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Gravidade do distúrbio fonológico: julgamento perceptivo e porcentagem de consoantes corretas

Resumos

TEMA: distúrbio Fonológico. OBJETIVO: aplicar o índice de gravidade de Porcentagem de Consoantes Corretas (PCC) e verificar a correlação entre este índice e o aplicado perceptivamente pelos juízes. MÉTODO: calculou-se o índice de gravidade PCC de 50 sujeitos diagnosticados com distúrbio fonológico, após 60 juízes ouviram as provas de fonologia de cada sujeito e julgaram perceptivamente a gravidade. RESULTADO: o índice PCC aplicado aos sujeitos obteve uma variação entre 40% e 98%, com uma classificação predominante da população nos graus leve e levemente moderado. CONCLUSÃO: existe correlação entre o julgamento perceptivo dos juizes e os valores do índice PCC.

Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem; Avaliação; Diagnóstico; Gravidade


BACKGROUND: phonological disorder. AIM: to apply the percentage of correct consonant (PCC) index and to verify the correlation between this index and the one applied perceptually by judges. METHOD: the PCC index of 50 phonological disordered subjects was calculated, after 60 judges heard the phonological tests for each subject and perceptually attributed the severity. RESULTS: the PCC index varied from 40% to 98%, with the predominant classification of the population in the mild and mild-moderate levels. CONCLUSION: a correlation between the perceptual judgment and the PCC indexes exists.

Language Development Disorders; Assessment; Diagnosis; Severity


ARTIGOS DE PESQUISA

Gravidade do distúrbio fonológico: julgamento perceptivo e porcentagem de consoantes corretas** Trabalho Realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fonologia. Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP.

Haydée Fiszbein WertznerI,11 (hfwertzn@usp.br) ; Luciana AmaroII; Suzana Sumie TeramotoIII

IFonoaudióloga. Professora Livre-Docente do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenadora do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fonologia do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP

IIFonoaudióloga. Mestranda pelo Departamento de Semiótica e Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da USP

IIIFonoaudióloga

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Haydée Fiszbein Wertzner Av. Angélica, 566 apto. 61 São Paulo - SP - CEP: 01280-000.

RESUMO

TEMA: distúrbio Fonológico.

OBJETIVO: aplicar o índice de gravidade de Porcentagem de Consoantes Corretas (PCC) e verificar a correlação entre este índice e o aplicado perceptivamente pelos juízes.

MÉTODO: calculou-se o índice de gravidade PCC de 50 sujeitos diagnosticados com distúrbio fonológico, após 60 juízes ouviram as provas de fonologia de cada sujeito e julgaram perceptivamente a gravidade.

RESULTADO: o índice PCC aplicado aos sujeitos obteve uma variação entre 40% e 98%, com uma classificação predominante da população nos graus leve e levemente moderado.

CONCLUSÃO: existe correlação entre o julgamento perceptivo dos juizes e os valores do índice PCC.

Palavras-Chave: Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem; Avaliação; Diagnóstico; Gravidade.

Introdução

Estudos indicam que dentre as alterações de fala e linguagem, o distúrbio fonológico apresenta grande ocorrência na população infantil (Shriberg e Kwiatkowski, 1994; Gierut, 1998). Dessa forma, há uma grande preocupação com a fala e a linguagem de crianças que, em muitos momentos, torna-se de difícil compreensão. É recomendável que o distúrbio fonológico seja identificado durante a infância, uma vez que freqüentemente os sujeitos com distúrbio fonológico têm alteração na sensibilidade fonológica e, mais tarde, quando expostos à alfabetização, na consciência fonológica, dificultando a aprendizagem de leitura e escrita (Gierut, 1998; Wagner et al., 1999).

O distúrbio fonológico é definido como uma alteração de fala caracterizada pela produção inadequada dos sons e uso inadequado das regras fonológicas da língua, com relação à distribuição do som e ao tipo de sílaba, que resultam no colapso de contrastes fonêmicos, afetando o significado da mensagem. A causa do distúrbio é desconhecida, sendo a gravidade e a inteligibilidade de fala de graus variados (Peña-Brooks e Hedge, 2000; Wertzner, 2002).

