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Do Isolamento à Cogestão: A Gestão Autônoma da Medicação (GAM) com Familiares

From Isolation to Co-management: Autonomous Medication Management (GAM) with Family Members

Del Aislamiento a la Cogestión: Gestión Autónoma de la Medicación (GAM) con Miembros de la Familia

Resumo

Este artigo apresenta a experiência de pesquisa-intervenção participativa da Gestão Autônoma da Medicação (GAM) com familiares. A GAM, de origem canadense, procura discutir criticamente o uso da medicação psiquiátrica de modo a fomentar a autonomia dos usuários desses medicamentos. No Brasil, o chamado projeto GAM-BR realizou a tradução, adaptação e validação do instrumento utilizado nesta abordagem, o Guia GAM. Seguimos as indicações teórico-práticas da abordagem enativa e empregamos a metodologia da cartografia, em especial a técnica da entrevista cartográfica. Como um projeto participativo, a validação do Guia contou com usuários e trabalhadores dos serviços de saúde mental brasileiros (Caps) como copesquisadores. A realização de um grupo com familiares de usuários na etapa de validação do Guia foi uma inovação na GAM-BR que possibilitou a inclusão desse grupo fundamental para a discussão acerca do tratamento medicamentoso. Podemos destacar dois efeitos processuais desse trabalho com familiares: a promoção de deslocamentos de ponto de vista e a promoção de corresponsabilização. Tais efeitos sugerem perspectivas para a GAM e para o trabalho em saúde mental, em um horizonte de inclusão e composição entre diferentes perspectivas.

Palavras-chave:
Saúde mental; Pesquisa-intervenção; Pesquisa participativa; Gestão autônoma da medicação; Família

Abstract

This article presents the participatory research-intervention experience of Autonomous Medication Management (GAM) with family members. The GAM, a Canadian project, seeks to critically discuss the use of psychiatric medication to foster the autonomy of users of these drugs. In Brazil, the so-called GAM-BR project translated, adapted, and validated the instrument used in this approach, the GAM Guide. We follow the theoretical-practical indications of the enactive approach and employ the cartography methodology, in particular the cartographic interview technique. As a participatory project, the validation of the Guide included users and workers of the Brazilian mental health services (CAPS) as co-researchers. The creation of a group with family members of users in the validation phase was an innovation in GAM-BR that enabled the inclusion of this fundamental group for the discussion about drug treatment. We can highlight two processual effects of this work with family members: the promotion of displacements of points of view and the promotion of co-responsibility. These effects suggest perspectives for GAM and the work in mental health, in a horizon of inclusion and composition between different perspectives.

Keywords:
Mental health; Research-intervention; Participatory research; Autonomous medication management; Family

Resumen

Este artículo presenta la experiencia participativa de intervención-investigación de la Gestión Autónoma de la Medicación (GAM) con miembros de la familia. La GAM es una guía que procede de Canadá y busca discutir críticamente el uso de medicación psiquiátrica para fomentar la autonomía de sus usuarios. En Brasil, el proyecto llamado GAM-BR realizó la traducción, adaptación y validación del instrumento utilizado en este enfoque, la Guía GAM. Se siguieron las indicaciones teóricas y prácticas del enfoque enactivo, y se utilizó la metodología de la cartografía, especialmente la técnica de entrevista cartográfica. Como proyecto participativo, la validación de la Guía incluyó a usuarios y a trabajadores brasileños de los centros de atención a salud mental (CAPS) como coinvestigadores. La creación de un grupo con familiares de usuarios en la etapa de validación de la Guía fue una innovación en GAM-BR por incluir a este grupo de fundamental importancia en la discusión sobre el tratamiento farmacológico. Es posible señalar dos efectos procesales de este trabajo con miembros de la familia: la promoción de los desplazamientos de perspectivas y la promoción de la corresponsabilización. Estos efectos sugieren perspectivas para GAM y el trabajo en salud mental, en un horizonte de inclusión y composición entre diferentes perspectivas.

Palabras clave:
Salud mental; Intervención-investigación; Investigación participativa; Gestión autónoma de la medicación; Familia

A Gestão Autônoma da Medicação (GAM) é uma abordagem que busca fomentar o debate crítico acerca do uso de psicofármacos nos tratamentos em saúde mental. Visando ampliar a autonomia dos usuários desses medicamentos e reforçar seu poder de negociação com as equipes, em especial com os médicos, a GAM intervém sobre as relações hierárquicas entre os trabalhadores de saúde, usuários e gestores, procurando promover a cogestão. Em uma perspectiva de fomento à cidadania e ao exercício de direitos, a GAM está afinada à Reforma Psiquiátrica Brasileira e sua contestação, à abordagem exclusivamente biomédica da saúde mental (Passos, Sade, & Macerata, 2019Passos, E., Sade, C., & Macerata, I. (2019). Gestão Autônoma da Medicação: Inovações metodológicas no campo da saúde pública. Saúde e Sociedade [online], 28(4), 6-13. https://doi.org/10.1590/S0104-12902019000004
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).

De origem canadense, a GAM foi levada ao Brasil por meio de um projeto multicêntrico de pesquisa que traduziu, adaptou e validou um de seus principais instrumentos, o Guia GAM (Onocko Campos et al., 2013Onocko Campos, R. T., Passos, E., Palombni, A. L., Dantas dos Santos, D. V., Stefanello, S., Gonçalves, L. L. M., Andrade, P. M., & Borges, L. R. (2013). A Gestão Autônoma da Medicação: Uma intervenção analisadora de serviços em saúde mental. Ciência e Saúde Coletiva, 18(10), 2889-2898. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013001000013
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; Onocko Campos et al., 2012Onocko Campos, R. T., Palombini, A. L., Silva, A. E., Passos, E, Leal, E. M., Serpa Júnior, O. D., Marques, C. C., Gonçalves, L. L. M., Santos, D. V. D., Surjus, L. T. L. S., Arantes, R. L., Emerich, B. F., Otanari, T. M. C., & Stefanello, S. (2012). Adaptação multicêntrica do guia para a gestão autônoma da medicação. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 16(43), 967-980. https://doi.org/10.1590/S1414-32832012005000040
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). O Guia é composto por uma série de perguntas que evocam a experiência concreta, cotidiana, de uso de psicofármacos e seus efeitos sobre diversos aspectos da vida, como o sono, o apetite, as relações pessoais e amorosas e o exercício da cidadania e dos direitos. O Guia traz também pequenos textos informativos sobre os efeitos dos medicamentos e interações medicamentosas, bem como sobre os direitos dos usuários e serviços de assistência disponíveis na rede.

