos de Ignacio Martín-Baró. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 7-19). Vozes., Martín-Baró, 1980/2017aMartín-Baró, I. (2017a). O psicólogo no processo revolucionário. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 25-29). Vozes. (Trabalho original publicado em 1980)). Em nossa caminhada com os Kaiowá e Guarani, e neste texto, as orientações de Martín-Baró nos auxiliam no entendimento da necessidade de libertação e edificação da psicologia a partir das perspectivas dos povos originários e de suas reivindicações, tal como nos empenhamos a partir do engajamento e diálogo com as narrativas da Aty Guasu e dos indígenas em movimento.

O giro decolonial proposto pelos estudos decoloniais possui aproximações com as inquietações da psicologia social latino-americana, tendo como representativas as preocupações de intelectuais latino-americanas/os engajadas/os com a crítica às estruturações históricas e heterogêneas de dominação fundadas pela colonização da América Latina (Ballestrin, 2013Ballestrin, L. (2013). América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, (11), 89-117. https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004
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; Gonçalves, 2019Gonçalves, B. S. (2019). Nos caminhos da dupla consciência: América Latina, psicologia e descolonização. Editora do Autor.). A elaboração do conceito de colonialidade do poder, pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano, desloca as interpretações da modernidade em termos geo-históricos e geoculturais para as investidas colonialistas do século XVI, marcadas pela invenção da ideia de raça - e da classificação/hierarquização racial - e mundialização do capitalismo na formação do sistema-mundo-moderno/colonial (Quijano, 2000Quijano, A. (2000). Colonialidade do poder e classificação social. In B. S. Santos & M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do Sul (pp. 73-118). Almedina., 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 107-130). Clacso.). A partir dessa compreensão, a lógica oculta da modernidade é a colonialidade, seus recursos e produtos (Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.; Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 107-130). Clacso.).

A colonialidade é composta, fundamentalmente, pela vinculação entre a colonialidade do poder, saber e ser, tríade estruturante da matriz - ou padrão - colonial de poder (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 107-130). Clacso.). Essa matriz abrange principalmente os âmbitos da economia e política (poder), epistemologia e produção do conhecimento (saber), sexualidade e subjetividade (ser) (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 107-130). Clacso.). Esse sistema está assentado na produção e universalização das hierarquias, forjadas pela racionalidade eurocêntrica, e reprodução das desigualdades sustentadas pelo poder moderno/colonial-capitalista por meio da perpetuação da classificação racial, controle do trabalho, de gênero e das subjetividades (Quijano, 2000Quijano, A. (2000). Colonialidade do poder e classificação social. In B. S. Santos & M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do Sul (pp. 73-118). Almedina.).

O estudo da modernidade/colonialidade, enquanto horizonte epistemológico e ético-político, abre caminhos para reinterpretações das relações entre os acontecimentos históricos e as conjunturas contemporâneas, bem como para a insurgência de outros pensamentos desde a geopolítica latino-americana e dos povos colonizados em contínuo processo de descolonização (Gonçalves, 2019Gonçalves, B. S. (2019). Nos caminhos da dupla consciência: América Latina, psicologia e descolonização. Editora do Autor.; Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.). Para Mignolo (2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.), “o conceito de colonialidade tem aberto a reconstrução e restituição de histórias silenciadas, subjetividades reprimidas, linguagens e conhecimentos subalternizados pela ideia de totalidade definida em nome da modernidade e racionalidade” (p. 18).

É por essas intersecções epistêmico-teórico-metodológicas do sentir-pensar fronteiriço que caminham as nossas sensibilidades/pensamentos desobedientes junto aos Kaiowá e Guarani (Borda, 2002Borda, O. F. (2002). Resistencia en el San Jorge: Historia doble de la Costa (Vol. 3, 2a ed.). Áncora.; Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.). Trataremos a compreensão de saúde, em diálogo com as notas da Aty Guasu, a partir do desprendimento epistêmico enquanto “ativo abandono das formas de conhecer que sujeitam e modelam ativamente nossas subjetividades pelas fantasias das ficções modernas” (Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo., p. 7). Para isso, articulamos as contribuições decoloniais com a noção de desideologização proposta por Martín-Baró. Esta tarefa psicossocial constitui-se em desmascarar as justificativas intersubjetivas que viabilizam a opressão entre povos, tais como os procedimentos coloniais de classificação/hierarquização racial. De acordo com Martín-Baró (2017cMartín-Baró, I. (2017c). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 55-65). Vozes. (Trabalho original publicado em 1985)), a desideologização consiste em assumir a perspectiva das maiorias populares, no aprofundamento do conhecimento de suas realidades, e o compromisso crítico com a autonomia popular. Essa postura epistemológica e ética-política atravessa nossas experiências e escrita junto aos Kaiowá e Guarani.

A geopolítica do conhecimento fronteiriço do habitar, sentir e pensar na fronteira “no processo de desprender-se e re-subjetivar-se” (Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo., p. 30), em solidariedade aos Kaiowá e Guarani, nos educa para o horizonte decolonial em psicologia de recuperação e recomposição das condições/relações materiais e intersubjetivas desorganizadas pelas feridas coloniais. Nesse sentido, se os conhecimentos são instrumentos de dominação e colonização, a descolonização do saber e da subjetividade torna-se fundamental. E, como nos orienta Martín-Baró, para a psicologia contribuir com a libertação das maiorias oprimidas, ela própria precisa libertar-se dos aprisionamentos epistemológicos. É nesta direção que articulamos as narrativas Kaiowá e Guarani sobre saúde com as perspectivas da psicologia da libertação e dos estudos decoloniais enquanto potência para descolonizações dialógicas.

Percurso Metodológico: Caminhos entre a Terra Vermelha e as Redes Virtuais

Nesta pesquisa, articulamos a metodologia de análise de documentos, como explicitaremos a seguir, com a participação em eventos importantes para as comunidades Kaiowá e Guarani. Participamos, enquanto apoiadores3 3 Nossa participação junto aos movimentos Kaiowá e Guarani esteve perpassada pelo engajamento com suas demandas e reivindicações, o que temos chamado também de sensibilidade psicossocial (Faria, 2021), a partir da composição de organizações de apoio, campanhas de arrecadação de alimentos, escuta das narrativas comunitárias e registros audiovisuais. , de mobilizações intercomunitárias e intracomunitárias, de 2015 a 2020. Destas, enfatizamos as Grandes Assembleias Kaiowá e Guarani, espaços de discussão sobre as condições dos territórios e produção de estratégias de enfrentamento, tais como a escrita de documentos para visibilizar as demandas e conflitos destes povos.

Esta é uma pesquisa qualitativa, em que buscamos nos aproximar das compreensões dos Kaiowá e Guarani, em especial da dimensão saúde, a partir de documentos produzidos pelas comunidades e divulgados pela Aty Guasu. O movimento manteve um blog na internet no qual publicaram informações entre os anos de 2011 e 2013. Foram lidas 38 notas desse período, separadas de acordo com a data e local de escrita e a quem se endereçavam. A partir da leitura, foram feitos pequenos recortes dos conteúdos referentes às narrativas relacionadas à saúde. Da análise documental, duas categorias foram destacadas: “saúde indígena” e “saúde indigenista”.

Os posicionamentos da Aty Guasu através do blog se expressam principalmente por notas. O conjunto de notas publicadas configura-se como: relatórios de diligência, documentos finais das assembleias intracomunitárias, informativos do movimento, carta de comunidades ameaçadas de despejo, moção de apoio e notas de repúdio. O endereçamento aos atores sociais externos às comunidades indígenas altera-se conforme o objetivo. A Justiça Federal (juízes e desembargadores) é mencionada quando da reivindicação de revogação de ordens de despejo; senadores e deputados federais em ocasião de votação de projetos de lei e para demarcação de terras reivindicadas; sociedades nacionais e internacionais, em situações de denúncia de violação de direitos; e a imprensa, quando da necessidade de expressar contrapontos e repúdio às notícias ideologizadas contra os povos (Martín-Baró, 1987/2017bMartín-Baró, I. (2017b). O desafio popular à psicologia social na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 66-85). Vozes. (Trabalho original publicado em 1987)).

