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PSICODRAMA E TEOLOGIA: DIÁLOGOS NA PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA

PSYCHODRAMA AND THEOLOGY: DIALOGUE IN EPISTEMOLOGICAL PERSPECTIVE

PSICODRAMA Y TEOLOGÍA: DIÁLOGOS A PARTIR DE LA PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA

RESUMO

Este estudo foca em questões epistemológicas de textos de Psicodrama nos quais a influência da Teologia e da religião se faz presente, utilizando a síntese interpretativa crítica numa revisão de literatura. Observa-se que a metodologia psicodramática se apoia numa perspectiva epistemológica pensada pela via da ética, tanto na fase religiosa, utilizando uma linguagem mais metafórica, poética ou mística, como na fase científica, em que se procurou compreensão mais apurada e exatidão nos conceitos. Apesar de ser possível encontrar vestígios de tentativas em legitimar as propostas psicodramáticas pelo paradigma científico positivista, percebe-se que, desde sua origem religiosa e teológica, a obra moreniana coloca-se em confronto com essa perspectiva, aproximando-se da fenomenologia e de uma metafísica não totalizante.

PALAVRAS-CHAVE
Teologia; Psicodrama; Epistemologia

ABSTRACT

This study focusses on the epistemological questions in texts of the Psychodrama where the influence of Theology and religion is present, using the critical interpretative synthesis for a literature revision. It is observed that the psychodramatic methodology is supported on an epistemological perspective from an ethical view, both in the religious phase, using a more metaphorical, poetical or mystical language, and in the scientific phase, where a more calculated comprehension and exactness of concepts are sought. Although it is possible to find vestiges of attempts to legitimate the psychodramatic proposals through a positivist scientific paradigm, it is clear that, since its religious and theological origin, the work of Moreno confronts this perspective, approximating to phenomenology and a nontotalitarian metaphysics.

KEYWORDS
Theology; Psychodrama; Epistemology

RESUMEN

Este estudio se centra en cuestiones epistemológicas de textos del Psicodrama en los que está presente la influencia de la Teología y la religión, utilizando la síntesis interpretativa crítica en una revisión de literatura. Se observa que la metodología psicodramática se fundamenta en una perspectiva epistemológica concebida por la vía ética, tanto en la fase religiosa, utilizando un lenguaje más metafórico, poético o místico, como también en la fase científica en la que se buscó una comprensión sustentada académicamente y una mayor precisión en los conceptos. Si bien es posible encontrar vestigios de intentos de legitimación de las propuestas psicodramáticas por parte del paradigma científico positivista, es claro que, desde su origen religioso y teológico, la obra moreniana discrepa de esta perspectiva, acercándose a la fenomenología y a una metafísica no totalizadora.

PALABRAS CLAVE
Teología; Psicodrama; Epistemología

INTRODUÇÃO

Jacob Levy Moreno (1889–1974), criador do Psicodrama, era romeno, judeu-sefardita e hassídico. Viveu em Bucareste e em Viena onde estudou Medicina, formando-se em 1917. Durante 1907 e 1910, influenciado principalmente pela tradição hassídica, como também pela cabala e pelo cristianismo, criou, junto com um grupo de amigos, a Religião do , inspirada nos pressupostos seinistas (ciência que considera o ser inseparável do conhecer) (Fava et al., 2004Fava, S. R. S.; Sgorbissa, M. L. & Wechsler, M. P. F. (2004). (DEC) Fragmentos: Da conserva cultural à re-criação. Anais XIV Congresso Brasileiro de Psicodrama. Pré-Congresso: Articulações entre formação e pesquisa-ação transformadora, Belo Horizonte., Fonseca Filho, 1980Fonseca Filho, J. S. (1980). Psicodrama da loucura. Ágora., Gonçalves et al., 1998Gonçalves, C. S.; Wolff, J. R., & Almeida, W. C. (1998). Lições de psicodrama: Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. Ágora.).

Dentre outras publicações, Moreno escreveu para a revista existencialista Daimon Magazine e publicou, anonimamente, o livro As Palavras do Pai em 1920. Em 1921, criou o Teatro da Espontaneidade, marco de transição da fase religiosa para a científica. O ano de 1923 marcou sua passagem para o Teatro Terapêutico com o famoso caso “Bárbara-Jorge” e desenvolveu, em seguida, o Psicodrama. Migrou para os Estados Unidos da América em 1925 e introduziu o termo psicoterapia de grupo em 1931. Moreno elaborou de maneira mais sistemática suas ideias sobre o Psicodrama, mais especificamente a Sociometria, a partir de um trabalho numa escola de reeducação em Hudson, Nova York. Em 1936, mudou-se para Beacon House, onde construiu o primeiro teatro de Psicodrama que funcionou até 1982. Moreno morreu em 1974 (Gonçalves et al., 1998Gonçalves, C. S.; Wolff, J. R., & Almeida, W. C. (1998). Lições de psicodrama: Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. Ágora.).

É possível encontrar na metodologia do Psicodrama vestígios, muitas vezes bastante explícitos, da influência teológica e religiosa de seu fundador. Em geral, essas informações são mencionadas como parte substancial da vida de Moreno e, quando abordadas em conjunto com as noções filosóficas, antropológicas e cosmológicas, são referências para os métodos psicodramáticos.

Ainda que possa causar dificuldades e imprecisões na comunicação, é recorrente o uso de termos religiosos ou teológicos tanto na teoria como na prática psicodramática. Nota-se num trabalho com grupos que, não raro, aparecem nas dramatizações crenças, valores, como também diversos conteúdos religiosos e teológicos das pessoas participantes. Muitas vezes, a situação grupal cria um clima permeado por certa espiritualidade, entendida aqui como sentimentos, emoções e comportamentos de difícil compreensão pela via da razão conceitual. Na etapa de compartilhamento é comum participantes relatarem sentimentos, emoções e pensamentos utilizando linguagem religiosa, poética, metafórica. A sensação de muitos é que existe uma magia, algo inexplicável, podendo estar relacionado ou não às dramatizações e também com maior ou menor grau de intensidade. Constata-se ainda que quem dirige e os atores-auxiliares também possuem referências e uma linguagem religiosa ou alguma experiência espiritual que, muitas vezes, se evidencia nas vivências.

Vê-se neste trabalho que a transferência de elementos e reflexões teológicas e religiosas para outros campos do saber está presente em toda história da humanidade. Porém esse processo pode ser utilizado para perpetuar o poder de alguns poucos, daqueles que dizem possuir o dom de ouvir ou interpretar a voz das divindades. Ou pode atuar no sentido de desmontar esses poderes instituídos.