O projeto de adaptação e validação do Guia GAM foi concebido como uma pesquisa-intervenção participativa, na qual todos os participantes eram pesquisadores (Passos, Kastrup, & Escóssia, 2009Passos, E., Kastrup, V., & Escóssia, L. da. (2009). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Sulina.; Sade, Renault, Melo, & Passos, 2013Sade, C., Renault, L. M., Melo, J., & Passos, E. (2013). O uso da entrevista na pesquisa-intervenção participativa em saúde mental: O dispositivo GAM como entrevista coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, 18(10), 2813-2824. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013001000006
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). A pesquisa de validação do Guia é inseparável do campo da avaliação das práticas de saúde, em especial da chamada quarta geração das pesquisas avaliativas (Guba & Lincoln, 1989Guba, E., & Lincoln, Y. (1989). Fourth generation evaluation. Sage Publications.), e tem ênfase na participação.O debate sobre a avaliação em saúde aborda as práticas de saúde referindo-se tanto a seu componente técnico quanto às relações interpessoais entre cliente e profissional (Palmer, Donabedian, & Povar, 1991Palmer, R. H., Donabedian, A., & Povar, G. J. (1991). Striving for quality in health care: An inquiry into policy and practice. Health Administration Press.). Segundo Furtado (2001Furtado, J. P. (2001). Um método construtivista para a avaliação em saúde. Ciência e Saúde Coletiva, 6(1), 165-182. https://doi.org/10.1590/S1413-81232001000100014
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), se avaliar significa emitir juízo de valor, é importante “a ampliação e diversificação dos eixos em torno dos quais são emitidos tais julgamentos” (p. 168). Logo, se faz necessária a inclusão de diferentes e eventualmente divergentes julgamentos, justificando a inclusão de representantes de grupos de interesse no processo de avaliação (Contandriopoulos, 2006Contandriopoulos, A.-P. (2006). Avaliando a institucionalização da avaliação. Ciência & Saúde Coletiva, 11(3), 705-711.; Guba & Lincoln, 2005Guba, E., & Lincoln, Y. (2005). Paradigmatic controversies, contradictions, and emerging confluences. In N. K. Denzin & Y. Lincoln, The Sage handbook of qualitative research (3rd ed., pp. 191-215). Sage.; Silva & Formigli, 1994Silva, L. M., & Formigli, V. L. (1994). Avaliação em saúde: Limites e perspectivas. Cadernos de Saúde Pública, 10(1). 80-91. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1994000100009
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). A participação autônoma (Renault & Ramos, 2019Renault, L., & Ramos, J. (2019). Participar da análise, analisar a participação: Aspectos metodológicos de uma pesquisa-intervenção participativa em saúde mental. Saúde e Sociedade , 28(4), 61-71. https://doi.org/10.1590/S0104-12902019190699
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) se torna um desafio que as pesquisas em saúde devem enfrentar quando se defende a saúde como direito cidadão e as práticas de produção de saúde como atreladas à democratização da sociedade, conforme os marcos lógicos do Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS), institucionalizado em 1990 para atender a formulação da Constituição de 1988, que define a saúde como direitos de todos e dever do Estado.

Para adaptar o Guia à realidade brasileira e validá-lo, foram realizados grupos de intervenção (GI) em serviços públicos de saúde mental, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial que promovem a desmanicomialização da doença mental no Brasil por meio de práticas de cuidado em liberdade e no território sanitário onde vivem os usuários dos serviços. Nos GI, compostos por usuários, trabalhadores e pesquisadores universitários, a versão traduzida do Guia era lida e debatida criticamente. A partir da realização dos GI, o Guia foi alterado até dar origem à sua versão brasileira, o Guia GAM-BR1 1 O Guia GAM-BR está disponível em https://www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/paganex/guia_gam_para_dowload_com_correcoes.pdf. .

O campo de pesquisa-intervenção de validação do Guia conduzido pela Universidade Federal Fluminense (UFF/Niterói, Rio de Janeiro)2 2 A pesquisa-intervenção de validação do Guia GAM foi conduzida na UFF pelo grupo Enativos: conhecimento e cuidado, coordenado pelo Dr. Eduardo Passos, do Instituto de Psicologia, campus Niterói. foi realizado no Caps do município de São Pedro da Aldeia, interior do estado do Rio de Janeiro. Previu-se nesse campo, pela primeira vez na pesquisa multicêntrica, a realização de um GI com familiares dos usuários. A experiência prévia de pesquisa já indicara o papel fundamental dos familiares nas decisões relativas ao uso dos medicamentos; eram eles os principais responsáveis por cuidar dos horários das medicações e obter prescrições junto aos serviços. Além disso, como percebemos ao longo do processo de pesquisa, os familiares eram especialmente sensíveis aos efeitos da intervenção da GAM. Ao abordar criticamente o uso de medicamentos e indicar aos usuários seu direito de interromper o tratamento medicamentoso quando assim o desejassem, a GAM põe em xeque algo percebido pelos familiares como um recurso que oferece segurança. Muitos atribuem o fim de um longo histórico de internações de seus familiares ao tratamento medicamentoso; outros veem no uso do medicamento uma garantia contra as crises de seus parentes, episódios de agressividade ou de convivência difícil. A discussão promovida pela GAM gera entre os familiares insegurança e medo. Diante disso, decidimos, na UFF, realizar um GI com familiares considerando estas duas motivações: por eles terem algo fundamental a dizer sobre o uso de medicamentos psiquiátricos e por uma necessidade de cuidar dos efeitos da pesquisa-intervenção GAM.

Este artigo apresenta a GAM com o grupo de familiares, destacando alguns de seus principais resultados3 3 A experiência do GIF gerou também uma dissertação de mestrado (Ramos, 2012) e uma tese de doutorado (Renault, 2015) na qual se baseia este artigo. . Analisaremos, em especial, procedimentos metodológicos evidenciados por esse grupo e que se mostraram igualmente pertinentes a outros dispositivos GAM, a saber, a promoção de deslocamentos de ponto de vista e a promoção de corresponsabilização. Considerando a inovação deste grupo para a abordagem da GAM (o Guia GAM foi concebido para ser lido com usuários), acreditamos que a realização do GI com familiares - doravante GIF - contribui para novas perspectivas de intervenção em saúde mental. O GIF permite avançar na compreensão dos sentidos da cogestão na saúde mental e dos modos de efetivá-la nos serviços. Além disso, o GIF indica também a importância da inclusão dos familiares nos dispositivos de cuidado e de intervenção nesse campo, inclusive nos dispositivos vinculados à abordagem da GAM: os familiares desempenham função estratégica na redistribuição de responsabilidades e no compartilhamento do cuidado.

Responsabilidade e cogestão

Antes de uma descrição mais detalhada do campo, cabe discutir brevemente o tema da responsabilidade, pois o GIF evidenciou a importância do tema na saúde mental. As famílias, sobretudo as mães, desempenham papel fundamental no cuidado (Vedana & Miasso, 2012Vedana, K. G. G., & Miasso, A. I. (2012). A interação entre pessoas com esquizofrenia e familiares interfere na adesão medicamentosa? Acta Paulista de Enfermagem, 25(6), 830-836. https://doi.org/10.1590/S0103-21002012000600002
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). No Brasil, as mães frequentemente assumem em tempo integral a responsabilidade pelo cuidado de seus filhos com transtornos mentais graves, constituindo-se inclusive como suas representantes legais. Durante muito tempo, abordagens psicológicas procuraram ver nas famílias a etiologia dos transtornos psiquiátricos (Luhrmann, 2001Luhrmann, T. M. (2001). Of two minds: An anthropologist looks at American psychiatry. Vintage Books.); termos como “família disfuncional” ou “mãe esquizofrenogênica” popularizaram-se como explicações causais, tanto em meios técnicos quanto em linguagem corrente.

Nesse cenário, frequentemente os familiares vivenciam sentimentos contrastantes: experienciam sobrecarga de responsabilidades e, ao mesmo tempo, de culpa pelo sofrimento do outro. No Caps onde realizamos a pesquisa-intervenção, além dos atendimentos individuais, oficinas de arte e de geração de renda, dentre outros dispositivos de cuidado aos usuários do serviço, havia um grupo de acolhimento de familiares já em andamento quando iniciamos a GAM. Esse grupo (majoritariamente composto por mães) punha em cena a dificuldade de lidar com responsabilidades concebidas como individuais. Eram comuns discussões sobre a responsabilidade das famílias no adoecimento, bem como o isolamento que sentiam por cuidarem sozinhas de seus parentes (em muitos casos, as mães viviam sozinhas com seus filhos, sem contar com a ajuda de outros familiares). Passava-se da responsabilidade entendida como dever à responsabilidade vivida como um fardo.

É importante destacar que no Brasil os familiares foram protagonistas, ao lado dos trabalhadores, na luta pelos direitos dos usuários e pela consolidação da Reforma Psiquiátrica. Seu papel na constituição do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MLA) foi decisivo (Del’Omo & Cervi, 2017Del’Omo, F. de S., & Cervi, T. M. D. (2017). Sofrimento mental e dignidade da pessoa humana: Os desafios da reforma psiquiátrica no Brasil. Seqüência, 38(77), 197-220. https://doi.org/10.5007/2177-7055.2017v38n77p197
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). Contudo, a despeito da parceria na luta pela Reforma Psiquiátrica, há cotidianamente nos serviços de saúde mental uma tensão entre trabalhadores e familiares a propósito da partilha de responsabilidades no cuidado. No Brasil, em função das grandes desigualdades sociais e da precariedade das políticas públicas de assistência diante das demandas da população pobre do país, as necessidades de cuidado estendem-se para além do que poderia ser considerado “meramente técnico”, como a realização de psicoterapia ou a administração de medicamentos. Há também necessidades ligadas à educação, ao exercício de direitos básicos como alimentação, transporte etc. Tanto familiares quanto trabalhadores veem-se sobrecarregados diante de tantas necessidades e atribuem uns aos outros a culpa por precisarem assumir responsabilidades que acreditam não serem suas. Somam-se a isso dificuldades na partilha de responsabilidade no interior das equipes, nas quais há hierarquia entre trabalhadores e uma centralidade do saber médico.