Para o diagnóstico do distúrbio fonológico, além de se identificar o inventário fonético da criança, é necessário analisar as estruturas silábicas presentes na amostra de fala e a distribuição dos sons nessas estruturas, bem como nas palavras, apontando as regras fonológicas que a criança usa e os contrastes que ela mantém em sua fala.

Do ponto de vista lingüístico, a literatura aponta que as crianças com distúrbio fonológico têm características de fala similares, tais como inventário de sons reduzido, estruturas silábicas simples, e uso de um número limitado de processos fonológicos, em geral semelhantes aos das crianças normais, sendo que algumas usam processos idiossincráticos. As crianças com distúrbio apresentam uma aquisição fonológica em seqüência diferente da criança normal e têm dificuldades em manter os contrastes fonológicos, apresentando grande variabilidade na sua produção (Stoel-Gammon e Dunn, 1985).

Além disso, Fey (1992) comenta que um déficit na aquisição fonológica sugere dificuldades potenciais em diversos níveis, entre os quais discriminação fonética, reconhecimento de contrastes fonológicos e das representações destes contrastes no léxico, modificação dos sons padrões da fala, através do uso inadequado das regras fonológicas e articulação imprecisa, entre outros fatores.

Lamprecht (1995), aponta que a criança com distúrbio tem características próprias, tais como: maior ocorrência de processos fonológicos do que na criança com desenvolvimento normal; os processos fonológicos podem persistir por mais tempo; os processos fonológicos de início de aquisição podem ocorrer ao mesmo tempo em que os mais tardios ou até serem suprimidos mais tarde; e a maior co-ocorrência de vários processos no mesmo segmento.

Segundo Bowen (1998), o sistema fonológico de crianças com distúrbio fonológico é semelhante ao de crianças normais, sendo que em alguns casos, existem processos fonológicos não observados regularmente no desenvolvimento. Acredita-se que cada criança desenvolva sua linguagem de forma particular e com variação individual grande, embora se espere uma certa seqüência e velocidade peculiar no desenvolvimento fonológico.

A classificação da gravidade do distúrbio fonológico é uma questão muito discutida na literatura.

De acordo com Hodson e Paden (1981), o grau de gravidade de um distúrbio fonológico varia conforme o número e a qualidade de processos utilizados e o nível de ininteligibilidade da fala.

Alguns estudos refletem a preocupação com a classificação da gravidade, como o estudo de Shriberg e Kwiatkowski (1982), que aponta a necessidade de existirem procedimentos que quantifiquem a gravidade e o impacto dos distúrbios da comunicação no sistema de classificação diagnóstica, na realização de planejamentos de intervenção mais dirigidos às dificuldades do sujeito e no controle terapêutico.

Shriberg e Kwiatkowski (1982) usaram o índice de Porcentagem de Consoantes Corretas (PCC), calculado a partir de amostras de fala espontânea. Essa medida é um dos componentes do sistema de classificação do diagnóstico do distúrbio fonológico descrito pelos autores e reflete em uma escala crescente o grau de gravidade do distúrbio fonológico.

O índice de valores do PCC inclui quatro graus de gravidade: o leve, que corresponde a mais de 85% de consoantes corretas; o levemente-moderado varia entre 85% e 65%; o moderadamente severo oscila entre 50 e 65%; e, abaixo de 50%, classifica-se como severo.

No estudo citado, os autores (op. cit) avaliaram 30 amostras de fala contínua de crianças entre trê e nove anos. Aplicou-se o índice PCC e a avaliação do grau de gravidade através do julgamento perceptivo. Foi verificado que existe concordância e estabilidade no julgamento perceptivo, além de haver correspondência entre o julgamento e o índice PCC.

Em outro estudo, Shriberg et al. (1986) analisaram 114 sujeitos com distúrbio fonológico quanto à gravidade de envolvimento (medida pelo PCC) e a inteligibilidade. Concluíram que os valores do PCC em crianças pequenas com atraso fonológico não estavam consistemente associados com a idade, e que aproximadamente 80% das palavras emitidas eram inteligíveis.

