Acessibilidade / Reportar erro

Hölderlin vanguardista. Desejo de Elfriede Jelinek (1989)

Hölderin as a vanguardist. Lust, by Elfriede Jelinek

Resumo

Ao longo do romance de Elfriede Jelinek, Desejo, há um amplo uso de citações da poesia de Hölderlin, às vezes pouco perceptível, às vezes grotescamente alterada. Tem havido pouco consenso acadêmico sobre a função dessas citações: alguns encontraram vestígios de uma noção utópica de uma sociedade justa e justa para contrastar com a dura sátira do romance; outros leram Hölderlin como representando o patriarcado au-thorship. Minha contribuição sugere que Jelinek toma dois dispositivos estilísticos de Hölderlin - a forma gnômica e a ‘harte Fügung’ (harmonia austera) - para integrá-los como princípios principais de seu próprio texto. Ao fazer isso, ela enfatiza Hölderlin como um autor de vanguarda no sentido de Bourdieu: como um autor cujo objetivo é levar a linguagem poética a novos limites. Assim, Jelinek assume a figuração contemporânea de Hölderlin (representada pela edição de D.E. Sattler em Frankfurt); e ao utilizar Hölderlin de forma tão inovadora, ela se posiciona dentro desta tradição vanguardista.

Palavras-chave:
Jelinek; Hölderlin; Patos; Forma; Desejo

Abstract

Throughout Elfriede Jelinek’s novel Lust there is extensive use of citations from the poetry of Hölderlin, sometimes barely noticeable, sometimes grotesquely altered. There has been little scholarly consensus on the function of these citations: some have found traces of a utopian notion of a just and fair society to contrast to the harsh satire of the novel; others have read Hölderlin as representing patriarchal authorship. My contribution suggests that Jelinek takes two stylistic devices from Hölderlin - the gnomic form and the ‚harte Fügung‘ (austere harmony) - to integrate them as main principles of her own text. In doing so, she is stressing Hölderlin as an avant-garde author in Bourdieu's sense of the term: as an author whose goal is it to take poetic language to new limits. Thus Jelinek takes on the contemporary figuration of Hölderlin (as represented by D.E. Sattler's Frankfurt edition); and by using Hölderlin in such an innovative way, she positions herself within this avant-garde tradition.

Keywords:
Jelinek; Hölderlin; Pathos; Form; Lust

Desejo (1989JELINEK, Elfriede. Lust. Reinbek bei Hamburg: Rowohlt, 1989.), de Elfriede Jelinek, é um exemplo extremo de sátira e um prato indigesto. Peter von Matt classificou o livro como “chocante e insuportável” (MATT 1995MATT, Peter von. Verkommene Söhne, mißratene Töchter. Familiendesaster in der Literatur. München: Hanser, 1995.: 262), um dos “acontecimentos mais nojentos da literatura alemã” (MATT 1995MATT, Peter von. Verkommene Söhne, mißratene Töchter. Familiendesaster in der Literatur. München: Hanser, 1995.: 261) - e não há como não concordar com ele. Mas não é apenas na camada imagética que o texto ultrapassa limites, também arrisca muito em sua linguagem:

Desejo foi escrito em uma linguagem que usa todos os meios poéticos na forma do “vale-tudo” e que nada teme em termos de ofensa ou blasfêmia: citações chulas ou banalizadas da Bíblia e de Hölderlin colidem com os trocadilhos mais absurdos; slogans publicitários, aforismos e piadas de mesa de bar são burilados em imagens deliberadamente tortas, e tudo é regido pela insipidez de obscenidades brutais. (ISENSCHMID 1989ISENSCHMID, Andreas. „Trivialroman in experimenteller Tarnung“. In: BARTSCH, Kurt; HÖFLER, Günther A. (Hg.). Neue Zürcher Zeitung, 4./5.6. 1989. Zitiert nach: Kurt Bartsch u. Günther A. Höfler (Hg.): Elfriede Jelinek. Wien: Droschl, 1991 (= Dossier; Bd. 2), 239-243.: 240).

Percorrem a prosa inteira traços de uma leitura extensiva de Hölderlin, desde palavras isoladas relativamente imperceptíveis, como “bem soltos [ganz ungebunden] estão agora os pés de Gerti”2 2 Cf. “um anseio corre ao liberto (ins Ungebundene gehet eine Sehnsucht)” in: Friedrich Hölderlin: Mnemosyne. Dritte Fassung. In: F. H.: Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Hg. v. Friedrich Beißner. Bd. 2: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer 21987, S. 197-198, hier S. 197. , até adulterações verbais extremamente provocantes:

Ele experimenta com posições sempre novas, nas quais empurra seu carrinho com golpes possantes para dentro das águas sóbrias [ins nüchterne Gewässer] de sua mulher, e começa a remar como um alucinado. […] Ela se curva debaixo dele, grita, quando de seu caralho bem espraiado [seiner wohleingerichteten Eichel] jorra um rebanho inteiro de sementes inquietas. (L 33; grifo nosso3 3 Jelinek, Elfriede. Desejo (p. 25). Tordesilhas. Edição do Kindle.; trad. modificada K. Rosenfield) trad. KHR).

Nessa passagem, são desfigurados dois textos líricos do último ciclo de poemas que o próprio Hölderlin ainda preparou e encaminhou para impressão: por um lado, o famoso Metade da vida [Hälfte des Lebens] no qual encontram-se os versos “E bêbados de beijos / Enfiando a cabeça / Na água santa e sóbria [Ins heilignüchterne Wasser]”4 4 Friedrich Hölderlin: Hälfte des Lebens. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 117 [cf. tradução de Manuel Bandeira]; grifos nossos. Cf. também a seguinte passagem: “eles mergulham a cabeça de Gerti [...] naquela água não mais sóbria” (Desejo, p. 139) [„Sie tunken Gerti das Haupt […] ins nicht mehr nüchterne Wasser“ (L 201)] . Por outro, uma passagem de Lebensalter: “Mas agora estou sob nuvens (das quais/ cada um tem sua própria calma) sob/ carvalhos bem espraiado [Wohleingerichteten Eichen]” (HÖLDERLIN 1987HÖLDERLIN, Friedrich; BEIßNER, Friedrich (Hg.). Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Bd. 6: Briefe. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer, 1987.: 115)5 5 Friedrich Hölderlin: Lebensalter. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 115. Grifos nossos. .

A mutação mínima de “carvalho” [Eichen] para “caralho” [Eichel] é motivada por um chiste tão engenhoso e destemido como a transposição de citações inalteradas de seu contexto ‘elevado’ para as baixezas do desejo de Hermann: “Logo cedo, semiacordado, ele sai tateando, quer a reentrância das nádegas da mulher, ela ainda está dormindo, ele a agarra por trás, na suave colina da mulher, luz, onde estás tu?, o coração já está desperto” (L 31, Desejo, p. 24). Desejo elabora aqui um outro poema do já mencionado ciclo Cantos da Noite, a ode Quíron:

[…] onde estás, luz?

O coração já está desperto, mas me agita, me Freia a noite maravilhada.

Outora porém, eu seguia as ervas da floresta e ouvia A terna caça na colina; […] (HÖLDERLIN 1987HÖLDERLIN, Friedrich; BEIßNER, Friedrich (Hg.). Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Bd. 6: Briefe. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer, 1987.: 56)6 6 Friedrich Hölderlin: Chiron. In: F. H.: Ebd., S. 56-57, hier S. 56; (trad. K. Rosenfield).

À primeira vista, é evidente que o texto de Jelinek já não veicula mais nada da expressividade do poema de Hölderlin, mas transfere apenas a literalidade para um contexto absolutamente contrário - em particular, e com deleite, para um contexto obsceno: “Ele próprio talvez já tenha se acalmado [zur Ruhe gegangen], mas seu membro segue impelido de penhasco em penhasco [von Klippe zu Klippe]” (L 27; Desejo, p. 21, grifos nossos)7 7 Vgl. Hyperions Schiksaalslied, 3. Strophe: „Doch uns ist gegeben, / Auf keiner Stätte zu ruhn, / Es schwinden, es fallen / Die leidenden Menschen / Blindlings von einer / Stunde zur andern, / Wie Wasser von Klippe / Zu Klippe geworfen, / Jahr lang ins Ungewisse hinab“. Friedrich Hölderlin: Hyperions Schiksaals-lied. In: F. H.: Ebd., S. 265. . A aviltante ladroagem literária não para nem mesmo diante de um texto como Mnemosyne:

Ele agora pode agarrar-lhe a figueira toda com uma mão e deixar os dedos correrem, vagantes irados. [zornig Wanderer]. […] Como uma bolsinha aberta, ele segura a vulva pelos pelos e a esfrega pelo rosto, para poder lambê-la rudemente, um boi no domo de sal fresco, e as montanhas banhadas em fogo [in Feuer getaucht]. O peso dos paus [Last der Scheiter] repousa sobre os homens. Suas águas murmuram coisas incompreensíveis, e as mulheres ainda as absorvem com seus trapos esponjosos e até mesmo com Ajax. (L 41; Desejo, pp. 30-31; grifos nossos, modificações KHR)8 8 Hölderlin: Mnemosyne, S. 197: „Reif sind, in Feuer getaucht, gekochet / Die Frücht“; […] Und vieles / Wie auf den Schultern eine / Last von Scheitern ist / Zu behalten. […] / […] Ein Wandersmann geht zornig, / Fern ahnend mit / Dem anders, aber was ist dies? / / Am Feigenbaum ist mein / Achilles mir gestorben, / Und Ajax liegt / An den Grotten der See“. (grifo nosso) .

