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O Witz de Freud nas (re)traduções brasileiras: como traduzir chistes, chanças e trocadilhos

Freud’s Witz in the Brazilian (re)translations: how to translate jokes, wits and wordplays

Resumo

Este artigo se propõe a discutir algumas questões de interesse tradutológico referentes às três traduções brasileiras (1950; 1977; 2017) da obra Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten, de Sigmund Freud - cuja primeira publicação data de 1905. Parte-se de argumentos expostos em um debate entre o poeta e tradutor brasileiro Haroldo de Campos e o tradutor francês de Freud, Jean Laplanche, acerca das possibilidades de traduzir os chistes citados por Freud no referido livro, para identificar as diferentes estratégias adotadas pelos tradutores brasileiros. Longe de apresentar uma análise completa das diversas versões ou um cotejo exaustivo entre o original e as três (re)traduções, o que este trabalho visa é defender que elas constituem aproximações diferentes - porém todas válidas e potencialmente relevantes para o leitor-alvo - em relação a determinados aspectos da obra “original”.

Palavras-chave:
chiste; Tradução; Sigmund Freud

Abstract

This article proposes to discuss some aspects of translation of the three Brazilian versions (1950, 1977, 2017) of Sigmund Freud's Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten, whose first publication dates from 1905. Based on arguments presented during a debate between the Brazilian poet and translator Haroldo de Campos and the French translator of the work of Freud, Jean Laplanche, on the possibilities of translating the jokes mentioned by Freud in his book, different strategies adopted by the Brazilian translators are identified. Far from trying to present an exhaustive analysis of the different versions or a comparison between the original and the three (re)translations, it is argued that they are different approaches about certain aspects of the "original" work, all of them valid and potentially relevant to the Brazilian reader.

Keywords:
jokes; wits; translation; Sigmund Freud

Zusammenfassung

In diesem Beitrag werden einige übersetzungsrelevante Aspekte der drei brasilianischen Versionen (1950, 1977, 2017) von Sigmund Freuds Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten (1905) diskutiert. Ausgehend von Argumenten, die vom brasilianischen Dichter und Übersetzer Haroldo de Campos und dem französischen Übersetzer des Werks Freuds, Jean Laplanche, während eines Gesprächs über die Übersetzungsmöglichkeiten der von Freud zitierten Witze vorgebracht wurden, werden verschiedene Strategien der brasilianischen Übersetzer in Hinblick auf die von Freud zitierten Witze besprochen. Es wird keine erschöpfende Analyse oder ein endgültiger Vergleich zwischen dem Original und den Übersetzungen angestrebt, sondern signalisiert, dass die drei brasilianischen (Neu-)Übersetzungen zwar unterschiedliche, aber potenziell relevante Lesarten des „Originals" sind.

Stichwörter:
Witz; Übersetzung; Sigmund Freud

1 Introdução

Enquanto ainda se debruçava sobre pesquisas e trabalhos preparatórios para sua obra-prima A interpretação dos sonhos [Die Traumdeutung], publicada pela primeira vez em 1900, Sigmund Freud escreveu a seu amigo Wilhelm Flieβ, que residia em Berlim, contando que se dedicava, simultaneamente, a uma coleção de chistes judaicos. Na mesma carta, menciona também que os sonhos que passavam por seu consultório tinham muitas vezes um caráter chistoso e que sua hipótese era a de que os processos inconscientes estavam marcados por uma forte tendência ao cômico (Gay, em Freud 2010Gay, Peter. Einleitung. In: Freud, Sigmund. Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten. 2. ed. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch Verlag, 2010. p. 7-22.: 7). Com base nessas reflexões, Freud deu início a estudos mais aprofundados sobre questões ligadas ao cômico, ao chistoso e ao humor. Os resultados foram publicados em 1905 no livro O chiste e sua relação com o inconsciente [Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten]. De acordo com Gay, trata-se de um trabalho fundamental no contexto da teoria psicanalítica freudiana, porém ainda “injustamente negligenciado” (Gay, em Freud 2010: 8).

Ao lado de A interpretação dos sonhos e Sobre a psicopatologia da vida cotidiana [Zur Psychopathologie des Alltagslebens] (primeira edição em alemão em 1901), O chiste... é uma obra complementar importante para o entendimento da teoria do inconsciente freudiana. Inspirado pela leitura de Komik und Humor: eine psychologisch-ästhetische Untersuchung [O cômico e o humor: uma investigação psicológico-estética],1 1 Sem tradução brasileira; a tradução do título é nossa. de Theodor Lipps (1898Lipps, Theodor. Komik und Humor. Eine psychologisch-ästhetische Untersuchung. Hamburg: L. Voss, 1898.), Freud iniciou seus estudos sobre o chiste no mesmo ano da publicação de Lipps, lançando mão de obras literárias humorísticas (Cervantes, Molière, Heine) e de outros textos teóricos sobre o humor,2 2 Tais como, por exemplo, Über den Witz, de Kuno Fischer (1897); e Witzige und satirische Einfälle, de Georg Christoph Lichtenberg (1853). além de sua própria coleção de chistes. O livro que resultou desses estudos é dividido em três partes: uma analítica (dedicada às diversas técnicas e tendências do chiste), uma sintética (que explica a relação entre o chiste e o riso e o mecanismo do prazer) e, por fim, uma teórica (que desenvolve a teoria freudiana sobre o chiste, definindo-o como uma das manifestações do inconsciente).

Atualmente, o livro O chiste... continua sendo uma referência para estudos sobre o humor e o cômico. Além disso, é interessante notar que cumpre uma função importante como fonte de chistes, sobretudo aqueles de temática judaica.3 3 É ilustrativo pela popularidade atual da seleção de chistes de Freud que no site Wikipedia, na entrada “jüdische Witze” (Disponível em: <https://de.wikipedia.org/wiki/J%C3%BCdischer_Witz>. Acesso em: 25 maio 2018), a definição que se encontra é justamente a que o fundador da psicanálise deu para esse gênero: “São histórias criadas por judeus e dirigidas contra características judias. Os chistes sobre judeus feitos por não judeus são em sua maioria anedotas brutais em que o chiste é salvo pelo fato de que o judeu aparece ao estrangeiro como figura cômica. Os chistes sobre judeus originados entre os judeus também admitem isso, mas eles conhecem os seus verdadeiros defeitos, bem como a relação destes com as suas qualidades, e a participação da própria pessoa naquilo que está sendo criticado fornece as condições subjetivas da elaboração do chiste, algo que de outro modo dificilmente se conseguiria” (Freud 2017: 160). Na introdução a uma recente edição em língua alemã (Freud 2010Freud, Sigmund. Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten. 2. ed. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch Verlag, 2010.), Peter Gay - autor de uma notória biografia do fundador da psicanálise (2012Gay, Peter. Freud: Uma vida para o nosso tempo. Tradução de Denise Bottmann. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.) - enfatiza que a obra é não só peça fundamental para entender o modelo teórico da psicanálise de Freud, como também uma coleção de “excelentes chistes” (Gay, em Freud 2010: 8). Desse modo, em Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten, o leitor em língua alemã tem acesso tanto a uma teoria do chiste como a muitos chistes, potenciais fontes de riso também para a contemporaneidade.