O ponto convergente dessas experiências é uma determinada concepção de responsabilidade, entendida como individual. Contemporaneamente, a responsabilidade individual é valorizada; o contexto sociopolítico do neoliberalismo demanda uma permanente (auto)vigilância, em que cada um deve “fazer a sua parte” e se responsabilizar por seu próprio bem-estar e saúde (Hache, 2007Hache, E. (2007). La responsabilité : Une technique de gouvernementalité néolibérale? Raisons Politiques, 4(28). https://doi.org/10.3917/rai.028.0049
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). Tal compreensão está estreitamente ligada à saúde mental e às concepções de tratamento, fortemente influenciadas pelas técnicas gerenciais e pela noção de sucesso e produtividade no ambiente corporativo (Martin, 2009Martin, E. (2009). Bipolar expeditions: Mania and depression in American culture. Princeton University Press.; Bellahsen, 2014Bellahsen, M. (2014). La santé mentale : Vers un bonheur sous contrôle. La Fabrique.). As pessoas são instadas a governarem a si mesmas, coletando informações sobre sua própria subjetividade e intimidade. Pretende-se levá-las a assumir a responsabilidade individual por seus estados “internos”. Como consequência dessa operação de escrutínio, proliferam-se os transtornos, isto é, enxerga-se potenciais patologias em cada gesto cotidiano (Frances, 2013Frances, A. (2013). Saving normal. HarperCollins.). Daí resulta um enfraquecimento das redes de apoio coletivo e um menosprezo da importância dos fatores sociais como componentes legítimos do sofrimento psíquico. Reforçam-se as vivências de isolamento originalmente associadas aos próprios diagnósticos.

A GAM questiona tal noção de responsabilidade individual e compreende a autonomia segundo pressupostos distintos. Concebendo-a como capacidade de instaurar suas próprias normas vitais (Varela, 1989Varela, F. (1989). Autonomie et connaissance : Essai sur le vivant. Seuil.), entendemos que a autonomia em saúde mental não é sinônimo de independência, mas sim a capacidade de multiplicar elos de dependência, como defende Tykanori (2010Tykanori, R. (2010). Contratualidade e reabilitação psicossocial. In A. M. F. Pitta (Ed.), Reabilitação psicossocial no Brasil (3a ed., pp. 55-59). Hucitec.), referência importante na história do movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira.

A noção de responsabilidade no GIF acompanhava essa compreensão de autonomia: reconhecendo nossa dependência e nos ocupando do bem-estar de outros que dependem de nós, desafia-se a ideia de que cada sujeito responde apenas por si (Hache, 2007Hache, E. (2007). La responsabilité : Une technique de gouvernementalité néolibérale? Raisons Politiques, 4(28). https://doi.org/10.3917/rai.028.0049
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). A responsabilidade era entendida de modo mais próximo ao de sua própria etimologia, como o gesto de responder ao apelo de algo ou alguém (Hache & Latour, 2009Hache, E., & Latour, B. (2009). Morale ou moralisme? Raisons Politiques, 2(34), 143-166. https://doi.org/10.3917/rai.034.0143
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). Ela era entendida em ato, ou, segundo Haraway (2016Haraway, D. (2016). Staying with the trouble. Duke University Press.), como a habilidade de responder (response-ability) a problemas cuja base é coletiva.

Essa concepção de autonomia na GAM-BR é importante pois determina uma circularidade entre os resultados pretendidos e seu método. Tendo como horizonte a promoção da cogestão no uso e prescrição de psicofármacos, os GI empregam práticas cogestivas de produção de conhecimento e cuidado. Como veremos, há uma afinidade metodológica da GAM-BR com técnicas de cogestão propostas por Campos no cenário da saúde coletiva brasileira (Campos, 2000Campos, G. W. S. (2000). Um método para análise e cogestão de coletivos. Hucitec.) e de valorização da autonomia dos trabalhadores (Merhy, 2005Merhy, E. E. (2005). Saúde: A cartografia do trabalho vivo. Hucitec.). Tais técnicas procuram transformar as práticas em saúde, afirmando a inseparabilidade entre as práticas de atenção em saúde e as práticas de gestão dos processos de trabalho em saúde. O emprego do método coincide com os próprios resultados pretendidos, confirmando a suposição de que há efeitos terapêuticos em não separar as práticas de cuidado das práticas de organização do próprio cuidado (Lemaire, Vittone, & Despret, 2003Lemaire, J.-M., Vittone, E., & Despret, V. (2003). Clinique de concertation et système : À la recherche d’un cadre ouvert et rigoureux. Génération, (28), 1-8.).

Método

O GIF consistiu na realização de encontros semanais de duas horas de duração no Caps do município de São Pedro da Aldeia entre familiares de usuários do serviço, trabalhadores e duas pesquisadoras universitárias (UFF), durante dois anos. Havia em média oito a dez participantes por encontro, embora esse número tenha variado ao longo do processo. O grupo permaneceu todo o tempo aberto à entrada de novos participantes, de modo que alguns estiveram presentes desde o início em todos os encontros, mas alguns estiveram apenas por alguns períodos. O GIF era um dos dois dispositivos da GAM no Caps; alguns meses antes, se iniciara o GI com usuários (GIU), trabalhadores e pesquisadores universitários. Dada a especificidade dos cuidados demandados por cada grupo, optamos por mantê-los separados, funcionando paralelamente.

Embora todos os participantes tenham assinado um termo de consentimento livre e esclarecido, o anonimato na publicização dos resultados foi discutido caso a caso com cada participante e não foi adotado de maneira sistemática. Na qualidade de copesquisadores, alguns quiseram ter seus nomes reconhecidos publicamente (o que geralmente é uma prerrogativa dos pesquisadores universitários). Nossa experiência corroborou os argumentos de Despret (2011Despret, V. (2011). Leitura etnopsicológica do segredo. Fractal, Revista de Psicologia, 23(1), 5-28. https://doi.org/10.1590/S1984-02922011000100002
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), para quem o segredo e o anonimato estão muito mais a serviço do profissional (pesquisador ou terapeuta) do que daquele que é supostamente protegido. O profissional tem o poder de privilegiar determinados tipos de informação em detrimento de outros e se engajar em práticas de circulação da informação cujos efeitos nem sempre são terapêuticos (Lemaire, 2013Lemaire, J.-M. (2013). La sélection, la transformation et la circulation de l’information. L’Observatoire, 77(n. spe.), 21-25.).

A intervenção da GAM-BR no município foi parte de uma pesquisa-intervenção participativa orientada pela abordagem da cartografia (Passos et al., 2009Passos, E., & Eirado, A. (2009). Cartografia como dissolução do ponto de vista do observador. In Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 110-131). Sulina.). Segundo essa abordagem, apoiada nas indicações de Deleuze e Guattari (1995Deleuze, G., & Guattari, F. (1995). Mil platôs (Vol.1). Ed. 34 Letras.), não há separação entre sujeito e objeto do conhecimento. O conhecimento não é a representação de uma realidade dada; o emprego de procedimentos metodológicos rígidos não garante sua produção. A pesquisa-intervenção participativa de abordagem cartográfica entende que os dispositivos de produção de conhecimento exercem efeito performativo sobre a realidade investigada. Para considerar reflexivamente esses efeitosperformativos, são empregadas técnicas da Análise Institucional (Lourau, 1975Lourau, R. (1975). A análise institucional. Vozes.; Rossi & Passos, 2014Rossi, A., & Passos, E. (2014). Análise institucional: Revisão conceitual e nuances da pesquisa-intervenção no Brasil. Revista EPOS, 5(1), 156-181.), na qual se busca transformar a realidade para conhecê-la.