Assim, este estudo tem como motivação a busca de subsídios para compreender melhor essas situações e qual é o papel da Teologia no trabalho psicodramático. O objetivo é evidenciar, nas reflexões de alguns autores sobre os fundamentos epistemológicos do método, elementos que parecem estar atrelados às influências religiosas e teológicas de Jacob Levy Moreno.

MÉTODOS

O estudo é bibliográfico com interpretativa crítica de textos sobre Psicodrama relacionados à Teologia, religião e epistemologia. O método de síntese interpretativa crítica não pretende simplesmente agregar dados, também direciona o estudo para as possibilidades de criação e explanação teórica, de produzir teoria e elaborar categorias fundamentadas no desenvolvimento do próprio estudo (não necessariamente formuladas previamente). Com isso, não exclui os critérios e hipóteses do autor, porém eles são entendidos mais como “bússolas” do que como “âncoras” (Dixon-Woods, 2006Dixon-Woods, M., Cavers, D., Agarwal, S., Annandale, E., Arthur, A., Harvey, J. ... & Sutton, A. J. (2006). Conducting a critical interpretive synthesis of the literature on access to healthcare by vulnerable groups. BMC Medical Research Methodology, 6, 35. https://doi.org/10.1186/1471-2288-6-35
https://doi.org/10.1186/1471-2288-6-35...
, p. 3, tradução nossa).

A pergunta norteadora foi: no contexto brasileiro, quais são os artigos publicados em português que exploram a relação entre o Psicodrama e a Teologia? O levantamento dos artigos para análise foi realizado nas bases de dados do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e United States National Library of Medicine (PubMed). Os termos utilizados foram: “teologia e psicodrama” e “religião e psicodrama”. Os artigos selecionados para análise obedeceram ao critério de apresentar como discussão principal ou secundária questões epistemológicas.

Além do levantamento, também foram resumidas as principais ideias presentes em textos produzidas por duas autoras que se destacam pelo interesse tanto na utilização da metodologia psicodramática como método de pesquisa e intervenção, bem como na discussão dos aspectos epistemológicos do Psicodrama: Maria da Penha Nery (Nery et al., 2006Nery, M. P.; Costa, L. F. & Conceição, M. I. G. (2006). O sociodrama como método de pesquisa qualitativa. Paideia, 16(35), 305–313. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000300002
https://doi.org/10.1590/S0103-863X200600...
; Nery, 2007Nery, M. P. (2007). Epistemologia da socionomia e o psicodramatista pesquisador. Revista Brasileira de Psicodrama, 15(2), 79–92.) e Mariângela Pinto da Fonseca Wechsler (2004Wechsler, M. P. F. (2004). A pesquisa-ação e os métodos socionômicos: Uma conexão possível. Anais XIV Congresso Brasileiro de Psicodrama, Belo Horizonte.; 2007Wechsler, M. P. F. (2007). Pesquisa e psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 15(2), 71–78.; 2016Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar.; Fava et al., 2004Fava, S. R. S.; Sgorbissa, M. L. & Wechsler, M. P. F. (2004). (DEC) Fragmentos: Da conserva cultural à re-criação. Anais XIV Congresso Brasileiro de Psicodrama. Pré-Congresso: Articulações entre formação e pesquisa-ação transformadora, Belo Horizonte.).

Os estudos selecionados dessas autoras foram utilizados na discussão, porém ressalta-se que eles não são os únicos e nem seus conteúdos devem ser assumidos como verdades absolutas sobre a epistemologia do Psicodrama.

RESULTADOS

A busca no Portal da CAPES obteve 6 resultados utilizando os termos “teologia e psicodrama” e 10 com os termos “religião e psicodrama”, mas nenhum deles foi relevante para esta pesquisa.

O portal da BVS apresentou resultados apenas quando utilizados os termos “psicodrama e religião”. Foram 15 artigos capturados dos quais 4 foram selecionados: 1) Wilson Castelo de Almeida: “Religião, Ética e Psicodrama: Ruptura Necessária” (1995); 2) Albor Vives Reñones: “Catarse de Integração: Uma Pequena Viagem Etimológico-Conceitual” (1996); 3) Adoniram Possan: “Mergulhar na Totalidade da Vida: A Relação entre Ciência e Religião no Psicodrama de Moreno” (2008); 4) Albor Vives Reñones: “Ciência, Crença e Religião: Um Psicodrama Pronto?” (2008).

Segue-se uma apresentação das sínteses interpretativas críticas dos estudos selecionados e, na sequência, resumidamente os estudos das autoras Nery e Wechsler.

Artigos selecionados nas bases de dados

No estudo publicado em 1995 (a versão utilizada aqui é de 2012, capítulo 12 do livro Rodapés Psicodramáticos), Almeida defende que Moreno se movimentou no campo da religião e da ciência sem se prender no clássico embate entre ciência e religião. Dois aspectos evidenciam essa interface. Primeiramente, “essa passagem de Moreno, sem dúvida, foi facilitada por sua identificação com o hassidismo, pois essa seita pretendia que religião e ética pudessem conviver em um só propósito” (Almeida, 2012Almeida, W. C. (2012). Rodapés psicodramáticos: Subsídios para ampliar a leitura de J. L. Moreno. Ágora., p. 182-183). O segundo aspecto é percebido a posteriori, pois “hoje, quando se estuda a teoria psicodramática, identificam-se em seus itens fundamentais, ideias representativas da expansão e da superposição das principais preocupações hassídicas e ‘seinistas’” (Almeida, 2012Almeida, W. C. (2012). Rodapés psicodramáticos: Subsídios para ampliar a leitura de J. L. Moreno. Ágora., p. 180).

Na perspectiva de uma ética religiosa, além da influência hassídica, Almeida cita como influenciadores de uma cosmologia e uma antropologia moreniana, alguns princípios da cabala para a qual o universo é a expressão de Deus e a religião uma união entre Deus e ser humano. Também a figura histórica e mística de Jesus Cristo serve como referência para uma vida voltada ao: 1) interesse pelas crianças; 2) no sentido existencial do aqui e agora; 3) na utilização de parábolas; 4) na ideia mística do Deus oculto no ser humano; 5) no Cristo peregrino que socorre os excluídos; 6) na alegria do Deus encarnado. Esses elementos também podem ser percebidos no livro As Palavras do Pai (Moreno, 1920/1992Moreno, J. L. (1992). As palavras do pai. (J. C. Landini & J. C. V. Gomes, Trad.). Editorial Psy. (Obra original publicada em 1920)) que tem, já na forma como foi elaborado (um texto escrito como se fosse Deus falando em primeira pessoa), referências a essas ideias. Almeida (2012)Almeida, W. C. (2012). Rodapés psicodramáticos: Subsídios para ampliar a leitura de J. L. Moreno. Ágora. entende que essa proposta moreniana de assumir o papel de Deus e “falar como Deus, é fazer a inversão da mitologia cristã, em que Deus faz o papel do [ser humano] na pessoa de Jesus” (p. 181).