O chiste escolado em Karl Kraus9 9 Paronomasias, quebras de estilo e todo o jogo com homofonias sáo típicos para a obra de K. Kraus, cuja arte retórica leva Rüdiger Zymner à consideração de considerar Kraus “como um duplo ou pelo menos ‘um análogo moderno’ da arte da argúcia’ („als eine Art Wiedergänger oder zumindest als einen ‚modernen, analogen Fall‘ der Argutia-Kunst [zu]bezeichnen“). Rüdiger Zymner: Emphatische Sprachkunst. Zum Verhältnis von Rhetorik und Literatur bei Karl Kraus. In: Griffel 2 (1995), S. 32-41, hier S. 37. Vgl. auch Christian J. Wagenknecht: Das Wortspiel bei Karl Kraus. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht 1965 (= Palaestra, Bd. 242) und Sigurd Paul Scheichl: Der Stilbruch als Stilmittel bei Karl Kraus. In: Karl Kraus in neuer Sicht. Londoner Kraus-Symposium. Hg. v. S. P. Sch. u. Edward Timms. München: edition text + kritik 1986 (= Kraus-Hefte, Sonderband), S. 128-141. joga aqui com o duplo sentido de palavras e age de um modo profanador que o próprio Kraus não teria tolerado no trato com literatura dessa elevação. Jelinek integra o discurso de Hölderlin num contexto inteiramente diferente, adaptando-o de modo espirituoso num sintagma capenga e cômico cuja engenhosidade é trabalhada até o derradeiro detalhe.

Há desacordos na pesquisa sobre como essas adulterações verbais de Hölderlin são motivadas em Desejo. Já no ano seguinte à publicação do livro, em ensaio sobre a desconstrução do mito em Jelinek, Christa Gürtler observou que a “apropriação da dicção de Hölderlin [...] define o texto inteiro. Suas inversões e sucessões paratáticas impedem sínteses linguísticas e correspondem precisamente às intenções literárias de Jelinek. Ao mesmo tempo”, diz Gürtler, “tanto esse estilo hínico quanto o motivo emblemático do texto, remetem a uma possível imagem do desejo enquanto contrastes extremos que destoam da totalidade negativa do retratado” (GÜRTLER 1990GÜRTLER, Christa. Die Entschleierung der Mythen von Natur und Sexualität. In: GÜRTLER, Christa. (Hg.). Gegen den schönen Schein. Texte zu Elfriede Jelinek. Frankfurt am Main: Verlag Neue Kritik, 1990, 120-134.: 131). Com modificações10 10 Vgl. dort die Fußnote 21. , ainda no mesmo ano Dieter Burdorf segue a mesma interpretação:

Seria demasiadamente unilateral ver nisto [= no trato com Hölderlin] apenas uma profanação e uma ridicularização do pathos lírico de Hölderlin. Pois, em contrapartida, a prosa de Jelinek também é afetada por esse pathos [.] […]

Pela “assimilação dicção hínica”, o romance receberia “uma camada profunda na qual está contida a representação de uma vida humana plena”. Assim, ficaria preservado “o momento utópico da lírica de Hölderlin nas adaptações de Jelinek, a despeito da primeira impressão” (BURDORF 1990BURDORF, Dieter. „Wohl gehn wir täglich, doch wir bleiben hier “. Zur Funktion von Hölderlin-Zitaten in Texten Elfriede Jelineks. Sprache und Literatur in Wissenschaft und Unterricht 21, H. 66, 29-36, 1990.: 33).

Em seu estudo sobre Jelinek, Marlies Janz enfatiza a “utilização crítico-ideológica de Hölderlin” (JANZ 1995JANZ, Marlies. Elfriede Jelinek. Stuttgart: Metzler, 1995.: 115) com “intenção crítica do mito”: “as citações de Hölderlin em Desejo quase sempre são empregadas para elucidar o vínculo entre violência social e sexual e a mistificação de ambas” (JANZ 1995JANZ, Marlies. Elfriede Jelinek. Stuttgart: Metzler, 1995.: 114): “Aqui e alhures trata-se não de uma crítica a Hölderlin, mas da denúncia e da desmistificação da ‘sacralidade’ do sexo e da sexualidade masculinos no discurso cultural, valendo-se do recurso a tais citações funcionalizadas inteiramente para esse fim. Pela citação, efetua-se uma desmistificação das estruturais sociais e sexuais de dominação. É o caso, por exemplo, quando os operários da fábrica, de fato inferiores econômica e socialmente, são descritos com a terminologia hölderliniana como os ‘pobres’ e ‘humildes’ que se tornam ‘celestiais’ aos olhos de suas mulheres” (JANZ 1995JANZ, Marlies. Elfriede Jelinek. Stuttgart: Metzler, 1995.: 113f).

Detlef Kremer vê Hölderlin como um sucedâneo (Ersatzobjekt) indefeso para a vingança feminista de uma ‘dominatrix’11 11 Cf. a entrevista com Lahann (1988): „Männer sehen in mir die große Domina“. vienense. Ele atribui ao texto de Jelinek um “ódio” a Hölderlin, colocado na posição de representante de um discurso da sublimidade que Jelinek combateria como um “discurso fálico masculino” (KREMER 1998KREMER, Detlef. Groteske Inversionen. Elfriede Jelineks und Elfriede Czurdas Vernichtung des phallischen Diskurses. In: HEILMANN, Markus Heilmann; WÄGENBAUR, Thomas (Hg.). Im Bann der Zeichen. Die Angst vor Verantwortung in Literatur und Literaturwissen-schaft. Würzburg: Königshausen & Neumann, 1998, 75-88.: 86):

Na sua extensa litania, concebida como denso artefato linguístico, Jelinek procura confrontar um discurso pornográfico obsceno e fetichista com a elevação sublime da história literária masculina. As descrições que coisificam [as relações humanas], como a trilha sonora de um filme pornô, recebem enxertos de citações altamente trabalhadas de Hölderlin, que por um lado criam distância e uma estranheza irritante, mas por outro relacionam as duas formas de dicção de tal forma que se revelam como as duas pontas do mesmo discurso fálico. (KREMER 1998KREMER, Detlef. Groteske Inversionen. Elfriede Jelineks und Elfriede Czurdas Vernichtung des phallischen Diskurses. In: HEILMANN, Markus Heilmann; WÄGENBAUR, Thomas (Hg.). Im Bann der Zeichen. Die Angst vor Verantwortung in Literatur und Literaturwissen-schaft. Würzburg: Königshausen & Neumann, 1998, 75-88.: 82).

Para Silvia Henke, as deformações de Hölderlin são uma espécie de recusa da linguagem poética em si: “o que deve ser denunciado com essa utilização de Hölderlin não é, ao cabo, uma ideologia, mas a literatura e a própria linguagem poética. Com isso, essa utilização não é apenas maldosa, ela também tem algo de autodestrutivo. É uma compulsão poética de destruição”.

No que se segue, pretende-se desenvolver uma outra tese a respeito da relevância de Hölderlin: a de que Hölderlin funcionaria no romance Desejo como um modelo estético positivo. Jelinek cita em Desejo sobretudo a partir da assim chamada obra tardia, na qual Hölderlin se descola do classicismo com poemas frequentemente obscuros e que escapam à interpretação, trilhando caminhos próprios e esteticamente radicais. Essa fase esteve no foco do interesse público e da germanística desde meados dos anos 1970, quando D. E. Sattler iniciou a Frankfurter Hölderlin-Ausgabe e quando, com não menos importância, as espetaculares edições de fac-símiles como o Homburger Folioheft12 12 Friedrich Hölderlin: Sämtliche Werke. Frankfurter Ausgabe Hg. v. Dietrich E. Sattler, Suppl. 3.: Homburger Folioheft. Basel/Frankfurt a.M.: Stroemfeld/Roter Stern 1986. Vgl. den Bericht von Marleen Stoessel: Ein Zeichen sind wir, deutungslos. Wunderwerk der Reproduktionstechnik: Friedrich Hölderlins Homburger Folioheft in einer eindrucksvollen Faksimile-Edition. In: DIE ZEIT Nr. 46 (6.11.1986). , publicado pela Stroemfeld Verlag três anos antes de Desejo, tornaram imediatamente evidente - com grande eco midiático - o caráter ‘inacabado’ e aberto dos textos tardios de Hölderlin.