Para a análise aqui proposta, que se concentra na forma como os chistes citados por Freud chegam ao leitor brasileiro, é relevante mencionar ainda a maneira como eles são apresentados ao longo do livro. Cada novo chiste é introduzido geralmente de acordo com a mesma sequência: após citá-lo na íntegra (extraindo-o de uma obra literária ou teórica ou da própria memória), Freud o comenta e explica o seu funcionamento. A esse segundo passo, ele denomina “redução”. Ou seja, o leitor tem primeiramente contato com um exemplo específico do gênero “chiste” (capaz de provocar riso), para, depois, ser induzido a uma reflexão teórica acerca do funcionamento e/ou da função social desse chiste.

A propósito da redução, Freud discorre:

Para descobrir a técnica [do] chiste, temos de aplicar a ele aquele procedimento de redução que anula o chiste mudando a expressão e, para isso, introduz novamente o sentido original completo, tal como pode ser inferido com segurança de um bom chiste (Freud 2017Freud, Sigmund. O chiste e sua relação com o inconsciente. Tradução de Fernando Costa Mattos e Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.: 36-37).4 4 Do ponto de vista tradutológico, é possível entender esse procedimento de Freud como uma forma de “tradução intralingual”, segundo a definição de Roman Jakobson (1959).

O chiste a seguir, contado e analisado por Freud, pode ilustrar melhor o que se entende por “redução”:5 5 No caso desse chiste, os três tradutores brasileiros chegaram a soluções bastante semelhantes. Usou-se aqui a versão mais recente, de Mattos e Souza (2017).

“Viajei tête-à-bête com ele.” Nada mais fácil do que reduzir esse chiste. Evidentemente, ele só pode significar: “Viajei tête-à-tête com X, e X é uma besta”.

Nenhuma das duas frases é chistosa. Se as juntamos numa frase: “Viajei tête-à-tête com a besta do X”, essa é tão pouco chistosa quanto aquelas. O chiste apenas se estabelece quando a “besta” é deixada de fora e, para substituí-la, o “t” de uma tête é transformado em um “b”, uma pequena modificação que é suficiente para trazer novamente à expressão a “besta” suprimida (Freud 2017Freud, Sigmund. O chiste e sua relação com o inconsciente. Tradução de Fernando Costa Mattos e Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.: 39-40).

Como fica claro nesse exemplo, a força do chiste reside na sua forma:

Mas na aplicação do procedimento de redução, que visa reverter o processo de condensação, descobrimos também que o chiste reside apenas na expressão verbal produzida pelo processo de condensação (Freud 2017Freud, Sigmund. O chiste e sua relação com o inconsciente. Tradução de Fernando Costa Mattos e Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.: 44; ênfase nossa).

Ou seja, a redução do chiste leva, na maioria dos casos, à eliminação do riso, pois o potencial chistoso e/ou cômico está intrinsecamente ligado à forma como se conta. Mudá-la ou explicá-la extingue o riso.6 6 Freud distingue um grande número de tipos de chistes que reagem de modo diferente à redução. O aprofundamento nessa ampla variedade extrapolaria, porém, o objetivo e o recorte deste artigo. Porém, a redução é considerada necessária por Freud, para obter avanço em suas análises, já que “[q]uando alguém ri sinceramente de um chiste, não está na disposição mais adequada pra investigar a sua técnica” (Freud 2017: 72-73).

Segundo Freud, a “fonte de onde o chiste extrai o prazer” (Freud 2017Freud, Sigmund. O chiste e sua relação com o inconsciente. Tradução de Fernando Costa Mattos e Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.: 185) tem suas raízes no “jogo” da criança, quando “ela aprende a usar as palavras e juntar os pensamentos”, topando “com efeitos prazerosos que resultam da repetição do semelhante, do reencontro do conhecido, da semelhança sonora etc.” (Freud 2017: 183). Tais “efeitos prazerosos impulsionam a criança ao hábito do jogo e lhe permitem continuar com eles sem levar em conta o significado das palavras e o contexto das frases”. Contudo, esse jogo perde força com o aumento do senso crítico e da racionalidade da criança: “o jogo é agora descartado como sem sentido ou completamente absurdo; em virtude da crítica, ele se torna inviável” (Freud 2017: 183). O chiste seria, portanto, uma possibilidade de reativar o prazer experimentado quando criança e um modo de eliminar (mesmo que apenas temporariamente) a força da crítica racional: “[o] desenvolvimento posterior em direção ao chiste é regido por dois esforços: evitar a crítica e substituir o ânimo” (Freud 2017: 184).

Ao fazer seguir a cada chiste citado sua redução, Freud ilustra sua própria teoria, mostrando a força da crítica racional, que costuma resultar na eliminação do efeito prazeroso provocado pelo chiste.

2 O termo Witz em tradução

Assim como todas as demais obras de Freud, O chiste e sua relação com o inconsciente já foi discutida diversas vezes sob o ponto de vista tradutório. Exemplo notório são os debates acerca do termo Witz, “uma das palavras de mais difícil tradução da língua alemã”, conforme observa Ernani Chaves numa extensa nota de tradutor que agrega ao texto “O humor” [Der Humor], na coletânea Freud - Arte, literatura e os artistas (N.T. de Chaves, em Freud 2015: 281). Conforme resume Chaves, essa dificuldade resulta da ambiguidade do termo alemão, que pode ser entendido tanto no seu “uso mais cotidiano, o de ‘gracejo’ ou ‘piada’, tal como um Witzblatt ou um ‘jornal de piadas’”, mas também no “sentido que lhe foi dado pelos Primeiros Românticos, cuja presença no pensamento de Freud é fundamental” (Ibidem). Ou seja, além de remeter à piada no sentido mais comum, o vocábulo refere-se também a “uma espécie de pensamento fulgurante, que no mesmo instante em que aparece, iluminando o que chamamos de real, desaparece” (Ibidem). Em O chiste..., Freud cita tanto piadas simples quanto chistes mais sublimes e intelectuais - e é justamente esse amplo leque semântico da palavra Witz que traz dificuldades para os tradutores das mais diversas línguas.