A questão epistemológica presente no texto pode ser pensada no sentido de princípios religiosos que se transformarão numa metodologia de intervenção. Ou seja, é através da construção de uma ética psicodramática que Moreno transpõe seus princípios religiosos para o Psicodrama.

Segundo Almeida (2012)Almeida, W. C. (2012). Rodapés psicodramáticos: Subsídios para ampliar a leitura de J. L. Moreno. Ágora., trata-se de uma ética contrária à perspectiva individualista pautada num moralismo comportamentalista, e seria fundamentada: 1) na responsabilidade coletiva (o juramento do grupo); 2) na negação de fórmulas prontas (certo/errado, pode/não pode); 3) na abertura e liberdade dialética (contrária a dualismos como privado vs. coletivo, instinto vs. razão); 4) na coexperiência; 5) no reconhecimento da alteridade; 6) na relação autêntica; 7) na criação estética.

No segundo estudo, Reñones (1996)Reñones, A. V. (1996). Catarse de integração: Uma pequena viagem etimológico-conceitual. Revista Brasileira de Psicodrama, 4(2), 35–48. propõe que o conceito de catarse de integração, criado por Moreno, seja compreendido dentro de um paradigma sistêmico, superando a noção de catarse como purgante, como algo a ser eliminado, excluído. Presente nos antigos conjuntos mitos/ritos, catarse referia-se ao momento de “passagem em que uma nova forma de estar no mundo toma lugar de uma antiga, muito mais para ampliar horizontes que para castrá-lo” (p. 39). Nessa concepção, elementos individuais, grupais, sociais e cósmicos são integrados como um todo. É essa concepção, holística e sistêmica de catarse, que o autor sugere ser incorporada ao teatro espontâneo.

O aspecto epistemológico evidencia-se ao mostrar como a mudança de um paradigma epistemológico dualista para um de perspectiva holística interfere na metodologia do trabalho psicodramático. Essa mudança de paradigmas recupera as ideias de protagonismo como representação coletiva e a catarse grupal, não apenas individual. O sistema (grupo) e o subsistema protagonista (personagem do contexto dramático que representa o grupo) só fazem sentido na interrelação de um com o outro. A noção de doença também é outra. O foco não está na tentativa de encontrar o problema e eliminá-lo. A queixa é vista como sintoma de um sistema em desarmonia com o presente.

Destaca-se, para Reñones (1996)Reñones, A. V. (1996). Catarse de integração: Uma pequena viagem etimológico-conceitual. Revista Brasileira de Psicodrama, 4(2), 35–48., que “a epistemologia moreniana se mostra fundada na noção de incompatibilidade entre os tempos (passado com presente, com futuro) e, principalmente, na divisão entre doença e saúde” (p. 45). Ou seja, o autor encontra sinais de uma epistemologia positivista e dualista em Moreno. Posição que poderia ser problematizada, porém ultrapassaria os limites a que este estudo se propõe.

O terceiro estudo, de autoria de Possan (2008)Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24., defende que Moreno desenvolveu o Psicodrama utilizando o conhecimento religioso e o científico de forma complementar e de superação de processos sociais, apesar da prevalência do aspecto científico. Para o autor, a forma religiosa está presente, em grande parte, nos elementos do passado religioso de Moreno e ainda mais concretamente no livro As Palavras do Pai, onde constata uma visão antropológica expressa em linguagem religiosa dentro de um modelo teológico do sentido.

A partir de estudos próprios, em que faz uso de uma hermenêutica do sentido baseada em Juan Luiz Segundo (1995)Luiz Segundo, J. (1995). Que mundo? Que homem? Que Deus?: Aproximações entre ciência, filosofia e teologia. (M. F. Queiroz, Trad.). Paulinas. como chave interpretativa da obra moreniana, Possan (2007)Possan, A. (2007). Uma reflexão sobre a linguagem do sentido na obra As Palavras do Pai, de J. L. Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 15(2), 127–138. afirma que:

predomina, em As Palavras do Pai, o modelo teológico e filosófico de conhecimento da realidade. Teológico porque parte do pressuposto da existência de um Deus, fonte de toda criação cósmica e humana. Filosófico porque se desenvolve sobre uma base fenomenológica da existência humana, com pressupostos claramente distintos das ciências experimentais e positivistas. (p. 131)

Possan (2008)Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24. encontra em Moreno uma noção teológica de um Deus que se relaciona com os seres humanos e com o cosmos “num incessante conjunto de atos espontâneos e criativos” (p. 18). A Divindade criativa é um axioma teológico que fundamenta a noção de sujeito psicodramático num processo de infinita criação. Existe um fluxo criativo, “o universo é um infinito locus relacional ... forças criativas ... em status nascendi de um universo aberto” (Possan, 2008Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24., p. 19-20, grifo do autor). O contrário disso seria a repetição, a ausência da espontaneidade (conserva cultural) e o universo não existiria.

Dessa Teologia temos uma filosofia relacional: Deus, humano e cosmos numa unidade e uma corresponsabilidade de criar e permanecer criando (uma concepção de grupo expressa em forma de linguagem religiosa).

Sobre a busca de um estatuto científico, Possan (2008)Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24. entende que os conceitos de espontaneidade e criatividade eram, inicialmente, assumidamente místicos e foram estudados através do teatro da espontaneidade para, só mais tarde, serem avaliados por critérios ditos mais científicos. O que não invalida a influência religiosa, mas aponta para os limites epistemológicos mostrando a importância de uma discussão permanente e crítica. Assim, reivindica o caráter científico do Psicodrama afirmando que este possui um “escopo teórico unitário e coerente na aplicação das técnicas e ... um importante instrumento de leitura de mundo e realidade social” (Possan, 2008Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24., p. 21).

No quarto estudo, Albor Reñones (2008)Reñones, A. V. (2008). Ciência, crença e religião: Um psicodrama pronto? Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 43–54. faz uma crítica à tentativa de encaixar o psicodrama dentro de um estatuto científico, ao mesmo tempo em que alerta para o perigo existente no outro extremo, o de seguir como um modelo religioso sem criticá-lo. A reflexão psicodramática deve ser feita ligada à tradição deixada por Moreno, mas sem tomá-la como dogma: “a crença psicodramática, como toda crença, facilita o processo de conhecer, mas dificulta a crítica” (Reñones, 2008Reñones, A. V. (2008). Ciência, crença e religião: Um psicodrama pronto? Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 43–54., p. 47).

