Accessibility / Report Error

UMA IGREJA SINODAL E MINISTERIAL: NOVOS IMPULSOS PARA A AMAZÔNIA E O MUNDO * * Este artigo se insere nas discussões desenvolvidas pelo nosso Projeto de Pesquisas O catolicismo brasileiro: tendências e desafios (com realização prevista para o quadriênio 2019-2022).

A Synodal and Ministerial Church: New impulses for the Amazon and the World

RESUMO

O presente artigo constitui-se como uma tentativa de ler o percurso sinodal desenvolvido pela Igreja na Amazônia, desde a apresentação das primeiras contribuições, passando pela realização do Sínodo em Roma, até a publicação da Exortação Pós-Sinodal Querida Amazônia, pelo Papa Francisco. Para isso, particulariza a discussão ao redor da questão da sinodalidade e da ministerialidade, ambas implicadas na formulação de uma nova Teologia. Como principal contribuição, pretende-se ler o Sínodo da Amazônia para além dos clichês geralmente utilizados pelas mídias de comunicação, enfatizando-o como ponto de partida para a Igreja na Amazônia e no mundo.

PALAVRAS-CHAVE
Sinodalidade; Ministerialidade; Sínodo da Amazônia; Eclesialidade; Teologia

ABSTRACT

This article is an attempt to read the synodal path developed by the Church in the Amazon, from the very first contributions, through the Synod in Rome and up to the publication of Pope Francis’ Post-Synodal Exhortation Querida Amazônia. To that end, the paper examines the discussion around the themes of synodality and ministeriality. Both issues have consequences for the formulation of a new theological reflection in this regard. As a main contribution, we present a view of the Amazon Synod well beyond the cliché commonly used by the mass media, and emphasize this synod as a starting point for the Church in the Amazon and in the world.

KEYWORDS
Synodality; Ministeriality; Amazon Synod; Ecclesiality; Theology

[...] desafia-nos a superar perspectivas limitadas,

soluções pragmáticas que permanecem enclausuradas

em aspectos parciais das grandes questões,

para buscar caminhos mais amplos e ousados [...].

(QA, n. 105)

1 Pressupostos introdutórios e método de leitura

Desde a sua convocação em 15 de outubro de 2017, o Sínodo da Amazônia despertou o interesse de todos aqueles que se dedicam à compreensão do cristianismo católico em nosso tempo, bem como dos próprios sujeitos eclesiais envolvidos, num misto de apreensão e esperança. Foram praticamente dois anos de preparação, com etapas como a convocação e solicitação de remissivas às igrejas particulares integrantes da Rede Eclesial Pan-amazônicaREDE ECLESIAL PAN-AMAZÔNICA. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. “Instrumentum Laboris.” Brasília: Edições CNBB, 2019.1 1 Como é o caso de algumas menções textuais ao longo do Instrumentum Laboris. A título de exemplo, podemos citar o que se encontra no n. 23, enviado pelas conferências episcopais Boliviana e Venezuelana, respectivamente: “A selva não é um recurso para explorar, é um ser ou vários seres com os quais se relacionar”; “Amargura-nos a destruição da natureza, a destruição da selva, da vida, de nossos filhos e das gerações vindouras”. Aliás, esse caminho de escuta sinodal iniciou-se na região amazônica já com a visita do papa a Puerto Maldonado, em 19 de janeiro de 2018 (cf. REPAN, n. 1 – como de costume, os fragmentos de documentos eclesiais serão referidos pelo número do parágrafo). , a elaboração do Instrumentum Laboris e, enfim, em outubro de 2019, a realização do Sínodo em Roma, com a presença constante do Papa Francisco. Ademais, pôde-se contar com representações das mais diversas, entre as quais, além dos já esperados cardeais e bispos, um significativo número de mulheres, indígenas e demais peritos (presbíteros ou não) também convocados à colaboração2 2 Agenor Brighenti, que participou como perito do Sínodo, nos oferece uma perspectiva sobre a convivência ao longo dos dias de realização do Sínodo: “Eram 186 padres sinodais, acompanhados de mais de uma centena de pessoas, em especial indígenas e mulheres, em uma harmônica sinfonia de Igrejas e povos preocupados com o evangelho da vida e o cuidado da ‘Casa Comum’. No plenário do auditório da Aula Paulo VI, nas chamadas Congregações Gerais, todos ouviram a todos” (BRIGHENTI, O Sínodo da Amazônia: o evento e seus resultados, 2019, p. 593). Uma palavra a esse respeito também é retratada logo no início do Documento Final do Sínodo: “O clima foi de trocas abertas, livres e respeitosas entre bispos, pastores da Amazônia, missionários e missionárias, leigos e leigas, e representantes dos povos indígenas da Amazônia” (SÍNODO DOS BISPOS, Documento Final do Sínodo, 2019, n. 1). . Devemos, então, considerá-lo como um dos mais importantes acontecimentos a respeito da Igreja na América Latina desde a última Conferência ordinária do episcopado latino-americano e caribenho, ocorrida em maio de 2007, em Aparecida, Brasil3 3 O próprio Papa Francisco admite essa continuidade em sua Exortação Apostólica, colocando o Sínodo da Amazônia na esteira dos outros importantes acontecimentos eclesiais da América Latina, tais como Medellín (1968) e sua aplicação à Amazônia em Santarém (1972), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007) (cf. QA, n. 61). . Ou, ainda, o mais importante, tendo em vista que, ao tomarmos a Amazônia como mote – em sua potência não apenas eclesial, mas vital e de diversidade – por um lado, ela representa uma oportunidade ímpar de manifestação da Igreja latina junto à sede de Pedro e, por outro, constitui-se como modelo eclesial para outras partes do mundo, abrindo discussões e fortalecendo a catolicidade.

Um evento de tal envergadura, contudo, não passaria ileso de controvérsias, tanto em âmbito intraeclesial quanto externamente aos seus limites institucionais (SILVEIRA; REISSILVEIRA, E. J. S.; REIS, M. V. F.; ALMEIDA, F. P. M. O Sínodo da Amazônia e os dilemas do catolicismo. Revista Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 669-691, set./dez. 2019.; ALMEIDA, 2019ALMEIDA, A. J. de. Milhares de comunidades sem Eucaristia interpelam o Sínodo da Amazônia. Revista Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 585-616, set./dez. 2019.). Todo o debate gerado, porém, apenas confirmou a sua urgência. Por isso, deixando de lado as inúmeras repercussões geradas pelos meios de comunicação no período de preparação e realização do Sínodo, especialmente acerca de alguns temas considerados polêmicos, há para nós três grandes fontes de interesse, as quais nos possibilitarão adentrar as discussões esboçadas e as alternativas propostas. São elas: o Instrumentum Laboris, como expressão mais organizada da sondagem realizada junto às dioceses integrantes da REPAN, o Documento Final do Sínodo para a Amazônia, tornado público logo após as seções ordinárias do Sínodo, no final de outubro de 2019, e por último e com especial significado, a Exortação Apostólica Pós-Sinodal do Papa Francisco, com o título Querida Amazônia, recentemente promulgada, em 02 de fevereiro de 2020, e que congrega o que o Papa chamou de quatro sonhos para a Amazônia. Assim, poderemos acompanhar mais fielmente o processo sinodal, sem o equívoco de concebermos o documento papal como a emanação de sentenças definitivas sobre os temas discutidos.