Não é por acaso que Desejo cite a partir das obras dessa fase, pois Jelinek se filia formalmente à “individualização radical da escrita” de Hölderlin (ZANETTI 2012ZANETTI, Sandro. Avantgardismus der Greise? Spätwerke und ihre Poetik. Paderborn: Fink, 2012.: 325). Em sua originalidade e ousadia praticamente blasfema, a utilização extremamente idiossincrática da linguagem hölderliniana é compreensível como afirmação enfática da linguagem poética de Hölderlin - e isso é paradoxal apenas à primeira vista. No que diz respeito ao trato com a herança cultural, as reflexões poetológicas de Hölderlin corroboram conceitualmente a utilização de Jelinek. Em um texto fragmentário supostamente escrito em 1799, Hölderlin assim esboça o problema da tradição:

Sonhamos com educação, piedade e outras coisas mais, mas não temos nada disso, tudo é reação; sonhamos com originalidade e independência, acreditamos que estamos dizendo algo novo, mas tudo isso não passa de reação, uma leve vingança contra a obediência servil com que nos submetemos aos modos da Antiguidade. Parece realmente não haver alternativa - sucumbiremos esmagados pelo peso das coisas herdadas, por tudo que se cristalizou, a não ser que nós nos oponhamos, com presunção violenta, a tudo o que foi aprendido, opondo a força viva ao que está aí como dado, positivo.13 13 Friedrich Hölderlin: Der Gesichtspunct aus dem wir das Altertum anzusehen haben. In: F. H.: Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Hg. v. Friedrich Beißner. Bd. 4: Der Tod des Empedokles, Aufsätze. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer 1961, S. 221-222, hier S. 221. (tradução K. Rosenfield)

Esse dilema diz respeito à própria práxis literária de Hölderlin, para a qual a literatura antiga (especialmente grega) é de importância central e decisiva. Como Hölderlin rejeita tanto a imitação ‘servil’ dos modelos antigos quanto a “presunção violenta” de ignorá-los inteiramente, ele busca uma terceira via e a esboça numa nota ao fragmento como “nossa direção particular”: “agir. Reação contra o positivo. Reavivar o que está morto por meio de sua unificação recíproca real (HÖLDERLIN 1961: 222).14 14 Ebd., S. 222; im Orig. gesperrt. O “morto” são as formas fixas da tradição: “tudo o que é aprendido, dado, positivo”; a ideia de uma “unificação recíproca” formula um caminho intermediário entre a “direção pura” de uma imitatio servil e epigonal e de uma reação defensiva “contra tudo o que foi aprendido”. As construções transmitidas pela tradição não devem ser meramente ignoradas, nem apenas copiadas, mas “reavivadas” pelo próprio “agir”. O que se pretende dizer com “unificação recíproca real” aprendemos ao lançar um olhar sobre a práxis poética de Hölderlin na época em que se apropria, por exemplo, da lírica sáfica - e de modo nada convencional. Ele o faz ao dissolver todas as representações convencionais tópicas15 15 “Dissolução” é um dos conceitos fundamentais nas reflexões fragmentares de Hölderlin sobre o Devir no soçobrar Werden im Vergehen (in: Hölderlin: Bd. 4: Der Tod des Empedokles, Aufsätze. Teil 1: Text, S. 282-287). Zur „desorgansirende[n]“ (ebd., S. 155) Kraft der Auflösung vgl. Stefan Metzger: „Auflösung“. In: Hölderlin-Jahrbuch 33 (2002/03), S. 79-119, hier S. 109f.: „[Auflösung] zielt immer auf ein Aufbrechen des Überkommenen, auf eine gewisse Zerstörung“. , evocando Safo por meio de uma citação métrica fragmentada (vgl. MENNINGHAUS 2005MENNINGHAUS, Winfried. Hälfte des Lebens. Versuch über Hölderlins Poetik. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2005.). Quando Hölderlin anuncia no final de 1802 em uma carta a Böhlendorff, que “o modo de cantar em geral assumirá um outro caráter e que nós [...] recomeçamos [...] a cantar de modo propriamente original” (HÖLDERLIN 1987HÖLDERLIN, Friedrich; BEIßNER, Friedrich (Hg.). Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Bd. 6: Briefe. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer, 1987.: 433), ele elabora para si essa originalidade precisamente em uma práxis intertextual intensiva que também lida de modo nada convencional com a mitologia antiga. Hölderlin estava ciente disso, como mostra claramente o prefácio a Friedensfeier: “Se alguns acharem uma tal linguagem pouco convencional, preciso lhes confessar: não consigo ser diferente” (HÖLDERLIN 1957HÖLDERLIN, Friedrich; BEIßNER, Friedrich (Hg.). Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Bd. 3: Hyperion. Stuttgart: Kohlhammer, 1957, 531-538.: 532).

Com Desejo, Jelinek se filia a essa força provocativa de individualidade estética, e exatamente as aparentes violações de Hölderlin são em sua ‘originalidade’ uma apropriação consequente da poética hölderliniana tardia de uma “aprioridade do individual”16 16 Friedrich Hölderlin: Die apriorität des Individuellen, in: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 339 , que confere a Desejo uma jocosidade quando, por exemplo, o imperativo “Pois, meu Gênio! Saia / Nu vida adentro e não te preocupes! [Drum, mein Genius! tritt nur / Baar in’s Leben, und sorge nicht]”17 17 Friedrich Hölderlin: Blödigkeit. In: F. H.: Ebd., S. 66. Citações desse poema Blödigkeit encontram-se, em estado desmantelado, nas páginas 204 -206 de Lust; Lust copia assim o procedimento textual de poema Blödigkeit, isto é, a mixtura verborum. Vgl. Hans Jürgen Scheuer: Verlagerung des Mythos in die Struktur. Hölderlins Bearbeitung des Orpheus-Todes in der Odenfolge Muth des Dichters - Dichtermuth - Blödigkeit. In: Jahrbuch der deutschen Schillergesellschaft 45 (2001), S. 250-277. é transformado na interpelação: “Pois então, sai do bar para a vida e não te preocupes! [Drum, tritt nur aus der Bar ins Leben und sorge nicht!]” (L 204; Desejo, p. 141) - O “gênio” se volatilizou significativamente na história - em contrapartida, ele domina no nível da linguagem. Segundo a observação de Christa Gürtler a respeito das correspondências na forma linguística entre Hölderlin e Jelinek, os paralelos literários formais entre ambos saltam aos olhos: Jelinek se apropria - apesar de toda a variação na aplicação concreta - especialmente de três princípios expositivos fundamentais da obra tardia de Hölderlin: em primeiro lugar a tendência à forma gnômica, em segundo a tendência à ‘harmonia austera’ [harte Fügung], em terceiro a inversão. Esses procedimentos se combinam com efeitos divergentes: o discurso gnômico é um modo de falar que não tolera nenhuma outra verdade ou réplica além da sua própria afirmação. Ele se dá como universalmente válido e factual. Os princípios da ‘harmonia austera’ e da inversão, por sua vez, possuem já em Hölderlin o efeito de uma ‘abertura’ do discurso poético, e encarnam em sua poesia tardia um princípio que se opõe à reivindicação absoluta da validade. A relevância da figura da inversão em Desejo já foi sublinhada por Kremer que a considera como “a figura principal de uma estética do grotesco”. Com razão, mais do que figura retórica, ele vê nela um princípio fundamental da inversão: “ela inverte o dentro para fora, o baixo para cima, transforma o elevado no que há de mais baixo”.18 18 Kremer: Groteske Inversionen, S. 76. Vgl. auch ebd., S. 85: „Mit der Kontamination von pornographischem Niedrigst-Diskurs und einer erhabenen Höhenkamm-Grammatik holt Jelineks Text die inhaltlichen De acordo com isso, as adaptações de Jelinek não copiam simplesmente os princípios estilísticos de Hölderlin, mas os transformam - como as citações - para suas próprias finalidades. Essas invenções literárias contribuem consideravelmente para a constituição do caráter artístico do texto. Desejo recorre a Hölderlin como vanguardista no sentido de Bourdieu: como um autor que amplia os limites do esteticamente possível no polo autônomo do campo literário - o mesmo objetivo que Jelinek busca com seu romance.

A seguir, gostaria de apresentar brevemente a contínua modulação dos princípios estilísticos de Hölderlin - o princípio gnômico e o da harmonia austera.