Sobre a fragilidade de uma conceituação científica e a dificuldade de se explicar alguns fenômenos decorrentes do uso da metodologia o autor escreve que:

há uma evidente fascinação pelas ações criativas de um ato psicodramático ... a mágica dos atos criativos ... é algo surpreendente para qualquer um de nós. ... E já que não há como entender exatamente o porquê, o quando, e nem o como ocorrem estas criações ... (repetimos) a cantilena da espontaneidade, do grupo criativo, do diretor atento, do Ego-auxiliar ativo, mas que em última instancia não reponde às inquietudes por respostas claras.

(Reñones, 2008Reñones, A. V. (2008). Ciência, crença e religião: Um psicodrama pronto? Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 43–54., p. 47)

Sugere Reñones (2008)Reñones, A. V. (2008). Ciência, crença e religião: Um psicodrama pronto? Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 43–54. que há uma semelhança entre o modelo científico e o religioso, ambos “compartilham um saber metafísico que se quer verdadeiro pela certeza ou pela crença” (p. 51) e o Psicodrama não estaria em nenhum desses territórios. O que ocorre, segundo ele, é que todo saber nasce num contexto do qual surge como verdade daquele momento. Assim, utilizando a figura da escada de Wittgenstein propõe que “se abandone o que de tranquilo há no nosso saber para desdobrar o que não existe” assumindo “aquilo que é o grande trunfo do psicodrama como método ...: a criação constante de alternativas” (Reñones, 2008Reñones, A. V. (2008). Ciência, crença e religião: Um psicodrama pronto? Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 43–54., p. 49-50).

Assim, criticando a visão cientificista, tecnicista e finalista, resgata o pensar com categorias artísticas (estética). O Psicodrama não sendo ciência nem religião é arte.

... que a arte é exatamente o tentar, incansavelmente, e nunca conseguir, fazer a cena que diga tudo o que poderia ser dito naquele momento. A arte é o fazer sempre impotente de alcançar a perfeição, é o caminho do desvio e da falta de propósitos além de si mesmo, possivelmente por isso mesmo tão difícil de assimilar-se e aceitar-se, ainda mais quando desejamos a assimilação e o aceite do establishment científico e produtivo ...

(Reñones, 2008Reñones, A. V. (2008). Ciência, crença e religião: Um psicodrama pronto? Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 43–54., p. 53).

Artigos de Nery e Wechsler sobre epistemologia do Psicodrama

Os estudos de Wechsler

Junto com outros autores (Fava et al., 2004Fava, S. R. S.; Sgorbissa, M. L. & Wechsler, M. P. F. (2004). (DEC) Fragmentos: Da conserva cultural à re-criação. Anais XIV Congresso Brasileiro de Psicodrama. Pré-Congresso: Articulações entre formação e pesquisa-ação transformadora, Belo Horizonte.), num estudo denominado “Fragmentos: Da Conserva Cultural à Re-criação”, Wechsler procura elencar as principais influências herdadas pelo pensamento moreniano.

De acordo com o estudo, encontraríamos no próprio Moreno ideias capturadas de maneira intuitiva: 1) a partir da experiência religiosa do seinismo (ciência do ser; filosofia do grupo religioso do qual Moreno participou formando a religião do encontro), que propunham a inclusão total do ser (o ser é inseparável do conhecer), a bondade presente em todas as coisas e o momento como fluxo natural; 2) a ciência da ação que necessariamente inclui os verbos ser e criar; 3) o pesquisador participante; e 4) sujeitos coparticipantes da pesquisa; em que 5) cada sessão é um experimento científico; e a 6) pesquisa como intervenção; utilizando 7) três categorias de validação que são: a científica, a estética e a existencial; indicando incluir 8) o palco psicodramático nas escolas.

Das ideias presentes no ambiente cultural em que Moreno viveu, destaca-se a influência: 1) de Jesus e Moisés como base cultural; 2) da Paideia, com a noção de ser político; 3) do Hassidismo, na teologia de um Deus presente no ser humano; 4) de Kierkegaard, no existencialismo; 5) e de Marx, na dialética.

Percebem-se aproximações filosóficas de Moreno com: 1) Husserl e a intencionalidade da fenomenologia; 2) com Bergson e o momento como consciência corporal; 3) com John Dewey para quem o aprendizado é feito por si e para si mesmo (conhecimento não é transmitido); 4) com Buber, na ontologia relacional e os princípios EU-TU; 5) com Heidegger, no “ser-no mundo”; 6) com Piaget, no conhecimento como afeto interindividual; 7) com Merlau-Ponty, na intersubjetividade; 8) com Sartre, no existencialismo; 9) com Foucault, na noção de poder circulante; 10) com Deleuze e Guattari, na noção de economia subjetiva.

Moreno vislumbrou ideias que se aproximam de: 1) Capra e o pensamento sistêmico; 2) Morin e a complexidade; 3) Prigogine e uma ciência da criatividade; 4) Maturana e a unidade do ser-fazer; 5) Freire e a política dialógica e libertadora.

Sob a óptica de alguns psicodramatistas contemporâneos, podem-se encontrar estudos e reflexões como: 1) Garrido Martin e a pesquisa in situ, Sociometria; 2) Bustos e o vínculo sociométrico como princípio; 3) Naffah Neto e o pesquisador implicado e crítico; 4) Almeida e o método fenomenológico existencial; 5) Fonseca e a compreensão fenomenológica: “como e o quê em vez de por quê”; 6) Perazzo e a participação coconsciente e coinconsciente do diretor; 7) Aguiar e a pesquisa protagônica; 8) Seixas e a concepção sistêmica familiar; 9) Romaña e a construção coletiva do conhecimento.

Também sobre a modalidade de pesquisa-ação encontram-se similaridades com: 1) Barbier na implicação do pesquisador com o grupo; 2) Marra e Costa e o estudo da psique em ação contextualizada.

O texto encerra sem conclusões ou considerações finais, mas é utilizado pela autora nos trabalhos futuros.

No texto intitulado “Pesquisa Ação e os métodos socionômicos” (2004), Wechsler faz uma aproximação entre os pressupostos epistemológicos do psicodrama e da pesquisa-ação existencial (René Barbier) que critica a visão positivista e propõe acrescentar à orientação política, também o si mesmo, como objetivo da transformação efetivada pela pesquisa (nesse sentido é existencial). Em termos psicodramáticos seria

o resgate da cocriação através do desempenho de papéis e contra papéis que têm sua dimensão individual e coletiva, ao mesmo tempo, e que na dialética da ação, pode jogar e cocriar suas dimensões existenciais, pessoais, integral e comunitária

(Wechsler, 2004Wechsler, M. P. F. (2004). A pesquisa-ação e os métodos socionômicos: Uma conexão possível. Anais XIV Congresso Brasileiro de Psicodrama, Belo Horizonte., p. 4).