Para ilustrar esses problemas e tendo em vista que as traduções em língua inglesa têm certa importância para as publicações da obra freudiana em solo brasileiro, serão resumidos aqui os aspectos mais significativos das diversas escolhas tradutórias para o termo Witz em inglês: na primeira edição estadunidense, de 1916, Abraham Arden Brill optou por traduzir o título como Wit and its Relation to the Unconscious, dando destaque ao gracejo intelectual - “no sentido como dizemos que alguém ‘tem espírito’, ou ‘é uma pessoa espirituosa’, ou ‘faz tiradas oportunas’” (Roudinesco; Plon 1998: 114). Na renomada The Standard Edition, o britânico James Strachey (1960) decidiu-se pelo título Jokes and their Relation to the Unconscious, “que ampliou a significação do termo, estendendo-o até a blague, a brincadeira ou a farsa, com o risco de dissolver o dito espirituoso, ou seja, o aspecto intelectual do Witz freudiano” (Ibidem). Tais decisões tradutórias envolvem não apenas o campo terminológico: podem também esconder controvérsias ideológicas. Como apontam Elisabeth Roudinesco e Michel Plon (1998), em seu Dicionário de Psicanálise, no caso das traduções de Brill e Strachey, houve uma briga entre os psicanalistas ingleses e americanos sobre a apropriação da obra freudiana. A estratégia de Brill, por sua vez, foi adaptar a obra de Freud à “mentalidade norte-americana, transformando, por exemplo, chistes judaicos em piadas americanas”, enquanto Strachey procurou direcionar a fidelidade da sua tradução para a tradição vienense e o texto de origem (Roudinseco; Plon 1998Roudinseco, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.: 114).7 7 Também em língua francesa houve divergências nas traduções do termo Witz, igualmente aliadas a debates ideológicos mais abrangentes sobre a interpretação da obra do fundador da psicanálise (cf. Roudinseco; Plon; 1998: 114). Como esses debates não foram relevantes para as traduções do título da obra no Brasil, não são contemplados neste artigo.

Desde a primeira tradução brasileira, as editoras têm optado por seguir a tradição espanhola que traduz Witz como chiste, embora, como frisa Chaves, “[a]lguns intérpretes brasileiros, seja do Romantismo alemão, seja da relação de Freud com o Romantismo, preferem não traduzir Witz” (N.T. de Chaves, em Freud, 2015Freud, Sigmund. Arte, literatura e os artistas. Obras incompletas de Sigmund Freud. Tradução de Ernani Chaves. São Paulo: Autêntica, 2015.: 281). Ainda de acordo com Chaves, o termo “chiste”, além de ter sido assimilado no contexto psicanalítico brasileiro, não está “inteiramente distante do sentido que Freud lhe atribuiu”, pois mantém “da sua origem espanhola [...] a ideia de uma piada que se conta rapidamente, que é curta, ligeira, de tal modo que quanto mais rápida, menos nos damos conta de seu ‘conteúdo de verdade’” (Ibidem).

3 As (re)traduções brasileiras de Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten

A primeira tradução de Der Witz... no Brasil foi lançada pela editora Delta em 1950, como volume VII das Obras completas de Sigmund Freud. O título do livro tornou-se O chiste e sua relação com o inconsciente, e o nome do tradutor consta como Dr. C. Magalhães de Freitas. Como era comum nessa época, não há nenhum paratexto do tradutor nem qualquer informação sobre a língua de partida (a coleção inteira tem diversos tradutores, que tomaram por base edições em francês, espanhol e alemão). Numa primeira leitura atenta e em cotejo com o original em alemão, salta aos olhos que Magalhães de Freitas optou repetidas vezes pela omissão de trechos e até de parágrafos inteiros (por exemplo, nas páginas 20, 33, 35, 37, 40, 42, 75, 82 da tradução brasileira).

A segunda tradução brasileira,8 8 Essa segunda tradução é, também, a primeira retradução da referida obra de Freud no Brasil, já que “[t]oda tradução feita depois da primeira tradução de uma obra [é [...] uma retradução” (Berman 2017: 262). Para uma discussão mais aprofundada sobre o estatuto da retradução, cf. Berman (2017). de Jayme Salomão,9 9 Da contracapa do livro (Freud 1977) consta a seguinte informação: “Traduzido do Alemão e do Inglês sob a Direção-Geral e Revisão Técnica de Jayme Salomão”. Na página seguinte, lemos: “Tradução: Margarida Salomão”. Não sabemos qual é o grau de parentesco entre Jayme Salomão e Margarida Salomão, nem temos maiores informações sobre a real autoria da tradução. Porém, as indicações apresentadas permitem levantar a hipótese de que se trata de mais um caso de “apagamento” de uma tradutora, em prol do “diretor geral e revisor técnico” Jayme Salomão. data de 1977 e saiu pela editora Imago, que publicou uma versão dos 24 volumes da já afamada Standard Edition, organizada por James Strachey. O volume VIII da Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud tem o título Os Chistes e Sua Relação com o Inconsciente e parte integralmente da tradução de Strachey, mencionada anteriormente. Isso explica tanto a opção pelo plural (“os chistes”) - que não se verifica no título em alemão - como a inclusão da tradução do Prefácio, escrito originalmente na edição britânica para o público de língua inglesa, e das notas de Strachey, que, em alguns casos, se dirigem explicitamente ao leitor de inglês.10 10 Como não cabe aqui um maior aprofundamento nessa questão, ficaremos com apenas dois exemplos para ilustrar os efeitos de algumas escolhas tradutórias de Salomão (Freud 1977) para o leitor brasileiro: há notas de Strachey que se dirigem explicitamente a outro público-alvo (“[...] Cremos que será mais fácil para os leitores ingleses .... [...”]; p. 53) e com comentários acerca das dificuldades da tradução para o inglês, mesmo quando a versão para o português do mesmo trecho não apresenta maiores dificuldades (por exemplo, no que se refere ao termo “tomar” e sua ambiguidade semântica; p. 68). Ou seja, o texto de partida da tradução de Salomão foi a tradução de Strachey, não o livro escrito em língua alemã por Freud (numa de suas notas de tradutor, Salomão se refere explicitamente à tradução de Strachey como “original” [Freud 1977: 114]).