Em 1991, Hodson e Paden propuseram uma classificação da gravidade, aplicando o conceito de que as alterações de fala fazem parte de um contínuo. Consideraram que:

. o grau profundo caracteriza-se por muitas omissões e algumas substituições;

. o severo apresenta muitas substituições e algumas omissões;

. o moderado tem alguns desvios das categorias leve e severo;

. e o leve mostra distorções de sibilantes e pequenas mudanças de ponto e modo.

Hodson e Paden (1991) sugeriram que o uso do índice de pontuação de distúrbio fonológico (PDS) indicaria gravidade. Esta medida é baseada na freqüência de ocorrência de processos fonológicos selecionados pela criança e é calculada a partir da produção de palavras isoladas. Esses mesmos autores realizaram um estudo cujo objetivo era comparar as medidas de gravidade PCC, PDS e percepção do ouvinte. Participaram do estudo 20 crianças com idades entre cinco e nove anos que apresentaram graus de gravidade variados. Utilizaram de dois minutos e 30 segundos a três minutos e 30 segundos de fala espontânea, sendo a criança incentivada a contar uma estória baseada em uma seqüência de cartões. Os resultados indicaram uma alta correlação entre a avaliação dos ouvintes, o PCC e PDS em palavras isoladas, sugerindo que a padronização de palavras isoladas como resposta de um teste pode ser válida e clinicamente usada como instrumento na avaliação do distúrbio fonológico.

Garret e Moran (1992) realizaram uma pesquisa na qual comparou-se o grau de gravidade do distúrbio fonológico em 20 crianças, através de cinco medidas: PDS, PCC em fala espontânea e em palavras, e análise perceptiva de dois grupos de juízes (um grupo formado por dez graduandos em educação elementar e outro grupo de dez graduandos em Fonoaudiologia). Os juízes foram instruídos a escolher o grau de gravidade de um (leve) a sete (severo) que julgassem pertinente para cada sujeito. Assim, como no estudo de Shriberg e Kwiatkowski (1982), foi encontrada alta correlação entre os índices e o julgamento perceptivo dos juízes.

Morrison e Shriberg (1992), obtiveram diferenças estatisticamente significativas entre os perfis de precisão articulatória medidos pelo índice PCC para os testes de articulação, em palavras isoladas e em fala contínua. Foram analisados todos os níveis linguísticos, incluindo a precisão, os processos fonológicos, os fonemas individuais, os tipos de erro, a posição da palavra e os alofones. Os sons estabilizados eram, com frequência, produzidos com maior precisão em fala espontânea, enquanto os sons emergenciais apresentaram maior precisão em resposta a estímulos dos testes de articulação. Em geral, a fala contínua parecia estar mais associada a erros de eliminação, especialmente de consoantes em posição final de palavra, e com aumento de erros envolvendo grupos e sílabas átonas.

Uma outra medida de gravidade fonológica é o Process Density Index (PDI) (Edwards, 1992), que é a média de processos fonológicos em uma palavra. O PDI é uma medida inversa do PCC, pois o PCC é uma medida de produção correta, enquanto o PDI é baseado em produções incorretas. Sendo o PCC uma medida binária que é baseada na simples distinção correta/incorreta, o PDI, contrariamente, leva em consideração o fato de que um único som incorreto pode resultar na aplicação de um ou mais processos. Embora necessite de maior refinamento e mais testes, o PDI pode ser visto como uma medida de grande potencial clínico para gravidade e/ou inteligibilidade fonológica. (Edwards, 1992).

Em uma pesquisa em que aplicaram o índice PCC em crianças com distúrbio fonológico, Shriberg e Kwiatkowski (1994) observaram que mais da metade das crianças (54%) enquadravam-se no grau leve-moderado, aproximadamente um terço (32%) encontravam-se no grau moderado-severo, e o restante (10% a 15%) nos graus leves e severos.