Violência gnômica

Gnomas de Hölderlin como “Mas o que resta, fundam os poetas” (HÖLDERLIN 1987HÖLDERLIN, Friedrich; BEIßNER, Friedrich (Hg.). Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Bd. 6: Briefe. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer, 1987.: 189)19 19 Friedrich Hölderlin: Andenken. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 188-189, hier S. 189. ou “Mas onde há perigo, cresce / Também o que salva”20 20 Friedrich Hölderlin: Patmos. In: Ebd, S. 165-172, hier S. 165. contam entre as passagens mais conhecidas de sua obra. Desejo cita, p. ex., a conhecida gnoma de Mnemosyne “mas acontece / O verdadeiro [es ereignet sich aber / Das Wahre]” em duas passagens: “Nas casas, dentro em pouco a luz se acenderá, vai acontecer o verdadeiro e o quente [es ereignet sich dann das Wahre und das Warme], e nos cofrinhos das mulheres começarão a bater os martelos” (L 69; Desejo, p. 63). Bem mais adiante: “Está bem, o veículo parte, mas o conteúdo dessas pessoas fica ali e dormita na natureza, onde a coisa verdadeira acontece [wo sich das Wahre ereignet] e as coisas mercadorias são enganadas pelas próprias etiquetas” (L 206; Desejo, p. 142). Segundo a análise linguística de Émile Benveniste, a fala gnômica figura como um tipo de afirmação que se apresenta como “atemporal, impessoal e não modal”, e assim formula uma exigência de validade universal.21 21 Émile Benveniste: Probleme der allgemeinen Sprachwissenschaft. Aus dem Französischen v. Wilhelm Bolle. München: List 1974 (= List-Taschenbücher der Wissenschaft, Bd. 1428: Linguistik), S. 178. Por isso, não surpreende que na pesquisa de Hölderlin justo tais formas gnômicas volta e meia tenham sido entendidas como o credo e essência da ‘filosofia’ de Hölderlin, em particular no entendimento de Martin Heidegger22 22 Martin Heidegger: Erläuterungen zu Hölderlins Dichtung. Frankfurt a.M.: Klostermann 41971; vgl. Iris Buchheim: Heidegger. In: Hölderlin-Handbuch. Leben - Werk - Wirkung. Hg. v. Johann Kreuzer. Stuttgart/Weimar: Metzler 22011, S. 432-438. ; mas também teóricos literários como Jochen Schmidt, por exemplo, comenta a gnoma final de Der Enzige “os poetas também precisam / ser o espiritual mundano”23 23 Friedrich Hölderlin: Der Einzige. Erste Fassung. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 153-156, hier S. 156. da seguinte forma:

Hölderlin enfatizou frequentemente a dignidade extraordinária do ofício poético, sobretudo na ode Dichterberuf e no hino Wie wenn am Feiertage... Mas em nenhum lugar ele se eleva tão próximo do divino como aqui, na gnoma pindárica que encerra de forma decisiva o poema Der Einzige. Num hermetismo intencional - afinal o que é dito aqui é ainda mais audacioso do que naqueles primeiros versos em que ouvimos: “E ousado confesso” [...] - esses versos finais colocam o poeta ao lado de Cristo e dos outros antigos semideuses.24 24 Jochen Schmidt: Hölderlins geschichtsphilosophische Hymnen Friedensfeier, Der Einzige, Patmos. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft 1990, S. 144f.

Segundo Schmidt, as gnomas universalizam na obra de Hölderlin “experiências que surgem no momento da epifania”25 25 Ebd., S. 18. , e assim asseguram a ‘mensagem’ de sua poesia. Jelinek ‘desmitologiza’ e relativiza a gnoma concreta e a ironiza por meio de uma complementação paronomástica com o “quente [Warme]” e as “mercadorias [Waren]”. Mas ela assume o gesto gnômico da fala e o converte em ‘princípio gnômico’ que domina o texto inteiro, como já se anuncia desde seu começo:

Os véus das cortinas se estendem entre a mulher em seu casulo e os demais, que também têm casa própria e peculiaridades. Os pobres, eles também têm suas casas, nas quais seus rostos amigos estão agrupados; apenas o de sempre [das immer gleiche] os distingue. Nessa condição eles adormecem: indicando seus laços com o diretor, que, respirando, é seu pai eterno [ewiger]. Esse homem que lhes derrama a verdade com sua respiração, tão natural [selbstverständlich] é o modo com que governa, agora está farto das mulheres, sai bradando em voz alta por toda parte que só precisa desta, a sua. Ele é [Er ist] ignorante como as árvores ao seu redor. Ele é [Er ist] casado, e isso constitui um contrapeso para suas diversões. No casal, os dois não coram um diante do outro: riem e são e foram [sind und waren] tudo um para o outro. L 7; Desejo, p. 8; grifos nossos)

Jelinek costura aqui um fragmento do Homburger Folioheft, a segunda versão de Das Nächste Beste:

Muitos há/são na Alemanha Há casas de espíritos amigáveis que Pertencem juntos, pois os castos Distingue uma mesma lei. Mas o ofício do dia permanece, Para o esquecimento da Terra, A verdade, porém, doa Aos que respiram, o pai eterno.26 26 Friedrich Hölderlin: Das Nächste Beste. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 234-236, hier S. 236 (trad. K. Rosenfield).

A tendência para a codificação gnômica, já presente no fragmento de Hölderlin, é intensificada no trabalho de Jelinek: descreve-se um estado presente que se expande infinitamente no tempo. O texto de Jelinek reverencia o princípio do Sempre Mesmo [Immer Gleiche] em sua estrutura rudimentar ad nauseam, na impiedosa e repetitiva descrição do eternamente potente marido e seu eterno retorno com agressões sexuais conjugais. Todos os atributos a ele conferidos tornam-se insignificantes diante da sua contínua atividade sexual, da constante autoafirmação de sua posição. Pouco importa se ele é “ignorante como as árvores ao seu redor” ou “casado”: o que conta é o que se repete, ou seja, o que permanece igual: “ele é”. Embora a isso estejam ligados atributos, pela repetição anafórica do “ele é” a frase recebe algo do caráter de uma oração nominal, na qual a atenção é inteiramente voltada para o sujeito. Uma violência estrutural corresponde à violência pessoal.

A afirmação total de uma realidade retratada como horrível, sem alternativa, que foi o objeto de repetidas críticas aos romances de Jelinek, é o resultado desse gesto gnômico da enunciação: ela apresenta sua narrativa no tom de uma auctoritas que não faz do abuso de poder sexual e social um caso isolado, mas o expõe no modo de vigência total. O potencial de agressão evocado na leitura de Desejo não se deve apenas aos conteúdos apresentados, mas talvez bem mais ao como coercitivo dessa postura narrativa. Na direção de uma posição absoluta do princípio gnômico desponta também a escolha do tempo da narração de Jelinek: o persistente tempo gramatical do presente não tem tanto o efeito de uma presentificação, como no assim chamado “presente épico” da teoria da narrativa. O presente jelinesko assume antes o caráter de um presente gnômico que carrega em si a exigência de apresentar seu conteúdo como atemporal e universalmente válido. Esse efeito é ainda reforçado pelas ênfases sobre o eterno, que encontramos com frequência já no começo do romance.

Mas nisso o texto de Jelinek mantém uma conexão latente com outro grupo textual de Hölderlin, ou seja, com as “Canções da Torre”. O “domínio exclusivo do presente”, do qual falou Bernhard Böschenstein ao referir-se aos textos mais tardios de Hölderlin,27 27 Bernhard Böschenstein: Hölderlins späteste Gedichte. In: Hölderlin-Jahrbuch 14 (1965/66), S. 35-56, hier S. 47. é consequência de um estilo nominal de exposição, conforme já anunciavam as inserções gnômicas da obra tardia.

Já Friedrich Beißner observou que os poemas mais tardios de Hölderlin “jamais descrevem um processo único em sua especificidade”.28 28 A citação segue: Roman Jakobson, Grete Lübbe-Grothues: Ein Blick auf Die Aussicht von Hölderlin. In: J.: Poesie der Grammatik und Grammatik der Poesie. Sämtliche Gedichtanalysen. Hg. v. Hendrik Birus u. Sebastian Donat. Bd. 2: Analysen zur Lyrik von der Romantik bis zur Modern. Berlin/New York: de Gruyter 2007, S. 139-248, hier S. 215. O mundo ali descrito é imutável e inalterável - como a demanda absoluta de Hermann em Desejo.

A impressão de uma crítica inerente à violência gnômica se intensifica pelo segundo princípio estilístico que o texto de Jelinek incorpora de Hölderlin. Como em sua obra tardia, as tendências gnômicas sofrem oposição de uma outra figura estilística que trabalha em sua desvalorização: a ‘harmonia austera’.