Em 2017, veio a público a terceira tradução brasileira, de Fernando Costa Mattos e Paulo César de Souza. Trata-se do volume VII da série Sigmund Freud - Obras completas, lançada pela Companhia das Letras. Conforme o paratexto de Souza, organizador da edição, seria essa a “primeira, em língua portuguesa, traduzida do original alemão” (Souza em Freud 2017: 9), com base nas Gesammelte Werke [Obras completas] publicadas em Londres entre 1940 e 1952. Souza ainda salienta que não foram utilizadas “as duas versões das obras completas já aparecidas em português, das editoras Delta e Imago, pois essas não teriam sido traduzidas do alemão, e sim do francês e do espanhol (a primeira) e do inglês (a segunda)” (Ibidem: 11-12). No mesmo paratexto - reproduzido em todos os volumes da coleção - há alguns comentários sobre a função das notas dos tradutores (Ibidem: 11) e sobre a tradução de termos técnicos da psicanálise (Ibidem: 12),11 11 Devido a sua atualidade e disponibilidade para o leitor brasileiro, usa-se, neste artigo, essa tradução como fonte para as citações quando o objetivo não for o cotejo das diversas traduções de chistes. porém nenhuma menção a dificuldades ou escolhas tradutórias.

Temos, portanto, no mercado brasileiro, três traduções de Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten, as duas retraduções aparentemente elaboradas sem lançar mão da(s) versão(ões) já existente(s) no momento de sua publicação.

4 Duas opções de tradução dos Witze de Freud

Numa conversa que ocorreu em São Paulo, em 1993, gravada durante o Evento Jean Laplanche,12 12 Traduzir: Jean Laplanche & Haroldo de Campos (1995). Haroldo de Campos, poeta, tradutor e teórico de tradução brasileiro, e Jean Laplanche, psicanalista e tradutor da obra freudiana para o francês, divergem sobre a maneira como os chistes (Witze) que constam do referido livro de Freud deveriam ser traduzidos. Enquanto Laplanche - que monopoliza boa parte da conversa - defende que tais chistes não tenham como objetivo provocar o riso dos leitores, mas sim explicar e ilustrar a técnica e o mecanismo do riso, Haroldo de Campos entende que seria possível e desejável empreender uma “transcriação”13 13 Sobre o pensamento haroldiano em relação à tradução e à “transcriação”, veja Tápia, Nóbrega (2013). dos chistes, ou seja, uma tradução que procure recriar na língua de chegada o efeito cômico - muitas vezes ligado a aspectos formais e/ou linguísticos.

Nessa mesma conversa, Laplanche estabelece uma diferenciação entre duas maneiras de tradução: a primeira seria a “tradução poética” - que Haroldo de Campos prefere chamar de “transcriação” -, a qual procuraria recriar em outra língua as características formais (poéticas, cômicas, rítmicas etc.). Um exemplo que Laplanche cita para ilustrar o funcionamento desse tipo de tradução são as soluções que o primeiro tradutor de Freud para o inglês (Brill) encontrou para apresentar ao leitor de língua inglesa alguns dos sonhos descritos por Freud: em vários casos, Brill substituiu o relato de um sonho feito por um falante de alemão e citado por Freud por outro obtido de um falante de inglês e, por isso, mais acessível, compreensível, para o leitor da tradução.

A segunda maneira aludida por Laplanche seria ”traduzir Freud como uma obra teórica”, usando a “tradução literal”. De acordo com o psicanalista francês, essa poderia até ser considerada uma “tradução boba”, pois privilegiaria a dimensão semântica, em detrimento das características formais. Laplanche reconhece que a psicanálise “se aproxima de certo modo da poesia”, pois entende “a questão da forma da linguagem” como “muito importante” nessa área, já que “o inconsciente se manifesta por meio de certas formas verbais”. Ainda assim, defende essa segunda maneira de traduzir, que poderíamos chamar de “tradução de interesse teórico”, mesmo tratando-se da tradução dos chistes, como a mais adequada, pois os leitores dessa obra estariam interessados não em rir dos diversos chistes, mas sim em entender os seus mecanismos nos termos propostos por Freud. Ou seja, tais chistes teriam unicamente a função de ajudar o leitor a entender as reflexões freudianas a propósito das técnicas do chiste, e a perda da comicidade não seria algo problemático.14 14 Os posicionamentos divergentes de Haroldo de Campos e Jean Laplanche em relação à tradução dos chistes freudianos refletem uma dicotomia presente em teorizações e teorias de tradução desde a Antiguidade romana, quando Cícero estabelece uma diferença entre ut interpres e ut orator, até a contemporaneidade, quando Eugene Nida propõe uma distinção entre “tradução formal” e “tradução dinâmica”, e, posteriormente, Christiane Nord discerne “tradução documento” de “tradução instrumento”. (Para um panorama geral sobre a história das teorias de tradução, cf., por exemplo, Pym 2010).

Vale mencionar a posição do próprio Freud acerca da questão da tradução de chistes. Em nota acrescentada à obra na segunda edição, de 1912, ele apresenta e discute um chiste do tipo “uso múltiplo do mesmo material” (que emprega uma mesma palavra em diversos sentidos de uso):

Nele [no chiste citado15 15 O chiste ao qual Freud se refere aqui é de Oliver Wendell Holmes. Freud o acrescentou à segunda edição de sua obra em língua alemã, de 1912, indicando a tradução de Brill como fonte. Seu teor é o seguinte: “‘Put not your trust in Money, but put your money in trust’ [Não deposite sua confiança no dinheiro, mas confie seu dinheiro a um depósito (com juros)]” (Freud 2017: 50). ] se anuncia uma oposição que não se produz. A segunda parte da frase cancela a oposição. De resto, eis um bom exemplo da intraduzibilidade dos chistes que usam essa técnica (Freud 2017Freud, Sigmund. O chiste e sua relação com o inconsciente. Tradução de Fernando Costa Mattos e Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.: 51; ênfase nossa).

O fato de Freud entender como “intraduzíveis” os trocadilhos e chistes que trabalham com a ambiguidade semântica dos termos talvez explique sua opção por não traduzir chistes - na versão alemã do livro, há inúmeros chistes citados em inglês, francês, italiano e latim, todos sem tradução para o alemão. Na edição de 1912, ele acrescenta à sua obra um considerável número de chistes em inglês oriundos das traduções e obras de Brill. Freud parece julgar o leitor capaz de entender os chistes em língua estrangeira. Caso isso não aconteça, a redução contribui para a compreensão do chiste, mesmo perdendo-se o seu potencial cômico.

