Open-access Gestantes no contexto da pandemia da Covid-19: reflexões e desafios

O novo coronavírus, SARS-COV-2, agente etiológico da Covid-19, tem se propagado no mundo inteiro de maneira rápida, vulnerabilizando, dentre outros grupos, as gestantes. Diante das complicações para a gestação e o feto, faz-se necessário refletir sobre o estar gestante em tempos de pandemia da Covid-19 e a importância do cuidado profissional, sobretudo de enfermeiras, a fim de superar os inúmeros desafios que permeiam esse contexto.

A gestação é um período com diversas alterações fisiológicas, e esse público, durante as infecções causadas pelos vírus SARS-CoV, influenza H1N1 e MERS-CoV, ocorridas em 2002, 2009 e 2012, respectivamente, apresentou complicações diversas, como febre, tosse e dispneia (ALFARAJ; AL-TAWFIQ; MEMISH, 2019). Devido ao risco elevado de morbimortalidade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou as gestantes como grupo de risco para Covid-19. Na maioria dos infectados, os sintomas apresentados são leves, a exemplo de febre e tosse seca, porém, em mulheres na segunda metade da gestação, há outros sintomas que podem aparecer com menor intensidade nas gestantes, como fadiga, dispneia, diarreia, congestão nasal e coriza. Algumas mulheres podem apresentar ainda complicações mais graves, como a síndrome respiratória aguda grave (SARS) (ZAIGHAM; ANDERSSON, 2020).

Tendo em vista esse cenário, muitas mulheres têm receio dos problemas que possam ocorrer durante o período da gestação e no momento do parto, como a possibilidade de transmissão vertical do vírus. Sobre isso, os estudos ainda não são conclusivos: há aqueles que sinalizam a possibilidade do aparecimento de sintomas semelhantes ao da mãe infectada no recém-nascido; e outros que referem à impossibilidade de rompimento da barreira placentária (HOFFMANN et al., 2020). Devido a todas essas informações e incertezas da ciência sobre os possíveis riscos de infecção, é compreensível o medo que as mulheres têm. Por isso, é importante que elas estejam atentas às fake news, devendo verificar se as notícias proveem de fontes confiáveis.

Soma-se a isso o receio quanto à impossibilidade de escolher entre o parto normal ou cesárea. A literatura aponta que gestantes com infecção por Sars-Cov-2 e que evoluem para um quadro grave associado a uma comorbidade têm probabilidade aumentada de passar por um parto cesariano de emergência ou um parto prematuro, o que eleva o risco de morte materna e neonatal (LI et al., 2020). Mesmo diante de um cenário adverso, os direitos das gestantes devem ser respeitados, mas algumas maternidades e hospitais, como forma de prevenir a Covid-19, têm adotado o isolamento no momento do parto. Esta medida diz respeito à não permissão de um acompanhante antes, durante e após o parto, direito esse apoiado na Lei nº 11.108/2005, conhecida como Lei do Acompanhante.

Cabe destacar que essa companhia é essencial para fornecer um apoio para as mulheres, principalmente as mães de primeira viagem. Pesquisa brasileira aponta que a presença de uma pessoa conhecida pela gestante no parto é capaz de amenizar a dor, promover segurança, bem-estar emocional e físico (SOUZA; GUALDA 2016). Considerando os efeitos benéficos de um acompanhante, urge que sejam repensadas medidas voltadas para a transmissibilidade da Covid-19 que não reverberem em experiências negativas na vida da mulher.

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2020a), o acompanhante pode estar presente durante o parto, mesmo que a mulher seja positiva para o Sars-Cov-2, com as seguintes ressalvas: não deve haver revezamentos e o visitante não deve pertencer a grupos de risco para Covid-19. De acordo com os protocolos de saúde, o parto normal pode ser realizado em mães infectadas, caso elas não apresentem nenhuma complicação (BRASIL, 2020b). É importante que os hospitais e maternidades reconheçam os direitos das gestantes para garantir um cuidado humanizado e seguro. Para isso, podem ser adotados protocolos de paramentação e outras estratégias de proteção e prevenção, de modo a evitar a infecção do vírus e assegurar os direitos das gestantes.