Harmonia austera

Ao redescobrir Hölderlin no começo do século XX, Norbert von Hellingrath reivindicou, no contexto de sua edição das traduções hölderlinianas de Píndaro, o princípio estilístico retórico da ‘harmonia austera’ como fundamental para a obra do autor. Recorrendo ao antigo retórico Dionísio de Halicarnasso, Hellingrath diferencia tipologicamente o estilo lírico segundo uma separação bipolar:

onde a harmonia suave mostrava as formas e ordens mais simples/usando palavras pouco chamativas/a harmonia austera surpreende pela linguagem inabitual e estranha. A harmonia lisa procurava evitar que a própria palavra se destacasse e impusesse ao ouvido do ouvinte [...] por isso, a palavra precisava recuar com maior modéstia, / submetendo-se ao contexto com um mínimo de tensão. a harmonia austera, ao contrário, faz tudo para enfatizar a própria palavra e imprimi-la na memória do ouvinte/ despindo-a o quanto possível das associações sentimentais e imagéticas de que dependia.29 29 Norbert von Hellingrath: Pindarübertragungen von Hölderlin. Prolegomena zu einer Erstausgabe. Jena: Diederichs 1911, S. 4f.

Hellingrath também comenta o efeito desse estilo na recepção:

Assim/ de palavra grave em palavra grave, esse modo poético provoca o ouvinte/ jamais <deixa-o> voltar a si nem lhe dá a liberdade de sentir, compreender e representar algo por conta própria: de palavra em palavra, ele precisa seguir a corrente, e nesse redemoinho das massas pesadas que se entrechocam num elã ora confuso, ora festivo e solene, está sua essência e seu verdadeiro caráter artístico. e se na harmonia suave o ouvinte inicialmente se encontrava preenchido por uma representação/ ao ponto de, no limite, quase não mais apreender a palavra em si/ ele fica aqui, ao contrário, impregnado pela palavra sonora e esplendorosa, da qual, no limite, ele não mais capta o sentido, e tampouco o contexto que com ela se conecta.30 30 Ibidem, p. 6.

O que conta no princípio da ‘harmonia austera’, é a formação de conexões inabituais que criam relações de tensão e conflito. Ela provoca intencionalmente uma interrupção da linguagem ‘suavemente fluente’ e, ao reunir elementos incongruentes, causa uma divergência deliberada entre a audição ou a leitura e a compreensão: o ouvinte percebe a peculiaridade da forma linguística, sim, ele é literalmente cativado por ela, sem ser capaz de atribuir claramente suas referências referenciais. O caráter artístico de Desejo conduz a linguagem a se colocar continuamente como “véus de cortina” (L 7) diante do apresentado, perturbando assim com seus ornamentos a demanda voyeurística.31 31 Adorno fala de “perturbações artificiosas” („kunstvollen Störungen) no seu ensaio Parataxis, a respeito da lírica de Hölderlins. Theodor W. Adorno: Parataxis. In: T. W. A.: Gesammelte Schriften. Hg. v. Rolf Tiedemann. Bd. 11: Noten zur Literatur. Frankfurt a.M.: Suhrkamp 71998, S. 447-491, hier S. 471.

A ‘harmonia austera’ produz na lírica tardia de Hölderlin efeitos de estranhamento que podem ser compreendidos - no sentido do formalismo russo - como desautomatização. Em Hölderlin, tais ‘harmonias austeras’ aparecem sobretudo por meio da integração do estilo grego antigo - e, em Jelinek, sobretudo por meio do material linguístico hölderliniano e pela adaptação de seus princípios estilísticos no plano sintático e macrotextual. A figura fundamental é coerentemente a catacrese.32 32 Ursula Kocher: Ein Bild ohne Worte. Bildersprache in der Prosa Elfriede Jelineks. In: Positionen der Jelinek-Forschung. Beiträge zur Polnisch-Deutschen Elfriede Jelinek-Konferenz Olsztyn 2005. Hg. v. Claus Zittel u. Marian Holona. Bern u. a.: Lang 2008 (= Jahrbuch für Germanistik: Reihe A, Kongressberichte, Bd. 74), S. 123-140, hier S. 136f. Mas em grande medida Desejo filia-se também ao princípio da ‘harmonia austera’, p. ex., na justaposição disjuntiva de temas:

A água é azul e nunca se aquieta. Mas o homem volta de sua jornada diária para casa. Gosto não é para qualquer um. O filho tem aula hoje à tarde. O diretor adaptou tudo para o computador, tem como hobby desenvolver ele mesmo os seus programas. Não ama a coisa fera, a calada floresta não lhe diz absolutamente nada. A mulher abre a porta, e ele reconhece que nada é grande demais para seu domínio, mas também nada é pequeno demais, senão será imediatamente aberto. Sua avidez é sincera, encaixa-se nele como o violino sob o queixo do filho. Os entes amáveis se encontram várias vezes na casa, porque tudo flui de seus corações e será proclamado para dentro do luminoso. O homem agora quer ficar sozinho com sua esposa celestial. As pessoas pobres têm que pagar antes que lhes seja permitido deitar-se nas margens. (L 15; Desejo, p. 13)33 33 Cf. também as interrupções com mensagens totalmente contingentes: „Oh je, was die alles anhat! Kleingeschnitten stapelt sich das Holz um die Fabriken und Sägemühlen herum. Warum hat die Frau Direktor Stöckelschuhe angezogen, wo überall gefrorenes Wasser mühsam den Boden und uns bändigt?“ (LU 176).

Irritações no fluxo de leitura resultam também de caprichos tipográficos, como separação de palavras, p. ex., “esses am bos [diese bei den]” (L 251) ou abreviações como “florestas federais austr” (L 182) ou “meio social crist” (L 186). Em toda sua tendência gnômica, Desejo de Jelinek é ao mesmo tempo um texto que, em seu todo, interrompe a si mesmo, e que estilisticamente mina sua própria demanda por autoridade.

Enquanto o mundo é apresentado como inexorável, o texto gera a si mesmo como um produto artístico que provoca repetidamente, em sua leitura, a aceitação desse poder de vigência por meio do princípio da ‘harmonia austera’. No nível da forma linguística, Desejo encena um conflito de dois princípios antagônicos: o absoluto gnômico se contrapõe à fragmentação34 34 Numa entrevista da revista literária Salzburguense Salz (1988 entrevista, 1990 publicação) Jelinek descreve ela mesma sua linguagem como “extremamente fragmentarizante… na qual, por assim dizer, a linguagem se rompe, rompendo ao mesmo tempo a paisagem” („stark fragmentarisierende[] […], wo sozusagen die Sprache zerbricht und die Landschaft gleichzeitig zerbricht“) Lachinger: Kinder, Marsmenschen und Frauen, S. 41. da ‘harmonia austera’ e da inversão. O livro reproduz a bipolaridade semântica que marca a sátira como modo de escrita, conforme a conceituação clássica feita por Schiller:

Na sátira, a realidade é contrastada com o ideal enquanto realidade mais elevada. Não é necessário, aliás, que este último seja explicitado, se o poeta souber despertar seu vislumbre na mente do leitor; eis sua tarefa - caso contrário, sua obra parecerá nada poética. A realidade é, na sátira, um objeto de necessária antipatia; mas o que conta aqui é que essa antipatia deve necessariamente brotar do ideal que se opõe à realidade.35 35 Friedrich Schiller: Ueber naive und sentimentalische Dichtung. In: F. Sch.: Schillers Werke. Nationalausgabe. Bd. 20: Philosophische Schriften, Teil 1. Unter Mitwirkung v. Helmut Koopmann hg. v. Benno von Wiese. Weimar: Böhlau 1962, S. 413-503, hier S. 442.