Temos nos dedicado ao questionamento das fronteiras coloniais situadas na experiência histórica dos Kaiowá e Guarani, desde as imposições territoriais pela arbitrariedade do Estado-nação até as imbricações na sociabilidade intersubjetiva e comunitária decorrentes do processo de colonização (Faria & Martins, 2020Faria, L. L., & Martins, C. P. (2020). Fronteiras coloniais, Psicologia da Libertação e a desobediência indígena. Psicologia para América Latina, 33, 33-42. ). Este fazer tem sido orientado pelo compromisso social (Freire, 1981Freire, P. (1981). Educação e mudança. Paz e Terra.) e pelo sentir-pensar (Borda, 2002Borda, O. F. (2002). Resistencia en el San Jorge: Historia doble de la Costa (Vol. 3, 2a ed.). Áncora.), em alinhamento com as organizações indígenas (Martín-Baró, 1980/2017ªMartín-Baró, I. (2017a). O psicólogo no processo revolucionário. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 25-29). Vozes. (Trabalho original publicado em 1980)). As aproximações com os estudos decoloniais têm colaborado para interpretação do nosso lugar na geopolítica do conhecimento a partir do pensamento fronteiriço (Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.), uma potente estratégia metodológica para a responsabilidade com subjetividades e territorialidades ainda colonizadas.

A desobediência epistêmica compõe nosso horizonte e expressa preocupações de estudo e aprendizagem com os povos originários. Dessa postura emerge nossa disponibilidade de acolhimento/escuta de lideranças e trabalhadores indígenas como exercício decolonial e de desprendimento dos esquemas psicológicos colonizados/colonizadores. Nossas análises são subsidiadas pelos referenciais da psicologia da libertação, estudos decoloniais e das contribuições de Franz Fanon.

Desobediência Kaiowá e Guarani: Retomar os Territórios e Ocupar as Redes

De acordo com Pereira (2016Pereira, L. M. (2016). Os Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Módulos organizacionais e humanização do espaço habitado. UFGD.), os Kaiowá e Guarani são etnias tradicionalmente de agricultores de floresta tropical e, antes do contato com os não indígenas, exerciam como principais atividades, além da agricultura, a caça, pesca e coleta. Melià, G. Grünberg e F. Grünberg (1976Melià, B., Grünberg, G., & Grünberg, F. (1976). Los Paî-Tavyterã: Etnografia guarani del Paraguay contemporaneo. Universidad Católica Nuestra Señora de la Asunción.) apontam para a noção do território próprio entre os Guarani, habitualmente estabelecida pelos conhecimentos das condições e características geográficas, tais como a qualidade do solo e a proximidade das bacias dos rios, e envoltas por elementos míticos e religiosos.

Segundo Melià (1990Melià, B. (1990). A terra sem mal dos Guarani. Revista de Antropologia, 33, 33-46. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111213
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), “as evidências arqueológicas mostram que os Guarani chegaram a ocupar as melhores terras da bacia dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai, e do sapé da Cordilheira” (p. 33). As áreas ocupadas por estes povos ultrapassam as fronteiras nacionais da Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. Aqui trataremos especificamente dos grupos situados no território brasileiro de Mato Grosso do Sul, cerca de 64.455 mil pessoas (Equipe Mapa Guarani Continental [EMGC], 2016Equipe Mapa Guarani Continental. (2016). Caderno Mapa Guarani Continental: Povos Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. https://bit.ly/3Xbgh6g
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).

A ocupação de terras apresenta-se “como elemento constitutivo do modo de ser guarani”, e ainda, “a vida guarani nunca se liberta, nem se abstrai da questão da terra” (Melià, 1990Melià, B. (1990). A terra sem mal dos Guarani. Revista de Antropologia, 33, 33-46. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111213
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, p. 34). Essa determinação territorial Guarani é compreendida pela expressão “tekoha”, ou seja, “o lugar onde se dão as condições de possibilidade do modo de ser guarani”, e a terra é concebida “antes de tudo, como um espaço sociopolítico” (Melià, 1990Melià, B. (1990). A terra sem mal dos Guarani. Revista de Antropologia, 33, 33-46. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111213
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, p. 36), e não é reduzida à dimensão econômica, mas compreendida como lugar de produção da vida comunitária e das relações de reciprocidade, em alinhamento às compreensões cosmológicas.

Tonico Benites (2012Benites, T. (2012). Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, 4(2), 165-174. https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.83
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) apresenta uma concepção ampliada dos territórios Kaiowá e Guarani a partir da definição “tekoha guasu”. De acordo com Benites (2012Benites, T. (2012). Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, 4(2), 165-174. https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.83
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), o tekoha guasu é um espaço territorial mais amplo que o tekoha, por incluir o “uso de várias famílias extensas e de várias lideranças religiosas e políticas”, podendo ser “entendido então como uma rede de tekoha que inclui diversos espaços compartilhados de caça, de pesca, de coleta, de habitação, de ritual religioso e festivo, constituindo-se como o palco das relações intercomunitárias” (p. 166). Para Benites (2012Benites, T. (2012). Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, 4(2), 165-174. https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.83
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), o tekoha guasu pode ser definido como “uma vasta rede operante de alianças políticas intercomunitárias e matrimoniais” (p. 166).

Nesse sentido, há “um ‘horizonte’ de terra guarani, específico e constante” (Melià, 1990Melià, B. (1990). A terra sem mal dos Guarani. Revista de Antropologia, 33, 33-46. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111213
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, p. 34), que pode ser compreendido pela definição de tekoha guasu apontada por Benites (2012Benites, T. (2012). Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, 4(2), 165-174. https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.83
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). Melià (1990Melià, B. (1990). A terra sem mal dos Guarani. Revista de Antropologia, 33, 33-46. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111213
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) afirma que, se “há saída deste horizonte será devido a uma crise de uma ou outra ordem” (p. 34), o que, para Benites (2012Benites, T. (2012). Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, 4(2), 165-174. https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.83
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), é exemplificada pelas políticas de colonização.

As atuais condições de dificuldades dos Kaiowá e Guarani estão fundadas na invasão e expropriação de seus territórios tradicionais pelos não indígenas (Benites, 2014Benites, T. (2014). Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (rezando e lutando): O movimento histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Repositório institucional UFRJ. https://bit.ly/3GrdXBj
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). Alguns registros do violento processo colonizador são: a guerra entre Brasil e Paraguai (1864-1870), a exploração da terra e mão de obra indígena pela Companhia Matte Laranjeira, no pós-guerra, e, mais recentemente, a economia devastadora do agronegócio e das transnacionais (Benites, 2012Benites, T. (2012). Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, 4(2), 165-174. https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.83
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; Brand, 2004Brand, A. (2004). Os complexos caminhos da luta pela terra entre os Kaiowá e Guarani no MS. Tellus, 4(6), 137-150.).

O contínuo processo violento de colonização dos territórios Kaiowá e Guarani tem resultado na precarização e limitação do modo de viver e, por consequência, das condições de saúde dos povos e comunidades, segundo os sentidos cosmológicos. Contudo, inicia-se também, em meados de 1970, a auto-organização comunitária para retomada dos territórios expropriados pelo Estado e/ou por fazendeiros (Benites, 2012Benites, T. (2012). Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, 4(2), 165-174. https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.83
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; Brand, 2004Brand, A. (2004). Os complexos caminhos da luta pela terra entre os Kaiowá e Guarani no MS. Tellus, 4(6), 137-150.).

A organização política dos Kaiowá e Guarani em defesa e luta pelos seus territórios tradicionais destaca-se pela articulação da/na Aty Guasu, que reúne lideranças de diferentes comunidades (Benites, 2012Benites, T. (2012). Trajetória de luta árdua da articulação das lideranças Guarani e Kaiowá para recuperar os seus territórios tradicionais tekoha guasu. Revista de Antropologia da UFSCar, 4(2), 165-174. https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.83
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). As mobilizações das lideranças políticas e religiosas dos povos Kaiowá e Guarani têm ganhado grande visibilidade nacional e internacional pela resistência e enfrentamento aos avanços destrutivos do agronegócio.