Outra referência teórico-metodológica é a abordagem enativa (Varela, 1989Varela, F. (1989). Autonomie et connaissance : Essai sur le vivant. Seuil.; Varela, Thompson, & Rosch, 1991Varela, F., Thompson, E., & Rosch, E. (1991). The embodied mind: Cognitive science and human experience. MIT Press.), que também afirma a inseparabilidade entre sujeito e objeto do conhecimento. A abordagem enativa reconhece uma base experiencial no conhecimento, pois não atribui a experiência à esfera do indivíduo (Silva et al., 2010Silva, A. do E., Passos, E. H., Fernandes, C. V. de A., Guia, F. R. da, Lima, F. R. de, Carvalho, J. F., Barros, L. M. R. de., & Vasconcelos, C. S. (2010). Estratégias de pesquisa no estudo da cognição: O caso das falsas lembranças. Psicologia & Sociedade, 22(1), 84-94. https://doi.org/10.1590/S0102-71822010000100011
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). A abordagem enativa emprega técnicas propícias ao acesso à experiência (Varela & Shear, 1999Varela, F., & Shear, J. (1999). First-person methodologies: What, why, how? Journal of Consciousness Studies , 6(2-3), 1-14.), em pesquisas voltadas à exploração da experiência vivida, com metodologias de primeira pessoa (Depraz, Varela, & Vermersch, 2003Depraz, N., Varela, F., & Vermersch, P. (Eds.). (2003). On becoming aware: A pragmatics of experiencing. John Benjamins Publishing.; Varela & Shear, 1999 ). Tais técnicas permitiam não apenas que pesquisadores universitários e trabalhadores acessassem a experiência dos usuários, mas que os próprios usuários explorassem e transformassem sua vivência consciente e sua sensibilidade.

Dentre as metodologias de primeira pessoa, foram especialmente importantes para o GIF as técnicas de entrevista não-diretivas4 4 Estritamente, técnicas de entrevista são classificadas como metodologias de segunda pessoa, porque acessam a experiência vivida, em primeira pessoa, pela mediação de um entrevistador. , nomeadamente a entrevista de explicitação (Vermersch, 1994Vermersch, P. (1994). L’entretien d’explicitation. ESF Éditeur.) e a entrevista dela derivada, a entrevista cartográfica (Passos, Eirado, Renault, & Sade, 2018Passos, E., Eirado, A. do, Renault, L., & Sade, C. (2018). A entrevista cartográfica na investigação da experiência mnêmica. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(2), 275-290. https://doi.org/10.1590/1982-3703001772017
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; Renault, Passos, & Eirado, 2016Renault, L., Passos, E., & Eirado, A. do. (2016). Da entrevista de explicitação à entrevista cartográfica. In T. Galli, F. Amador & M. E. B. de Barros (Eds.), Clínicas do trabalho e paradigma estético (pp. 61-77). UFRGS.; Tedesco, Sade, & Caliman, 2013Tedesco, S., Sade, C., & Caliman, L. (2013). A entrevista na pesquisa cartográfica: A experiência do dizer. Fractal: Revista de Psicologia, 25(2), 299-322. https://doi.org/10.1590/S1984-02922013000200006
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). Tal como a entrevista de explicitação, a entrevista cartográfica procura guiar o entrevistado ou entrevistada na colocação em palavras de sua vivência concreta, vivência esta que não está necessariamente disponível à sua consciência quando a entrevista se inicia. Assim, a entrevista cartográfica alinha-se à entrevista de explicitação ao criar um ambiente propício ao devir consciente (Depraz et al., 2003Depraz, N., Varela, F., & Vermersch, P. (Eds.). (2003). On becoming aware: A pragmatics of experiencing. John Benjamins Publishing.), mas dela se diferencia ao dar uma ênfase menor à descrição de um vivido de referência em particular; a entrevista cartográfica busca acompanhar processos, mais do que descrever um determinado conteúdo.

Os encontros do GIF correspondiam a entrevistas cartográficas coletivas (Sade et al., 2013Sade, C., Renault, L. M., Melo, J., & Passos, E. (2013). O uso da entrevista na pesquisa-intervenção participativa em saúde mental: O dispositivo GAM como entrevista coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, 18(10), 2813-2824. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013001000006
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). Não se coletavam informações, produzia-se reposicionamento subjetivo por meio da valorização de experiências que raramente eram socialmente reconhecidas. Não é trivial para os familiares explicitarem sua relação com os psicofármacos de que muitas vezes são responsáveis pela administração diária, tampouco se darem conta das suas crenças e preconceitos acerca da doença mental que encobrem a prática efetiva da dispensação dos medicamentos, da administração das doses, da verificação dos efeitos colaterais e das relação da medicação com as mudanças comportamentais - toda essa complexa rede de ações que configuram a experiência com os medicamentos psiquiátricos. O cotidiano com o usuário de psicofármacos de sua família, embora frequentemente extenuante, nem sempre se apresentava como uma experiência refletida. Com essa entrevista, buscava-se levar os participantes a acessar sua experiência concreta - e não os julgamentos, avaliações e expectativas em torno dessa experiência. Tomamos a experiência dos participantes do GIF como expressão de uma posição no mundo, isto é, a experiência concreta dos familiares advinda na entrevista indicava uma relação de inseparabilidade entre o que sentiam, pensavam e faziam e o ambiente existencial em que viviam e que dá um certo lugar para aqueles diagnosticados de doentes mentais e que fazem uso de psicofármacos. Acessar a experiência significava, portanto, verificar esse plano de coemergência sujeito-mundo no qual estes termos são inseparáveis (Passos & Eirado, 2009Passos, E., & Eirado, A. (2009). Cartografia como dissolução do ponto de vista do observador. In Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 110-131). Sulina.; Petitmengin, 2007Petitmengin, C. (2007). Towards the source of thoughts: The gestural and transmodal dimension of lived experience. Journal of Consciousness Studies, 14(3), 54-82.; Varela, 1989Varela, F. (1989). Autonomie et connaissance : Essai sur le vivant. Seuil.; Varela, Thompson, & Rosch, 1991Varela, F., Thompson, E., & Rosch, E. (1991). The embodied mind: Cognitive science and human experience. MIT Press.). Transformar a relação com a doença mental implica transformar não só o comportamento dos que experimentam transtornos mentais, mas também as práticas associadas ao uso da medicação psiquiátrica, transformar, em suma, um ambiente e a posição subjetiva dos que se inserem neste ambiente existencial. À medida que o acesso à experiência avançava, as respostas se tornavam menos automáticas, mais lentas e hesitantes, pois estavam menos disponíveis à consciência. Ocorriam experiências de devir-consciente (Depraz et al., 2003Depraz, N., Varela, F., & Vermersch, P. (Eds.). (2003). On becoming aware: A pragmatics of experiencing. John Benjamins Publishing.), nas quais se podia pôr em palavras experiências que ainda não tinham sido acionadas. O manejo da entrevista procurava garantir o acolhimento dessas experiências, disponibilizando o tempo e a escuta sensível à singularidade, sem antepor juízos ou interpretações. Tratava-se de um manejo não-diretivo, em que se realizavam reformulações em eco e perguntas abertas, evocando uma descrição concreta e incorporada da experiência - em afinidade com as próprias perguntas do Guia GAM-BR.

O manejo promovia a inclusão de perspectivas heterogêneas em sintonia com a noção de cogestão. Por evitar a hierarquização dos diferentes pontos de vista, denominamo-lo de manejo cogestivo (Melo, Schaeppi, Soares, & Passos, 2015Melo, J., Schaeppi, P. B., Soares, G., & Passos, E. (2015). Acesso e compartilhamento da experiência na Gestão Autônoma da Medicação: O manejo cogestivo. Caderno HumanizaSUS, 5, 233-247.). Trabalhava-se para que todos os participantes se tornassem corresponsáveis pelo que acontecia no grupo e ajudassem a conduzi-lo, cultivando condições de funcionamento inclusivas e favoráveis à participação de todos, em uma relação de colaboração mútua e confiança. Para tanto, o manejo procurava incluir cada participante respeitando as diferentes formas de inserção.