Na verdade, Jelinek já não conhece mais um “ideal de [uma] realidade mais elevada” e nem uma norma ética ou uma norma da unidade linguística, como ainda almejava a sátira de Karl Kraus36 36 Pizer: Modern vs. Postmodern Satire, 1994, S. 502. - de modo que suas sátiras devem ser descritas com o conceito de “negatividade”.37 37 Cf. à respeito desse assunto: Mandy Dröscher-Teille: Autorinnen der Negativität. Essayistische Poetik der Schmerzen bei Ingeborg Bachmann - Marlene Streeruwitz - Elfriede Jelinek. Paderborn: Fink 2018, S.441: “A poética de Jelinek tem a característica essencial de se arrogar uma apresentação radical, extrema e extremada da negatividade (i.é. dos aspectos negativos)” („Elfriede Jelineks Poetik ist wesentlich dadurch charakterisiert, das sie sich die radikale, extreme und übersteigerte Darstellung des Negativen ‚anmaßt“). Mas é constitutivo para a sátira uma postura de recusa, pois deve haver estruturalmente um polo oposto que produz distância, mesmo que ele não seja perceptível no conteúdo.38 38 Cf. Jürgen Brummack: Zu Begriff und Theorie der Satire, 1971, S. 282, und die Diskussion bei Wolfgang Preisendanz: Negativität und Positivität im Satirischen. In: W. P., Warning (Hg.): Das Komische, 1976, S. 413-416. No contexto de uma passagem autorreflexiva, na qual o eu da autora toma a palavra (como ocorre frequentemente) e menciona que a fábrica de papel derruba as florestas também para ela mesma - afinal, escritores precisam de papel -, chama a atenção a autocaracterização “eu, que sou livre” (L 80). Esse eu se define como “sem responsabilidades []” (L 80) - e se situa, com isso, fora das relações de poder descritas. A afirmação da liberdade formula “a demanda por autonomia de um escritor ‘livre’”39 39 Eberhard Lämmert: Der freie Schriftsteller als Phänotyp einer Epoche. Einführung. In: „Für Viele stehen, indem man für sich steht“. Formen literarischer Selbstbehauptung in der Moderne. Hg. v. Eckart Goebel u. E. L. Berlin: Akademie Verlag 2004 (= LiteraturForschung), S. 1-8. , e nisto constitui-se a postura da instância autoral implícita de Desejo, a qual se esconde ‘atrás’ da persona satírica da autora: o modelo implícito de autor representa uma enfática exigência artística por individualidade e autonomia estéticas radicais, e vem à tona na virtuosidade poética - nessa direção aponta já a epígrafe de São João da Cruz. Só a liberdade prática como desvinculação social possibilita o ataque satírico em sua falta de respeito em geral. Essa liberdade social se espelha na liberdade estética, no ideal de uma “arte enfática da linguagem”40 40 Zymner: Emphatische Sprachkunst. , tal como a que Jelinek compartilha com Hölderlin, ainda que sejam naturalmente distintos a forma concreta e os conteúdos - condicionados sobretudo pela diferença histórica. Esse trabalho estético-linguístico é tão intenso em Desejo como jamais fora nos textos de Jelinek41 41 Cf. a avaliação de Kocher: Ein Bild ohne Worte, S. 138: “Desejo marca o auge da riqueza linguística, seria difícil obter mais efeitos a partir do material línguístico”. „Lust markiert den Höhepunkt sprachlicher Vielfalt, mehr ist aus dem Material Sprache wohl kaum noch herauszuholen“. , a ponto de ser sugerido classificá-lo como poema em prosa:42 42 Hans H. Hiebel: Elfriede Jelineks satirisches Prosagedicht Lust. In: Sprachkunst 23 (1992), S. 291-308, dort auch S. 296-298 eine Auflistung der wichtigsten Tropen und Figuren. ‘Desejo’ é um único encadeamento de catacreses, metáforas, hipérboles, paronomásias e jogos de palavras chistosos de todo tipo43 43 Ebd., S. 298; Herv. i. O. . Reivindicada pelo Hölderlin tardio, a pretensão artística ambiciosa é funcional em Desejo: a individualidade estética da língua literária forma o “contrapeso” (L 7) à impossibilidade da individualidade real,44 44 A convicção de Jelinek, tantas vezes citada, de que não existiria mais individualidade, não contradiz esse fato, pois essa tese refere-se à realidade cotidiana, não à esfera da arte; nesse última, o próprio texto de Jelinec prova que uma estética individual é possível, mesmo que se trate de uma individualidade de ‘segundo grau. ela encarna e até mesmo cria um espaço livre que a princípio não existe efetivamente - “um novo espaço na realidade”45 45 Jelinek: Ist die Schwarze Köchin da?, 2009, S. 23. - e é legível como negação de heterodeterminação. Nessa medida, a impressão de uma dissociação entre forma linguística e conteúdo é motivada poetologicamente: a forma linguística, que não se deixa confiscar em sua individualidade livre e em seu distanciamento da convencionalidade linguística, simboliza uma indisponibilidade que mantém distantes as impertinências da realidade. Quando o Eu confessa com uma citação inconspícua de Die Titanen46 46 Friedrich Hölderlin: Die Titanen. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 217-219, hier S. 217. : “eu porém estou só” (L 218), ele formula a solidão, o distanciamento da sociedade, como um pré-requisito para uma “distância crítica”47 47 Jelinek: Ist die Schwarze Köchin da?, 2009, S. 25. necessária para a sátira e ao mesmo tempo produzida por ela. Contudo, isso continua sendo uma liberdade puramente estética. Segundo a poética de Desejo, autonomia só é possível no medium da literatura. O virtuosismo da audácia linguística herdada de Hölderlin - seu princípio de vanguarda, ante lettera - é o único ideal no romance de Jelinek.

(Trad.: Kathrin Holzermayr Rosenfield; Revisão: Wagner Quevedo)