A articulação dos Kaiowá e Guarani no movimento Aty Guasu sustenta-se na tentativa desses povos de minimizar os problemas gerados pelo processo histórico de colonização de suas terras, incentivado pelo Estado brasileiro. Nesse sentido, Pereira (2003Pereira, L. M. (2003). O movimento étnico-social pela demarcação das terras guarani em MS. Tellus , 3(4), 137-145.) destaca que “tais demandas têm sua origem e fundamento no próprio processo de ocupação das terras no Estado pelas frentes agropecuárias, que foi incapaz de assegurar aos índios as terras que tradicionalmente ocupavam” (p. 145).

O cenário colonial caracteriza as condições de vida e sobrevivência dos Kaiowá e Guarani. O projeto colonialista de ocupação territorial foi produzido a partir da expulsão dos povos de seus tekoha, e foi marcado pelo confinamento das coletividades em pequenas porções de terras denominadas “reservas” (Brand, 2004Brand, A. (2004). Os complexos caminhos da luta pela terra entre os Kaiowá e Guarani no MS. Tellus, 4(6), 137-150.). O “reservamento” imposto autoritariamente às comunidades, combinado à presença dos colonizadores e do desmatamento empreendido por eles, gerou problemas diversos, tais como: rompimento de vínculos comunitários e de harmonia entre seres humanos e mais-que-humanos (La Cadena, 2018La Cadena, M. (2018). Natureza incomum: Histórias do antropo-cego. Revista IEB, (69), 95-117. https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i69p95-117
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); restrição de acesso a recursos como água, caça e coleta; deterioração das condições de vida; conflitos e violência intracomunitária etc. (Pereira, 2016Pereira, L. M. (2016). Os Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Módulos organizacionais e humanização do espaço habitado. UFGD.).

Para entendermos o papel e a importância da utilização das mídias sociais para o movimento Aty Guasu, são necessários alguns apontamentos sobre a mídia hegemônica de Mato Grosso do Sul. As mídias de massa (televisão, rádio e jornais impressos/virtuais) correspondem a interesses particulares, convencionalmente dos grupos detentores de poderes materiais e simbólicos, que se utilizam desses meios de comunicação para produção e reprodução de seus capitais (Bourdieu, 1996Bourdieu, P. (1996). Sobre a televisão, seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Zahar.).

O estado de MS representa, atualmente, um dos epicentros da economia latifundiária4 4 A economia latifundiária e os latifundiários estão referenciados aqui a partir da tríade colonial-extrativista de: latifúndio, monocultura e exportação na ocupação e exploração de grandes extensões de terras. Atualmente sob a roupagem desenvolvimentista de “agronegócio”, esse modelo atualiza os tradicionais plantations coloniais, articula as elites latifundiárias locais e as empresas transnacionais na produção da barbárie justificada pelos supostos benefícios em termos modernos/coloniais-capitalistas (Camacho, 2010). brasileira e da desigualdade na distribuição de terras (“Atlas Agropecuário revela…”, 2017Atlas Agropecuário revela a malha fundiária do Brasil. (2017, 20 de março). https://bit.ly/3Cxop9g
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), e os conflitos fundiários são uma das maiores expressões dessa contradição entre o capital financeiro nacional/internacional e os direitos dos povos indígenas. O resultado dessa condição, do ponto de vista midiático, é a reprodução ideologizada pelas mídias de massa do discurso contaminado pelos interesses dos ruralistas. Sobre esse contexto, Benites (2014Benites, T. (2014). Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (rezando e lutando): O movimento histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Repositório institucional UFRJ. https://bit.ly/3GrdXBj
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) ressalta:

a mídia do estado de Mato Grosso do Sul divulga os fatos que favorecem os interesses de grandes poderes econômicos dominantes vinculados ao agronegócio, sem levar em consideração as denúncias indígenas, as demandas, a posição e a concepção dos próprios indígenas, ignorando os relatos dos indígenas (p. 226).

Neves e Mainieri (2014Neves, E. M. R., & Mainieri, T. (2014). Protagonismo indígena no ciberespaço: Uma busca pela comunicação contra-hegemônica? XVI Congresso de Ciências da Comunicação, Águas Claras, DF, Brasil.) afirmam, “esse ethos midiático historicamente atrelado aos interesses do grande capital não só ocupa um espaço privilegiado de enunciação como também determina quais serão as vozes presentes e ausentes no discurso midiático e como serão reportadas por ele” (p. 8). Os discursos veiculados nas mídias hegemônicas expressam uma visão de mundo ideologizada pelos interesses dos latifundiários. Neste caso, a ideologização consiste em mecanismos de poder articulados às produções discursivas que justificam e viabilizam intersubjetivamente a desumanização e opressão dos Kaiowá e Guarani no contexto sociopolítico de Mato Grosso do Sul (Martín-Baró, 1985/2017cMartín-Baró, I. (2017c). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 55-65). Vozes. (Trabalho original publicado em 1985)). Nesse jogo, as vozes dos povos Kaiowá e Guarani estão ausentes, embora suas representações sejam - estrategicamente - construídas a partir da concepção dos fazendeiros. Entendemos, a partir de Guareschi (2015Guareschi, P. (2015). Representações sociais, mídia e movimentos sociais. In P. Guareschi, A. Hernandez, & M. Cárdenas (Orgs.), Representações sociais em movimento: Psicologia do ativismo político (pp. 77-91). EDIPUCRS.), as representações como uma construção simbólica que se funda pela mediação psicossocial entre o sujeito e a realidade que o circunda, a qual se torna objeto de pensamento, ação e relação.

É nesse campo de disputas, tanto simbólicas quanto materiais, que a produção das narrativas da Aty Guasu está inserida como uma alternativa decolonial e desideologizante ao discurso hegemônico, uma possibilidade de enunciação das vozes Kaiowá e Guarani. A utilização das redes sociais como recurso de participação é compreendida por Cruz e Coelho (2012Cruz, K. R., & Coelho, E. M. B. (2012). A saúde indigenista e os desafios da particip(ação) indígena. Saúde e Sociedade, 21(suppl. 1), 185-198. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000500016
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) como “acionamento de estratégias indígenas de participação” (p. 195).

A decisão de utilizar as mídias digitais, material privilegiado de análise desta pesquisa, se deu pela necessidade percebida pelos conselheiros da Aty Guasu de posicionarem-se contrários aos discursos da mídia hegemônica. As redes sociais, como o Facebook e os blogs, foram apropriadas pelas lideranças Guarani e Kaiowá “para contrapor e desconstruir as informações tendenciosas da mídia dominante sobre os indígenas” (Benites, 2014Benites, T. (2014). Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (rezando e lutando): O movimento histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação de seus tekoha [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Repositório institucional UFRJ. https://bit.ly/3GrdXBj
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, p. 237).

As mídias manuseadas pela Aty Guasu cumprem a função de denunciar e trazer ao conhecimento público a condição desumana vivenciada por diversas comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, situação marcada pelos constantes ataques e assassinatos de indígenas em áreas de conflito entre as comunidades e os fazendeiros (Comissão Pastoral da Terra [CPT], 2017Comissão Pastoral da Terra. (2017). Conflitos no campo: Brasil 2017. https://bit.ly/3Qm41h7
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; Conselho Indigenista Missionário [Cimi], 2016Conselho Indigenista Missionário. (2016). Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil. https://bit.ly/3XblzPL
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). Nesse sentido, as denúncias feitas pela Aty Guasu na internet representam uma possibilidade de as violências cometidas contra os Kaiowá e Guarani não serem invisibilizadas ou ideologicamente distorcidas, além de servirem como uma forma de pressionar o Estado, bem como os organismos internacionais, a tomarem providências sobre essas situações.