Promulgada na Festa da Apresentação do Senhor, a Exortação Pós-Sinodal somente veio a público em 12 de fevereiro do mesmo ano. Como primeiro ponto de destaque, é impossível não nos referirmos ao seu título. Na continuidade do que já havia implementado desde a Laudato Si’, Francisco outra vez abdica do uso do latim como língua universal da Igreja, preferindo valer-se de uma expressão que simultaneamente pudesse ser lida em espanhol e em português, as duas línguas com maior alcance sobre a realidade dos povos amazônicos: Querida Amazônia. Em segundo lugar, também é preciso fazer referência ao dia escolhido para a publicação do texto: 12 de fevereiro, dia em que a Igreja na Amazônia recorda o martírio da Ir. Dorothy Stang, assassinada em 2005. Aliás, a presença viva dos mártires amazônicos fora lembrada durante todo o Sínodo, seja através dos ícones introduzidos logo na procissão de abertura das sessões sinodais, seja no espírito de comunhão com todos os que dedicaram suas vidas à evangelização naquelas terras4 4 Nos cartazes utilizados durante as sessões sinodais, apareciam as imagens de Alejandro Labaka e Inés Arango, Ezequiel Ramin, Chico Mendes, Josimo Tavares, Vicente Cañas, Cleusa Rody Coelho, Alcides Jiménez, Rodolfo Lunkenbein e Simón Bororo, e, também, Dorothy Stang. .

Além disso, apesar do caráter formal da Exortação, tão esperada em âmbito intra e extraeclesial (nota-se a repercussão sentida nos meios de comunicação desde a sua publicação), também não podemos deixar de mencionar a aposta de Francisco na sinodalidade, na medida em que se coloca na continuidade do Documento Final do Sínodo, não meramente se limitando a uma posição de decisão, mas outra vez de diálogo. Isso está expresso logo no início da Exortação: “Com esta Exortação, quero expressar as ressonâncias que provocou em mim este percurso de diálogo e discernimento. Aqui, não vou desenvolver todas as questões amplamente tratadas no Documento conclusivo; não quero substitui-lo nem repeti-lo” (QA, n. 2). De outro modo, diz o Papa, no parágrafo seguinte, que sua vontade é de oficializar o resultado sinodal, cujas conclusões oferecem a contribuição de quem “melhor do que eu e do que a Cúria Romana” conhece a problemática da Amazônia (cf. QA, n. 3). Embora a maior parte das reações – sobretudo as advindas dos meios de comunicação em geral – procurasse nas palavras do Papa uma resolução, acolhida, legislação ou simples promulgação de todos os pontos suscitados ao longo das sessões sinodais, não soube reconhecer o que há de efetivamente novo na maneira do Sumo Pontífice expor o resultado de um processo o qual não pode derivar da decisão individual, mas unicamente através de uma ação conjunta, de modo que os reais desdobramentos do Sínodo da Amazônia não virão por simples designação da autoridade papal; serão, antes, o resultado do caminho que doravante se empreenderá, colaborativamente entre pastores, agentes pastorais e todo o Povo de Deus na região amazônica.

Eis o motivo de, neste artigo, adotarmos, como método de análise, a comparação entre os três documentos que compuseram o caminho sinodal5 5 Com este artigo cumprimos a série de análises dedicadas ao Sínodo da Amazônia. Nesse sentido, a discussão aqui estabelecida completa o que já apresentamos em Um sonho ecológico para a Igreja: o magistério de Francisco da Laudato Si’ ao Sínodo para a Amazônia (cf. MARTINS FILHO, 2020a), publicado pela Atualidade Teológica, e O Papa Francisco e o Sínodo Amazônico: novos impulsos para a inculturação (cf. MARTINS FILHO, 2020b), que saiu recentemente pela Revista Eclesiástica Brasileira. A tríade que se compõe pelo presente artigo integra nosso projeto de compreensão do catolicismo brasileiro na atualidade. . Tal esforço nos permitirá compreender o itinerário de consolidação de suas principais propostas, de reafirmação da fé católica no diálogo com o pluralismo cultural, como também explicitar o que se manteve ou foi deixado de lado desde os primeiros esforços reflexivos – sempre como abertura a novos caminhos, jamais como fechamentos. Por conseguinte, essas fontes também nos auxiliarão a reduzir o nosso foco aos três aspectos que teremos em conta neste texto, como tentativa de condensar os seis principais eixos de discussão apresentados pelo arcebispo emérito de São Paulo e relator-geral do Sínodo, cardeal Cláudio Hummes6 6 As seis frentes apresentadas pelo cardeal Hummes para a divisão dos grupos de trabalho durante o Sínodo foram: 1. Igreja em saída na Amazônia e os seus novos caminhos; 2. O rosto amazônico da Igreja: inculturação e interculturalidade no âmbito missionário-eclesial; 03. A ministerialidade da Igreja na Amazônia: presbiterado, diaconato, ministérios, o papel da mulher; 4. A ação da Igreja no cuidado com a Casa Comum: a escuta da Terra e dos pobres; ecologia integral ambiental, econômica, social e cultural; 5. A Igreja amazônica na realidade urbana; 6. A questão da água. . Para nós, a discussão explicitada pelo Sínodo nos obriga a repensar três eixos estruturantes da vida da Igreja, num duplo alcance de seus aspectos pastorais e teológicos. O texto que segue está, pois, dividido, considerando: a) primeiramente, a dimensão eclesiológica e a reflexão instaurada pelo Sínodo da Amazônia, sobretudo em função de reforçar a colegialidade das decisões, o diálogo com as novas realidades existenciais e culturais que se esboçam e a concepção eclesial possível a partir do alargamento das fronteiras entre países, como na composição da REPAN; b) em segundo lugar, a dimensão da ministerialidade, através do inestimável confronto entre a estrutura ministerial vigente e a exigência de novas respostas aos desafios pastorais impostos, o que passa desde a reconfiguração dos ministérios ordenados até a proposição de outras formas ministeriais oficiais, inclusive com a abertura de acesso por parte das mulheres a ministérios instituídos – já que essas são em número e em impacto de ação as verdadeiras protagonistas da pastoral amazônica; c) por fim, em terceiro e último lugar, já compondo a conclusão de nosso percurso, a dimensão teológica vista de maneira mais abrangente, sobretudo a partir dos desafios culturais estabelecidos, das especificidades simbólicas da região amazônica, do alargamento da teologia em diálogo com as questões sociais mais urgentes, entre as quais o pontificado de Francisco fez eclodir o debate ecológico e sua indissociabilidade da reflexão teológica. A partir desses três pontos, tentaremos revisitar o Sínodo da Amazônia e realizar uma prospecção acerca do trabalho que virá ao longo dos próximos anos e seu impacto sobre a teologia brasileira como um todo.