Segundo a autora, as diferenças entre os pressupostos epistemológicos são:

  • Para a ciência positivista: 1) os métodos e o observador são neutros; 2) o tempo é linear; 3) a realidade existe independente do sujeito; 4) utiliza linguagem descritiva e denotativa; 5) os acontecimentos são previstos seguindo uma ordem hierárquica; 6) a lógica e o controle dão validade; 7) buscam o valor universal (descontextualizado).

  • Para a pesquisa-ação e o Psicodrama: 1) os métodos são ativos, buscam desenvolver sistemas sociais e o potencial humano; 2) o tempo é atualizado (no aqui-agora), interpretado segundo história individual/grupal; 3) o pesquisador é participante e implicado no e com o grupo; 4) a linguagem é metafórica, poética, analógica; 5) a realidade é uma coconstrução, o processo do conhecimento é inter-relacional, fenomenológico-existencial (intencionalidade e intuição); 6) buscam-se novos sentidos, respostas espontâneas; 7) possibilitar relações télicas e a liberação da espontaneidade dá validade; 8) resultados também fazem sentido no contexto.

A autora encerra com uma síntese final integrando o Psicodrama à pesquisa-ação existencial: 9) à perspectiva do mundo da vida, do sofrimento e da crise coletiva que implica um pensamento complexo; 10) à metodologia aberta, descentrada e coconstruída; 11) à atuação política, mas que visa mudanças também no indivíduo.

No texto “Pesquisa e Psicodrama”, de 2007, Wechsler nega expressamente a filiação do Psicodrama ao Positivismo (sujeito como objeto de estudo) e afirma, baseada no texto anterior (2004), que a Socionomia está filiada epistemologicamente com algumas correntes de pensamento como a Fenomenologia Existencial, a Dialética Marxista e a Sistêmica Construtivista/Pensamento Complexo. Além disso, encontram-se em Moreno “germes de fundamentos epistemológicos que ficaram visíveis mais tardiamente, como o da sistêmica construtivista e pensamento complexo e o da pesquisa-ação” (Wechsler, 2007Wechsler, M. P. F. (2007). Pesquisa e psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 15(2), 71–78., p. 72).

Assim, Wechsler (2007)Wechsler, M. P. F. (2007). Pesquisa e psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 15(2), 71–78. propõe 15 axiomas que fundamentam a epistemologia do Psicodrama. Além de alguns já presentes no texto anterior, desdobra outros em: 1) apreende o intra- e o inter-sistema de acordo com a tricotomia social de Moreno; 2) promove experiências de várias ordens: ética, estética, política, psicológica, religiosa etc.; 3) promove articulação dinâmica entre método e teoria; 4) reconhece mérito da pesquisa no conhecimento baseado em fontes de informação suficientes, não precisando ser de uma grande população; 5) atualiza a linguagem (dramática, corporal, analógica) que é construída socialmente e mostra como se encontra o sujeito/grupo.

No texto cujo título é “Criação e metodologia no psicodrama”, Wechsler (2016)Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar. parte da mesma perspectiva (Fava et al., 2004Fava, S. R. S.; Sgorbissa, M. L. & Wechsler, M. P. F. (2004). (DEC) Fragmentos: Da conserva cultural à re-criação. Anais XIV Congresso Brasileiro de Psicodrama. Pré-Congresso: Articulações entre formação e pesquisa-ação transformadora, Belo Horizonte.) acrescentando Espinosa, Freud, Nietzsche e Deleuze, adentrando o debate entre imanência e transcendência.

Entendendo que esses autores fazem uma crítica à filosofia transcendente e dualista (que separa ontologia e práxis), ela destaca desses pensadores algumas premissas, visões de ser humano, mundo, cosmos e Deus que são muito próximas, segundo ela, das concepções de Deus, espontaneidade e criatividade de Moreno: 1) a vida é fluxo, causa e efeito são interdependentes, não há uma causa final; 2) Deus é a substância única, presente em tudo e não um ser a priori, não há separação entre divino e humano; 3) rejeição a dualismos como mente/corpo, individual/social; 4) conhecimento é afeto; 5) ética da ação imanente e não moral transcendente.

Na continuidade da reflexão sobre imanência/transcendência ela inclui as ideias de Foucault e mostra como Agamben (2009)Agamben, G. (2009). O que é contemporâneo? E outros ensaios. Argos. retomando o conceito foucaultiano de dispositivo faz uma crítica à genealogia teológica da Oikonomia (economia) que separa ser e ação. Aqui, citando o próprio Agamben:

... como frequentemente acontece, a fratura que os teólogos procuraram deste modo evitar e remover em Deus sob o plano do ser reaparece na forma de uma cisão que separa em Deus ser e ação, ontologia e práxis. A ação (a economia, mas também a política) não tem nenhum fundamento no ser: esta é a esquizofrenia que a doutrina teológica da Oikonomia deixa como herança à cultura ocidental.

(Agamben, 2005Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9–16., p. 12)

Na lida com esses dispositivos, que controlam e (re)produzem modos ser e de saber (separando ontologia e práxis), a noção de episteme que o Psicodrama faz uso é aquela advinda do grupo num processo de coconstrução. Trata-se de:

um conjunto de modos de compreender as situações que surgem como verdadeiras para o grupo e no grupo, a serviço de escapar das ditas verdades (doxas) que trazem sofrimento físico e psíquico profundo, por separar a phisis do logos. ... A episteme do grupo é uma construção.

(Wechsler, 2016Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar., p. 141)

Nessa perspectiva, ela vai afirmar que os métodos psicodramáticos possuem como fundamento o jogo, o ritual, que “tem essa vocação de unir a phisis e o logos que podem ter sido separados por dispositivos” (Wechsler, 2016Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar., p. 141), retomando o conceito profanação que “é o contradispositivo que restitui ao uso comum aquilo que o sacrifício tinha separado e dividido” (Agamben, 2009Agamben, G. (2009). O que é contemporâneo? E outros ensaios. Argos., p. 45, citado por Wechsler, 2016Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar., p.142).

Sem essa perspectiva crítica da imanência, os métodos podem ficar presos às finalidades (característico do pensamento transcendente) e servir de reprodução do status quo. No lugar da profanação ocorreria a secularização que é o deslocamento de elementos, mas mantendo intactas as forças: “a secularização política de conceitos teológicos (a transcendência de Deus como paradigma do poder soberano) limita-se a transmutar a monarquia celeste em monarquia terrena, deixando, porém, intacto seu poder” (Agamben, 2007Agamben, G. (2007). Profanações. Boi Tempo., citado por Wechsler, 2016Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar., p.147).