A partir do entendimento de Cruz e Coelho (2012Cruz, K. R., & Coelho, E. M. B. (2012). A saúde indigenista e os desafios da particip(ação) indígena. Saúde e Sociedade, 21(suppl. 1), 185-198. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000500016
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) sobre o uso das mídias sociais como uma estratégia indígena de participação, buscaremos identificar as compreensões cosmológicas dos Kaiowá e Guarani a respeito da dimensão saúde. Para tanto, apresentaremos as narrativas veiculadas através das redes sociais pelos Kaiowá e Guarani, em específico do blog da Aty Guasu (http://atyguasu.blogspot.com/).

Saúde Indígena: “Terra é Vida”

Nesta parte do texto, enfatizamos as narrativas dos Kaiowá e Guarani como ilustração da nossa opção teórica e política decolonial. A dimensão saúde apresentada nos próximos tópicos decorre das reivindicações da Aty Guasu como articulação das vozes indígenas. Essa postura está alinhada aos pressupostos conceituais da psicologia da libertação e estudos decoloniais.

As notas da Aty Guasu, de forma predominante, relatam o contexto atual de vida das comunidades Kaiowá e Guarani em diferentes territórios marcados pelo que denominam “vida mísera e instável”. A maioria dos relatos narra situações de violência extrema e de violações de direitos destes povos, expressas pelas constantes ameaças, ataques, atropelamentos, assassinatos e despejos, como ilustrado no seguinte recorte:

De fato, nos últimos 15 anos, a vida mísera e instável, assassinatos, suicídios e desnutrição que atingem a nova geração Guarani e Kaiowá são o resultado direto de violentas expulsões dos indígenas dos territórios tradicionais praticadas por novos ocupantes ou fazendeiros do atual Cone Sul de MS ao longo das décadas de 1970 e 1980. (“Nota das lideranças Aty Guasu”, 2012Nota das lideranças da Aty Guasu Guarani-Kaiowá. (2012, 16 de maio). Blog Aty Guasu. https://bit.ly/3k02aCx
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).

Concebemos o debate sobre a dimensão saúde em contexto de interculturalidade a partir da diferenciação entre saúde indígena e indigenista. Segundo Cruz e Coelho (2012Cruz, K. R., & Coelho, E. M. B. (2012). A saúde indigenista e os desafios da particip(ação) indígena. Saúde e Sociedade, 21(suppl. 1), 185-198. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000500016
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), a saúde indigenista refere-se aos “serviços e ações formuladas e implementadas com base nas concepções do processo saúde-doença da sociedade ocidental e são direcionados aos índios” (p. 187). Enquanto, para as autoras, a saúde indígena compreende “os saberes curativos dos povos indígenas, de acordo com as suas próprias concepções” (p. 187).

Nos posicionamentos da Aty Guasu identificamos em diferentes momentos aspectos relativos à saúde indígena, imbricados aos sentidos cosmológicos Kaiowá e Guarani, em suas relações com o mundo e organização social. A compreensão da saúde indígena aparece atrelada, principalmente, à concepção de território, em que este é apresentado como fonte primária de saúde. O território é entendido por elementos de ligação, pertencimento e bem-estar coletivo, tal como apresentado na nota abaixo:

Destacamos que nos Guarani e Kaiowá temos ligação com o território próprio, pertencemos à determinada terra, assim, a terra ocupada por nosso antepassado recente é vista por nós como uma fundamentação de vida boa, vida em paz, sobretudo é a fonte primária de saúde [ênfase adicionada], bem-estar da comunidade e familiares indígenas (“A vida mísera…”, 2012A vida mísera dos povos Guarani-Kaiowá despejados dos seus territórios antigos. (2012, 31 de janeiro). Blog Aty Guasu. https://bit.ly/3WTFQsF
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).

O território tradicional para os Kaiowá e Guarani é apontado como fundamental para a sobrevivência e realização das atividades culturais e religiosas. São essas práticas na ocupação de suas terras que viabilizam o tekoporã, a “vida boa”, “o bem viver”, pautado numa relação de cuidado com a terra e com os seus habitantes humanos e mais-que-humanos, em oposição ao atual modelo de ocupação não indígena, marcado pela exploração em prol do lucro.

A relação com o território apresenta-se como elemento central ao modo próprio de experiência social e espiritual. Mota (2012Mota, J. G. B. (2013). Movimento étnico-socioterritorial Guarani e Kaiowá no estado de Mato Grosso do Sul: Disputas territoriais nas retomadas pelo Tekoha-Tekoharã. Revista NERA, 15(21), 114-134. https://doi.org/10.47946/rnera.v0i21.2114
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, 2017Mota, J. G. B. (2017). Os Guarani e Kaiowá e suas lutas pelo tekoha: Os acampamentos de retomadas e a conquista do teko porã. Revista NERA , 20(39), 60-85. https://doi.org/10.47946/rnera.v0i39.4959
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) elucida a palavra tekoha para indicar a territorialidade dos Kaiowá e Guarani com o lugar de ocupação, e é uma expressão localizada no espaço e tempo, podendo ser entendida em três momentos: ocupação originária, contato com o não indígena e retomada dos territórios. De acordo com a autora, o tekoha compreende elementos mítico-religiosos e “não pode deixar de ser entendido enquanto um meio político-ideológico de luta” (Mota, 2012Mota, J. G. B. (2013). Movimento étnico-socioterritorial Guarani e Kaiowá no estado de Mato Grosso do Sul: Disputas territoriais nas retomadas pelo Tekoha-Tekoharã. Revista NERA, 15(21), 114-134. https://doi.org/10.47946/rnera.v0i21.2114
https://doi.org/10.47946/rnera.v0i21.211...
, p. 131). Ainda, “a palavra tekoha representa resistência, uma resistência Guarani e Kaiowá que persistem em existir, que se rebelam para garantir seus direitos étnicos, suas formas de pensar e agir, seus direitos à vida, a continuarem a existir” (Mota, 2017Mota, J. G. B. (2017). Os Guarani e Kaiowá e suas lutas pelo tekoha: Os acampamentos de retomadas e a conquista do teko porã. Revista NERA , 20(39), 60-85. https://doi.org/10.47946/rnera.v0i39.4959
https://doi.org/10.47946/rnera.v0i39.495...
, p. 64).

Certa vez, em uma das andanças pelos territórios indígenas, uma liderança comentou, ciente de nossa área de atuação, estar “morrendo psicologicamente com a natureza”, referindo-se à degradação da área ocupada e aos impactos nas relações da comunidade. Esta condição fica explícita na seguinte nota de denúncia: “poluíram nossos rios, destruíram nossas matas, nossa farmácia e nossa saúde. Destruíram nossa cultura, nosso tekoha, nossa vida e nossa dignidade, deixando nossas mulheres à mercê das rodovias, dos acampamentos e pequenas áreas, insuficientes para nossa sustentabilidade” (“Documento final da 2ª Grande Assembleia…”, 2012ªDocumento da 2ª Grande Assembleia das lideranças femininas (Kuña Aty) Guarani-Kaiowá-MS. (2012a, 28 de abril). Blog Aty Guasu. https://bit.ly/3Iy7do3
https://bit.ly/3Iy7do3...
).

As demandas por preservação dos recursos ambientais para garantia dos direitos básicos, como acesso à água potável, são reivindicadas nas notas, indicando outra dificuldade das comunidades Kaiowá e Guarani após a ocupação das terras por fazendeiros. As cercas impostas pela concepção ocidental da propriedade privada limitam o acesso das comunidades a estes recursos, condenando-as a sérios agravamentos em saúde, como vivenciado durante o período da pandemia da covid-19, com a impossibilidade de cumprir as medidas de prevenção por falta de água nas reservas e acampamentos (Johnson & Faria, 2020Johnson, F. M., & Faria, L. L. (2020). Pandemias, profecias e autonomias: os Guarani e Kaiowá contra a covid-19. Cadernos de Campo, 29, 45-52. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29isuplp42-52
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
; “Índios ficam sem água…”, 2020Índios ficam sem água enquanto rede urbana passa a menos de 1km da Reserva. (2020, 16 de maio). O Progresso Digital. https://bit.ly/3vOI8xy
https://bit.ly/3vOI8xy...
). Sobre essa questão, os povos reivindicam: “o acesso à água de qualidade é um direito humano básico. Garantir o acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente em nossas aldeias” (“Documento final da 2ª Grande Assembleia…”, 2012bDocumento da 2ª Grande Assembleia das lideranças femininas (Kuña Aty) Guarani-Kaiowá-MS . (2012b, 28 de abril). Blog Aty Guasu. https://bit.ly/3Iy7do3
https://bit.ly/3Iy7do3...
).