Referências Bibliográficas

  • ADORNO, Theodor W. Parataxis. In: ADORNO, Theodor W.; TIEDEMANN, Rolf (Hg.). Gesammelte Schriften. Bd. 11: Noten zur Literatur. 7. ed. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1998, 447-491.
  • BENVENISTE, Émile. Probleme der allgemeinen Sprachwissenschaft. Aus dem Französischen v. Wilhelm Bolle. München: List, 1974 (= List-Taschenbücher der Wissenschaft, Bd. 1428: Linguistik).
  • BÖSCHENSTEIN, Bernhard (Hg.). Hölderlins späteste Gedichte. In: Hölderlin-Jahrbuch 14. Stuttgart: J.B. Metzler, 1965/66, 35-56, hier 47.
  • BRUMMACK, Jürgen. Zu Begriff und Theorie der Satire. In: DVjs 45. Stuttgart: Sonderheft Forschungsreferate, 1971, 275-377.
  • BUCHHEIM, Iris. Heidegger. In: KREUZER, Johann (Hg.). Hölderlin-Handbuch. Leben - Werk - Wirkung. 2. ed. Stuttgart: Metzler, 2011, 432-438.
  • BURDORF, Dieter. „Wohl gehn wir täglich, doch wir bleiben hier “. Zur Funktion von Hölderlin-Zitaten in Texten Elfriede Jelineks. Sprache und Literatur in Wissenschaft und Unterricht 21, H. 66, 29-36, 1990.
  • DRÖSCHER-TEILLE, Mandy. Autorinnen der Negativität. Essayistische Poetik der Schmerzen bei Ingeborg Bachmann - Marlene Streeruwitz - Elfriede Jelinek. Paderborn: Fink, 2018.
  • GÜRTLER, Christa. Die Entschleierung der Mythen von Natur und Sexualität. In: GÜRTLER, Christa. (Hg.). Gegen den schönen Schein. Texte zu Elfriede Jelinek. Frankfurt am Main: Verlag Neue Kritik, 1990, 120-134.
  • HEIDEGGER, Martin. Erläuterungen zu Hölderlins Dichtung. 4. ed. Frankfurt a.M.: Klostermann, 1971.
  • HELLINGRATH, Norbert von. Pindarübertragungen von Hölderlin. Prolegomena zu einer Erstausgabe. Jena: Diederichs, 1911.
  • HIEBEL, Hans H. Elfriede Jelineks satirisches Prosagedicht Lust. In: Sprachkunst 23. 1992, 291-308.
  • HÖLDERLIN, Friedrich; BEIßNER, Friedrich (Hg.). Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Bd. 2: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text. 2. ed. Stuttgart: Kohlhammer, 1987.
  • HÖLDERLIN, Friedrich; BEIßNER, Friedrich (Hg.). Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Bd. 3: Hyperion. Stuttgart: Kohlhammer, 1957, 531-538.
  • HÖLDERLIN, Friedrich; BEIßNER, Friedrich (Hg.). Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Bd. 6: Briefe. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer, 1987.
  • HÖLDERLIN, Friedrich; SATTLER, Dietrich E (Hg.). Sämtliche Werke. Frankfurter Ausgabe, Suppl. 3: Homburger Folioheft. Basel: Stroemfeld, 1986.
  • ISENSCHMID, Andreas. „Trivialroman in experimenteller Tarnung“. In: BARTSCH, Kurt; HÖFLER, Günther A. (Hg.). Neue Zürcher Zeitung, 4./5.6. 1989. Zitiert nach: Kurt Bartsch u. Günther A. Höfler (Hg.): Elfriede Jelinek. Wien: Droschl, 1991 (= Dossier; Bd. 2), 239-243.
  • JAKOBSON, Roman; LÜBBE-GROTHUES, Grete. Ein Blick auf Die Aussicht von Hölderlin. In: JAKOBSON, Roman; LÜBBE-GROTHUES, Grete. Poesie der Grammatik und Grammatik der Poesie. Sämtliche Gedichtanalysen. Hg. v. Hendrik Birus u. Sebastian Donat. Bd. 2: Analysen zur Lyrik von der Romantik bis zur Modern. Berlin: de Gruyter, 2007, 139-248.
  • JANZ, Marlies. Elfriede Jelinek. Stuttgart: Metzler, 1995.
  • JELINEK, Elfriede. Ist die Schwarze Köchin da? Ja, ja, ja! Zu Gisela Elsner. In: KÜNZEL, Christine: Die letzte Kommunistin. Texte zu Gisela Elsner. Hg. v. Christine Künzel. Hamburg: KVV konkret, 2009 (= Konkret. Texte, Bd. 49), 23-28.
  • JELINEK, Elfriede. Lust. Reinbek bei Hamburg: Rowohlt, 1989.
  • KOCHER, Ursula. Ein Bild ohne Worte. Bildersprache in der Prosa Elfriede Jelineks. In: ZITTEL, Claus; HOLONA, Marian (Hg.). Positionen der Jelinek-Forschung. Beiträge zur Polnisch-Deutschen Elfriede Jelinek-Konferenz Olsztyn 2005. Bern u. a.: Lang, 2008 (= Jahrbuch für Germanistik: Reihe A, Kongressberichte, Bd. 74), 123-140.
  • KREMER, Detlef. Groteske Inversionen. Elfriede Jelineks und Elfriede Czurdas Vernichtung des phallischen Diskurses. In: HEILMANN, Markus Heilmann; WÄGENBAUR, Thomas (Hg.). Im Bann der Zeichen. Die Angst vor Verantwortung in Literatur und Literaturwissen-schaft. Würzburg: Königshausen & Neumann, 1998, 75-88.
  • LACHINGER, Renate. Kinder, Marsmenschen und Frauen. Ein Gespräch mit Elfriede Jelinek. Salz 15, H. 60, 40-46, 1990.
  • LAHANN, Birgit. „Männer sehen in mir die große Domina“. In: Stern 37 (8.9.1988), 76-85.
  • LÄMMERT, Eberhard. Der freie Schriftsteller als Phänotyp einer Epoche. Einführung. In: GOEBEL, Eckart; LÄMMERT, Eberhard (Hg.). „Für Viele stehen, indem man für sich steht“. Formen literarischer Selbstbehauptung in der Moderne. Berlin: Akademie Verlag, 2004 (= LiteraturForschung), 1-8.
  • MATT, Peter von. Verkommene Söhne, mißratene Töchter. Familiendesaster in der Literatur. München: Hanser, 1995.
  • MENNINGHAUS, Winfried. Hälfte des Lebens. Versuch über Hölderlins Poetik. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 2005.
  • PIZER, John. Modern vs. Postmodern Satire: Karl Kraus and Elfriede Jelinek. Monatshefte 86, H. 4, 500-513, 1994.
  • PREISENDANZ, Wolfgang. Negativität und Positivität im Satirischen. In: PREISENDANZ, Wolfgang; WARNING, Rainer (Hg.). Das Komische. (Poetik und Hermeneutik; Bd. VII). München: Fink, 1976, 413-416.
  • SCHEICHL, Sigurd Paul. Der Stilbruch als Stilmittel bei Karl Kraus. In: SCHEICHL, Sigurd Paul; TIMMS, Edward (Hg.). Karl Kraus in neuer Sicht. Londoner Kraus-Symposium. München: edition text + kritik, 1986 (= Kraus-Hefte, Sonderband), 128-141.
  • SCHEUER, Hans Jürgen. Verlagerung des Mythos in die Struktur. Hölderlins Bearbeitung des Orpheus-Todes in der Odenfolge Muth des Dichters - Dichtermuth - Blödigkeit. In: Jahrbuch der deutschen Schillergesellschaft 45. 2001, 250-277.
  • SCHILLER, Friedrich. Ueber naive und sentimentalische Dichtung. In: SCHILLER, Friedrich. Schillers Werke. Nationalausgabe. Bd. 20: Philosophische Schriften, Teil 1. Unter Mitwirkung v. Helmut Koopmann, hg. v. Benno von Wiese. Weimar: Böhlau, 1962, 413-503.
  • SCHMIDT, Jochen. Hölderlins geschichtsphilosophische Hymnen Friedensfeier, Der Einzige, Patmos. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1990.
  • STOESSEL, Marleen. Ein Zeichen sind wir, deutungslos. Wunderwerk der Reproduktionstechnik: Friedrich Hölderlins Homburger Folioheft in einer eindrucksvollen Faksimile-Edition. DIE ZEIT, Hamburg, n. 46, 6 nov. 1986.
  • WAGENKNECHT, Christian J. Das Wortspiel bei Karl Kraus. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1965 (= Palaestra; Bd. 242).
  • ZANETTI, Sandro. Avantgardismus der Greise? Spätwerke und ihre Poetik. Paderborn: Fink, 2012.
  • ZYMNER, Rüdiger. Emphatische Sprachkunst. Zum Verhältnis von Rhetorik und Literatur bei Karl Kraus. In: Griffel 2. 1995, 32-41.
  • 2
    Cf. “um anseio corre ao liberto (ins Ungebundene gehet eine Sehnsucht)” in: Friedrich Hölderlin: Mnemosyne. Dritte Fassung. In: F. H.: Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Hg. v. Friedrich Beißner. Bd. 2: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer 21987, S. 197-198, hier S. 197.
  • 3
    Jelinek, Elfriede. Desejo (p. 25). Tordesilhas. Edição do Kindle.; trad. modificada K. Rosenfield)
  • 4
    Friedrich Hölderlin: Hälfte des Lebens. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 117 [cf. tradução de Manuel Bandeira]; grifos nossos. Cf. também a seguinte passagem: “eles mergulham a cabeça de Gerti [...] naquela água não mais sóbria” (Desejo, p. 139) [„Sie tunken Gerti das Haupt […] ins nicht mehr nüchterne Wasser“ (L 201)]
  • 5
    Friedrich Hölderlin: Lebensalter. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 115. Grifos nossos.
  • 6
    Friedrich Hölderlin: Chiron. In: F. H.: Ebd., S. 56-57, hier S. 56; (trad. K. Rosenfield).
  • 7
    Vgl. Hyperions Schiksaalslied, 3. Strophe: „Doch uns ist gegeben, / Auf keiner Stätte zu ruhn, / Es schwinden, es fallen / Die leidenden Menschen / Blindlings von einer / Stunde zur andern, / Wie Wasser von Klippe / Zu Klippe geworfen, / Jahr lang ins Ungewisse hinab“. Friedrich Hölderlin: Hyperions Schiksaals-lied. In: F. H.: Ebd., S. 265.
  • 8
    Hölderlin: Mnemosyne, S. 197: „Reif sind, in Feuer getaucht, gekochet / Die Frücht“; […] Und vieles / Wie auf den Schultern eine / Last von Scheitern ist / Zu behalten. […] / […] Ein Wandersmann geht zornig, / Fern ahnend mit / Dem anders, aber was ist dies? / / Am Feigenbaum ist mein / Achilles mir gestorben, / Und Ajax liegt / An den Grotten der See“. (grifo nosso)
  • 9