Secularização e profanação são operações políticas que mantém ou desativam dispositivos de poder. Não podendo estar fora dos dispositivos, os métodos psicodramáticos, como micropolíticas, buscam linhas de fuga coconstruindo uma episteme do grupo.

Os estudos de Nery

No estudo intitulado “O Sociodrama como Método de Pesquisa Qualitativa”, Nery et al. (2006)Nery, M. P.; Costa, L. F. & Conceição, M. I. G. (2006). O sociodrama como método de pesquisa qualitativa. Paideia, 16(35), 305–313. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000300002
https://doi.org/10.1590/S0103-863X200600...
aborda alguns aspectos metodológicos e epistemológicos:1) o foco da investigação é a interação grupal; 2) tem como objetivo fundamental a cocriação; 3) utiliza os instrumentos para criar um contexto que facilite o acesso ao intersubjetivo; 4) privilegia a participação dos sujeitos na pesquisa, que busca superar a dicotomia quantitativo/qualitativo; 5) os procedimentos enfatizam a dramatização de cenas; 6) o efeito terapêutico (liberação de papéis cristalizados) surge da catarse de integração; 7) “todos os estímulos do presente contribuem para a criação imediata, pois passado e futuro se encontram na produção atual” (Moreno, 1975/1946Moreno, J. L. (1974) Psicoterapia de grupo e psicodrama. Introdução à teoria e à práxis. Mestre Jou. (Obra original publicada em 1959), citado por Nery et al., 2006Nery, M. P.; Costa, L. F. & Conceição, M. I. G. (2006). O sociodrama como método de pesquisa qualitativa. Paideia, 16(35), 305–313. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000300002
https://doi.org/10.1590/S0103-863X200600...
, p. 309).

Além desses 7 aspectos, Nery cita o estudo de Marra e Costa (2004), que propõem o Sociodrama como “uma epistemologia e uma prática social voltada para uma abordagem grupal/comunitária, e como um método para a pesquisa-ação” (Nery et al., 2006Nery, M. P.; Costa, L. F. & Conceição, M. I. G. (2006). O sociodrama como método de pesquisa qualitativa. Paideia, 16(35), 305–313. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000300002
https://doi.org/10.1590/S0103-863X200600...
, p. 306).

No texto “Epistemologia da Socionomia e o Psicodramatista Pesquisador”, Nery defende que os métodos psicodramáticos “estão fortemente inseridos no paradigma qualitativo” (2007, p. 80), e são uma alternativa ao empirismo positivista de ênfase quantitativa. São características deste paradigma qualitativo: 1) o estudo do sujeito concreto, 2) a valorização do saber local e 3) o papel político do cientista, lembrando certo pioneirismo de Moreno (1983/1946, p. 231)Moreno, J. L. (1983). Fundamentos do psicodrama. (M. S. Mourão Neto, Trad.). Summus. (Obra original publicada em 1946) que integra a “validação existencial” com a científica, superando as dicotomias: objetivo/ subjetivo e realidade/fantasia.

Nesse sentido, o pressuposto epistemológico é de que o ser humano é um ser-em-relação, compreendido na intersecção indivíduo-coletividade (tricotomia social). A verdade é produzida pela intersubjetividade. O “ser-em-relação” como objeto de estudo pressupõe métodos vivenciais (não analíticos), que geram níveis de aquecimento em busca de uma ação espontânea.

Em seu estudo, Nery (2007)Nery, M. P. (2007). Epistemologia da socionomia e o psicodramatista pesquisador. Revista Brasileira de Psicodrama, 15(2), 79–92. faz um resumo de autores psicodramatistas que tratam do tema da epistemologia mostrando que: 1) Moreno antecipou alguns dos atuais paradigmas científicos e pós-modernos; 2) a dramatização é uma forma de conhecimento possuindo uma base epistemológica de ação e interação (epistemologia ligada à intuição) focada no momento presente; 3) a produção de conhecimento ocorre a partir da prática e a validação é feita a partir dos fatos concretos e não teóricos (fazer a teoria se encaixar na realidade); 4) o objeto de estudo são as relações interpessoais; sujeito e objeto são inseparáveis, portanto o pesquisador é participante, corresponsável, procurando a manutenção do aquecimento e a empatia entre diretor e protagonista; 5) que, para tanto, a construção coletiva coloca-se como ética fundamental do ato de pesquisar, valorizando o saber local. A sociometria é o paradigma da criação.

Com tudo isso, Nery (2007)Nery, M. P. (2007). Epistemologia da socionomia e o psicodramatista pesquisador. Revista Brasileira de Psicodrama, 15(2), 79–92. lembra existir certa incompatibilidade para com paradigmas que necessitam de padrões e classificações que deem garantia e eficácia na produção de conhecimento. Psicodrama é cocriação, o que traz diversas variáveis não controláveis aparentando um certo caos, mas que “é justamente a exposição da intersubjetividade ... que ... produz a superação da dicotomia indivíduo/sociedade, da objetividade/subjetividade, da teoria/método” (p. 87-88).

DISCUSSÃO

Percebe-se em todos os textos analisados um enfrentamento ao paradigma científico positivista. No caso específico do debate epistemológico, as autoras selecionadas distanciam o Psicodrama dessa perspectiva dualista aproximando-o do construtivismo/pensamento complexo e da pesquisa-ação, buscando a superação da divisão entre ser e ação, objetivo e subjetivo, individual e social, teoria e prática, causa e efeito. Para Nery e Wechsler o objeto de estudo do Psicodrama é a inter-relação (tricotomia social) entendido como processo intersubjetivo de cocriação grupal que inclui o terapeuta ou pesquisador, para o qual os métodos de ação, jogos e dramatizações buscam promover possibilidades de novas alternativas relacionais mais integrais e flexíveis.

Nesse mesmo sentido percebe-se em alguns textos (Almeida, 1995Almeida, W. C. (1995). Religião, ética e psicodrama: Ruptura necessária. Revista Brasileira de Psicodrama, 3(2), 83–91.; Possan, 2008Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24.) a defesa de uma complementariedade entre ciência e religião no pensamento e na obra moreniana ou, de forma mais radical, localiza o Psicodrama não pertencendo ao campo científico nem ao religioso, mas ao campo da estética e da arte (Reñones, 2008Reñones, A. V. (2008). Ciência, crença e religião: Um psicodrama pronto? Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 43–54.). Todos casos, importa perguntar de qual perspectiva científica e de qual noção de religião se está falando; direcionando o debate para a questão epistemológica.

