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A invisibilidade da relação suicídio e trabalho

The invisibility of the relationship suicide and work

RESENHA

A invisibilidade da relação suicídio e trabalho

The invisibility of the relationship suicide and work

Thaís Augusta Cunha de Oliveira Máximo; Joana Azevedo de Lima; Anísio José da Silva Araújo

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil

O Livro Suicídio e Trabalho: O que fazer?, de autoria de Christophe Dejours e Florence Bègue, vem consolidar e trazer à luz questões que se mantinham obscuras no âmbito da Psicologia do Trabalho. O fato de o suicídio se constituir como um tabu social ou como uma questão de motivações pessoais fez com que, por muito tempo, houvesse pouca ou nenhuma discussão sobre a relação entre o mesmo e o trabalho.

Dejours, porém, já vinha sinalizando, em algumas de suas obras e entrevistas, a importância de conceder relevo à questão do suicídio no trabalho. Em entrevista publicada em Fevereiro de 2010, Dejours admite que as novas formas de Organização do Trabalho, as buscas incessantes por resultados, as metas sufocantes e as práticas cada vez mais difundidas de assédio moral têm intensificado os modos de sofrimento no trabalho, que podem culminar com o suicídio. Segundo o autor, o suicídio no local de trabalho é uma mensagem brutal de sofrimento à comunidade, aos colegas, ao chefe, aos subalternos e à empresa de modo geral.

É nesse cenário que o livro em questão se torna tão oportuno. Primeiramente, pela relevância social do tema, pois não é um assunto que deva se limitar a discussões acadêmico-científicas; e, em segundo lugar, pela necessidade urgente de se pensar em intervenções e análises que possibilitem aos teóricos do trabalho uma ação prática, tanto no sentido preventivo, de questionamento das Organizações de Trabalho, quanto no sentido de Intervenção e estabelecimento do nexo causal.

No prefácio à edição brasileira, os autores Sznelwar, Lancman e Uchida, que já acompanham a trajetória da Psicodinâmica do Trabalho há algum tempo, afirmam consistentemente que "apesar de o livro lidar com uma questão extrema como a do suicídio, na realidade, trata-se de uma obra que tem abrangência maior e suscita reflexões mais amplas" (p. 7).

A obra está dividida em uma introdução e três capítulos, sendo o primeiro destinado à discussão acerca de estudos e ações dirigidas a situações relacionadas a suicídio em trabalhadores. Segundo os autores, a invisibilidade do suicídio como fenômeno relacionado ao trabalho leva à ausência de ações preventivas, e torna difícil o estabelecimento da frequência do suicídio entre trabalhadores. Isso se deve em parte ao desconhecimento que atravessa o discurso dos profissionais envolvidos, mas também à falta de estabelecimento de nexo do suicídio com o trabalho, já que, muitas vezes, não se admite nem mesmo a sua existência.

Os autores perpassam a discussão sobre o suicídio refletindo sobre o papel que as organizações e suas formas de gestão podem ter no sentido de preservar a saúde mental dos trabalhadores, ou, ao contrário, serem potencializadores de adoecimento, sofrimento psíquico e até mesmo de morte. Nesse momento, retomam a discussão acerca dos métodos de avaliação do trabalho adotados na atualidade, que, em sua maioria, não avaliam o trabalho como um todo, mas apenas a dimensão objetiva e observável. Essas questões foram trazidas pelo próprio Dejours em seu livro Avaliação do Trabalho submetido à prova do real, do ano de 2008, e aqui são retomadas de forma bastante coerente.

No capítulo dois, intitulado "Uma intervenção em uma indústria após vários suicídios", os autores descrevem uma intervenção realizada de modo tão elucidativo que transportam o leitor à situação e levam ao diálogo e à busca de soluções aos questionamentos que são colocados o tempo inteiro nas páginas do livro, expondo cada passo, cada dilema e cada nova decisão tomada durante o processo.

A intervenção foi realizada por Florence Bègue e orientada por Christophe Dejours, e faz emergir uma série de questões pessoais, organizacionais e sociais na relação dos suicídios e adoecimentos com o trabalho. Mais do que simplesmente narrar a intervenção, os autores fazem questão de demonstrar como construíram cada uma das etapas, deixando de lado a postura de profissionais autossuficientes e compartilhando com os leitores os dilemas inerentes a quaisquer práticas profissionais.

Segundo Beguè, "a situação não me trazia, realmente, muita segurança, pois não tinha qualquer solução a propor" (p. 81). Mas mesmo diante da profundidade dos problemas organizacionais, os autores optaram em seguir de modo persistente, porém cauteloso, em suas práticas, pensando e repensando a cada novo acontecimento qual seria o melhor encaminhamento.