Shriberg et al. (1997) propuseram uma revisão do PCC, com o objetivo de melhor adaptá-lo para o diagnóstico diferencial dos subtipos do distúrbio fonológico. De acordo com o tipo de erro considerado, tem-se: PCC - são considerados erros as distorções comuns ou não, omissões e substituições; PCC Ajustado - não considera distorções comuns como erro; e PCC Revisado - não aceita qualquer tipo de distorção como erro. Para testar esses índices, os autores utilizaram 836 fitas de sujeitos entre três e 40 anos com fala normal ou com distúrbio, tendo como objetivo uma classificação diagnóstica baseada no instrumento denominado Sistema de Classificação de Distúrbios de Fala (SDCS). O estudo apontou que o PCC-R é a melhor medida de competência articulatória em crianças de três a oito anos, pois proporciona melhor separação entre as crianças com aquisição de fala normalizada e as com atraso de fala, e aponta somente os erros de omissão e substituição. Os autores observaram que crianças com aquisição normalizada apresentaram 37% de erros de eliminação e substituição, enquanto que as crianças com atraso tiveram 82% de erros desta ordem.

Num estudo realizado por Wertzner et al. (2001) com 22 crianças com idades entre 4:5 a 6:1, houve apenas uma ocorrência de grau severo (4,5%), sendo a maior ocorrência do grau levemente moderado com oito sujeitos (36,3%), seguido do moderadamente severo com sete sujeitos (31,8%) e grau leve com seis sujeitos (27,2%).

A aplicação da classificação de gravidade do PCC (leve, levemente-moderado, moderadamente-severo e severo), proposta por Shriberg e Kwiatkowski (1982) foi realizada para a língua inglesa. Para que possa ser aplicado à língua portuguesa há a necessidade de estudos sobre essa classificação. Nesse sentido, alguns estudos já foram realizados em crianças com desenvolvimento normal (Dias e Wertzner, 2000; Wertzner e Galea, 2002) e no distúrbio fonológico (Wertzner et al., 2001; Wertzner, 2002) com o propósito de aplicar o PCC nas populações estudadas.

Existem na literatura alguns estudos sobre a idade e o sexo mais prevalente no distúrbio fonológico, Entre estes estudos, Shriberg et al. (1999) estudaram crianças de 6;00 anos de idade, com distúrbio fonológico, e verificaram que nesta idade há prevalência de 3,8% de distúrbio fonológico, e que foi 1,5 vezes mais prevalente em meninos (4,5%) do que em meninas (3,1%).

Wertzner e Oliveira (2002) pesquisaram 20 crianças com distúrbio fonológico, sendo oito meninos e 12 meninas e encontraram que 15% dos sujeitos tinham menos de 4;00 anos, 15% tinham entre 4;00 e 4;11 anos, 40% estavam entre 5;00 e 5;11 anos, 20% entre 6;00 e 6;11 anos e 20% mais de 7;00 anos. Papp (2003) encontrou maior ocorrência de distúrbio fonológico em sujeitos do sexo masculino e com idades entre 5;00 e 7;00 anos.

O distúrbio fonológico pode ter como fatores causais: histórico familiar positivo, problemas auditivos, otites com efusão e problemas pré-natais e perinatais (Shriberg, 1999; Fox et al., 2002; Wertzner, 2002).

Como mostraram os estudos acima, para um diagnóstico mais preciso bem como e para o melhor planejamento da intervenção há a necessidade do uso de índices de gravidade que estejam associados à classificação perceptiva da gravidade. Dessa forma, o objetivo da presente pesquisa foi aplicar o índice de gravidade PCC, bem como verificar a correlação entre este índice de gravidade e o aplicado perceptivamente pelos juízes.

Método

A pesquisa foi realizada em duas partes, sendo que no primeiro momento houve a coleta de dados das provas de Fonologia e suas análises e, posteriormente, o julgamento perceptivo da gravidade pelos juízes. Dessa forma, houve aprovação da comissão de Ética para análise de Projetos de Pesquisa - CAPPesq da diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para primeira parte (protocolo 286/99) e outro para segunda parte (protocolo 950/00). Todos os responsáveis pelos sujeitos participantes desta pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Sujeitos

Participaram da pesquisa 50 sujeitos com distúrbio fonológico, entre 4;00 e 11;00 anos de idade, que foram diagnosticados no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fonologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A pesquisa contou com 60 juízes, alunos de graduação e pós-graduação em Fonoaudiologia, sendo 12 juízes do primeiro ano (grupo J1), 12 do segundo ano (grupo J2), 12 do terceiro ano (grupo J3), 12 do quarto ano (grupo J4), e 12 mestrandos fonoaudiólogos (J5).