Wechsler procura basear-se em referenciais encontrados na própria vida e obra de Moreno. De maneira semelhante, observa-se que algumas reflexões no campo da religião e da Teologia encontram na tradição religiosa que influenciou Moreno como o hassidismo, a cabala, o seinismo e a tradição cristã, princípios teológicos e éticos que foram transportados para a prática psicodramática (Almeida, 1995Almeida, W. C. (1995). Religião, ética e psicodrama: Ruptura necessária. Revista Brasileira de Psicodrama, 3(2), 83–91.; Possan, 2008Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24.). Indo por outro caminho, Nery parte de pesquisas e intervenções práticas referenciando a epistemologia do Psicodrama dentro do paradigma da pesquisa qualitativa. Ainda que se possa fazer essa distinção, infere-se que há uma confluência, pois as conclusões se assemelham muito, quase que uma confirmando a outra.

No entanto, para pensar um diálogo entre o Psicodrama e a Teologia, revelou-se frutífero optar pelo caminho proposto por Wechsler. Buscar as influências teológicas e religiosas de vida e obra de Moreno podendo, ainda assim, incluir os pressupostos epistemológicos destacados pelas duas autoras, como as ideias de inter-relação, alteridade, cocriação e ética grupal.

Identifica-se nos primórdios de Moreno o pressuposto de que o conhecimento é Encontro, inter-relação. Possan (2008)Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24., por exemplo, afirma que, no livro Palavras do Pai, encontram-se uma Teologia e uma base filosófica relacional e evolucionária, ambas ligadas à busca de um sentido. Não em um sentido pronto, dado a priori, nem em um sentido último, que possa ser encontrado e preservado como verdade e dogma, lembrando o debate transcendência/imanência feito por Wechsler (2016)Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar.. Pelo contrário, propõe-se uma constante construção coletiva de sentido, “uma certa concepção de Deus, vista à luz de sua relação com o [ser humano] e com o cosmos, e tendo à sua frente a tarefa de ‘tornar novas todas as coisas’ num incessante conjunto de atos espontâneos e criativos” (Possan, 2008Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24., p. 18).

Villas Boas (2018)Villas Boas, A. (2018). Uma análise histórica da epistemologia teológica no Brasil. [Texto utilizado na disciplina Temas de Epistemologia Teológica]. Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná. ajuda a localizar historicamente essas influências filosóficas e teológicas apontadas pelos autores utilizados neste estudo (Almeida, 1995Almeida, W. C. (1995). Religião, ética e psicodrama: Ruptura necessária. Revista Brasileira de Psicodrama, 3(2), 83–91.; Possan, 2008Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24.; Wechsler, 2004Wechsler, M. P. F. (2004). A pesquisa-ação e os métodos socionômicos: Uma conexão possível. Anais XIV Congresso Brasileiro de Psicodrama, Belo Horizonte.). Segundo ele, diferente do debate epistemológico europeu que assumiu uma hermenêutica da suspeita após a ruptura epistemológica ocasionada pela “morte de Deus” (metafísica idealista):

a filosofia e a teologia judaica após Auschwitz vai reelaborar uma epistemologia teológica e/ou filosófica da questão de Deus a partir de uma via ética, ... abandonando a necessidade de provar a existência de Deus ... para uma aposta na fenomenologia e hermenêutica teológica da gênese ética nas relações humanas que conduz ao reconhecimento empático das alteridades (p. 11).

Ainda segundo Villas Boas (2018)Villas Boas, A. (2018). Uma análise histórica da epistemologia teológica no Brasil. [Texto utilizado na disciplina Temas de Epistemologia Teológica]. Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná., essa epistemologia elaborada pela via da ética será desenvolvida por diversos autores, dentre eles Martin Buber, que também é citado por Wechsler (2004)Wechsler, M. P. F. (2004). A pesquisa-ação e os métodos socionômicos: Uma conexão possível. Anais XIV Congresso Brasileiro de Psicodrama, Belo Horizonte. como uma das influências morenianas. Segundo José S. Fonseca Filho (1972Fonseca Filho, J. S. (1972). Correlações entre a teoria psicodramática de J. L. Moreno e a filosofia dialógica de Martin Buber. [Tese de Doutorado em Psiquiatria, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP., 1980)Fonseca Filho, J. S. (1980). Psicodrama da loucura. Ágora., as ideias buberianas de EU-TU e EU-ISSO teriam influenciado o conceito de Encontro em Moreno. Influência confirmada e afirmada com sentido invertido pelo austríaco Robert Waldl: “o canal de conhecimento de Buber sobre encontro tem um nome. E esse nome é J. L. Moreno, uma vez que foi dele que Buber recebeu o termo ‘Encontro’ com diversas implicações relevantes” (Fonseca, 2012Fonseca, J. (2012). Raízes do encontro na psicoterapia: A influência de J. L. Moreno na filosofia dialógica de Martin Buber. Revista Brasileira de Psicodrama, 20(2), 69–93., p. 92).

Parece adequado e talvez necessário, portanto, pensar um diálogo epistemológico entre Teologia, Filosofia e o Psicodrama pela via da ética. Uma vez que o próprio Moreno pode ser considerado, assim como Buber, um teólogo, um filósofo e “antes de tudo um Místico, que tem extraído da mística uma Psicoterapia” (Weil, 1974, citado em Moreno, 1974Moreno, J. L. (1974) Psicoterapia de grupo e psicodrama. Introdução à teoria e à práxis. Mestre Jou. (Obra original publicada em 1959)/1959, p. 18).

Nessa perspectiva, a ética estará ligada ao (re)conhecimento da alteridade — EU-TU de Buber e Encontro para Moreno — vinculando-se à dinâmica da cocriação, onde estão presentes, além da espontaneidade/criatividade, os fenômenos da empatia, tele, intuição, capacidade terapêutica, inteligência relacional, dinâmicas vinculares, entre outros (Nery, 2007Nery, M. P. (2007). Epistemologia da socionomia e o psicodramatista pesquisador. Revista Brasileira de Psicodrama, 15(2), 79–92.). Esses processos quando compreendidos dentro dessa perspectiva epistêmica são vistos como inter-relacionais, ligados a uma Filosofia e a uma Teologia criativa, relacional e coletiva. Portanto distantes de uma compreensão individualista, positivista e dualista.

Outro aspecto que se evidenciou importante para o diálogo entre Psicodrama e Teologia é a relação transcendência/imanência. Nesse sentido, Wechsler (2016)Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar. propõe a perspectiva da imanência como possibilidade de solução para a questão do dualismo e a separação entre ser e ação, que aproxima a concepção Moreniana do Eu-Deus, da noção de divindade em Espinosa: “Deus que mora dentro — entheos — entusiasmo, princípio da espontaneidade/criatividade” (Wechsler, 2016Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar., p. 137).