Apesar de se tratar de uma intervenção em uma situação específica de trabalho, os autores destacam que o cenário no qual se encontrava aquela empresa tem se tornado cada vez mais comum à realidade das empresas atualmente, a saber: "desorganização da produção, conflitos ente equipes, dificuldades de integração dos jovens, desrespeito aos procedimentos, rivalidades entre os diferentes serviços, concorrência exacerbada" (p. 57).

Para a construção da intervenção, algumas perguntas funcionaram como norteadoras e desencadeadoras de reflexões. Dentre elas, "Como penetrar em um universo tão sombrio e caótico e conseguir abrir um caminho?" (p. 57). Partindo desse questionamento, Bègue relata as enormes dificuldades que teve para conseguir acesso aos trabalhadores e aos gestores, em quem observou um forte alheamento e uma tendência a encontrar explicações fora do trabalhando, isentando a Organização de qualquer relação com a situação.

Para que a intervenção seja bem-sucedida, é fundamental a confiança e a cooperação dos trabalhadores. Um dos elementos mais importantes da intervenção, segundo os autores, é a necessidade de "inventar juntos". A pesquisa e a intervenção em Psicodinâmica do Trabalho precisam partir da perspectiva do próprio trabalhador, da escuta de suas demandas. É a partir da palavra, portanto, que pesquisador e participante podem chegar à inteligibilidade do que ainda não está acessível (Dejours, 2004).

As trocas individualmente ou com o coletivo de trabalhadores foram a via de acesso às questões afetivas e subjacentes à situação, criando laços de confiança e cooperação. "Gradualmente, os participantes se autorizavam a falar sobre suas respectivas experiências" (p. 83), e foram as reflexões coletivas que proporcionaram as trocas, o engajamento e uma nova esperança na mudança.

O capítulo três se destina a comentários metodológicos a partir da experiência interventiva. Talvez essas questões suscitadas ao final do livro sejam as que mais conferem à obra um caráter inédito, pois possibilitam que estudiosos e psicólogos do trabalho saiam da dimensão apenas teórica, e possam refletir sobre intervenções e práticas profissionais.

As questões metodológicas mostram que é impossível uma receita ou modelos prontos de intervenção, visto que esse processo é único e contextualizado, devendo o profissional se aprofundar e apreender completamente a realidade para decidir pelo modo de intervir naquela realidade específica. Nesse sentido, não há regras universais quando se busca compreender os fenômenos de saúde-doença em situações de trabalho.

No entanto, é possível, para o clínico, inspirar-se no exemplo descrito para "conceber e organizar o encaminhamento a ser utilizado em caso de uma demanda de perícia ou de análise provocada por um coletivo já instalado" (p. 105). Desse modo, esse caso escolhido por Dejours e Bègue funciona como uma mensagem, que deve ser traduzida e adaptada pelo profissional a partir de suas referências teóricas e experiências.

Em termos sucintos, segundo os autores, para compreender e se aprofundar em "uma organização do trabalho que se tornou deletéria para a saúde, é necessário passar pelo desenvolvimento da capacidade de pensar dos trabalhadores e de sua capacidade de debater no espaço de deliberação interno à organização" (p. 124).

Agradecimento

À CAPES, que por meio de bolsas de Doutorado, contribuiu na concretização deste artigo.

Recebido em: 09/02/2011

Aceite em: 02/05/2012

Thaís Augusta Cunha de Oliveira Máximo é Professora adjunta do departamento de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba, doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Endereço: Departamento de Psicologia/UFPB. Cidade Universitária. Conj. Castelo Branco. CEP 58059-900, João Pessoa/PB, Brasil. Email: thaisaugusta@gmail.com

Joana Azevedo de Lima é Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba.

Anísio José da Silva Araújo é Doutor em Saúde Pública pela FIOCRUZ/RJ. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba.

  • Dejours, C. (2004). Addendum: da psicopatologia à psicodinâmica (1993). In S. Lancman, S. & L. I. Sznelwar (Orgs.), Cristophe Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho Rio de Janeiro/ Brasília: Fiocruz/ Paralelo 15.
  • Dejours, C. (2008). Avaliação do trabalho submetida à prova real. Cadernos de TTO, 2 São Paulo: Blucher.
  • Dejours, C. (2010). "Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal". Acesso em 05 de outubro, 2010, em http://www.publico.pt/Sociedade/um-suicidio-no-trabalho-e-uma-mensagem-brutal_1420732
  • Dejours, C. & Bègue, F. (2010). Suicídio e trabalho: o que fazer?  (F. Soudant, Trad.). Brasília: Paralelo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    2012
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