2 Por uma nova eclesialidade: uma Igreja em constante conversão

Desde que João XXIII, ao convocar a realização de um Concílio Ecumênico ainda nos primeiros anos da segunda metade do século XX, falou em conversão para a Igreja, este tema tornou-se uma constante nas discussões sobre eclesiologia7 7 A primeira alocução em que o papa anunciara a convocação do Concílio, ocorreu no dia 25 de janeiro de 1959, Festa da Conversão de São Paulo. Daí que a tônica de todo o evento tenha se concentrado no tema da conversão (cf. JOÃO XXIII, Allocuzione del Santo Padre Giovanni XXIII con la quale annuncia il Sinodo Romano, il Concilio Ecumenico e l’aggiornamento del Codice di Diritto Canonico, 1959). . É verdade que parte da estrutura eclesial ainda o toma com certa desconfiança, mas não sem admitir a necessidade de a Igreja sempre colocar-se no ponto de partida de sua vocação: ser presença de Cristo num mundo de constantes mudanças. Ao propormos uma reflexão sobre o potencial do Sínodo da Amazônia para o surgimento de uma nova eclesialidade, colocamo-nos num ponto de confluência, orientando-nos, em um primeiro momento, pelas palavras do Instrumentum Laboris em seu n. 102: “O processo de conversão ao qual a Igreja é chamada implica desaprender, aprender e reaprender”. Um processo triádico, que requer abandonar-se numa verdadeira consideração da realidade, fazendo como a criança na descoberta do seu mundo. Por isso, embora adiante também tratemos dos impactos do Sínodo para a recomposição da própria teologia, num primeiro momento devemos admitir que, uma vez atravessada pela interpelação da realidade amazônica, eis que surge uma nova eclesialidade, ainda mais participativa, na qual o poder e o controle da verdade cedem lugar ao diálogo como instância colaborativa; noutras palavras, disposta a uma “conversão pastoral samaritana” (cf. SÍNODO DOS BISPOS, 2019SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
http://www.vatican.va/roman_curia/synod/...
, n. 20).

Isso também implica, como reconhecem os bispos da Amazônia nas primeiras páginas do Instrumentum Laboris, pôr-se na continuidade do magistério de Francisco, isto é, ressoar ao apelo por conversão apresentado em três frentes: a conversão pastoral (sobretudo a partir da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium), a conversão ecológica (com o significado adquirido desde a Laudato Si’) e, sobretudo para o que temos em conta neste momento, a conversão à sinodalidade eclesial8 8 Sobre esse aspecto, também os textos referentes ao Sínodo da Juventude, realizado em 2018, reforçam a exigência de uma Igreja sinodal. É o caso do Documento Final, ao falar da “atitude de discernimento” (nn. 104-113), ou, mesmo, nos nn. 119-127, exclusivos sobre sinodalidade. Também é um tema que transparece na Exortação Christus Vivit (cf. CV, nn. 203-215 e, em especial, nn. 206, 207 e 208). Infere-se que a sinodalidade requerida pelo Papa Francisco é confiada por ele próprio às novas gerações, às juventudes. Serão as novas gerações as protagonistas de uma Igreja jovem, rejuvenescida, com jeito sinodal de ser. O Sínodo da Amazônia, portanto, dispõe-se na continuidade de uma insistência por parte de Francisco, o apelo por uma Igreja missionária, sinodal, dialógica, em mosaico, como são nossas juventudes e, por extensão, nossas comunidades eclesiais. (reforçada pela Episcopalis Communio) (REPAN, n. 5). Não por acaso, falou-se em conversão a cada novo capítulo do Documento Final do Sínodo, insistindo nessa questão a respeito da pastoral, da cultura, da ecologia e, especialmente, da sinodalidade eclesial9 9 De fato, os cinco capítulos do Documento Final do Sínodo tomam a conversão como tema central de cada uma de suas ênfases. Fala-se, portanto, em “escuta” e “conversão integral” (nn. 5-19), “conversão pastoral” (nn. 20-40), “conversão cultural” (nn. 41-64), “conversão ecológica” (nn. 65-85), “conversão sinodal” (nn. 86-119). . Para nós, o caminho para uma pastoral orgânica e a valorização de uma relação integral com o nosso meio de vida, numa extensão da criaturalidade para além das barreiras humanas, passa, imprescindivelmente, pela adoção de uma postura sinodal – e esse deve ser o grande legado do pontificado de Francisco para a Igreja do futuro. Essa forma de enxergar a realidade eclesial estabelece um perfil colaborativo entre todas as instâncias do corpo místico de Cristo: não apenas o bispo é tomado como simultaneamente “mestre e discípulo”; a sinodalidade também se explicita como forma eficaz de “escuta do Povo de Deus” (cf. EC, nn. 5-6). No caso do Sínodo da Amazônia, de forma ainda mais intensificada que em outras edições do Sínodo dos Bispos, tal protagonismo do corpo eclesial como um todo fez-se ainda mais notório. A Igreja, reunida em toda a sua força de serviço, para repensar-se a si mesma e ser capaz de encontrar os “novos caminhos” tão ansiosamente esperados.

Para lembrarmo-nos do que aponta Agenor Brighenti (2006, p. 22)BRIGHENTI, A. A pastoral dá o que pensar: inteligência transformadora da fé. São Paulo: Paulinas, 2006., tendo percorrido mais de dois milênios da tradição da Igreja, podemos hoje ler as diferentes nuances adotadas pelas diversas épocas e lugares. Nalguns momentos, constatamos a potência de uma concepção pastoral a determinar a concepção eclesial; noutros, o inverso, de determinada eclesialidade, à pastoral. No caso da Igreja na Amazônia, parece-nos que a articulação de uma nova perspectiva pastoral incidirá decisivamente sobre a concepção eclesial vigente. Embora reconhecido como um processo de escuta, o Sínodo também deve ser pensado como a reverberação de uma eclesialidade agora trazida para o centro da reflexão e ação (cf. TAITSON; BUROCCHI, 2018TAITSON, P. F.; BUROCCHI, A. M. Fundamentos da Eclesiologia de Francisco. Paralellus, Recife, v. 9, n. 20, p. 185-197, jan./abr. 2018.; CAVACA, 2014CAVACA, O. Uma eclesiologia chamada Francisco: Estudo da eclesiologia do Papa Francisco a partir da Evangelii Gaudium. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, ano XXII, n. 83, p. 15-34, jan./jun. 2014.). Aliás, no Documento Final do Sínodo, expressões como o substantivo “voz” e o verbo “escutar” em suas diferentes conjugações povoam todo o texto. Fala-se em “escutar a voz da Amazônia”, em “escutar a voz do Espírito”, em “escutar a voz dos povos”, “escutar o clamor do território”, e respondê-la, num movimento de comunhão com toda a Igreja. As consequências da eclesialidade amazônica, por isso, não estariam limitadas ao seu espaço geográfico, ultrapassando fronteiras rumo à definição de novas possibilidades de exercício do múnus batismal – o que nos faz reconhecer a indissociabilidade dos três pilares que elegemos como norte para essa exposição: a eclesialidade, a ministerialidade e a referência teológica que as fundamenta – e delas deriva. Em termos de uma prática pastoral, resultante da admissão deste novo paradigma eclesiológico, certamente nos encontramos diante de novos impulsos para a Igreja na América Latina, especialmente para o Brasil, que constitui a imensa maioria do território amazônico. Isso, de alguma forma, pode ser antevisto nas expressões com que o Instrumentum Laboris encerra a sua contribuição: “Esperemos que este Sínodo seja uma expressão concreta da sinodalidade de uma Igreja em saída, para que a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo (Jo 10,10) chegue a todos” (REPAN, n. 147).