O modelo de monocultura e o uso excessivo de agrotóxicos também se apresentam como ameaças à saúde devido à contaminação dos rios, do ar e da terra, com destaque para as ações criminosas de pulverização de agrotóxico sobre comunidades5 5 Vídeo gravado por indígena flagra momento em que avião agrícola pulveriza agrotóxico sobre a comunidade (“Piloto de avião…”, 2016). . Essa faceta, característica do agronegócio, é encoberta pelo discurso desenvolvimentista e pelas propagandas midiáticas, que, em vez de denunciar seu caráter desumano, destaca-o como “pop”6 6 A gerência de marketing e comunicação da Rede Globo criou, em 2016, a campanha com o slogan “Agro é pop, agro é tech, agro é tudo”, veiculada em horários de maior visibilidade para propagar o discurso ideológico do agronegócio, sem pontuar as mazelas desse modelo de exploração. . Sobre essa situação, exigem a “implantação e implementação de mecanismos adequados de efetivo monitoramento e avaliação dos impactos ambientais dos projetos de monocultura e uso indiscriminado de agrotóxicos que atingem diretamente nossas aldeias causando intoxicações, envenenamentos e mortes” (“Documento final da 2ª Grande Assembleia…”, 2012bDocumento da 2ª Grande Assembleia das lideranças femininas (Kuña Aty) Guarani-Kaiowá-MS . (2012b, 28 de abril). Blog Aty Guasu. https://bit.ly/3Iy7do3
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).

Saúde Indigenista: “Despejo é Morte”

Os aspectos da saúde indigenista compreendidos nas notas são marcados por reivindicações de melhoria ou ampliação de políticas públicas específicas e por denúncias de violação dos direitos. Nas notas, as políticas de saúde indigenista, assim como as políticas de educação, são entendidas como direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988. Estes povos estão respaldados no conceito de saúde diferenciada.

Segundo Pereira (2007Pereira, L. M. (2007). Mobilidade e processos de territorialização entre os Kaiowá atuais. Revista História em Reflexão, 1(1).), as adaptações e as revisões que culminam na formulação da Constituição de 1988 alteram o paradigma assimilacionista das políticas para o respeito à diversidade cultural. Entretanto, essa mudança formal não garantiu a mudança real, pois “prefeituras e secretarias de estado, responsáveis pelos serviços de educação e saúde, não conseguem, por despreparo ou falta de vontade política, implantar serviços diferenciados e adequados às características culturais dos Kaiowá” (Pereira, 2007Pereira, L. M. (2007). Mobilidade e processos de territorialização entre os Kaiowá atuais. Revista História em Reflexão, 1(1)., p. 12).

O oferecimento de serviços de saúde de forma diferenciada aparece como uma demanda para atenção à saúde das mulheres indígenas, que em suas particularidades exigem atendimentos de qualidade para o enfrentamento da mortalidade entre elas. Para tanto, como documento final da Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani, a Kuñangue Aty Guasu, reivindicam:

Saúde diferenciada e de qualidade e para a mulher indígena: que haja melhoria da qualidade de atendimento à população indígena em geral e em particular à mulher indígena. Que a Sesai assume sua responsabilidade e que o atendimento chegue às bases com qualidade e agilidade. “Estamos cansadas de ver nossas companheiras morrendo nas filas dos postos de saúde!” (“Documento final da 2ª Grande Assembleia…”, 2012bDocumento da 2ª Grande Assembleia das lideranças femininas (Kuña Aty) Guarani-Kaiowá-MS . (2012b, 28 de abril). Blog Aty Guasu. https://bit.ly/3Iy7do3
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).

Os Kaiowá e Guarani orientam a possibilidade de melhoria na política de saúde a partir da participação, reconhecimento da autonomia e especificidades culturais. A Aty Guasu pontua que, para o aperfeiçoamento da política de saúde indigenista, é preciso escutar as lideranças, pois são esses atores que estão presentes nos territórios e conhecem as demandas das comunidades. Nessa direção, a efetividade do controle social no Sistema Único de Saúde (SUS) possibilitaria um espaço de discussão, acompanhamento e monitoramento dos serviços, tal como a nota a seguir propõe:

Que o governo, suas representações e instituições responsáveis pelas políticas para com os povos indígenas, se mantenham atentos às suas demandas especificas numa relação de construção conjunta onde os Guarani-Kaiowá sejam ouvidos e reconhecidos em sua autonomia e diversidade cultural (“Documento final da 2ª Grande Assembleia…”, 2012bDocumento da 2ª Grande Assembleia das lideranças femininas (Kuña Aty) Guarani-Kaiowá-MS . (2012b, 28 de abril). Blog Aty Guasu. https://bit.ly/3Iy7do3
https://bit.ly/3Iy7do3...
).

Para os povos tradicionais, a ocupação dos espaços políticos do controle social no SUS é um desafio e segue os limites do modo não indígena de participação (Cruz, 2005Cruz, K. R. (2005). Política indigenista de saúde e participação indígena: Desafios do respeito à diferença [Apresentação de trabalho]. II Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luiz, MA, Brasil.; Cruz & Coelho, 2012Cruz, K. R., & Coelho, E. M. B. (2012). A saúde indigenista e os desafios da particip(ação) indígena. Saúde e Sociedade, 21(suppl. 1), 185-198. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000500016
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). Este aspecto tampouco se restringe à saúde, mas está relacionado à limitação sistêmica produzida desde a Constituição Federal e se desdobra nas políticas direcionadas aos povos indígenas do Brasil. Essa análise é reiterada pela compreensão de André Baniwa, em entrevista sobre o controle social na saúde indígena: “na maioria das vezes os representantes do governo simplesmente defendem o Estado; não procuram entender o problema e a partir daí pensar solução utilizando ferramentas já existentes nas instituições públicas” (Baniwa & Karipuna, 2012Baniwa, A. F., & Karipuna, K. (2012). Controle social: O ponto de vista das lideranças. In L. Garnelo & A. L. Pontes (Orgs), Saúde indígena: Uma introdução ao tema (pp. 216-234). Secadi; Unesco., p. 218).

Nesse sentido, registramos a denúncia feita pela Aty Guasu do silenciamento e impedimento da participação de lideranças junto ao Conselho de Saúde Local, quando da necessidade de realizar reclamações referentes aos atendimentos:

“Um meu tio morreu por falta de medicamento, sobre isso queria falar na reunião em Paranhos, mas fui interrompido, expulso por um conselheiro da equipe de saúde, não deixou eu falar, tive q sair da reunião onde era tratado o atendimento a saúde indígena”, contou. Ainda observou e disse: “a equipe de saúde e a DSEI e geral deveria mudar a formar de trabalhar e passar a ouvir a liderança do tekoha e Aty Guasu, não ouvir somente o conselheiro dele” (“Relatório da diligência…”, 2012Relatório da diligência do conselho Aty Guasu. (2012, 23 de fevereiro). Blog Aty Guasu . https://bit.ly/3jVauDr
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).

Outra demanda da saúde indigenista presente nas notas da Aty Guasu refere-se ao atendimento das áreas de acampamento, que são os territórios retomados no movimento de autodemarcação de terra pelos próprios Kaiowá e Guarani. Nessas áreas são recorrentes os ataques de pistoleiros a mando dos fazendeiros, os atuais ocupantes das terras, fato noticiado inclusive pela grande mídia (Freitas, 2018Freitas, H. (2018, 31 de janeiro). Justiça manda fechar empresa de segurança acusada de ataque a índios. Campo Grande News. https://bit.ly/3vLhsxy
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). São formadas milícias da segurança privada para intimidação, ameaça e assassinato de lideranças (EMGC, 2016), como foi o caso do assassinato do ñanderu Nísio Gomes, liderança do Tekoha Guaiviry, do município de Amambai.