Inicialmente, as funções de condução do encontro e inclusão de todos os participantes eram atribuídas a uma ou duas pessoas, deliberadamente encarregadas dessa tarefa (no caso do GIF, as pesquisadoras universitárias). Em um primeiro momento, as moderadoras ou manejadoras do grupo geralmente faziam perguntas ou convidavam algum participante a falar. Progressivamente, as manejadoras cuidavam da distribuição do manejo, descentralizando essa tarefa de si mesmas e compartilhando-a com os demais membros do grupo. O manejo cogestivo leva os demais participantes a se apropriarem aos poucos dessa forma de trabalhar, sendo, por isso, inicialmente localizado, mas visando à sua própria distribuição.

À medida que o manejo se distribui no grupo, surge um fenômeno correlato, que chamamos de contração de grupalidade; baseada no conceito de contração tal como o discute Deleuze (2006Deleuze, G. (2006). Diferença e repetição. Graal.), este fenômeno designa a emergência de uma qualidade nova - o grupo -, irredutível a cada um dos participantes e distinto de uma simples adição das participações individuais (Melo et al., 2015Melo, J., Schaeppi, P. B., Soares, G., & Passos, E. (2015). Acesso e compartilhamento da experiência na Gestão Autônoma da Medicação: O manejo cogestivo. Caderno HumanizaSUS, 5, 233-247.).

Resultados

A contração de grupalidade indica essa experiência de contágio do manejo cogestivo e a proliferação das conexões intragrupo. Por outro lado, designa também a emergência de uma determinada relação com a temporalidade e com a diferença, na qual uma experiência singular torna-se progressivamente capaz de condensar passado e presente, vivências pessoais e de outrem. Graças à experiência de contração, algumas narrativas de um mesmo encontro do GIF nos permitirão extrair elementos significativos que perpassaram todo seu processo de realização.

Destacamos ainda que privilegiamos uma descrição narrativa dos resultados (e não sob a forma de recenseamento de dados ou categorias) para evidenciar o caráter performativo do método e da produção de conhecimento, a participação dos pesquisadores na pesquisa-intervenção e a reflexividade inerente ao dispositivo GIF. Em outras palavras, os resultados se apresentam de forma qualitativa e processual, evidenciando diferentes modos de participação no dispositivo.

Deslocamentos de ponto de vista

Uma das principais particularidades do GIF em relação a outros dispositivos da GAM deve-se ao fato de que o Guia GAM se dirige aos usuários. Para validar o Guia, inicialmente previu-se a realização de uma leitura crítica junto aos familiares, por meio da qual indagaríamos se, a partir de suas experiências como acompanhantes, eles teriam sugestões de modificações ou acréscimos ao texto. Contudo, quando iniciamos o GIF, os familiares respondiam diretamente às perguntas do Guia, a partir de seu próprio ponto de vista, como se as questões fossem dirigidas a eles. Esse uso imprevisto do Guia por parte dos familiares se mostrou mais inteligente e pertinente que o previsto no projeto inicial. Compreendemos que este funcionamento gerava uma participação autônoma no grupo (Renault & Ramos, 2019Renault, L., & Ramos, J. (2019). Participar da análise, analisar a participação: Aspectos metodológicos de uma pesquisa-intervenção participativa em saúde mental. Saúde e Sociedade , 28(4), 61-71. https://doi.org/10.1590/S0104-12902019190699
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). Ele promovia a colocação em cena de diferentes experiências - a dos familiares e a dos usuários -, de uma forma concreta e encarnada, reforçando o que viria a ser, para nós, uma estratégia primordial da GAM: a promoção de deslocamentos de ponto de vista.

O manejo passou a aprofundar esse funcionamento, acolhendo as experiências dos familiares e levando-os a se aproximar, de maneira especulativa, da experiência de seus parentes, imaginando o que eles responderiam. Esse funcionamento estimulava o diálogo entre familiares e usuários, promovendo cuidado. Os participantes do GIF frequentemente se surpreendiam com seu desconhecimento diante de determinadas questões e afirmavam: “vou perguntar a meu filho o que ele acha quando eu chegar em casa”. Por outro lado, havia situações nas quais, para se aproximar da experiência do outro, era preciso primeiro aproximar-se da própria experiência (recorrendo, por exemplo, às próprias sensações frente ao uso habitual de algum medicamento). Vejamos a seguir como o uso Guia no GIF promovia a aproximação entre experiências.

O trecho a seguir é uma narrativa de um encontro realizado aproximadamente um ano depois do início do GIF, quando conversávamos sobre a primeira pergunta do quarto passo do Guia GAM-BR5 5 O quarto passo do Guia GAM-BR é “Conversando sobre os medicamentos mais usados em psiquiatria” e começa na página 52 da versão utilizada na validação (na versão já validada, trata-se do passo “Conversando sobre os medicamentos psiquiátricos”, p. 60). , “Como você descreveria a experiência diária de tomar remédios?”6 6 A pergunta na versão validada do Guia é “Como você descreve a experiência diária de tomar medicamentos?” . Trata-se de uma narrativa em primeira pessoa, escrita por uma das manejadoras do GIF.

Uma participante diz, então, que tem uma curiosidade muito grande de saber o que a pessoa sente quando toma esses remédios. Ela diz que quer muito experimentar; ela nos conta que seu filho toma o remédio e dorme muito. Ela nos conta que já botou o remédio do filho na língua para ver se tinha um gosto amargo e descobriu que não. O grupo reage rapidamente a essa sua vontade, dizendo que ela não deve tomar o remédio. Fernanda 7 7 Pseudônimo. , gestora do serviço, também diz, seriamente, que ela não deve tomá-lo. Eu, no entanto, afirmei que essa sua vontade era muito interessante e que essa curiosidade tinha a ver com a proposta do Guia, que era a de nos aproximarmos da experiência de quem usa os medicamentos. Sua vontade de tomar os remédios tinha a ver com querer saber, em seu corpo, o que é sentido quanto se faz uso diário da medicação. Eu pergunto, então, o que ela acha que o filho sente e como ela acha que o filho responderia à pergunta do Guia. . . . Ela me responde que acha que o que seu filho sente é sono. Quando ele toma o remédio fica calmo, vê televisão, depois vai para o quarto e dorme, dorme...

O GIF promovia um exercício de aproximação da experiência de outrem, permitindo o cultivo de um olhar crítico sobre o uso de medicamentos a partir de perspectivas que até então tinham pouca expressão. Esse exercício se tornou paradigma da aproximação entre as diferentes experiências de usuários, trabalhadores e universitários, presente também em outros dispositivos da GAM-BR. O deslocamento de ponto de vista gerava, como veremos, reposicionamentos subjetivos favoráveis ao exercício da cogestão.

Etiologia, responsabilidade e manejo cogestivo

Na narrativa a seguir, relativa ao mesmo encontro, ainda se discute a questão do Guia “Como você descreveria a experiência diária de tomar remédios?”. Olga8 8 Pseudônimo. é mãe de Edméia e ambas falam sobre sua filha e irmã, usuária do CAPS:

Enquanto Olga conta que sua filha hoje em dia toma banho sozinha, Edméia fala com grande espanto e tristeza: é um troço esquisito, o da minha irmã! “Eu acho uma doença estranha, uma coisa esquisita, sabe como?”. “É esquisita essa doença, parece uma coisa!” É uma fala bem intensa . . . . “. . . eu estou falando no início, no começo da doença” - Edméia queria saber como a doença tinha começado.

Olga responde que, um dia, sua filha foi para o serviço e depois não sabia mais voltar para casa. Eu questiono Edméia por que ela está perguntando a respeito desse começo e Edméia me responde que, antigamente, sua irmã era uma pessoa “normal”. Edméia diz que sua irmã teve uma decepção amorosa e que, então, tudo começou. Ela diz que sua irmã não era uma pessoa que “ficou assim do nada”. Ela diz que a causa foi a decepção, assim como ela teme ser o caso de seu filho. Segundo ela, ele também tem passado por dificuldades parecidas. Ela não acha que eles tenham nascido assim.