Procedimento

Após o diagnóstico do distúrbio fonológico e a assinatura do termo de consentimento pós-informação, foram utilizados os protocolos de fonologia do Teste de Linguagem Infantil ABFW (Wertzner, 2000) para o cálculo do índice PCC, proposto por Shriberg e Kwiatkowski (1982), com as adaptações para o português conforme indicado por Wertzner (2002).

Assim, para calcular o PCC deve-se considerar somente as consoantes que a criança teve intenção de produzir na palavra. Não devem ser contadas as consoantes cuja sílaba foi repetida na palavra e também aquelas que ocorreram em palavras parciais, completamente ininteligíveis ou cuja clareza é questionável. Não deve ser computado o acréscimo de consoante antes de vogais, pois está se considerando somente consoante.

No Quadro 1 estão os tipos de mudanças nos sons consonantais considerados como incorretos na presente pesquisa. Como ressaltaram Shriberg e Kwiatkowski (1982), para uma criança com erros na fala só se deve computar um som como correto quando se tiver certeza de que ele foi produzido adequadamente. Portanto, sons questionáveis devem ser colocados como errados. As variantes regionais, alofones e junções intencionais feitas pela criança devem ser consideradas corretas.


Para calcular o PCC é preciso contar as consoantes das palavras realmente produzidas pela criança. Caso o paciente deixe de falar alguma palavra, as consoantes da mesma devem ser descontadas para o cálculo. A classificação do PCC determinada por Shriberg e Kwiatkowski (1982) é: leve - acima de 85%; levemente-moderado - entre 65% e 85%; moderadamente severo - de 50 a 65% e, severo abaixo de 50%.

A seguir, foi realizada a apresentação das fitas de vídeo com a gravação das provas de fonologia para os juízes. As gravações foram realizadas em vídeo digital da marca Sony modelo CCD-TRV66 e foram editadas conforme a ordem de apresentação selecionada. Para assistir as gravações os grupos de juízes foram rearranjados, compondjo dessa forma três grupos, cada um composto por quatro juízes do J1, J2, J3, J4 e J5, totalizando 20 juízes por grupo. Para cada grupo foi feito um sorteio para a ordem de apresentação das gravações dos sujeitos, de forma que um mesmo sujeito não fosse apresentado na mesma ordem para os três grupos.

Os grupos de juízes foram reunidos para três sessões, cada uma de uma hora e trinta minutos de duração, onde foram apresentadas as fitas dos sujeitos para que indicassem a gravidade. As informações de idade e sexo da criança foram fornecidas. Depois de ouvir atentamente às gravações, os juízes preencheram o protocolo referente ao grau de gravidade que considerassem pertinente para cada sujeito entre as seguintes possibilidades: leve, levemente-moderado, moderadamente-severo e severo.

Para verificar a associação entre as variáveis foram utilizadas a Correlação de Spearman e a Estatística Kappa. A Estatística Kappa mede a concordância entre as variáveis (Kappa »1, concordância máxima). A Correlação de Spearman indica a dependência entre as variáveis. A intensidade da associação é dada pelo coeficiente de correlação.

Para verificar a igualdade das respostas dos juízes para o julgamento da gravidade e da inteligibilidade foi usada a análise de variância ANOVA com medidas repetidas em um fator (há igualdade entre as médias se p = 0,050), sendo realizada as comparações múltiplas pelo método de Bonferroni quando observou-se diferenças entre as médias dos grupos (há igualdade se p = 0,050).

Resultados

Classificação da gravidade pelo PCC

A Tabela 1 mostra os valores descritivos do índice PCC nas duas provas do teste de Fonologia do Teste de Linguagem Infantil ABFW (Wertzner, 2000) e o valor para o total das duas provas. Nas Figuras 1 e 2 pode-se observar o número de sujeitos em cada um dos graus de gravidade propostos por Shriberg e Kwiatkowski (1982), verificando-se que a distribuição dos sujeitos quanto ao grau de gravidade foi semelhante nas duas provas.