O mesmo, de alguma forma, também é indicado pelo Documento Final do Sínodo, por exemplo quando alude à necessidade de “somar para chegar juntos onde não podemos fazê-lo sozinhos”, ou quando diz da necessidade de fortalecer “uma cultura de diálogo, de escuta recíproca, de discernimento espiritual, de consenso e comunhão para encontrar espaços e caminhos de decisão conjunta” (SÍNODO DOS BISPOS, 2019SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
http://www.vatican.va/roman_curia/synod/...
, nn. 39 e 88, respectivamente). Isso, no entanto, apenas fortalece o que dissemos também a respeito da postura do Papa Francisco quando da promulgação de sua Exortação Pós-Sinodal, sem a pretensão de fechar o discurso acerca dos desafios pastorais e das novas estratégias que esses exigirão – referência à qual em todo momento manteve-se fiel. Para nós, o pontificado de Francisco ficará marcado na história da Igreja como o retorno à autoridade das comunidades sinodais, respeitando a comunhão com todo o magistério no que diz respeito à fé, mas, ao mesmo tempo, fomentando a diversidade de manifestações inerentes à catolicidade.

Não é possível uma resposta que contemple todas as possibilidades e desafios, e o papa parece estar plenamente consciente disso. O caminho sinodal, portanto, não é encerrado com a promulgação de uma Exortação Apostólica. Ao contrário, estamos apenas no início de um projeto de pastoral para a Igreja na Amazônia, o qual ainda atravessará uma série de outras iniciativas. A palavra do pastor universal faz-se, então, com contornos de esperança. De uma forma ou de outra, não é mais possível pensar a eclesialidade senão considerando seus diferentes agentes, a especificidade dos ministérios cujo sentido apenas existe na complementaridade. Esse é o ponto que nos obriga a avançar ao que segue: uma reorientação eclesial não pode efetivar-se sem que se olhe para a questão ministerial, concebendo-a de forma mais alargada que simplesmente restrita a funções institucionais.

3 Assembleia dos chamados, escolhidos e enviados: a dimensão ministerial

Ao tocarmos a questão da ministerialidade, colocamo-nos ante um dos temas de maior controvérsia do Sínodo, especialmente em suas fases de preparação – inclusive com reação por parte de alguns setores da Igreja. Isso porque o tratamento dado à questão ministerial pela teologia ao longo dos últimos séculos, focalizou particularmente os ministérios ordenados, isto é, a dimensão institucional da hierarquia – numa espécie de oposição à ação pastoral dos cristãos leigos de maneira geral. Apenas mais recentemente, a questão de ministérios próprios para o laicato conquistou maior espaço nas discussões magisteriais, tornando-se um tema abundante especialmente nos documentos do Concílio Vaticano II. Ao falarmos de ministerialidade, por isso, não pretendemos restringir nosso olhar à dimensão institucional e hierárquica, mas ao reconhecimento oficial por parte da Igreja dos diferentes serviços realizados por vocacionados aos diferentes estados de vida. Apesar do mencionado resgate, sabemos o quão difícil ainda é a discussão sobre a distinção entre serviços e ministérios, sendo esse último muitas vezes interpretado a partir da demarcação de um pressuposto meramente funcional e não de realização da vocação humana à santidade, cuja conquista percorre diferentes caminhos. Ao limitar a questão ministerial ao sacramento da Ordem, cometemos o erro de restringir a discussão, de comprometer a ação pastoral, em prejuízo da evangelização. Assim, embora se trate de um tema dissonante, com diferentes prismas de análise, é clara a notoriedade que ganhou reaparecendo nas discussões do Sínodo da Amazônia, motivo pelo qual merece o devido tratamento.

Com José Raimundo de Melo (2006, p. 350)MELO, J. R. de. Ministérios e serviços litúrgicos numa Igreja toda ministerial: a ministerialidade em documentos do magistério pós-conciliar. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 38, n. 106, p. 349-374, maio/ago. 2006., reconhecemos que por serem inúmeros e variados os ministérios eclesiais, sem dúvida manifestam a importância que a Igreja deu ao longo dos séculos a esse assunto tão fecundo. Por outro lado, não podemos deixar de considerar que uma reflexão mais profunda sobre a questão ministerial nos obriga a tocar a estrutura da vida comunitária como é experimentada historicamente no momento presente, o que, talvez, obrigará o surgimento de novas experiências pastorais – embora sempre à luz da tradição cristã e de alternativas já ensaiadas em outros tempos e lugares. Nesse sentido, a continuidade apontada como eixo estruturante da hermenêutica católica não pode ser confundida com mera manutenção de estruturas. Sobre isso, aliás, o caminho percorrido pelo Sínodo da Amazônia parece estar mais ligado a uma reorientação pastoral a respeito dos ministérios que, propriamente, à reformulação de uma teologia da ministerialidade, de modo que, entre os principais eixos de interpretação, talvez possamos focalizar os seguintes questionamentos: 1) os ministérios atualmente disponíveis na dinâmica eclesial são suficientes para garantir a continuidade e a eficácia da ação apostólica da Igreja na Amazônia? 2) uma discussão sobre a ministerialidade na Igreja estaria restrita ao âmbito dos ministérios ordenados, ou poderia se alargar na composição de um horizonte mais amplo de cooperação, tendo no Batismo a configuração necessária para a legitimidade do exercício ministerial em novos campos de atuação? 3) haveria na estrutura organizacional da Igreja algum espaço para o exercício de ministérios instituídos a mulheres, com alcance não somente sobre as esferas de ação, mas de decisão, já que essas representam a principal força em território amazônico? Perguntas como essas nos fazem revisitar os textos exarados pelo Sínodo na procura de eventuais indicações que nos ajudem a montar um panorama geral. Para isso, trataremos o tema, particularizando três vias de aproximação, a partir dos grandes refrães delineados pelo caminho sinodal.