No período gestacional, além das intensas alterações hormonais, existem questões relacionadas à maternagem, a qual é definida como proteção e cuidado dos filhos, de forma afetuosa e carinhosa (GRADVOHL; OSIS; MAKUCH, 2014), sendo desenvolvida ao longo da vida como próprio da mulher Deste modo, vivenciar a pandemia da Covid-19 e estar gestante, considerando não existir consenso entre os estudos acerca da associação de gravidade da doença a esse período da vida, se relaciona a sentimentos de medos e incertezas. É nesse contexto que as(os) profissionais, sobretudo de enfermagem, necessitam repensar sua atuação de modo a amenizar ou impedir os impactos da doença para o binômio mãe-filho. Além disso, requer que sejam pensadas estratégias de cuidado que acolham e proporcionem bem-estar às mulheres durante todo o período gravídico-puerperal.

A somatização é compreendida como sintomas físicos de origem emocional, que podem ter origem nos pensamentos disfuncionais e emoções fortes que abalam o sistema psíquico são revelados nas gestantes por repercussões expressas por cefaleia, sintomas gastrointestinais, além de questões de ordem psicológicas, sendo que ambas predispõem e/ou intensificam a depressão pós-parto, que é muito comum em cerca de 25% das brasileiras (FIOCRUZ, 2016). Diante disso, a fim de auxiliar na redução de impactos sobre a saúde mental das gestantes, faz-se necessário que os(as) profissionais estejam atentos(as) aos sinais e sintomas mais comuns, que são: ansiedade, ataque de pânico, culpa, insônia, perda de apetite e falta de concentração (FIOCRUZ, 2016). O olhar sensível e a escuta qualificada são essenciais para reconhecer a mulher nessa situação e, a partir de então, encaminhar para uma equipe multiprofissional.

Levando-se em consideração esse contexto, é fundamental o papel das(os) enfermeiras(os) tanto na Atenção Primária à Saúde (APS), durante a consulta do pré-natal ou puerperal, quanto na atenção hospitalar. Vale ressaltar que, no espaço da APS, além do que já é preconizado para o atendimento pré-natal, os cuidados à saúde da gestante devem incluir orientações, desmistificação de algumas ideias preconcebidas e medidas preventivas contra a Covid-19, como a higiene das mãos e das superfícies, o distanciamento social e o uso e confecção de máscaras. Esses cuidados podem ocorrer em diversos espaços, como em grupos de gestantes e na sala de espera.

É importante destacar ainda que, devido às constantes mudanças que estão ocorrendo na rede de saúde, os desafios que as enfermeiras estão encontrando para gestão e assistência do cuidado estão cada vez maiores, sendo necessário o planejamento de novas estratégias para atender às demandas das gestantes. Algumas dessas estratégias são: reorganização do fluxo da rede; acompanhamentos e orientações virtuais; triagem de classificação de risco; e as consultas e procedimentos de rotina durante o pré-natal das gestantes com sintomas da síndrome gripal devem ser adiados por 14 dias (BRASIL, 2020b).

Percebe-se que, para os profissionais de saúde, surgem os novos desafios de acompanhar a gestante a partir de um plano de cuidado especial, assegurando o devido suporte social e institucional nesse momento tão delicado. Diante disso, importante que os(as) profissionais de saúde, especialmente os(as) enfermeiros(as), conheçam a sintomatologia da Covid-19 para que possam prevenir o agravo dessa enfermidade, intervindo antecipadamente por meio de orientações e encaminhamentos necessários para cuidar da saúde da gestante e do feto.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2020
  • Aceito
    25 Abr 2020
  • Revisado
    28 Abr 2020
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