5 Os chistes de Freud em três versões brasileiras

Partindo das reflexões expostas até aqui sobre a tradução do chiste, serão apresentados e comentados a seguir alguns exemplos de soluções tradutórias encontradas pelos tradutores brasileiros Dr. C. Magalhães (1950), Jayme Salomão (1977) e Fernando C. Mattos e Paulo C. Souza (2017).

Em muitos casos, os três tradutores chegaram a soluções semelhantes. Diferentemente da suposição do próprio Freud, repetidas vezes a tradução dos chistes mostrou-se possível e sem maiores dificuldades, viabilizando-se a manutenção de sua dimensão humorística. Um exemplo disso é o seguinte chiste:16 16 Em todas as citações de chistes ao longo deste trabalho, os grifos são de Freud e dos respectivos tradutores. Para cada chiste, será citado, inicialmente, o trecho do original em alemão e, em seguida, as três traduções brasileiras. As eventuais notas nos quadros constam dos respectivos livros e são dos tradutores.

Zwei Juden treffen in der Nähe des Badehauses zusammen. “Hast du genommen ein Bad” fragt der eine. „Wieso?“, fragt der andere dagegen, „fehlt eins?” (Freud 2010: 64). Dois judeus encontram-se perto de um estabelecimento de banhos: “Tomaste um banho?” - indaga um dêles - “Como?” - responde o outro. - “Falta algum?” (Freud 1950: 45; tradução de Magalhães). Dois judeus se encontram nas vizinhanças de um balneário. “Você tomou um banho?” pergunta um deles. “O quê?” retruca o outro, “há faltando um?” (Freud 1977: 65; tradução de Salomão). Dois judeus se encontram perto das termas. “Você tomou um banho?”, pergunta um deles. “Como assim?”, pergunta o outro, “está faltando um?” (Freud 2017: 72, tradução de Mattos e Souza).

Nesse caso, os verbos “nehmen” e “tomar” permitem a mesma ambiguidade semântica, possibilitando a “tradução poética” do chiste. No entanto, a peculiaridade sintática do chiste em alemão - em que se inverte a ordem normativa do particípio perfeito e, assim, reproduz-se de modo estereotipado a oralidade dos judeus galicianos - é ignorada nas três traduções.17 17 Certamente, seria também interessante pensar sobre os aspectos culturais e os estereótipos de judeu que Freud supõe de conhecimento geral entre seus leitores. Entretanto, por limitações de espaço, não será possível abordar essas questões no presente artigo.

Devido à grande quantidade de chistes citados por Freud, uma análise exaustiva de cada tradução de todos eles extrapolaria o objetivo e o recorte deste artigo. Como o que se visa neste artigo é expor uma reflexão sobre os efeitos de diferentes estratégias usadas na tradução de chistes, serão apresentados a seguir três chistes para os quais os tradutores brasileiros optaram por soluções divergentes e por estratégias e/ou “ideologias de tradução” distintas.

O primeiro chiste a ser comentado pertence ao tipo “condensação com formação substitutiva”, isto é, produz-se uma palavra composta, que é geralmente inexistente no repertório formal da respectiva língua, mas reconhecível no contexto do chiste e “portadora do efeito de riso do chiste” (Freud 2017Freud, Sigmund. O chiste e sua relação com o inconsciente. Tradução de Fernando Costa Mattos e Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.: 32).

Ich erzählte einer Dame von den groβen Verdiensten eines Forschers, den ich für einen mit Unrecht Verkannten halte. “Aber der Mann verdient doch ein Monument”, meinte sie. “Möglich, daβ er es einmal bekommen wird”, antwortete ich, “aber momentan ist sein Erfolg sehr gering”. “Monument” und “momentan” sind Gegensätze. Die Dame vereinigt nun die Gegensätze: Also wünschen wir ihm einen monumentanen Erfolg. (Freud 2010: 37). Relatava a uma senhora os grandes méritos de um investigador cujo valor acreditava eu injustamente desconhecido por seus contemporâneos. “Mas, êsse homem merece um monumento”, replicou-me a senhora. “E é muito provável que venha a tê-lo - repliquei -, mas, momentâneamente seu êxito é muito escasso”. “Monumento” e “momentâneo” são dois conceitos opostos. Minha interlocutora reuniu-os em sua resposta dizendo: “Então desejar-lhe-emos um êxito monumentâneo” (Freud 1950: 20-21, tradução de Magalhães). Relatava eu a uma dama os grandes serviços prestados por um homem de ciência, que considerava injustamente negligenciado. “Mas como”, disse ela, “o homem merece um monumento.” “Talvez ele o tenha um dia”, repliquei, “mas momentan [no momento] tem muito pouco sucesso.” “Monument” e “momentan” são antônimos. A senhora prosseguiu reunindo-os: “Bem, desejemos-lhe então um sucesso monumentan1”. 1 [Palavra inexistente. “Monumental” (como em inglês) seria esperável.] (Sugestão do Trad. Bras.: “Monumomentâneo”.). (Freud 1977: 35, tradução de Salomão). Eu falava a uma dama sobre os grandes méritos de um pesquisador que considero injustamente subestimado. “Mas esse homem merece então um monumento [Monument]”, opinou ela. “É possível que ele ainda venha a recebê-lo”, respondi, “mas no momento [momentan] seu sucesso é muito pequeno.” Monument e momentan são opostos. A senhora uniu então os opostos: “Então lhe desejemos um sucesso monumomentâneo” (Freud 2017: 34, tradução de Mattos e Souza).

No chiste contado por Freud, o potencial cômico reside no neologismo (inexistente no alemão padrão) “monumentan”, que resulta de uma condensação de dois vocábulos. Na primeira tradução brasileira, Magalhães evidencia que é possível traduzi-lo recorrendo na língua-alvo à mesma estratégia do chiste original: ele cria a palavra “monumentâneo”, que condensa - assim como “monumentan” - dois termos existentes em português, é compreensível apenas no contexto do chiste e pode provocar riso no leitor. Ou seja, Magalhães produziu uma “tradução poética” que não perde em relação ao original - nem em seu potencial cômico, nem no que tange à sua clareza teórica. Contrariando a opinião do próprio Freud sobre a “intraduzibilidade” de tal tipo de chiste, o tradutor obteve sucesso nesse caso: conseguiu manter a carga cômica e a coerência explicativa.