3.1 Ministérios ordenados e ministerialidade

Em termos de proposição, todas as indicações práticas ligadas à questão da ministerialidade são em princípio apresentadas no n. 129 do Instrumentum Laboris, com suas respectivas concentrações. Além disso, ao falar sobre a importância dos leigos na condução e manutenção de experiências de fé, o Documento Final do Sínodo se inspira nas tradições populares10 10 Na América Latina, o protagonismo dos leigos pode ser notado especialmente nas diferentes expressões do catolicismo popular. Ver, por exemplo, nosso texto Sobre o protagonismo laical no catolicismo popular, recentemente publicado pela REB – Revista Eclesiástica Brasileira, em 2019 (cf. MARTINS FILHO, 2019a). , um espaço em que prevalece a “não clericalização”: “Os leigos assumem um papel de protagonismo difícil de alcançar em outras esferas eclesiais, com participação de irmãos e irmãs que exercem serviços e dirigem orações, bênçãos e cantos sagrados tradicionais; animam novenas, organizam procissões, promovem festas patronais” (SÍNODO DOS BISPOS, 2019SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
http://www.vatican.va/roman_curia/synod/...
, n. 53). Tal potência não pode ser desprezada pela Igreja na composição de estratégias de ação que tornem o compromisso dos leigos ainda mais significativo e fecundo. Na mesma direção, ao propor a sinodalidade como modo fundamental de expressão da experiência cristã, o Sínodo dos Bispos também adverte para a necessidade de superação do “clericalismo e de imposições arbitrárias” (SÍNODO DOS BISPOS, 2019SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
http://www.vatican.va/roman_curia/synod/...
, n. 88), que muitas vezes dificultam o crescimento da fé de comunidades que sequer possuem o contato ordinário com a vida eclesial pela via dos sacramentos (e a falta da Eucaristia é um dos principais problemas dessa ordem na Amazônia11 11 Como destacam a maioria dos intérpretes do tema no Brasil, entre os quais Almeida, em Milhares de comunidades sem Eucaristia interpelam o Sínodo da Amazônia, 2019. ). A eclesialidade advinda da experiência sinodal “marca um estilo de viver a comunhão e a participação nas Igrejas locais que se caracteriza pelo respeito à dignidade e igualdade de todos os batizados e batizadas” (SÍNODO DOS BISPOS, 2019SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
http://www.vatican.va/roman_curia/synod/...
, n. 91). Dito de outro modo, é preciso alargar a concepção ministerial vigente, majoritariamente fundada sobre a figura institucional do ministro ordenado, fomentando o real envolvimento de todos os fiéis batizados, como autênticos emissários da Boa Nova de Cristo. Por isso, a questão do “protagonismo laical”12 12 Os exemplos são inúmeros, dada a importância do tema nos três documentos consultados. Por exemplo, a urgência em se “fazer dos leigos atores privilegiados. Sua atuação tem sido e é vital, tanto na coordenação das comunidades eclesiais, no exercício dos ministérios, como em seu compromisso profético em um mundo inclusivo para todos” (SÍNODO DOS BISPOS, Documento Final do Sínodo, 2019, n. 93). , tão insistente já desde a experiência pós-conciliar na América Latina, volta uma vez mais ao centro da discussão.

Essa quem sabe tenha sido a maior ênfase dada pelo Papa Francisco em sua Exortação. Se outras aberturas ministeriais talvez não tenham sido contempladas como se esperava, o que veremos a seguir, ao menos com relação à ampliação de um olhar sobre a ministerialidade, encontramos pleno incentivo ao engajamento do laicato, promessa de um novo “rosto ministerial para a Amazônia” e modelo para outras partes do mundo: “Uma Igreja de rostos amazônicos requer a presença estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade, que conheçam as línguas, as culturas, a experiência espiritual e o modo de viver em comunidade de cada lugar” (QA, n. 94). Nota-se especialmente a ênfase sobre a autoridade dos líderes comunitários, no convívio com as comunidades e em sua direção, como autênticos representantes da Igreja na Amazônia. Esta prerrogativa, não exclusiva aos cristãos leigos, conforme orientação do Papa, também deve ser estendida para as outras vocações específicas – como os diáconos permanentes, religiosas e religiosos. Isso, contudo, esbarra no problema de ainda não existirem ministérios ordinários cuja participação também possa ser ampliada às mulheres – um tema candente e que não pode ser desprezado por nossa análise. Antes, porém, também gostaríamos de manifestar uma palavra sobre a ordenação de homens casados, talvez o epicentro de uma grande polêmica desde o seu surgimento.

3.2 A ordenação dos viri probati

Deixando de lado a disputa ideológica relativamente a esse tema, encontramos sua presença em diferentes momentos da história da Igreja, seja inflamando as discussões mais recentes acerca da abolição do celibato, seja a partir de casos concretos em diferentes épocas e lugares, mediante aos desafios impostos à evangelização. Sobre isso, como aponta Antônio José de Almeida (2018, p. 113ss)ALMEIDA, A. J. de. Procuram-se padres: centralidade da Eucaristia e escassez de clero. São Paulo: Paulinas, 2018., muitas foram as alternativas eclesiais praticadas envolvendo a lei do celibato. A própria existência de padres casados nos ritos orientais da Igreja Católica é atualmente um indício de que se trata de uma prerrogativa eclesiástica não necessariamente ligada da vocação ao sacerdócio. De outro lado, sabemos as implicações logísticas, administrativas e pastorais de tal iniciativa – para não dizer da ausência de regulamentação a esse respeito na tradição latina, da incerteza quanto à questão da formação e, inclusive, da possibilidade de criação de um clero de segunda categoria, já que mesmo o exemplo do diaconato permanente é tratado em muitos lugares como uma solução extraordinária para a carência de presbíteros. Há, ainda, a falsa crença de que, ao permitir a ordenação de homens casados (o que, repetimos, acontece e já aconteceu muitas vezes na tradição eclesial), a Igreja Católica estaria permitindo o sacramento do matrimônio aos presbíteros já ordenados, o que, definitivamente, não é procedente, dada a imposição de caráter definitivo como parte da ação sacramental. No entanto, movidos pelo barulho das mídias de comunicação, que, em geral, focalizam o que é tangencial, corremos o risco de passar ao largo de uma questão fundamental, como segue: a manutenção da vida da Igreja e de suas comunidades, que tem o Domingo como festa da Eucaristia. Sem Eucaristia, não há comunidade cristã. Sem Eucaristia não há domingo – embora essa seja a experiência recorrente entre mais de 80% das comunidades pelo interior amazônico.