O agravamento das condições de vulnerabilidade em contextos de acampamentos justifica a importância atribuída ao atendimento à saúde nesses lugares, como expresso nas notas da Aty Guasu: “pedimos ao governo prioridade e urgência para os acampamentos indígenas, as áreas de conflito. Eles necessitam de atenção especial nas políticas de alimentação, segurança, saúde e educação” (“Documento final da 2ª Grande Assembleia…”, 2012bDocumento da 2ª Grande Assembleia das lideranças femininas (Kuña Aty) Guarani-Kaiowá-MS . (2012b, 28 de abril). Blog Aty Guasu. https://bit.ly/3Iy7do3
https://bit.ly/3Iy7do3...
).

A radicalização da mobilização dos povos através das retomadas de seus territórios ancestrais promove o acirramento das disputas territoriais e aumenta a incidência criminosa de ataques contra às comunidades. Os ataques acontecem tanto no âmbito extrajudicial como também no campo legislativo, a exemplo da recente medida do governo Bolsonaro de suspensão da distribuição de cestas básicas para as áreas em conflito (Quirino, 2020Quirino, F. (2020, 27 de fevereiro). “É desumano o que estão fazendo com a gente” diz Elizeu Guarani e Kaiowá sobre a suspensão do envio de cestas básicas para áreas de retomada no MS. Fian Brasil. https://bit.ly/3ZiI0Up
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), colaborando com a insegurança alimentar e os riscos de desnutrição/mortalidade infantil (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional [Consea], 2017Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. (2017). Tekoha: Direito dos povos Guarani e Kaiowá (visita do Consea ao Mato Grosso do Sul). https://bit.ly/3VW5EmH
https://bit.ly/3VW5EmH...
).

As violências coloniais tomam proporções extremas à saúde dos povos originários (Faria, 2021Faria, L. L. (2021). Psicologia em Movimento com os/as Kaiowá e Guarani: diálogos fronteiriços e desobedientes. [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Grande Dourados]. Repositório institucional UFGD. https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/handle/prefix/4658
https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/ha...
). As denúncias de violação de direitos dos Kaiowá e Guarani se configuram por violências graves, nos âmbitos dos preceitos éticos e das garantias constitucionais. Estas violações apontam para o quadro sintomático e sistemático de violências cometidas pelos representantes do Estado e por latifundiários do Cone Sul de MS contra esses povos. As notas relatam mortes e violação do corpo de pessoas encaminhadas a hospitais, impedimentos de acesso à saúde em função dos cercos montados por fazendeiros e os consequentes falecimentos por falta de atendimento. Embora sejam denúncias graves envolvendo o SUS, não temos maiores informações a não ser as narrativas das lideranças sobre esses casos:

Um dos assuntos grave foi socializado pela liderança de Kurusu Amba, “uma parente indígena da aldeia Takuapiry faleceu no hospital e foi entregue aos parentes e famílias o corpo tudo cortado ou dilacerado, ao longo do peito e barriga teve corte e tripa e pulmões foram retirados do corpo” (“Relatório da diligência…”, 2012Relatório da diligência do conselho Aty Guasu. (2012, 23 de fevereiro). Blog Aty Guasu . https://bit.ly/3jVauDr
https://bit.ly/3jVauDr...
).

Em contraste às mortes em contexto de atendimento hospitalar, há denúncias de mortes por falta dele. A negligência na atenção à saúde das populações se dá, em algumas ocasiões, pelo empreendimento de ações criminosas e extrajudiciais de fazendeiros que isolam áreas indígenas em conflito, impedindo a circulação dos indígenas e a entrada e saída de representantes dos órgãos governamentais, incluindo as equipes de saúde. O resultado dessas ações de intimidação e violação são mortes por falta de atendimento; o caso mais grave é o da comunidade de Pyelito Kue, no município de Iguatemi, que esteve sob esse contexto durante um ano:

Em decorrência de 03 ataques violentos praticados pelos fazendeiros contra dessas comunidades, isolamento e cerco de pistoleiros armados, em um ano, de fato já resultaram em 05 mortos (duas lideranças, 3 adolescentes) e há várias pessoas se encontram doentes com pernas e braços fraturados, resultantes dos ataques, agressões e torturas praticados pelos jagunços dos fazendeiros contra a vida desses indígenas (mulheres, crianças e idosos) do Pyelitokue/Mbarakay . . . no dia 08/08/2012 completa um ano de isolamento total dos integrantes das famílias indígenas pelos homens armados, não permitindo a circulação dos membros da comunidade e nem deixam entrar nenhuma viatura oficial da equipe da saúde e da educação escolar ao acampamento PyelitoKue/Mbarakay (“Um ano de reocupação …”, 2012Um ano de reocupação do território Guarani e Kaiowá Pyelito kue/Mbarakay e situação atual da comunidade. (2012, 9 de agosto). Blog Aty Guasu . https://bit.ly/3w6APl3
https://bit.ly/3w6APl3...
).

É nesse contexto de enfrentamento ao processo colonial, luta pela retomada dos territórios tradicionais, violências, violações de direitos e reivindicações que se inserem as dimensões da saúde indígena e indigenista presente nas notas da Aty Guasu. Um enredo complexo, marcado por um histórico secular de sofrimento, mas também de muita resistência dos povos Kaiowá e Guarani. No próximo tópico, analisaremos as implicações das colonialidades na experiência dos Kaiowá e Guarani.

Os Males Coloniais e a Luta dos Kaiowá e Guarani pelo Bem Viver

Como afirma Fanon (2020Fanon, F. (2020). Medicina e colonialismo. Terra Sem Amos.), “a situação colonial uniformiza as relações, pois divide rigidamente a sociedade colonial” (p. 13). Isso quer dizer que as intersubjetividades são definidas pelas condições de vida e conflitos sociais. As questões que em outros lugares são contornadas por estratégias individuais tornam-se inviáveis se não considerados os atravessamentos perversos do colonialismo e das colonialidades. Nesse sentido, a saúde dos povos colonizados é indissociável dos processos históricos e políticos - no caso dos Kaiowá e Guarani, da colonização e dos conflitos da luta pelos tekoha.

A experiência de imposição do poder colonialista, seja entre nações, no caso do colonialismo, ou intranacional, por meio da manutenção das desigualdades através das colonialidades, pressupõe a dominação e controle dos territórios e das populações (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 107-130). Clacso.). Ao passo que, para a coletividade Kaiowá e Guarani, o território é entendido como fonte primária de saúde, todas as investidas que incidem sobre esse espaço interferem diretamente no processo de saúde desses povos.

De acordo com importantes estudiosos dos povos Guarani, responsáveis pela elaboração do Mapa Guarani Continental, “um dos maiores males que os Guarani têm tido que suportar é a invasão e destruição de sua terra” (EMGC, 2016, p. 10). Esse processo reconstitui a violência colonial fundada pela articulação da colonialidade do poder e desumanização dos povos colonizados, na qual a expropriação das riquezas ocorreu paralelamente ao extermínio indígena e escravização das populações negras (Gonçalves, 2019Gonçalves, B. S. (2019). Nos caminhos da dupla consciência: América Latina, psicologia e descolonização. Editora do Autor.; Martín-Baró, 1985/2017cMartín-Baró, I. (2017c). A desideologização como contribuição da psicologia social para o desenvolvimento da democracia na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 55-65). Vozes. (Trabalho original publicado em 1985); Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 107-130). Clacso.). Percebemos a continuidade da situação colonial nas experiências Kaiowá e Guarani, caracterizadas por epidemias, fome, conflitos sociais e políticos, desorganização e ameaça ao modo de ser, expulsões, discriminações e desprezo (EMGC, 2016).