Julgamento perceptivo da gravidade

Os juízes de cada grupo classificaram a gravidade dos sujeitos de acordo com os graus solicitados. A Figura 3 mostra a classificação, considerando a moda do julgamento dos 60 juízes. Nota-se que a maior parte dos sujeitos foi classificada como leve e levemente moderado.


Foram realizadas análises inferenciais dos julgamentos perceptivos da gravidade de fala, conforme aplicado pelos cinco grupos de juízes aos 50 sujeitos com distúrbio fonológico, que verificaram a igualdade das resposta dos grupos de juízes.

A fim de verificar a igualdade das respostas dadas pelos juízes dos cinco grupos, utilizou-se a análise de Variância com medidas repetidas em um fator. A um nível de significância de 5%, conclui-se que há evidências de diferença entre os cinco grupos (p < 0,001). Para verificar quais os grupos que diferiram entre si utilizou-se às comparações múltiplas pelo Método de Bonferroni (Tabela 2), onde se observou que, em média, o J1 se diferenciou apenas do J4. O J2, em média, apresentou respostas diferentes do J3, do J4 e do J5. Os juízes do J3, em média, classificaram a gravidade da mesma forma que o J5, e de forma distinta que o J4. Por fim, o J4 e o J5, em média, não apresentaram as mesmas respostas na classificação da gravidade.

Valor médio de PCC de acordo com o julgamento perceptivo da gravidade

Considerando o grau de gravidade atribuído pelos juízes aos sujeitos e o valor calculado de PCC, obteve-se o PCC médio para a amostra estudada. Na Tabela 3 observa-se o PCC médio para cada grupo de juízes e na Tabela 4 o valor médio para a amostra estudada pelos 60 juízes.

Associação entre o índice PCC e a gravidade aplicada pelos juízes

As Figuras 3 a 8 mostram o Boxplot entre o PCC e o julgamento perceptivo da gravidade aplicado pelos juízes. Pode-se observar que, à medida que se aumenta o julgamento da gravidade diminui o PCC em todos os grupos de juízes.


Para verificar a associação entre o índice PCC e o julgamento perceptivo da gravidade utilizou-se a Correlação de Spearman, considerando os valores do PCC dos 50 sujeitos com distúrbio fonológico e os escores médios de gravidade atribuídos pelos juízes de cada grupo. A Tabela 5 mostra os valores obtidos, que apontam alta correlação negativa entre o PCC e o julgamento da gravidade para todos os grupos, sendo o p < 0,001 em todas as situações. Assim, quanto maior o escore de gravidade atribuído pelos juízes menor o PCC observado.

O acordo entre os juízes para o julgamento da gravidade foi estudado tanto inter como intragrupos, pela estatística Kappa, que mede a concordância entre as variáveis (Kappa ~1, concordância máxima). Os resultados encontram-se nas Tabelas 6 e 7. Observa-se que nas duas situações a concordância foi leve.

Discussão

Os resultados mostraram que o índice PCC (Shriberg e Kwiatkowski, 1982) aplicado aos sujeitos com distúrbio fonológico, falantes do português, obteve uma variação entre 40% e 98%, com uma classificação da população predominantemente nos graus leve e levemente moderado. Esses dados estão de acordo com os descritos para a língua inglesa em que os graus moderadamente severo e severo são menos detectados nas crianças com distúrbios fonológicos (Shriberg et al., 1986; Shriberg e Kwiatkowski, 1994).

Considerando o estudo realizado com crianças falantes do português, sem queixa em relação à aquisição do sistema fonológico, Dias e Wertzner (2000) observaram que: para crianças com 4:1 anos, o PCC médio era de 87%; para as de 4:7, anos, o PCC médio era de 91%; e, para as de 5:1 anos, o PCC médio era de 93%. Assim, verificou-se que as crianças com distúrbio fonológico, na presente pesquisa, estavam abaixo do esperado em comparação às crianças sem queixa.

Uma vez que o índice PCC foi estudado em sujeitos falantes da língua inglesa, e comparado ao julgamento de fonoaudiólogos americanos, na presente pesquisa, além da aplicação do índice como foi mostrado acima, observou-se como alunos de graduação e mestrandos (J1, J2, J3, J4 e J5) em Fonoaudiologia classificavam perceptivamente os distúrbios fonológicos apresentados pelos sujeitos estudados.