Seja como for, trata-se de um tema tanto levantado no processo de consulta às dioceses da REPAN, como demonstra o n. 129 do Instrumentum Laboris, quanto presente nas sugestões exaradas pelos padres sinodais, aparecendo no n. 105 do Documento Final do Sínodo. Desse modo, embora se reafirme que “o celibato é uma dádiva para a Igreja”, os bispos da Amazônia formalizaram a solicitação de que “para as áreas mais remotas da região”, se estudasse a possibilidade da ordenação sacerdotal de idosos, de preferência suscitados entre indígenas e/ou entre os já ordenados diáconos permanentes, respeitados e reconhecidos pela comunidade – constituindo, assim, uma referência na fé – mesmo que já tivessem constituído uma família, com esposa e filhos, dotada de estabilidade (cf. REPAN, n. 129, a). Como dissemos, trata-se de um tema bastante delicado, e que ainda exige um longo caminho de reflexão e amadurecimento de estratégias de seleção dos candidatos, de implementação de um processo formativo que não interrompa os vínculos com a comunidade e a família, mas que garanta uma boa base teológica e pastoral. De outro lado, o modo como muitas vezes se lida com o diaconato permanente lança sérias dúvidas sobre o estatuto e a posição de um clero casado dentro do rito latino da Igreja. Ao que parece, ainda não se descobriu o verdadeiro sentido da vocação diaconal, subestimando-a simplesmente à função litúrgica. Talvez seja oportuno, antes de encaminhar novas modalidades ministeriais, investir ainda mais na valorização da figura e do ministério dos diáconos permanentes, inclusive na excelente contribuição que esses podem dar, unidos à sua esposa e aos filhos, para o amadurecimento da concepção eclesial de muitos presbíteros, especialmente os que se dedicam ao apostolado em realidades tão isoladas do contato com os demais membros de seu presbitério. Por sinal, essa valorização da figura ministerial do diácono também é lembrada pelos padres sinodais, ao advertirem que “os presbíteros devem ter presente que o diácono está ao serviço da comunidade por nomeação e sob a autoridade do bispo, e que têm a obrigação de apoiar os diáconos permanentes e de agir em comunhão com eles” (SÍNODO DOS BISPOS, 2019SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
http://www.vatican.va/roman_curia/synod/...
, n. 105). Não somente o apoio aos diáconos por parte dos presbíteros, especialmente em vista do que dissemos acima, mas também a consolidação de verdadeiras comunidades ministeriais, em que todos os membros possam sustentar a ação pastoral uns dos outros, numa rede de colaboração.

Para a frustração de muitos que aguardavam uma palavra mais direta do Papa Francisco sobre esse assunto, a Exortação Pós-Sinodal não apresenta referência alguma ao tema da ordenação de homens casados. Contudo, ao contrário do que é afirmado pela grande maioria dos veículos de comunicação, isso não significa que o assunto tenha sido colocado à margem da discussão. Em entrevista no mesmo dia do lançamento do texto papal, Dom Cláudio Hummes afirmou que todas as sugestões emanadas da assembleia sinodal serão consideradas, embora algumas delas – incluindo o tema que temos presente nesse momento – exijam um tratamento mais aprofundado, sobretudo visando estabelecer os melhores mecanismos de implementação. Isso também pode ser entendido na medida em que compreendemos a real posição de Francisco em sua Exortação, resguardando certa autonomia, também em instâncias de decisão e inovação pastoral, para a Igreja na Amazônia. O primeiro passo certamente será a consolidação de um Organismo eclesial regional para a região amazônica junto à Santa Sé. A este órgão, caberia o estudo das questões relativas às sugestões do Sínodo, desde a elaboração de um rito litúrgico inculturado a partir das tradições amazônicas até a sugestão de “novos caminhos pastorais”. Se, contudo, a questão da ordenação de viri probati não foi explicitada pela Exortação Querida Amazônia, o mesmo não se deu relativamente ao alargamento do papel pastoral da mulher, sobre o que também falaremos brevemente.

3.3 A face feminina da Igreja na Amazônia

Conforme notou-se a partir das consultas realizadas pelo processo sinodal, embora seja a força mais significativa da Igreja na Amazônia, transmitindo a fé como líderes de pastorais, catequistas, auxiliares nos serviços litúrgicos, no acompanhamento das famílias, doentes e crianças, enfim, nas mais variadas atividades, a presença feminina no seio das comunidades nem sempre é adequadamente valorizada. Não que essas não tenham o que aqui podemos chamar de espaço de ação, mas certamente permanecem excluídas das instâncias de decisão. É em vista disso que o Instrumentum Laboris apresentava a proposição de que “às mulheres seja garantida sua liderança, assim como espaços cada vez mais abrangentes e relevantes na área de formação: teologia, catequese, liturgia e escolas de fé e política” (REPAN, n. 129, c). Mais do que isso, dizia o instrumento, é necessário “que a voz das mulheres seja ouvida, que elas sejam consultadas e participem nas tomadas de decisões e, deste modo, possam contribuir com sua sensibilidade para a sinodalidade eclesial” (REPAN, n. 129, c – grifos nossos). Sucede, porém, que ao falar sobre o maior envolvimento das mulheres nas instâncias deliberativas das comunidades eclesiais, não se pretende simplesmente a sua admissão às ordens sacras – assunto sobre o qual a Igreja já manifestou várias vezes uma palavra em sentido definitivo13 13 A última delas na Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 1994. . Não que também essa discussão deva silenciar-se (e há argumentos teológicos bastante fortes, vindos de diferentes orientações interpretativas, a fim de garantir a extensão dos ministérios ordenados às mulheres). Para além dessa polêmica, contudo, preferimos insistir no que representa, em termos de reconhecimento do apostolado feminino, a criação de novas possibilidades de serviço, que não se limitem à mera reprodução de funções litúrgicas. O efetivo envolvimento das mulheres, não estaria, desse modo, circunscrito ao horizonte das celebrações, mas à vida e organização das comunidades de maneira mais ampla, como membros dos conselhos deliberativos de comunidades, paróquias e dioceses14 14 Diz o Documento Final do Sínodo, no n. 101: “é necessário que a Igreja assuma em seu seio com maior força a liderança das mulheres, e que as reconheça e promova, fortalecendo sua participação nos conselhos pastorais das paróquias e dioceses, inclusive nas instâncias de governo”. Esse tema também aparece candente na Exortação Pós-Sinodal: “Daqui resulta também que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino” (QA, n. 103). (para nos valermos de uma conjuntura organizacional que é até questionável sob o ponto de vista das reais exigências da realidade amazônica).

Sobre o papel das mulheres, como dissemos, a Exortação Pós-Sinodal traz muitas contribuições, todas elas reforçando o que já haviam preconizado o Instrumentum Laboris e o Documento Final do Sínodo. Segundo o Papa Francisco, na comunidade, a mulher assume a figura de verdadeira guardiã da fé, mantendo-a e transmitindo-a, ao longo de décadas, sem a presença de qualquer sacerdote ou outra representação institucional. A presença das mulheres no Sínodo, aliás, é lembrada pelo papa a partir de uma forte imagem: “No Sínodo, elas mesmas nos comoveram a todos com o seu testemunho” (QA, n. 99). No entanto, também como adverte Francisco, longe de reduzir a potência da presença feminina na Igreja às estruturas funcionais já existentes (ou, mesmo, ao equívoco de tomá-la sob o ponto de vista da fragilidade, excessivamente ligada ao que é emocional), é preciso que “estimulemos o aparecimento doutros serviços e carismas femininos que deem resposta às necessidades específicas dos povos amazônicos neste momento histórico” (QA, n. 102). Nisso reside, para nós, a novidade introduzida pelo magistério de Francisco, que se faz não somente com relação à abertura para a discussão de temas já tratados em outros momentos pela Igreja, mas à exigência de respostas igualmente novas, que não repitam modelos já gastos, que não insistam em discussões que se mostraram insolúveis, porém, despertem novo vigor movido pelo Espírito, como resposta aos anseios apresentados pelo tempo presente. Todo esse movimento, leva-nos, enfim, à composição de novos cenários teológicos, de forma que a própria teologia também precisará expandir-se. Por isso falarmos que a nova eclesialidade implicada numa recomposição ministerial da Igreja terá impactos (ou sofrerá os impactos) da reorientação do pensar teológico – com ecos no viver teológico. Com essa discussão, que representa a última parte deste breve texto, apresentamos a síntese de nossa contribuição.