Os deslocamentos forçados das comunidades de seus tekoha, seguida pelo confinamento paralelo à exploração da mão de obra indígena, configuram-se como limitação extrema das possibilidades de produção da vida, saúde e sobrevivência (Chamorro, 2017Chamorro, G. (2017). Panambizinho: lugar de cantos, danças, rezas e rituais kaiowá. Karywa.; EMGC, 2016). A expropriação da terra ancestral define os termos atuais de alienação das formas de existência originária, conforme o sistema cosmológico, e compõe o projeto de genocídio e etnocídio histórico dos povos (Viveiros de Castro, 2014Viveiros de Castro, E. (2014). Sobre a noção de etnocídio, com especial atenção ao caso brasileiro. https://bit.ly/3XdWVxd
https://bit.ly/3XdWVxd...
).

Os próprios Kaiowá e Guarani interpretam a condição de instabilidade, suicídio e desnutrição como “resultado direto de violentas expulsões dos indígenas dos territórios tradicionais” (“Dia do Índio 2012…”, 2012Cruz, K. R., & Coelho, E. M. B. (2012). A saúde indigenista e os desafios da particip(ação) indígena. Saúde e Sociedade, 21(suppl. 1), 185-198. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000500016
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). Sobre esse cenário, a presidente do Consea, em visita recente aos povos Kaiowá e Guarani, avalia, “uma verdadeira tragédia humana! Assim podemos sintetizar a dura e dramática realidade de vulnerabilidade social e de insegurança alimentar e nutricional grave desses povos” (Consea, 2017Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. (2017). Tekoha: Direito dos povos Guarani e Kaiowá (visita do Consea ao Mato Grosso do Sul). https://bit.ly/3VW5EmH
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, p. 4).

Dito isso, destacamos que o tekoha é, para a composição cosmológica Kaiowá e Guarani, constituinte da saúde. Tomando como inspiração as afirmações antropológicas de Melià (1990Melià, B. (1990). A terra sem mal dos Guarani. Revista de Antropologia, 33, 33-46. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1990.111213
https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.19...
, p. 36), “sem tekoha não há teko”, e Pereira (2016Pereira, L. M. (2016). Os Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Módulos organizacionais e humanização do espaço habitado. UFGD., p. 105), “sem teko não há tekoha”, sobre a relação dependente entre o modo de ser, teko, e o espaço físico, tekoha, reafirmamos a sabedoria e conhecimento das mulheres Kaiowá e Guarani que, durante a IV Assembleia Kuñangue Aty Guasu, sentenciam: “sem nosso tekoha não existe saúde indígena” (“Documento final da 4ª Aty Guasu…”, 2013Documento final da 4ª Aty Guasu das mulheres Guarani e Kaiowá. (2013, 8 de abril). Conselho Indigenista Missionário. https://bit.ly/3Xk7HlT
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). Nessa direção, propomos o tekoha como um indicador para a saúde Kaiowá e Guarani, ou seja, a ocupação do território tradicional como determinante das dinâmicas de saúde.

Segundo avaliação do Consea (2017Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. (2017). Tekoha: Direito dos povos Guarani e Kaiowá (visita do Consea ao Mato Grosso do Sul). https://bit.ly/3VW5EmH
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), o princípio de segurança jurídica, politicamente instrumentalizado para assegurar a posse da terra aos ruralistas do MS, sobrepõe em valores a saúde dos povos Kaiowá e Guarani, através da “violação dos direitos básicos de comer e beber decorrentes da negação do direito à terra e aos territórios” (p. 63). Além disso, afirma: “enquanto o acesso a esses direitos for negado, não será possível superar a situação de emergência que perdura há décadas entre os povos Guarani e Kaiowá” (p. 63), e é constatada a viabilidade do cumprimento dos direitos constitucionais a partir da “vontade política e autonomia frente aos interesses econômicos” (p. 63).

Os males das colonialidades à saúde dos povos se expressam desde o processo colonial, através da agressiva expropriação territorial e destruição cultural, até o estabelecimento das relações sociais ideologizadas neste contexto, incluindo as de “cuidado” em saúde. Cabe ressaltar que as políticas em saúde - a saúde indigenista - são produzidas a partir dos mesmos paradigmas das políticas indigenistas em geral, erguidas a partir dos marcos coloniais, portanto, não apresentam rupturas estruturais e recaem na reprodução estruturante da colonização. A esse respeito, visualizamos as denúncias cruéis contidas nas notas da Aty Guasu.

Como afirmado no início deste tópico, a situação colonial uniformiza e divide as relações sociais nos territórios colonizados (Fanon, 2020Fanon, F. (2020). Medicina e colonialismo. Terra Sem Amos.). Nesse sentido, o cuidado em saúde não está separado dos sistemas coloniais, mas submerso neles. Para Fanon (2020Fanon, F. (2020). Medicina e colonialismo. Terra Sem Amos.), a ciência médica “despolitizada”, em termos de Martín-Barón (1987/2017bMartín-Baró, I. (2017b). O desafio popular à psicologia social na América Latina. In F. Lacerda Jr. (Org.), Crítica e libertação na psicologia: Estudos psicossociais (pp. 66-85). Vozes. (Trabalho original publicado em 1987)), “asséptica”, é inexistente no contexto colonial. As compreensões destes autores reforçam as críticas sobre a neutralidade das práticas de saúde diante das disputas políticas, e os conflitos ideológicos são indissociáveis e parte integrante das condutas técnicas.

De acordo com Fanon (2020Fanon, F. (2020). Medicina e colonialismo. Terra Sem Amos.), a afirmação das ações e tecnologias médicas é a expressão da colonização que, através dos acontecimentos e feitos em saúde, justificam e legitimam o processo colonial, segundo a interpretação dos colonizados. Essa condição permite analisar a desconfiança dos povos Kaiowá e Guarani diante das tecnologias coloniais.

A grave denúncia da liderança de Kurusu Amba sobre o falecimento e violação dos órgãos de uma mulher da aldeia de Takuapiry (“Relatório da diligência…”, 2012Relatório da diligência do conselho Aty Guasu. (2012, 23 de fevereiro). Blog Aty Guasu . https://bit.ly/3jVauDr
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) sinaliza a desconfiança da comunidade em relação aos procedimentos médico-hospitalares. Fanon (2020Fanon, F. (2020). Medicina e colonialismo. Terra Sem Amos.) relata que “a morte repentina de argelinos em hospitais, comum em qualquer serviço de saúde, é interpretada como uma decisão homicida e consciente, como resultado das manobras criminosas do médico europeu” (p. 9).

Outro perverso relato da Aty Guasu em relação aos males coloniais na dimensão da saúde é a morte de cinco pessoas do território de Pyelito Kue, decorrente dos ataques criminosos de milícias armadas e da instauração de cercos à comunidade, impedindo a circulação dos indígenas e o acesso das equipes de saúde. Essa condição escancara o que Fanon (2020Fanon, F. (2020). Medicina e colonialismo. Terra Sem Amos.) avalia como expressão dramática da saúde pública, que, na Argélia, no processo da guerra de libertação anticolonial, significou a interrupção do trânsito de médicos às áreas perigosas e o abandono do povo à própria sorte.

Esses dois exemplos evidenciam que as práticas e o acesso à saúde são atravessados pelas colonialidades e ideologizações. A necessária humanização no cuidado com os povos colonizados, incluindo evidentemente os Kaiowá e Guarani, enquanto maiorias oprimidas, exige a descolonização e libertação das amarras desumanizantes e violentas do sistema-mundo-moderno/colonial. Este esforço aponta ao fazer psicossocial, dentre outros caminhos possíveis, o empenho nas tarefas de desideologização a partir da solidariedade crítica aos povos indígenas, aproximação com suas compreensões cosmológicas e cosmopolíticas, e reconstrução da psicologia a partir das perspectivas originárias.