A tradução de Salomão, por seu turno, apresenta uma solução pouco coerente, por misturar o idioma germânico com o português, mantendo em alemão as palavras centrais do chiste (“Monument” e “momentan”). Como se não bastasse, ele acrescenta uma nota que só é compreensível se o leitor souber que o “original” dessa tradução é a versão inglesa de Strachey. Além disso, a sugestão que o tradutor oferece em sua nota não segue a lógica do chiste original, pois, em vez de criar uma condensação, fornece a tradução de um dos termos na sua íntegra (“momentâneo”), adicionando somente duas sílabas do outro vocábulo em questão (“monu”, de “monumental”). Aqui, o leitor não encontra nenhum chiste, apenas uma “redução” confusa que exige certo grau de paciência para ser compreendida. De qualquer modo, o riso se perde.

Mattos e Souza, em sua tradução, também citam em alemão - mas entre colchetes, como fez Magalhães - os dois termos centrais que irão compor o cerne do chiste, os quais precisam ser considerados pelo leitor para que faça sentido a redução. Esta, por sua vez, no original, foi inserida por Freud no meio do chiste, e não após sua narração. Em relação à tradução do cerne do chiste - qual seja: o neologismo “monumentan” -, vale o que foi dito sobre a solução de Salomão, pois é idêntica à de Mattos e Souza. Podemos concluir que, assim como no caso da tradução de Salomão, trata-se aqui de uma “tradução técnica”, segundo a classificação proposta por Laplanche.

O próximo exemplo refere-se a um chiste verbal [Wortspiel], ou trocadilho [Kalauer]:

Die groβe, aber nicht nur durch den Umfang ihrer Stimme berühmte Sängerin Marie Wilt erfuhr die Kränkung, daβ man den Titel eines aus dem bekannten Roman von J. Verne gezogenen Theaterstückes zu einer Anspielung auf ihre Gestalt verwendete: “Die Reise um die Wilt in 80 Tagen” (Freud 2010: 91). Um cantor, Edmundo de nome, tão famoso pela gordura como pela voz, teve de suportar que se empregasse o título de uma obra teatral, inspirada na conhecidíssima novela de Jules Verne, como alusão ao seu pouco elegante físico. A frase “A viagem ao redor de Edmundo em oitenta dias” fez-se logo popular (Freud 1950: 75, tradução de Magalhães). Maria Wilt era uma grande cantora, famosa pela extensão não apenas de sua voz. Sofreu a humilhação de que o título de uma peça teatral, baseada em famosa novela de Júlio Verne, aludisse a sua deselegante figura: “A volta a Wilt em oitenta dias”.1 1 [A palavra alemã para “mundo” é “Welt”.] (Freud 1977: 95, tradução de Salomão). A grande cantora Maria Wilt, famosa pela amplitude de sua voz - e não somente de sua voz - ficou ofendida quando, em alusão à sua forma, basearam o título de uma peça de teatro no conhecido romance de J. Verne: “Die Reise um die Wilt in 80 Tagen” (Viagem ao redor da Wilt [em vez de Welt, “mundo”] em 80 dias) (Freud 2017: 110-111, tradução de Mattos e Souza).

Freud inclui esse chiste na sua obra como exemplo da “técnica verbal” aplicada a chistes. No trecho citado, não há redução do chiste, nem mesmo depois dele, pois logo em seguida o que se apresenta é outro exemplo referente a essa técnica. Na sua tradução, Magalhães faz o que Haroldo de Campos chamaria de “transcriação”, abrindo mão da correspondência terminológica entre o original e a tradução, mas mantendo a técnica do chiste e fazendo-a funcionar na língua-alvo.

As traduções de Salomão e de Mattos e Souza mantiveram o nome “Wilt” para a personagem central da pequena narrativa, opção que os obrigou a usar notas de rodapé ou traduções e explicações entre parênteses, com o fito de tornar o chiste compreensível para os leitores brasileiros. Todavia, ao priorizarem a manutenção do nome, o caráter espirituoso do trecho se perdeu. Também nesse exemplo, é possível dizer que os tradutores Salomão e Mattos e Souza optaram por uma solução que se aproxima daquela defendida por Laplanche (“traduzir Freud como uma obra teórica”) e que permite ao leitor uma aproximação maior dos pormenores dos termos e nomes de fato utilizados no original, bem como uma compreensão mais clara do modelo teórico de Freud.

O exemplo a seguir ilustra soluções divergentes para a tradução de um gracejo (ou “chança”, na terminologia de Magalhães) citado por Freud:

Ein Scherz ist es, wenn der Professor Kästner, der im 18. Jahrhundert in Göttingen Physik lehrte - und Witze machte -, einen Studenten namens Kriegk bei der Inskription nach seinem Alter fragte und auf die Antwort, er sei dreiβig Jahre alt, meinte: Ei, so habe ich ja die Ehre, den 30jährigen Krieg zu sehen (Freud 2010: 143). Também constitui chança o seguinte dito do professor Kaestner, que no século XVIII explicava Física - e fazia chistes - na Universidade de Goettingen: Vendo, ao passar a lista de seus alunos, que tinha um cujo nome era Guerra, perguntou-lhe que idade tinha. “Trinta anos”, respondeu o estudante. “Ah, então tenho a honra de contemplar a guerra dos Trinta Anos!” (Freud 1950: 130, tradução de Magalhães). É também um gracejo quando o Professor Kästner, que ensinava física (e fazia chistes) em Göttingen, no século XVIII,1 perguntou a um estudante chamado Kriegk, que se inscrevia para um de seus cursos, qual a sua idade. “Trinta anos”, foi a resposta, a partir de que Kästner comentou: “Ah! Tenho então a honra de conhecer a Guerra [Krieg] dos Trinta Anos.” 1 [Apenas na edição de 1905 imprimiu-se erradamente XVI.] (Freud 1977: 152, tradução de Salomão). Tem-se um gracejo quando o professor Kästner, que ensinava física - e fazia chistes - em Göttingen, no século XVI, pergunta a um estudante de nome Kriegk, durante a matrícula, qual a sua idade e, ao receber a resposta de que tinha trinta anos, diz: “Ah, então tenho a honra de conhecer a Guerra (Krieg) dos 30 anos!” (Freud 2017: 185, tradução de Mattos e Souza).

O caráter jocoso nessa narrativa se dá em consequência da homonímia entre o sobrenome “Kriegk” e o substantivo alemão “Krieg” (“guerra”). Como mostra a tradução de Magalhães, é possível recriar esse jogo de palavras em português, sem ter de renunciar à correspondência semântica entre “guerra” e “Krieg”. Salomão e Mattos e Souza optam novamente por manter o nome do personagem na sua forma original, “Kriegk”, e lançam mão de colchetes para apresentar o termo alemão “Krieg”, permitindo uma aproximação com a técnica original do chiste.