4 Para concluir: implicações para uma teologia em conversão

Em linhas gerais, e já caminhando para a conclusão desta intervenção, vale a pena realçar a importância de pensarmos a relação existente entre o fundamento teológico e o seu desdobramento numa prática pastoral. O Sínodo da Amazônia, nesse sentido, não representa apenas a oportunidade de se apontar novos caminhos para a vida da Igreja em meio às culturas amazônicas, mas da própria Teologia repensar o seu estatuto epistemológico, seus métodos de análise e os temas com os quais tem desenvolvido diálogo. É inegável que o paradigma teológico vigente insiste e alimenta algumas hegemonias. A formação teológica em nível de pós-graduação, por exemplo, concentra um baixo número de centros especializados pelo mundo em comparação com outras áreas, tendo como consequência uma espécie de “padronização” de métodos de incursão sobre a realidade e, até mesmo, a manutenção da aparente superioridade de alguns grandes centros acadêmicos15 15 Isso no Brasil não é diferente. Basta observarmos em que regiões se concentram os grandes centros de estudo e pesquisa em Teologia. Certamente não se encontram na Região Norte do país, que, paradoxalmente, possui vivências específicas, quer dizer, constituem-se num verdadeiro lugar teológico. . Esse processo constrói-se, muitas vezes, pela imposição de um modelo cultural que inculca “certo desprezo pelo povo e pelos costumes do território amazônico”, chegando a qualificá-lo como “selvagem” ou “primitivo” (cf. REPAN, n. 76). Isso contrasta com a riqueza cultural amazônica, seja em termos do cultivo da fé, ou de outros elementos que contribuem para o avanço da reflexão teológica, como lugar teológico oportuno (cf. REPAN, n. 18) – a partir de onde se pode pensar a experiência de Deus na história. Essa é a experiência relatada por missionários e missionárias, cujas vidas foram dedicadas à evangelização junto a essa porção específica do Povo de Deus.

Ao rediscutir temas como a eclesialidade e a ministerialidade, o Sínodo da Amazônia chama a atenção para o alargamento da própria Teologia em suas frentes de investigação e difícil tarefa de nunca prescindir do diálogo com as realidades culturais. Dito de forma mais objetiva, não é possível uma Teologia de gabinete, fechada ao diálogo com a pluralidade e indiferente às questões patentes do mundo contemporâneo. Nesse âmbito, vale a pena destacar as insistentes referências à inculturação16 16 Tivemos a oportunidade de tratar essa questão em alguns trabalhos, os quais sugerimos como leitura complementar. Ver, por exemplo Celebrar a vida é viver a fé: sobre o conceito de inculturação no catolicismo pós-conciliar (ECCO; MARTINS FILHO, 2016), ou, ainda O que é inculturação?, livro didático-pastoral, publicado em 2019 (cf. MARTINS FILHO, 2019c). O tema também é abordado por nós em Cantadores do Reino, Foliões dos Santos Reis, livro publicado pela editora Espaço Acadêmico (cf. MARTINS FILHO, 2019b). – em suas variadas formas de aplicação – seja no Instrumentum Laboris (nn. 30, 113-126), no Documento Final do Sínodo (nn. 51-54, 107-108) ou mesmo na Exortação Querida Amazônia (nn. 66-90). Como insiste o Papa Francisco, a concretização dos anseios do Sínodo depende da formação de um conjunto ministerial amazônico, com o rosto próprio da Igreja na Amazônia, capaz de compreender em profundidade os seus desafios, mas também a sua riqueza e o seu potencial de contribuição para toda a Igreja. É preciso, para isso, um percurso de formação inculturada, que deixe de importar “mão de obra” e “concepções de mundo” e passe a fornecer para o restante da Igreja o exemplo necessário para a sua constante renovação. Também em termos de Teologia, a formação dos agentes pastorais amazônicos não implica em impor parâmetros culturais, filosofias, liturgias e costumes estranhos (cf. REPAN, n. 94). Pela sua conjuntura natural, como o centro multiétnico e multicultural que é, a realidade amazônica, por si só, já oferece o espaço necessário para a renovação da discussão teológica nas frentes elencadas ao longo de nosso texto; como também para a expansão rumo a uma concepção antropológica ampliada, em que o homem esteja inserido na dimensão da criaturalidade que, embora o contemple, também o ultrapassa. Isso significa considerar a “conectividade e harmonia de relações entre a água, o território e a natureza, a vida comunitária e a cultura, Deus e as diferentes forças espirituais” (REPAN, n. 13).

Especialmente a respeito da questão ecológica, o que o Papa FranciscoFRANCISCO, Papa. Constituição Apostólica “Episcopalis Communio” (2018). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/papa-francesco_costituzione-ap_20180915_episcopalis-communio.html>. Acesso em: 20 jan. 2020.
http://www.vatican.va/content/francesco/...
tem chamado de conversão rumo a uma ecologia integral, o território amazônico oferece um ensinamento vital, baseado na “relacionalidade como categoria humana fundamental” (REPAN, n. 47). Como também está escrito no número 117 da Laudato Si’: “quando o ser humano se declara autônomo da realidade e se constitui como dominador absoluto, desmorona-se a própria base da sua existência” (LS, n. 117) – completamos: que é a relação. A tão sonhada ecologia integral passa, portanto, pelo reconhecimento da relacionalidade como categoria teológica fundamental: relação com o meio e com os outros, consigo mesmo e com Deus, numa articulação perfeita entre todas as partes envolvidas. Como concluíra o Papa, o caminho sinodal empreendido “obriga-nos a retomar brevemente algumas questões que não devemos esquecer e que podem servir de inspiração para outras regiões da terra enfrentarem os seus próprios desafios” (QA, n. 5). Este é, em suma, o potencial teológico que pode ser oferecido pela Igreja na Amazônia para todo o restante do mundo17 17 E, como destacam Almeida e Brighenti, em seu texto Sínodo da Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, não é possível considerar os impactos de um evento como esse somente em termos regionais. É, por isso, fundamental identificar o alcance desse novo “sujeito eclesial” para toda a Igreja e a sociedade (cf. ALMEIDA. BRIGHENTI, 2019, p. 618). , não somente sob o aspecto de uma realidade pastoral desafiadora, mas como sendo altamente rica em experiências pastorais e de vida que devem fecundar a Teologia (a começar pelo Brasil). A Amazônia, diz FranciscoFRANCISCO, Papa ExortaçãoApostólica Pós-Sinodal “Christus vivit” (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html>. Acesso em: 13 jan. 2020.
http://www.vatican.va/content/francesco/...
no n. 105 da Exortação Pós-Sinodal, “desafia-nos a superar perspectivas limitadas, soluções pragmáticas que permanecem enclausuradas em aspectos parciais das grandes questões, para buscar caminhos mais amplos e ousados”. Com essas palavras, também indicadas como epígrafe em nossa contribuição, chamamos a atenção para o papel da reflexão teológica competente, capaz de desafiar-nos em nossas estabilidades, mover-nos ao novo, dentro da perspectiva criativa inerente à história do cristianismo. Essa é, enfim, a chave de leitura que consideramos como fundamental na leitura dos documentos que afloraram do processo sinodal, tendo no Documento Final do Sínodo e na Exortação Querida Amazônia não o seu ponto de acabamento, mas a efetivação de uma proposta que ainda está em sua fase germinal. O Sínodo da Amazônia não acabou com o encerramento das audiências sinodais. Tampouco está enclausurado no texto pontifício, que apenas lhe serve de incentivo ao itinerário que ainda irá trilhar: um caminho sinodal, um caminho de conversão comunitária, um caminho de ampliação nos horizontes eclesiais, um caminho de comunhão.