Eu pergunto o que o grupo acha a respeito desse assunto. Leonor diz discordar dessa conclusão, porque “é algo que a pessoa já traz com ela e que em alguns aparece mais cedo, em outros mais tarde”. Cremilda, por sua vez, discorda de Leonor e diz que vai citar o caso de um usuário do Caps. Referindo-se a esse usuário, ela diz que ele foi um menino bem-criado e que nunca bebeu e nunca usou drogas e que, depois dos vinte e poucos anos, “ficou esquizofrênico”. Começou a caminhar, falar sozinho. Cremilda diz não acreditar que seja “algo da casa dele”, por isso ela acha que “tem que acontecer aquilo”. Olga diz que sua filha, desde pequenininha, gostava de ficar destacada, sozinha e acha que ela mesma, Olga, é quem não notava isso. Olga diz que durante a gravidez, ela tomou um choque muito grande, quando perdeu o marido, que foi atropelado. Olga atribui os problemas de sua filha ao seu próprio estado emocional durante a gravidez. . . .

É um relato muito intenso. Digo que essas experiências estranhas das quais estávamos falando pareciam fazer com que a gente quisesse buscar explicações e digo que várias explicações diferentes tinham surgido no grupo hoje, citando-as. Pergunto como podemos lidar com essas experiências estranhas, apesar dessas diferentes explicações.

. . . Cremilda dirige-se, então, a Edméia, falando que o que está querendo dizer para ela é que é uma questão a ser vista caso a caso. Dá o exemplo de sua própria filha, que também ficou mal depois de uma decepção amorosa. Cremilda diz que pode ser isso, embora o médico tenha dito que não. Segundo ela, o médico lhe disse que sua filha já possuía algum transtorno e que a decepção foi apenas um desencadeador. . . . Cremilda diz que desde quando a filha era pequena, ela levava no psicólogo, porque ela se separou cedo do pai de seus filhos e “isso mexe, né, gente?”. No entanto, diz que já superou esses problemas e que hoje em dia segue com a vida, fazendo suas coisas.

Esse extrato indica como os familiares viviam o problema da definição da etiologia dos fenômenos vividos pelos usuários. Eram frequentes as sensações de ser de algum modo responsável pelas dificuldades atuais (que eram diferentes da responsabilidade pelo cuidado, que também assumiam). Cada uma das participantes expressava, à sua maneira, uma inquietação que reproduz em alguma medida a preocupação de grande parte do campo da saúde mental: a busca por uma causa.

Nesse trecho, podemos ver também o funcionamento do manejo cogestivo: Cremilda narra sua história, entrecruzando-a com a de Edméia e produzindo novas versões para as questões suscitadas pelo Guia.

Discussão e conclusões

Os resultados do trabalho no GIF podem ser melhor apreendidos sob a forma de um acompanhamento de processos (Barros & Kastrup, 2009Barros, L. P., & Kastrup, V. (2009). Cartografar é acompanhar processos. In E. Passos, V. Kastrup & L. da Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 52-75). Sulina.), isto é, acompanhando-se os movimentos, tendências e transformações disparados no/pelo grupo. Essas duas passagens de um dos encontros permitem evidenciar o funcionamento do manejo cogestivo e sintetizam dois efeitos processuais importantes para a produção de conhecimento e cuidado em saúde mental. O primeiro desses efeitos, a promoção de deslocamentos de ponto de vista, está estreitamente associado ao segundo, a promoção da corresponsabilização.

O primeiro efeito, a promoção de deslocamentos de ponto de vista, ganhou relevância para a estratégia GAM-BR graças ao GIF. O interesse da GAM é, como vimos, acessar a experiência encarnada, concreta, do uso dos medicamentos; ela parte do princípio de que a vivência do usuário é imprescindível aos debates em saúde mental. Produzir conhecimento na área depende da inclusão da experiência de quem vive os tratamentos e tem um conhecimento, irredutível, sobre o que de fato ajuda ou atrapalha - daí a GAM-BR empregar metodologias de primeira pessoa e técnicas de entrevista.

A inclusão dos familiares na GAM-BR ressaltou o fato de que as metodologias de primeira pessoa não funcionavam como um instrumento de coleta de informações. Os “dados da consciência” não eram propriamente “dados”, isto é, não estavam prontos, disponíveis à observação (seja por si mesmo, seja por outros). Como nas entrevistas cartográficas (Passos et al., 2018Passos, E., Eirado, A. do, Renault, L., & Sade, C. (2018). A entrevista cartográfica na investigação da experiência mnêmica. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(2), 275-290. https://doi.org/10.1590/1982-3703001772017
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), as experiências não podiam ser tomadas no GIF apenas em sua dimensão representativa, pois os fatos a que elas supostamente fazem referência não estavam em primeiro plano. Não se tratava, portanto, retomando o exemplo, de verificar se o efeito provocado pelo medicamento era de fato sono ou não. O próprio ato de narrar essa incerteza para o grupo já era suficiente para transformar essa experiência: cultivava-se a curiosidade e o cuidado entre mãe e filho, entre os membros do GIF e destes com seus parentes, entre os familiares e trabalhadores do serviço. Nesse sentido, o uso das metodologias de primeira pessoa configurava já uma intervenção, o que aproximava a GAM-BR da abordagem da experiência que se faz nos grupos de ouvidores de vozes. Nesses grupos, fenômenos geralmente rotulados como “alucinações auditivas” são compreendidos a partir de outros pontos de vista, segundo contextos diferentes do estritamente psiquiátrico. Neles, explora-se, por exemplo, o significado religioso ou espiritual que as vozes têm para alguns (Baker, 2000Baker, P. (2000). Entendre des voix : - Guide pratique. P. & C.-G ; Aepc ; Association Ecrivains.; Romme & Escher, 2010Romme, M., & Escher, S. (2010). Personal history and hearing voices. In F. Larøi & A. Aleman (Eds.), Hallucinations: A guide to treatment and management (pp. 233-256). Oxford University Press.). De forma análoga, no GIF sublinhava-se a singularidade de uma experiência, diferenciando-a de outras semelhantes. Com isso, surgiam novos sentidos e possibilidades de associação. Ao invés de promover individualização, essa estratégia levava à conexão de experiências pessoais a outros contextos, significados e perspectivas, de modo que se multiplicam os elos de articulação. Investigar a experiência em primeira pessoa equivalia a transformar essa experiência, deslocando pontos de vista e promovendo a proliferação de sentidos. O GIF intensificava a proposta da GAM-BR, na qual o caminho para a própria autonomia envolve a experiência de outrem e a inclusão da heterogeneidade.

Tal intensificação promovida pelo GIF se devia ao fato de que a análise proposta pelo Guia (quanto aos efeitos do uso dos psicofármacos) se dava, no grupo, pela passagem entre diferentes perspectivas: a dos familiares (sua relação com os medicamentos que eles próprios usavam, suas experiências com a loucura, o convívio com seus parentes e o tratamento), a dos usuários (como seria o efeito dos remédios que eles tomam? Como eles se sentem?), a dos trabalhadores (em que consiste o saber do trabalhador? Quando e como o trabalho é mais efetivo?). Cada uma dessas perspectivas era atravessada pelo ponto de vista do pesquisador, fruto de uma atitude de experimentação, especulação e produção de conhecimento suscitada pelo Guia GAM. As perguntas do Guia não eram encaradas como coleta de informações, mas como o início de discussões e reflexões.

A exploração da experiência vivida estava, portanto, ligada à invenção de si. Frequentemente, essa invenção dependia de uma redefinição subjetiva - para um usuário, por exemplo, era preciso reposicionar-se como sujeito de direitos e como detentor de um conhecimento legítimo e insubstituível. Tal reposicionamento advinha da adoção de um ponto de vista incomum, inabitual, estimulado pelo próprio Guia (como no caso da pergunta “Se você fosse um profissional de saúde, como você conversaria com seus pacientes sobre o tratamento com medicamentos?”9 9 Versão validada do Guia GAM-BR, p. 95. ).