É interessante mencionar ainda que a tradução de Mattos e Souza inclui um erro fatual que existia também na primeira edição em língua alemã da obra de Freud, qual seja: a alusão ao século de ocorrência da Guerra dos Trinta Anos como “XVI”, corrigida na segunda edição do livro em alemão (de 1912) para “XVIII”.

6 Considerações finais

Temos, no Brasil, três traduções disponíveis do livro Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten. Para empreender um cotejo dessas (re)traduções, poderíamos pensar em um grande rol de possíveis critérios. Este trabalho, no entanto, se concentrou nas abordagens tradutórias aplicadas a alguns chistes presentes nessa obra, mais especificamente nas soluções encontradas pelos tradutores para o que Freud chama de “técnica” do chiste - ou seja, aquilo que dá a esse tipo de narrativa seu caráter humorístico. Como Freud demonstra em diversas passagens do livro, por vezes a alteração de um único vocábulo elimina a carga cômica da anedota. A importância da forma como ela é contada representa um desafio enorme para o tradutor, sobretudo em casos de trocadilhos ou chistes verbais, em que a técnica depende da semelhança entre dois termos, o que dificilmente se recupera na língua-alvo da tradução.

A primeira tradução analisada neste artigo, composta em 1950 por C. Magalhães de Freitas, chama a atenção pela omissão de vários trechos do livro. Sobre os motivos que levaram o tradutor a eliminar uma série de passagens do original na sua tradução, nada sabemos. Outro aspecto pelo qual a tradução de Magalhães se distingue é a criatividade na reelaboração - ou na “transcriação”, nos termos de Haroldo de Campos - de alguns chistes em língua portuguesa, mantendo sua dimensão cômica.

A segunda tradução aqui estudada veio a lume em 1977 e é de autoria de Jayme Salomão (e/ou de Margarida Salomão - ver nota n. 7). Embora conste da contracapa do livro a informação de que Salomão se baseia no alemão e no inglês, a inclusão do prefácio do editor inglês, as diversas escolhas tradutórias e notas do tradutor, assim como a presença de notas do tradutor inglês James Strachey que se referem a problemas específicos da versão para a língua inglesa indicam que o “original” da tradução brasileira é a Standard Edition, publicada em Londres entre 1956 e 1974. Os exemplos evocados neste artigo sugerem que Salomão optou por uma tradução do “original” inglês que, segundo a classificação defendida por Jean Laplanche, poderia ser considerada “de interesse teórico”. A presença da língua inglesa e a menção a questões tradutórias referentes ao inglês ocasionam - ao menos nos exemplos comentados - a perda do caráter cômico dos chistes. Ao mesmo tempo, as notas (tanto as de autoria de Strachey quanto as de Salomão) fornecem dados relevantes sobre o funcionamento dos chistes em língua alemã e em língua inglesa (proporcionando, desse modo, dados e indícios sobre o papel da linguagem para a teoria freudiana e sobre as implicações da tradução para a recepção de uma obra). Isto é, as opções tradutórias de Salomão contribuem para o entendimento do leitor sobre as reflexões freudianas acerca das técnicas do chiste - o “desvio” pelo inglês talvez torne algumas das anedotas traduzidas bastante confusas e pouco acessíveis numa primeira leitura, porém o conhecimento das dificuldades do tradutor britânico pode ser útil ao leitor interessado (e que domine o idioma inglês), provendo informações substanciais sobre aspectos formais e teóricos do livro. Conforme defende Laplanche, em se tratando de um livro teórico, esse seria o objetivo primordial de uma tradução da obra freudiana, enquanto o potencial cômico dos chistes não deveria ser prioridade para o tradutor.

Os exemplos apresentados da versão brasileira mais recente (2017), de Fernando Costa Mattos e Paulo César de Souza, também podem ser associados à “tradução de interesse teórico”, nos termos usados por Laplanche. Nessa tradução, o leitor se depara com a presença dos termos em alemão usados originalmente por Freud, o que lhe facilita a compreensão das explicações e teorizações freudianas. Contudo, novamente, em muitos casos, a comicidade dos chistes se perde.

É possível afirmar que aquilo que aqui chamamos de “tradução de interesse teórico” dos chistes (remetendo a Laplanche), que implica certa negligência no que tange ao seu caráter cômico, resulta frequentemente numa dupla redução dos chistes. Ou seja, em vez de contar uma anedota chistosa, os tradutores acabam inserindo na própria narrativa a explicitação da técnica do chiste (fornecendo termos em alemão entre parênteses ou em notas de rodapé, por exemplo, como vimos) - antes da redução propriamente dita (geralmente acrescentada por Freud logo após o chiste). Com isso, a tradução assume a função da “crítica racional”, que tem como função primordial eliminar a dimensão prazerosa (Freud 2010: 141).

A partir de diferentes traduções de alguns chistes apresentadas neste artigo, pode-se concluir que as duas retraduções (Salomão; Mattos e Souza) não devem ser entendidas como substituições das traduções anteriores. Conforme aponta Berman, “as traduções envelhecem”, portanto “[é] preciso retraduzir” (Berman 2017Berman, Antoine. A retradução como espaço da tradução. Tradução de Clarissa Prado Marini e Marie-Hélène C. Torres. Cadernos de Tradução. Florianópolis, UFSC. v. 37, n. 2, p. 261-268, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ct/v37n2/2175-7968-ct-37-2-0261.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/ct/v37n2/2175-7...
: 262) - mas isso não significa necessariamente que as traduções velhas se tornem obsoletas. Ou seja, mesmo que o número de chistes abordados aqui tenha sido restrito, foi possível demonstrar que suas três traduções brasileiras apresentam soluções por vezes bastante divergentes, mas todas fornecem ao leitor aspectos interessantes e elucidativos da obra original. Cada um dos tradutores procurou manter em português as particularidades da teoria freudiana do chiste que considerou mais pertinentes. Neste artigo, em vez de avaliar qualitativamente as traduções em questão, acreditou-se que seria mais produtivo e frutífero entendê-las como leituras diferentes entre si, todas válidas. A diversidade de traduções possibilita ao leitor o contato com múltiplas facetas do texto de partida, todas enriquecedoras para uma compreensão aprofundada da obra freudiana. Se a tradução de Magalhães procura manter em português as características de uma “coleção de chistes” e uma leitura acessível e prazerosa, as de Salomão de Mattos e Souza se destacam pelos pormenores formais e linguísticos da obra que apresentam aos leitores.