Atrelado a esse debate, encontram-se nos textos pesquisados menções a outro importante conceito teológico da obra moreniana: a encarnação. O conceito pode ser entendido como “fazer a inversão da mitologia cristã, em que Deus faz o papel do homem na pessoa de Jesus. Mais tarde, na fase científica de Moreno, falar como Deus é simplesmente fazer uma inversão de papéis” (Almeida, 1995Almeida, W. C. (1995). Religião, ética e psicodrama: Ruptura necessária. Revista Brasileira de Psicodrama, 3(2), 83–91., p. 181). Segundo Possan (2008)Possan, A. (2008). Mergulhar na totalidade da vida: A relação entre ciência e religião no psicodrama de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 15–24., esse conceito liga-se à concepção de Divindade-criadora que pode ser chamado de “axioma teológico moreniano, ... base conceitual para a definição de o sujeito psicodramático” (p. 19).

Assim, esse diálogo pela via da ética pede por uma perspectiva teológica encarnada que dialogue com o mundo concreto, com o mundo da vida, com a imanência, em especial com o ser-em-relação. Pois, para o Psicodrama, a Sociometria é o paradigma da criação, cocriação de uma episteme do grupo (Wechsler, 2016Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar.).

Na criação não há formulas, ela é arte, produção de sentido. O conhecimento é produção, criação e não constatação de uma certeza prévia. Ele acontece na ação, na relação, no lugar e no momento, aqui-e-agora. É (re)nascimento (novo status nascendi). Inclui corpo, emoção e razão, integra-os (Reñones, 2008Reñones, A. V. (2008). Ciência, crença e religião: Um psicodrama pronto? Revista Brasileira de Psicodrama, 16(2), 43–54.). Portanto, nessa perspectiva, os métodos psicodramáticos, jogos, cenas, dramatizações, rituais necessitam serem (re)pensados à luz desta epistemologia coletiva pela via da ética — que considera a possibilidade da existência de vários tipos de conhecimentos — para efetivamente criar novas formas de existência.

Os métodos psicodramáticos se baseiam em princípios que inicialmente foram formulados dentro de uma linguagem teológica e em práticas religiosas e depois transpostos para uma linguagem dita mais científica. Esse processo se assemelha à reflexão de Wechsler (2016)Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar. sobre as ideias de secularização ou profanação em Agamben (2009)Agamben, G. (2009). O que é contemporâneo? E outros ensaios. Argos..

Nesse sentido pode-se cogitar interpretar a escolha pelo campo do Teatro Espontâneo na vida de Moreno como uma atitude de profanação. Práticas morenianas fundamentadas na noção de Divindade criativa e horizontal passam a fundamentar o desenvolvimento de uma teoria científica seguindo uma tradição ética da alteridade coletiva. A metodologia psicodramática procura devolver o poder de decisão para àqueles envolvidos nos grupos, proporcionando a criação de grupos mais autônomos ou, usando outro termo, grupos socionômicos (Moreno, 1974Moreno, J. L. (1974) Psicoterapia de grupo e psicodrama. Introdução à teoria e à práxis. Mestre Jou. (Obra original publicada em 1959)/1959). Trata-se de, portanto, de uma micropolítica que leva em conta a existência do poder nas inter-relações e procura dinamizá-lo, desmontando dispositivos e compartilhando o poder, característica da profanação (Wechsler, 2016Wechsler, M. P. F. (2016). Criação e metodologia no psicodrama. In L. Gottlieb & S. Perazzo (Org). Psicodrama: Apontamentos e criação (pp. 133–150). FiloCzar.).

O exemplo do conceito de catarse de integração, abordado por Reñones (1996)Reñones, A. V. (1996). Catarse de integração: Uma pequena viagem etimológico-conceitual. Revista Brasileira de Psicodrama, 4(2), 35–48., coloca ainda mais realce sobre as consequências de se optar por uma episteme ou outra, e a implicação política dessa escolha. Sabe-se que um verdadeiro protagonista é aquele personagem da cena que representa o grupo. Isso ocorre quando todos os participantes se implicam no processo e se reconhecem como grupo. Dessa forma, abre-se a possibilidade da catarse de integração que transforma o grupo e redistribui o poder nas relações, favorecendo o reconhecimento da interdependência entre todos e reestabelecendo o senso de comumidade.

A metodologia psicodramática caminha em busca deste horizonte ético que considera a participação e a contribuição de todos na construção da ação dramática.

CONCLUSÃO

A análise interpretativa crítica feita sobre a literatura levantada, buscando verificar questões epistemológicas sobre a influência da Teologia e da religião em textos no campo do Psicodrama, verificou uma crítica ao paradigma científico moderno que privilegia a razão como única via segura do conhecimento. Sob essa perspectiva epistêmica, desenvolveu-se uma visão dualista e dicotômica entre ciência e religião que foi base de diversas metodologias em vários campos do saber. A metodologia psicodramática, por outro lado, afasta-se ou até mesmo opõe-se a essa proposta, apoiando-se numa perspectiva epistemológica pensada pela via da ética tanto na chamada fase religiosa como na fase científica.

Nos textos levantados alguns autores procuraram mostrar que Moreno enfrentou o debate epistemológico entre ciência e religião por uma via da ética graças à influência religiosa e filosófica do hassidismo, da cabala e do cristianismo. Outros entenderam haver uma complementariedade entre ciência e religião e, outros ainda defenderam um não pertencimento a nenhuma delas, localizando o método psicodramático no campo da arte.

De forma semelhante, Nery e Wechsler mostram que, seja buscando nas influências filosóficas e teológicas de Moreno ou na análise da prática metodológica, o objeto de estudo do Psicodrama é a intersubjetividade, entendida como processo de cocriação. Distanciando-se assim de noções religiosas dogmáticas ou de uma ciência positivista e cartesiana.

Evidenciou-se que, por fundamentarem-se numa via ética, os métodos psicodramáticos dialogam com abordagens teológicas e filosóficas que trabalham com os seres-em-relação no mundo concreto da vida. Wechsler, por exemplo, encontrou possibilidades de diálogo na crítica teológica feita por uma linha de pensadores da imanência. Porém pensa-se ser produtivo, para futuros estudos, verificar que diferença faria seguir autores que partem de uma perspectiva epistêmica da suspeita ou outros que partem de uma gênese ética das relações humanas como foi o caso de Martin Buber nas correlações apontadas por Fonseca Filho em seus estudos.

AGRADECIMENTOS

Não aplicável.

  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

    Todos os conjuntos de dados foram gerados ou analisados no estudo atual.
  • FINANCIAMENTO

    Não aplicável.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editora de seção: Luzia Lima-Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2022
  • Aceito
    03 Jun 2022
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