Nesse sentido, Fanon (2020Fanon, F. (2020). Medicina e colonialismo. Terra Sem Amos.) aponta para a reflexão cuidadosa das situações produzidas no processo de libertação popular, indicando a potência da apropriação e cuidado em saúde “quando o povo toma seu destino em suas próprias mãos” (p. 39). Esse horizonte, enquanto projeto dos Kaiowá e Guarani, pode ser observado nas notas da Aty Guasu que exigem a escuta e participação das lideranças nos serviços de saúde e, de modo mais incisivo, no processo de retomada de seus territórios ancestrais. As retomadas dos tekoha, embora imersas numa atmosfera de violência colonial, atenta contra as colonialidades e na direção da decolonialidade dos territórios e subjetividades. A ocorrência dos movimentos de recuperação territorial, desde a década de 1970 (Brand, 2004Brand, A. (2004). Os complexos caminhos da luta pela terra entre os Kaiowá e Guarani no MS. Tellus, 4(6), 137-150.), e sua ampliação nas últimas décadas, indicam a viabilidade desse empreendimento enquanto retomada da saúde indígena e sugere aos profissionais de saúde um sentido de projeto ético-político, em especial para psicologia.

Considerações Finais

As considerações enunciadas aqui refletem o desafio proposto pelo pensar da/na fronteira dos estudos decoloniais e o compromisso com as organizações populares, indicado pela psicologia da libertação. As possibilidades de transformações das condições de vida dos povos indígenas passam pelo questionamento e desideologização da matriz colonial de poder e produção de conhecimento. O deslocamento analítico dos discursos hegemônicos para as narrativas dos Kaiowá e Guarani alteram as compreensões sobre os processos políticos e históricos. Esses apontamentos indicam a descolonização e libertação como ponto de partida para pensar outras psicologias.

Os encontros e diálogos com os Kaiowá e Guarani não se encerram aqui. Seguimos aprendendo com estes povos e com o processo de leitura-escuta-pesquisa-escrita. Entendemos a organização da Aty Guasu como uma das formas de enfretamento ao sistemático processo de extermínio iniciado pela colonização e expropriação dos territórios tradicionais Kaiowá e Guarani. Entendemos a apropriação da internet pelos Kaiowá e Guarani enquanto um procedimento autônomo de desideologização a partir da denúncia e do enfrentamento da realidade cruel de invisibilização das ações criminosas do Estado e do agronegócio, expressas nas violações de direito, e também como modo de reivindicação de demandas das comunidades.

A nossa experiência com esses povos indica que as categorias “saúde indígena” e “saúde indigenista” têm suas fronteiras borradas no cotidiano da vida, e apostamos na construção de políticas de saúde pautadas na presença, participação e cosmologia dos indígenas em sua gest(aç)ão (Martins, 2018Martins, C. P. (2018). Pela gestação de outras saúdes e incontáveis modos de ser/estar o mundo. Ñanduty, 6, 46-59. https://doi.org/10.30612/nty.v6i8.8834
https://doi.org/10.30612/nty.v6i8.8834...
). Deste modo, a partir das compreensões Kaiowá e Guarani expostas nas notas e na literatura, consideramos o tekoha como um indicador da saúde.

Os conhecimentos tradicionais e práticas em saúde pertencentes às cosmovisões dos Kaiowá e Guarani, embora em muitos momentos limitadas em função do confinamento em pequenos territórios denominados reservas-aldeias, continuam presentes nas comunidades, principalmente no processo de retomada dos territórios ancestrais, uma vez que a ocupação do tekoha é condição indispensável e indissociável da produção de saúde. Portanto, a saúde, para esses povos, implica a demarcação de seus territórios, conforme prevista em leis e em respeito à autodeterminação. Os processos de luta empreendidos pelos Kaiowá e Guarani nas ações de retomada e acampamentos são movimentos em direção ao jeito de viver/ser Kaiowá e Guarani, e que arriscamos apontar como um movimento também para a retomada da saúde, sintetizado pela expressão da “vida boa”.

Por último, constatamos, a partir da experiência de pesquisa, a urgência da escuta e leitura descolonizada, sendo um desafio constante para a psicologia e para a sociedade não indígena, acostumadas ao limitado padrão ocidental-colonial de entendimento de mundo. Nossas considerações também podem ser lidas como uma convocação aos sujeitos e setores comprometidos política e socialmente com a produção de mundos diferentes deste e, para a psicologia, como uma proposta de engajamento no projeto ético-político de descolonização radical junto aos povos.

Como aprendemos com os Kaiowá e Guarani, as lutas pelo bem viver, pelo modo de ser Kaiowá e Guarani, o Teko Porã, implicam uma vida boa para toda comunidade, e são um valor a ser compartilhado. Para diferentes povos indígenas da América Latina, a reivindicação do bem viver é por uma convivência comunitária em harmonia com a natureza (Acosta, 2016Acosta, A. (2016). O bem viver: Uma oportunidade para imaginar outros mundos. Autonomia Literária.). Essas perspectivas apontam caminhos outros em resistência à degradação humana e ambiental imposta pelo padrão moderno/colonial-capitalista.

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  • 1
    Sentença repetida em diferentes momentos por lideranças Kaiowá e Guarani em ocasiões de mobilizações contra os despejos realizados em 2016 (“Terra é vida…”, 2016Terra é vida, despejo é morte! (2016, 16 de dezembro). Centro de Estudos Indígenas. https://bit.ly/3jQAakA
    https://bit.ly/3jQAakA...
    ).
  • 2
    Alinhados à gramática da decolonialidade (Mignolo, 2014Mignolo, W. (2014). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Del Signo.), optamos por manter as palavras do idioma guarani sem o padrão de fonte itálico, por entendermos não se tratar de uma língua estrangeira. Embora não seja qualificada como idioma oficial, tal como o português, reflexos das colonialidades, entendemos que as línguas indígenas não são estrangerias ao território brasileiro, mas originárias destas terras.
  • 3
    Nossa participação junto aos movimentos Kaiowá e Guarani esteve perpassada pelo engajamento com suas demandas e reivindicações, o que temos chamado também de sensibilidade psicossocial (Faria, 2021Faria, L. L. (2021). Psicologia em Movimento com os/as Kaiowá e Guarani: diálogos fronteiriços e desobedientes. [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Grande Dourados]. Repositório institucional UFGD. https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/handle/prefix/4658
    https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/ha...
    ), a partir da composição de organizações de apoio, campanhas de arrecadação de alimentos, escuta das narrativas comunitárias e registros audiovisuais.
  • 4
    A economia latifundiária e os latifundiários estão referenciados aqui a partir da tríade colonial-extrativista de: latifúndio, monocultura e exportação na ocupação e exploração de grandes extensões de terras. Atualmente sob a roupagem desenvolvimentista de “agronegócio”, esse modelo atualiza os tradicionais plantations coloniais, articula as elites latifundiárias locais e as empresas transnacionais na produção da barbárie justificada pelos supostos benefícios em termos modernos/coloniais-capitalistas (Camacho, 2010Camacho, R. S. (2010). A barbárie moderna do agronegócio-latifundiário-exportador e suas implicações socioambientais. Agrária, (13), 169-195. https://doi.org/10.11606/issn.1808-1150.v0i13p169-195
    https://doi.org/10.11606/issn.1808-1150....
    ).
  • 5
    Vídeo gravado por indígena flagra momento em que avião agrícola pulveriza agrotóxico sobre a comunidade (“Piloto de avião…”, 2016Piloto de avião é denunciado à Justiça por pulverizar agrotóxico sobre aldeia. (2016, 7 de outubro). Midiamax. https://bit.ly/3k1o4p1
    https://bit.ly/3k1o4p1...
    ).
  • 6
    A gerência de marketing e comunicação da Rede Globo criou, em 2016, a campanha com o slogan “Agro é pop, agro é tech, agro é tudo”, veiculada em horários de maior visibilidade para propagar o discurso ideológico do agronegócio, sem pontuar as mazelas desse modelo de exploração.
  • Agradecemos aos Kaiowá e Guarani pela oportunidade de aprendizado e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo incentivo financeiro à pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2020
  • Aceito
    09 Jul 2021
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