    Paronomasias, quebras de estilo e todo o jogo com homofonias sáo típicos para a obra de K. Kraus, cuja arte retórica leva Rüdiger Zymner à consideração de considerar Kraus “como um duplo ou pelo menos ‘um análogo moderno’ da arte da argúcia’ („als eine Art Wiedergänger oder zumindest als einen ‚modernen, analogen Fall‘ der Argutia-Kunst [zu]bezeichnen“). Rüdiger Zymner: Emphatische Sprachkunst. Zum Verhältnis von Rhetorik und Literatur bei Karl Kraus. In: Griffel 2 (1995), S. 32-41, hier S. 37. Vgl. auch Christian J. Wagenknecht: Das Wortspiel bei Karl Kraus. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht 1965 (= Palaestra, Bd. 242) und Sigurd Paul Scheichl: Der Stilbruch als Stilmittel bei Karl Kraus. In: Karl Kraus in neuer Sicht. Londoner Kraus-Symposium. Hg. v. S. P. Sch. u. Edward Timms. München: edition text + kritik 1986 (= Kraus-Hefte, Sonderband), S. 128-141.
  • 10
    Vgl. dort die Fußnote 21.
  • 11
    Cf. a entrevista com Lahann (1988LAHANN, Birgit. „Männer sehen in mir die große Domina“. In: Stern 37 (8.9.1988), 76-85.): „Männer sehen in mir die große Domina“.
  • 12
    Friedrich Hölderlin: Sämtliche Werke. Frankfurter Ausgabe Hg. v. Dietrich E. Sattler, Suppl. 3.: Homburger Folioheft. Basel/Frankfurt a.M.: Stroemfeld/Roter Stern 1986. Vgl. den Bericht von Marleen Stoessel: Ein Zeichen sind wir, deutungslos. Wunderwerk der Reproduktionstechnik: Friedrich Hölderlins Homburger Folioheft in einer eindrucksvollen Faksimile-Edition. In: DIE ZEIT Nr. 46 (6.11.1986).
  • 13
    Friedrich Hölderlin: Der Gesichtspunct aus dem wir das Altertum anzusehen haben. In: F. H.: Sämtliche Werke. Große Stuttgarter Ausgabe. Hg. v. Friedrich Beißner. Bd. 4: Der Tod des Empedokles, Aufsätze. Teil 1: Text. Stuttgart: Kohlhammer 1961, S. 221-222, hier S. 221. (tradução K. Rosenfield)
  • 14
    Ebd., S. 222; im Orig. gesperrt.
  • 15
    “Dissolução” é um dos conceitos fundamentais nas reflexões fragmentares de Hölderlin sobre o Devir no soçobrar Werden im Vergehen (in: Hölderlin: Bd. 4: Der Tod des Empedokles, Aufsätze. Teil 1: Text, S. 282-287). Zur „desorgansirende[n]“ (ebd., S. 155) Kraft der Auflösung vgl. Stefan Metzger: „Auflösung“. In: Hölderlin-Jahrbuch 33 (2002/03), S. 79-119, hier S. 109f.: „[Auflösung] zielt immer auf ein Aufbrechen des Überkommenen, auf eine gewisse Zerstörung“.
  • 16
    Friedrich Hölderlin: Die apriorität des Individuellen, in: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 339
  • 17
    Friedrich Hölderlin: Blödigkeit. In: F. H.: Ebd., S. 66. Citações desse poema Blödigkeit encontram-se, em estado desmantelado, nas páginas 204 -206 de Lust; Lust copia assim o procedimento textual de poema Blödigkeit, isto é, a mixtura verborum. Vgl. Hans Jürgen Scheuer: Verlagerung des Mythos in die Struktur. Hölderlins Bearbeitung des Orpheus-Todes in der Odenfolge Muth des Dichters - Dichtermuth - Blödigkeit. In: Jahrbuch der deutschen Schillergesellschaft 45 (2001), S. 250-277.
  • 18
    Kremer: Groteske Inversionen, S. 76. Vgl. auch ebd., S. 85: „Mit der Kontamination von pornographischem Niedrigst-Diskurs und einer erhabenen Höhenkamm-Grammatik holt Jelineks Text die inhaltlichen
  • 19
    Friedrich Hölderlin: Andenken. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 188-189, hier S. 189.
  • 20
    Friedrich Hölderlin: Patmos. In: Ebd, S. 165-172, hier S. 165.
  • 21
    Émile Benveniste: Probleme der allgemeinen Sprachwissenschaft. Aus dem Französischen v. Wilhelm Bolle. München: List 1974 (= List-Taschenbücher der Wissenschaft, Bd. 1428: Linguistik), S. 178.
  • 22
    Martin Heidegger: Erläuterungen zu Hölderlins Dichtung. Frankfurt a.M.: Klostermann 41971; vgl. Iris Buchheim: Heidegger. In: Hölderlin-Handbuch. Leben - Werk - Wirkung. Hg. v. Johann Kreuzer. Stuttgart/Weimar: Metzler 22011, S. 432-438.
  • 23
    Friedrich Hölderlin: Der Einzige. Erste Fassung. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 153-156, hier S. 156.
  • 24
    Jochen Schmidt: Hölderlins geschichtsphilosophische Hymnen Friedensfeier, Der Einzige, Patmos. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft 1990, S. 144f.
  • 25
    Ebd., S. 18.
  • 26
    Friedrich Hölderlin: Das Nächste Beste. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 234-236, hier S. 236 (trad. K. Rosenfield).
  • 27
    Bernhard Böschenstein: Hölderlins späteste Gedichte. In: Hölderlin-Jahrbuch 14 (1965/66), S. 35-56, hier S. 47.
  • 28
    A citação segue: Roman Jakobson, Grete Lübbe-Grothues: Ein Blick auf Die Aussicht von Hölderlin. In: J.: Poesie der Grammatik und Grammatik der Poesie. Sämtliche Gedichtanalysen. Hg. v. Hendrik Birus u. Sebastian Donat. Bd. 2: Analysen zur Lyrik von der Romantik bis zur Modern. Berlin/New York: de Gruyter 2007, S. 139-248, hier S. 215.
  • 29
    Norbert von Hellingrath: Pindarübertragungen von Hölderlin. Prolegomena zu einer Erstausgabe. Jena: Diederichs 1911, S. 4f.
  • 30
    Ibidem, p. 6.
  • 31
    Adorno fala de “perturbações artificiosas” („kunstvollen Störungen) no seu ensaio Parataxis, a respeito da lírica de Hölderlins. Theodor W. Adorno: Parataxis. In: T. W. A.: Gesammelte Schriften. Hg. v. Rolf Tiedemann. Bd. 11: Noten zur Literatur. Frankfurt a.M.: Suhrkamp 71998, S. 447-491, hier S. 471.
  • 32
    Ursula Kocher: Ein Bild ohne Worte. Bildersprache in der Prosa Elfriede Jelineks. In: Positionen der Jelinek-Forschung. Beiträge zur Polnisch-Deutschen Elfriede Jelinek-Konferenz Olsztyn 2005. Hg. v. Claus Zittel u. Marian Holona. Bern u. a.: Lang 2008 (= Jahrbuch für Germanistik: Reihe A, Kongressberichte, Bd. 74), S. 123-140, hier S. 136f.
  • 33
    Cf. também as interrupções com mensagens totalmente contingentes: „Oh je, was die alles anhat! Kleingeschnitten stapelt sich das Holz um die Fabriken und Sägemühlen herum. Warum hat die Frau Direktor Stöckelschuhe angezogen, wo überall gefrorenes Wasser mühsam den Boden und uns bändigt?“ (LU 176).
  • 34
    Numa entrevista da revista literária Salzburguense Salz (1988 entrevista, 1990 publicação) Jelinek descreve ela mesma sua linguagem como “extremamente fragmentarizante… na qual, por assim dizer, a linguagem se rompe, rompendo ao mesmo tempo a paisagem” („stark fragmentarisierende[] […], wo sozusagen die Sprache zerbricht und die Landschaft gleichzeitig zerbricht“) Lachinger: Kinder, Marsmenschen und Frauen, S. 41.
  • 35
    Friedrich Schiller: Ueber naive und sentimentalische Dichtung. In: F. Sch.: Schillers Werke. Nationalausgabe. Bd. 20: Philosophische Schriften, Teil 1. Unter Mitwirkung v. Helmut Koopmann hg. v. Benno von Wiese. Weimar: Böhlau 1962, S. 413-503, hier S. 442.
  • 36
    Pizer: Modern vs. Postmodern Satire, 1994, S. 502.
  • 37
    Cf. à respeito desse assunto: Mandy Dröscher-Teille: Autorinnen der Negativität. Essayistische Poetik der Schmerzen bei Ingeborg Bachmann - Marlene Streeruwitz - Elfriede Jelinek. Paderborn: Fink 2018, S.441: “A poética de Jelinek tem a característica essencial de se arrogar uma apresentação radical, extrema e extremada da negatividade (i.é. dos aspectos negativos)” („Elfriede Jelineks Poetik ist wesentlich dadurch charakterisiert, das sie sich die radikale, extreme und übersteigerte Darstellung des Negativen ‚anmaßt“).
  • 38
    Cf. Jürgen Brummack: Zu Begriff und Theorie der Satire, 1971, S. 282, und die Diskussion bei Wolfgang Preisendanz: Negativität und Positivität im Satirischen. In: W. P., Warning (Hg.): Das Komische, 1976, S. 413-416.
  • 39
    Eberhard Lämmert: Der freie Schriftsteller als Phänotyp einer Epoche. Einführung. In: „Für Viele stehen, indem man für sich steht“. Formen literarischer Selbstbehauptung in der Moderne. Hg. v. Eckart Goebel u. E. L. Berlin: Akademie Verlag 2004 (= LiteraturForschung), S. 1-8.
  • 40
    Zymner: Emphatische Sprachkunst.
  • 41
    Cf. a avaliação de Kocher: Ein Bild ohne Worte, S. 138: “Desejo marca o auge da riqueza linguística, seria difícil obter mais efeitos a partir do material línguístico”. „Lust markiert den Höhepunkt sprachlicher Vielfalt, mehr ist aus dem Material Sprache wohl kaum noch herauszuholen“.
  • 42
    Hans H. Hiebel: Elfriede Jelineks satirisches Prosagedicht Lust. In: Sprachkunst 23 (1992), S. 291-308, dort auch S. 296-298 eine Auflistung der wichtigsten Tropen und Figuren.
  • 43
    Ebd., S. 298; Herv. i. O.
  • 44
    A convicção de Jelinek, tantas vezes citada, de que não existiria mais individualidade, não contradiz esse fato, pois essa tese refere-se à realidade cotidiana, não à esfera da arte; nesse última, o próprio texto de Jelinec prova que uma estética individual é possível, mesmo que se trate de uma individualidade de ‘segundo grau.
  • 45
    Jelinek: Ist die Schwarze Köchin da?, 2009, S. 23.
  • 46
    Friedrich Hölderlin: Die Titanen. In: F. H.: Gedichte nach 1800. Teil 1: Text, S. 217-219, hier S. 217.
  • 47
    Jelinek: Ist die Schwarze Köchin da?, 2009, S. 25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2021
  • Aceito
    22 Fev 2021
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: pandaemonium@usp.br