Referências bibliográficas

  • Berman, Antoine. A retradução como espaço da tradução. Tradução de Clarissa Prado Marini e Marie-Hélène C. Torres. Cadernos de Tradução. Florianópolis, UFSC. v. 37, n. 2, p. 261-268, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ct/v37n2/2175-7968-ct-37-2-0261.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2018.
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  • Traduzir: Jean Laplanche & Haroldo de Campos. Coprodutores: Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e Núcleo de Psicanálise Cinema e Vídeo. Participantes: Ana Maria Sigal; Miriam Chneiderman; Renato Mezan. São Paulo: Editor Eduardo el Kobbi, 1995. Disponível em <https://vimeo.com/182155160>. Acesso em 26.02.2018.
    » https://vimeo.com/182155160
  • 1
    Sem tradução brasileira; a tradução do título é nossa.
  • 2
    Tais como, por exemplo, Über den Witz, de Kuno Fischer (1897); e Witzige und satirische Einfälle, de Georg Christoph Lichtenberg (1853).
  • 3
    É ilustrativo pela popularidade atual da seleção de chistes de Freud que no site Wikipedia, na entrada “jüdische Witze” (Disponível em: <https://de.wikipedia.org/wiki/J%C3%BCdischer_Witz>. Acesso em: 25 maio 2018), a definição que se encontra é justamente a que o fundador da psicanálise deu para esse gênero: “São histórias criadas por judeus e dirigidas contra características judias. Os chistes sobre judeus feitos por não judeus são em sua maioria anedotas brutais em que o chiste é salvo pelo fato de que o judeu aparece ao estrangeiro como figura cômica. Os chistes sobre judeus originados entre os judeus também admitem isso, mas eles conhecem os seus verdadeiros defeitos, bem como a relação destes com as suas qualidades, e a participação da própria pessoa naquilo que está sendo criticado fornece as condições subjetivas da elaboração do chiste, algo que de outro modo dificilmente se conseguiria” (Freud 2017: 160).
  • 4
    Do ponto de vista tradutológico, é possível entender esse procedimento de Freud como uma forma de “tradução intralingual”, segundo a definição de Roman Jakobson (1959).
  • 5
    No caso desse chiste, os três tradutores brasileiros chegaram a soluções bastante semelhantes. Usou-se aqui a versão mais recente, de Mattos e Souza (2017).
  • 6
    Freud distingue um grande número de tipos de chistes que reagem de modo diferente à redução. O aprofundamento nessa ampla variedade extrapolaria, porém, o objetivo e o recorte deste artigo.
  • 7
    Também em língua francesa houve divergências nas traduções do termo Witz, igualmente aliadas a debates ideológicos mais abrangentes sobre a interpretação da obra do fundador da psicanálise (cf. Roudinseco; Plon; 1998: 114). Como esses debates não foram relevantes para as traduções do título da obra no Brasil, não são contemplados neste artigo.
  • 8
    Essa segunda tradução é, também, a primeira retradução da referida obra de Freud no Brasil, já que “[t]oda tradução feita depois da primeira tradução de uma obra [é [...] uma retradução” (Berman 2017: 262). Para uma discussão mais aprofundada sobre o estatuto da retradução, cf. Berman (2017).
  • 9
    Da contracapa do livro (Freud 1977) consta a seguinte informação: “Traduzido do Alemão e do Inglês sob a Direção-Geral e Revisão Técnica de Jayme Salomão”. Na página seguinte, lemos: “Tradução: Margarida Salomão”. Não sabemos qual é o grau de parentesco entre Jayme Salomão e Margarida Salomão, nem temos maiores informações sobre a real autoria da tradução. Porém, as indicações apresentadas permitem levantar a hipótese de que se trata de mais um caso de “apagamento” de uma tradutora, em prol do “diretor geral e revisor técnico” Jayme Salomão.
  • 10
    Como não cabe aqui um maior aprofundamento nessa questão, ficaremos com apenas dois exemplos para ilustrar os efeitos de algumas escolhas tradutórias de Salomão (Freud 1977) para o leitor brasileiro: há notas de Strachey que se dirigem explicitamente a outro público-alvo (“[...] Cremos que será mais fácil para os leitores ingleses .... [...”]; p. 53) e com comentários acerca das dificuldades da tradução para o inglês, mesmo quando a versão para o português do mesmo trecho não apresenta maiores dificuldades (por exemplo, no que se refere ao termo “tomar” e sua ambiguidade semântica; p. 68).
  • 11
    Devido a sua atualidade e disponibilidade para o leitor brasileiro, usa-se, neste artigo, essa tradução como fonte para as citações quando o objetivo não for o cotejo das diversas traduções de chistes.
  • 12
    Traduzir: Jean Laplanche & Haroldo de Campos (1995).
  • 13
    Sobre o pensamento haroldiano em relação à tradução e à “transcriação”, veja Tápia, Nóbrega (2013).
  • 14
    Os posicionamentos divergentes de Haroldo de Campos e Jean Laplanche em relação à tradução dos chistes freudianos refletem uma dicotomia presente em teorizações e teorias de tradução desde a Antiguidade romana, quando Cícero estabelece uma diferença entre ut interpres e ut orator, até a contemporaneidade, quando Eugene Nida propõe uma distinção entre “tradução formal” e “tradução dinâmica”, e, posteriormente, Christiane Nord discerne “tradução documento” de “tradução instrumento”. (Para um panorama geral sobre a história das teorias de tradução, cf., por exemplo, Pym 2010).
  • 15
    O chiste ao qual Freud se refere aqui é de Oliver Wendell Holmes. Freud o acrescentou à segunda edição de sua obra em língua alemã, de 1912, indicando a tradução de Brill como fonte. Seu teor é o seguinte: “‘Put not your trust in Money, but put your money in trust’ [Não deposite sua confiança no dinheiro, mas confie seu dinheiro a um depósito (com juros)]” (Freud 2017: 50).
  • 16
    Em todas as citações de chistes ao longo deste trabalho, os grifos são de Freud e dos respectivos tradutores. Para cada chiste, será citado, inicialmente, o trecho do original em alemão e, em seguida, as três traduções brasileiras. As eventuais notas nos quadros constam dos respectivos livros e são dos tradutores.
  • 17
    Certamente, seria também interessante pensar sobre os aspectos culturais e os estereótipos de judeu que Freud supõe de conhecimento geral entre seus leitores. Entretanto, por limitações de espaço, não será possível abordar essas questões no presente artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2018
  • Aceito
    24 Abr 2018
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