Graças ao GIF, compreendemos melhor o efeito dos deslocamentos de ponto de vista. A participação dos familiares ressaltou o fato de que as experiências próprias e as de outros são inextrincáveis. Logo, um reposicionamento subjetivo afetava não apenas um indivíduo, mas toda a sua rede de relações. Procurar se aproximar da experiência do outro (como no trecho em que a mãe tece hipóteses sobre o que seu filho sente ao fazer uso de medicamentos) fabrica narrativas especulativas; com isso, há abertura de perspectivas futuras (Doucet, Debaise, & Zitouni, 2018Doucet, I., Debaise, D., & Zitouni, B. (2018). Narrate, speculate, fabulate : Didier Debaise and Benedikte Zitouni in conversation with Isabelle Doucet. Architectural Theory Review, 22(1), 1-15. https://doi.org/10.1080/13264826.2018.1418130
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; Haraway, 2016Haraway, D. (2016). Staying with the trouble. Duke University Press.). Ao imaginar, especulando, que seu filho sente sono, surgem possibilidades até então impensadas: pode haver uma compreensão crítica acerca da medicação; novos diálogos entre mãe e filho; avaliações com a equipe sobre mudanças no horário de uso do medicamento; pode-se estudar se trata-se de um efeito colateral e se há outras medicações com efeitos colaterais distintos; pode-se entender quando, para quem e de que modo o sono é um efeito desejável, etc. Esses cenários possíveis não se restringem a um indivíduo; potencialmente, eles envolvem mãe, filho, outros membros da família, outros familiares do GIF, outros usuários, os trabalhadores do serviço. Não há um resultado previsível dessa abertura de possibilidades; contudo, ela é condição para que ocorram as transformações que se almejam, para a produção de novos mundos e subjetividades. A fabricação de narrativas especulativas permite lidar coletivamente com o presente, de modo a cuidar dos efeitos (futuros) das conexões atuais (Doucet et al., 2018Doucet, I., Debaise, D., & Zitouni, B. (2018). Narrate, speculate, fabulate : Didier Debaise and Benedikte Zitouni in conversation with Isabelle Doucet. Architectural Theory Review, 22(1), 1-15. https://doi.org/10.1080/13264826.2018.1418130
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).

A utilização de metodologias de primeira pessoa se aliava, assim, à produção de efeitos terapêuticos que o GIF procurava cultivar. Construía-se uma zona do sentido compartilhado (Chauvenet, Despret, & Lemaire, 1996Chauvenet, A., Despret, V., & Lemaire, J.-M. (1996). Clinique de la Reconstruction. l’Harmattan.): ao cuidar de uma experiência comum, podia-se cultivar processos de autorreparação mútuos. O GIF evidenciava a inseparabilidade entre cuidar do outro e cuidar de si. Como indicam Chauvenet et al. (1996Chauvenet, A., Despret, V., & Lemaire, J.-M. (1996). Clinique de la Reconstruction. l’Harmattan.), pensar em outrem é também pensar “outramente”, pensar de outra maneira. Daí também a inseparabilidade entre pesquisa e intervenção no GIF.

Já o segundo efeito, a promoção da corresponsabilização, pode ser compreendido como um prolongamento do primeiro. Ao permitir pensar no outro/de outra maneira, o GIF entrecruzava pontos de vista de modo a gerar corresponsabilização pelo cuidado. Aproximar-se do ponto de vista do outro era decisivo em termos afetivos e existenciais: podia-se compreender um pouco mais alguém que se ama e ser capaz de cuidar melhor de si e do outro. Metodologicamente, a corresponsabilização comparecia no grupo graças ao manejo cogestivo, que reforçava a criação de uma rede de apoio. Esse movimento se estendia, fabricando redes de apoio também em outros espaços.

No trecho acima, Cremilda narra sua história pessoal com o intuito (dentre outros) de promover cuidado e gerar reflexão. Ao discordar dos demais, Cremilda recusa um sentido único para a discussão sobre o tema da “etiologia das doenças mentais”, tão presente no campo da saúde mental. A partir dessa compreensão não unívoca, cada participante podia se reposicionar em relação à sua própria história e “traduzir” as versões dos demais ao seu próprio repertório de ação e de resposta, de modo análogo ao da tradução, adaptação e validação do próprio Guia GAM à realidade brasileira.

Cremilda se apropria do trabalho de manejo, demonstrando haver contração de grupalidade. Sua intervenção promoveu a proliferação de versões (Stengers et al., 2014Stengers, I., Despret, V., Balibar, F., Bensaude-Vincent, B., Bouquiaux, L., Cassin, B., Chollet, M., Hache, E., Sironi, F., Stroobants, M., Zitouni, B. (2014). Women who make a fuss: The unfaithful daughters of Virginia Woolf. Univocal Publishing.), de modo que podiam surgir novas perspectivas sobre os problemas. Os demais participantes tinham a chance de enxergar que pessoas próximas passavam por experiências parecidas, o que gerava aceitação e compreensão mútuas. Ao mesmo tempo, as singularidades entre as vivências sugeriam compreensões que podiam ser inéditas; um participante do GIF podia se dar conta, por exemplo, de que outras pessoas viviam experiências semelhantes às suas, embora tivessem histórias de vida completamente diferentes. Com isso, esse participante podia fabricar versões menos culpabilizantes de sua própria história.

Ao se darem conta, de forma concreta, das diferenças nas histórias pessoais, da complexidade da rede e das muitas pessoas e instituições envolvidas nas situações que viviam, os familiares podiam transformar os frequentes sentimentos de culpa diante das dificuldades. Consequentemente, resistia-se à difusa definição individual de responsabilidade contemporânea (Hache, 2007Hache, E. (2007). La responsabilité : Une technique de gouvernementalité néolibérale? Raisons Politiques, 4(28). https://doi.org/10.3917/rai.028.0049
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) e podia-se produzir respostas coletivas aos problemas. Em um aparente paradoxo, quanto menos culpabilização, mais produzia-se posturas responsáveis, isto é, mais hábeis em criar respostas (Haraway, 2016Haraway, D. (2016). Staying with the trouble. Duke University Press.).

A experiência de culpa individual gera vivências de muito isolamento. O diagnóstico também detém grande poder individualizante (Pignarre, 1997Pignarre, P. (1997). Qu’est-ce qu’un médicament ? Un objet étrange entre science, marché et société. Editions la Découverte.). Não é incomum que, nos serviços de saúde mental, os diagnósticos sejam comunicados apenas aos familiares e não aos usuários. Como também o demonstra Pignarre (1997Pignarre, P. (1997). Qu’est-ce qu’un médicament ? Un objet étrange entre science, marché et société. Editions la Découverte.), o próprio objeto “medicamento” constitui uma determinada rede de relações cujo efeito, contraditoriamente, é a produção de indivíduos isolados. A experiência de isolamento em saúde mental, assim, não é acidental: não é um problema de uma determinada família, nem o resultado de um erro das equipes de saúde. Sem excluir todas as outras possíveis razões pessoais para as sensações de solidão que apareciam no grupo, havia também componentes comuns a todos e que raramente eram considerados em outros espaços, tais como a experiência de lidar com um diagnóstico e com os medicamentos. Igualmente compondo as vivências pessoais dos participantes do grupo, esses pontos geralmente permaneciam fora de seus horizontes de reflexão. Eram elementos isolados em suas experiências. O GIF permitia trazê-los para um debate coletivo; as possibilidades de compartilhamento e de articulação diminuíam a sobrecarga que familiares e trabalhadores tantas vezes sentiam. Perceber que havia pontos em comum em suas experiências e que nem sempre elas eram causadas por suas próprias histórias pessoais ajudava a aliviar os sentimentos de culpa e a questionar a ideia de que cada dificuldade era uma “cruz” pessoal a ser carregada, imagem recorrente para os familiares. Como no trecho acima, percebia-se que sentir-se só diante do processo inicial de adoecimento de um parente e do recebimento de um diagnóstico eram experiências comuns e que podiam ser vividas de modo menos solitário. Quando as sensações de isolamento e dificuldade eram remetidas ao plano coletivo, podiam surgir novas capacidades de resposta e repartições de responsabilidades.