De acordo com o julgamento dos juízes dos cinco grupos, em ordem crescente de número de sujeitos, registrou-se a classificação levemente-moderada, leve, moderadamente-severa e severa. Comparando os grupos de juízes, verificou-se que, em média, as respostas dos grupos foram diferentes para os 50 sujeitos. Percebe-se que a diferença ocorreu para o grupo J4, ou seja, os alunos do quarto ano do curso de Fonoaudiologia tiveram um julgamento diferente dos outros grupos. Isso pode ter ocorrido pelo fato de, no momento da coleta dos dados, estarem iniciando o seu processo de treinamento em diagnóstico e tratamento dos distúrbios fonológicos e terem sido mais rigorosos e críticos em relação à expectativa dos sujeitos.

A correlação entre o valor de PCC dos sujeitos e os valores médios do julgamento de gravidade de cada grupo de juízes foi alta. Isso mostrou que, conforme diminuiu o valor de PCC, mais grave foi a gravidade atribuída pelos juízes. Esse dado indica que o julgamento perceptivo dos juízes pode ser usado no diagnóstico do distúrbio fonológico. Resultado semelhante foi encontrado por Shriberg e Kwiatkowski (1982); Garret e Moran (1992).

O PCC médio dos sujeitos, de acordo com o grau de gravidade atribuído pelos grupos de juízes, mostrou que, para todos os grupos, os PCCs médios dos graus leve e levemente-moderado ficaram muito próximos, o mesmo acontecendo com os graus moderadamente-severo e severo. Isso pode ter ocorrido pela dificuldade que há em se determinar perceptivamente pequenas diferenças medidas objetivamente. É importante ressaltar que, em média, os valores de PCC foram decrescentes em função do aumento do grau de gravidade atribuídos pelos grupos de juízes, com exceção do grupo J4. O PCC médio para os 60 juízes mostrou diferença entre os quatro graus de gravidade, porém esses valores foram muito próximos, não apresentando semelhança com os valores indicados por Shriberg e Kwiatkowski (1982).

Embora a classificação da gravidade seja importante para orientar o tratamento do distúrbio fonológico, é importante ressaltar a relevância do índice de gravidade PCC como marcador da normalização do sistema fonológico apresentado pelos sujeitos com distúrbio e usado para o controle comparativo ao longo do tratamento (Wertzner et al., 2001; Pagan e Wertzner, 2002). Destaca-se ainda que o índice PCC e suas variações (Shriberg et al., 1997; Shriberg, 1999; Shriberg et al. 2000a; 2000b) estão sendo usados na classificação dos vários subtipos de distúrbio fonológico, independentemente dos adjetivos que os classifiquem.

Como mostrado acima, o julgamento perceptivo da gravidade e o PCC apresentaram correlação, apontando para a importância do julgamento pelo fonoaudiólogo clínico. O estudo da concordância intragrupo para o julgamento perceptivo da gravidade do distúrbio fonológico indicou que, embora haja associação entre o julgamento dos juízes, a concordância é fraca, ou seja, nem sempre os juízes do mesmo grupo possuem o mesmo critério de julgamento. O mesmo foi válido para o estudo intergrupo. Essa baixa concordância entre os juízes destaca a necessidade do uso de índices padronizados que indiquem o grau associado à classificação da gravidade.

Conclusão

O estudo realizado evidenciou a correlação entre o julgamento perceptivo dos juízes e os valores do índice PCC. Dessa forma, a utilização do índice PCC para classificar a gravidade do distúrbio fonológico mostrou-se um bom instrumento, tanto como auxiliar no diagnóstico como para o bom acompanhamento do tratamento.

Recebido em 1.08.2003.

Revisado em 10.11.2003; 30.08.2004; 14.12.2004.

Aceito para Publicação em 29.12.2004.

Artigo de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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  • Endereço para correspondência:
    Haydée Fiszbein Wertzner
    Av. Angélica, 566 apto. 61
    São Paulo - SP - CEP: 01280-000.
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    Trabalho Realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Fonologia. Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      29 Dez 2004
    • Revisado
      14 Dez 2004
    • Recebido
      01 Ago 2003
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