No GIF, percebia-se o efeito em cadeia promovido pelo dispositivo. A responsabilidade pelo cuidado aparece ligada à culpa individual não só para familiares, mas também para trabalhadores. Sobrecarregados e sem condições de exercerem seu trabalho, eles nem sempre conseguem estar presentes nas situações de dificuldade ou crise. Eles precisam lidar com dificuldades que lhes parecem estar além de sua capacidade de ação. São problemas que envolvem a rede de saúde municipal, os repasses de verba do governo ou as condições do sistema educacional, por exemplo. Para tentar minimizar essas dificuldades, os trabalhadores desempenham funções que escapam às suas atribuições formais e, não raro, também culpam as famílias por “não estarem cumprindo a sua parte”. Além disso, precisam lidar com a repartição de responsabilidades entre as diferentes categorias profissionais que compõem a equipe multiprofissional dos Caps: espera-se que psiquiatras, assistentes sociais, psicólogos se atenham a seus campos de trabalho e cumpram suas funções de acordo com suas especialidades. A indefinição quanto às incumbências individuais gera impaciência e revolta nas equipes, situação que compromete o projeto do SUS de apostar na descentralização do cuidado em saúde por meio de uma rede de atenção. Trabalhadores e familiares se distanciam e a tarefa do cuidado acaba sendo desempenhada quase individualmente, ainda que por várias pessoas.

O GIF transformava essas experiências de isolamento não apenas por constituir um grupo em torno de uma questão comum (a medicação psiquiátrica), mas também por criar uma cultura de conexão e articulação entre temas, atores e experiências. O GIF foi um dos grupos da GAM onde foi mais evidente sua estratégia pragmática e não identitária de formação de coletivos. Contava-se com as relações de confiança e cuidado já existentes para estendê-las a uma rede cada vez mais ampla.

A GAM-BR busca produzir respostas coletivas. Seu modo de operar é condizente com seu interesse pelo fomento da autonomia. Frequentemente, as pessoas são instadas a responderem sozinhas a problemas que são construídos coletivamente, pois não reconhecemos de fato esses problemas como coletivos. Em relação aos psicofármacos, há individualização e especialização nas ações esperadas: o médico é o responsável pela prescrição; o usuário, por obedecer à prescrição; o familiar, por velar pela obediência do usuário. Cada um é instado a, separadamente, prestar contas do que faz a partir de um sistema de distribuição de especialidades. Espera-se que “cada um” intervenha apenas no domínio de sua especialidade e viva sua parcela de culpas e cobranças.

O dispositivo do GIF é particularmente eficaz para colocar em xeque essa noção de responsabilidade individual, frequentemente tida como contrapartida da autonomia. Ao se entender a autonomia como atributo de um sujeito, espera-se que ele aja “responsavelmente”. O GIF questionava tal entendimento ao ressaltar os elos de dependência e de cuidado que estão na base da autonomia. Um dos efeitos mais importantes do GIF, pertinente a toda a estratégia GAM-BR, foi o aparecimento de mudanças na repartição e compreensão da responsabilidade. Como no trecho discutido, pequenos reposicionamentos podiam gerar uma reação em cadeia: questionando o papel das famílias no adoecimento, os participantes podiam se reposicionar quanto ao modo como exerciam o cuidado, relacionando-se diferentemente com os trabalhadores; essa nova relação, por sua vez, gerava reposicionamentos na equipe, e assim por diante. O acesso ao plano coletivo tornava cada vez mais difícil pensar a responsabilidade em termos individuais ou causais. A GAM permitia a coletivização dos problemas, seja pelo manejo cogestivo, seja pela conexão entre temas heterogêneos promovida pelo Guia.

A promoção da corresponsabilização subordinava-se ao acolhimento das diferentes perspectivas, reconfigurando os problemas. Pessoas e temas se conectavam, de modo que a responsabilidade pelas questões podia ser mais amplamente compartilhada. A GAM-BR gerava uma espécie de “contaminação”: os problemas não estavam isolados uns dos outros e envolviam cada vez mais pessoas. O surgimento de novas repartições de responsabilidades era um efeito disso. A corresponsabilização se devia a novos engajamentos nas situações problemáticas, resultantes do reconhecimento das diversas conexões e elos de dependência.

No GIF, enfim, múltiplas vivências eram colocadas lado a lado, interrogando-se mutuamente. Não havia premência para se decidir qual delas era verdadeira ou tinha razão a respeito dos fatos objetivos. Também não havia a necessidade urgente de se chegar a uma conclusão. O GIF produzia conhecimento a respeito de temas importantes no cuidado em saúde mental (como o papel dos familiares no tratamento medicamentoso ou as consequências do uso de psicofármacos nos relacionamentos pessoais). Ao mesmo tempo, permitia que as experiências vividas, ao serem narradas, se transformassem, em uma intervenção promotora de cuidado. No GIF, podia-se inventar e testar novas estratégias para lidar com as dificuldades e ensaiar respostas, sem que necessariamente se recorresse a um modelo pronto.

Como nos exemplos discutidos, nem sempre os participantes podiam responder prontamente às perguntas do Guia. O grupo assumia, então, uma atitude de pesquisa, explorando diferentes estratégias para formular respostas: comparar a experiência dos usuários com a própria experiência de usar medicamentos diariamente; especular o que aconteceria se experimentassem os remédios psiquiátricos; imaginar novas formas de dialogar com os parentes sobre o tema, etc. As perguntas do Guia motivavam uma série de outras questões, cada vez mais precisas e articuladas. As conexões se proliferavam. Desse modo, o GIF foi uma peça-chave para compreendermos o trabalho com o Guia GAM-BR de modo a favorecer o cuidado compartilhado, em um desafio que, em última instância, era também um desafio político, afim ao tema da cogestão: como criar modos de articular e compor com diferentes pontos de vista.

Agradecimentos:

Agradecemos aos usuários, familiares e trabalhadores do Caps de São Pedro da Aldeia e aos participantes de grupo Enativos: conhecimento e cuidado, em especial Julia Ramos e Lorena Guerini, participantes do GIF.

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  • Vermersch, P. (1994). L’entretien d’explicitation. ESF Éditeur.
  • 1
  • 2
    A pesquisa-intervenção de validação do Guia GAM foi conduzida na UFF pelo grupo Enativos: conhecimento e cuidado, coordenado pelo Dr. Eduardo Passos, do Instituto de Psicologia, campus Niterói.
  • 3
    A experiência do GIF gerou também uma dissertação de mestrado (Ramos, 2012Ramos, J. F. C. (2012). A autonomia como um problema: Uma pesquisa a partir da realização do dispositivo GAM em um CAPS fluminense [Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense]. Repositório UFF. https://app.uff.br/slab/uploads/2012_d_Julia.pdf
    https://app.uff.br/slab/uploads/2012_d_J...
    ) e uma tese de doutorado (Renault, 2015Renault, L. (2015). A análise em uma pesquisa-intervenção participativa: O caso da Gestão Autônoma da Medicação [Tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense].) na qual se baseia este artigo.
  • 4
    Estritamente, técnicas de entrevista são classificadas como metodologias de segunda pessoa, porque acessam a experiência vivida, em primeira pessoa, pela mediação de um entrevistador.
  • 5
    O quarto passo do Guia GAM-BR é “Conversando sobre os medicamentos mais usados em psiquiatria” e começa na página 52 da versão utilizada na validação (na versão já validada, trata-se do passo “Conversando sobre os medicamentos psiquiátricos”, p. 60).
  • 6
    A pergunta na versão validada do Guia é “Como você descreve a experiência diária de tomar medicamentos?”
  • 7
    Pseudônimo.
  • 8
    Pseudônimo.
  • 9
    Versão validada do Guia GAM-BR, p. 95.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2020
  • Aceito
    23 Ago 2021
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