  • 1
    Como é o caso de algumas menções textuais ao longo do Instrumentum Laboris. A título de exemplo, podemos citar o que se encontra no n. 23, enviado pelas conferências episcopais Boliviana e Venezuelana, respectivamente: “A selva não é um recurso para explorar, é um ser ou vários seres com os quais se relacionar”; “Amargura-nos a destruição da natureza, a destruição da selva, da vida, de nossos filhos e das gerações vindouras”. Aliás, esse caminho de escuta sinodal iniciou-se na região amazônica já com a visita do papa a Puerto Maldonado, em 19 de janeiro de 2018 (cf. REPAN, n. 1 – como de costume, os fragmentos de documentos eclesiais serão referidos pelo número do parágrafo).
  • 2
    Agenor Brighenti, que participou como perito do Sínodo, nos oferece uma perspectiva sobre a convivência ao longo dos dias de realização do Sínodo: “Eram 186 padres sinodais, acompanhados de mais de uma centena de pessoas, em especial indígenas e mulheres, em uma harmônica sinfonia de Igrejas e povos preocupados com o evangelho da vida e o cuidado da ‘Casa Comum’. No plenário do auditório da Aula Paulo VI, nas chamadas Congregações Gerais, todos ouviram a todos” (BRIGHENTIBRIGHENTI, A. O Sínodo da Amazônia: o evento e seus resultados. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 79, n. 314, p. 591-614, set./dez. 2019., O Sínodo da Amazônia: o evento e seus resultados, 2019COSTA, M. C. C. O Sínodo para a Amazônia: um sínodo marcado pela escuta e pela alteridade. Revista Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 692-702, set./dez. 2019., p. 593). Uma palavra a esse respeito também é retratada logo no início do Documento Final do Sínodo: “O clima foi de trocas abertas, livres e respeitosas entre bispos, pastores da Amazônia, missionários e missionárias, leigos e leigas, e representantes dos povos indígenas da Amazônia” (SÍNODO DOS BISPOS, Documento Final do Sínodo, 2019SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
    http://www.vatican.va/roman_curia/synod/...
    , n. 1).
  • 3
    O próprio Papa FranciscoFRANCISCO, Papa. Carta Encíclica “Laudato Si’” (2016). Disponível em <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html>. Acesso em: 12 jan. 2020.
    http://www.vatican.va/content/francesco/...
    admite essa continuidade em sua Exortação Apostólica, colocando o Sínodo da Amazônia na esteira dos outros importantes acontecimentos eclesiais da América Latina, tais como Medellín (1968) e sua aplicação à Amazônia em Santarém (1972), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007) (cf. QA, n. 61).
  • 4
    Nos cartazes utilizados durante as sessões sinodais, apareciam as imagens de Alejandro Labaka e Inés Arango, Ezequiel Ramin, Chico Mendes, Josimo Tavares, Vicente Cañas, Cleusa Rody Coelho, Alcides Jiménez, Rodolfo Lunkenbein e Simón Bororo, e, também, Dorothy Stang.
  • 5
    Com este artigo cumprimos a série de análises dedicadas ao Sínodo da Amazônia. Nesse sentido, a discussão aqui estabelecida completa o que já apresentamos em Um sonho ecológico para a Igreja: o magistério de FranciscoFRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia (2020). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20200202_querida-amazonia.html>. Acesso em: 12 fev. 2020.
    http://www.vatican.va/content/francesco/...
    da Laudato Si’ ao Sínodo para a Amazônia
    (cf. MARTINS FILHO, 2020aMARTINS FILHO, J. R. F. Um sonho ecológico para a Igreja: o magistério de Francisco da Laudato Si’ ao Sínodo para a Amazônia. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, v. 24, n. 64, p. 104-126, jan./abr. 2020a.), publicado pela Atualidade Teológica, e O Papa Francisco e o Sínodo Amazônico: novos impulsos para a inculturação (cf. MARTINS FILHO, 2020bMARTINS FILHO, J. R. F. O Papa Francisco e o Sínodo Amazônico: novos impulsos para a inculturação. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 80, n. 316, p. 232-261, maio/ago. 2020b.), que saiu recentemente pela Revista Eclesiástica Brasileira. A tríade que se compõe pelo presente artigo integra nosso projeto de compreensão do catolicismo brasileiro na atualidade.
  • 6
    As seis frentes apresentadas pelo cardeal Hummes para a divisão dos grupos de trabalho durante o Sínodo foram: 1. Igreja em saída na Amazônia e os seus novos caminhos; 2. O rosto amazônico da Igreja: inculturação e interculturalidade no âmbito missionário-eclesial; 03. A ministerialidade da Igreja na Amazônia: presbiterado, diaconato, ministérios, o papel da mulher; 4. A ação da Igreja no cuidado com a Casa Comum: a escuta da Terra e dos pobres; ecologia integral ambiental, econômica, social e cultural; 5. A Igreja amazônica na realidade urbana; 6. A questão da água.
  • 7
    A primeira alocução em que o papa anunciara a convocação do Concílio, ocorreu no dia 25 de janeiro de 1959, Festa da Conversão de São Paulo. Daí que a tônica de todo o evento tenha se concentrado no tema da conversão (cf. JOÃO XXIII, Allocuzione del Santo Padre Giovanni XXIII con la quale annuncia il Sinodo Romano, il Concilio Ecumenico e l’aggiornamento del Codice di Diritto Canonico, 1959).
  • 8
    Sobre esse aspecto, também os textos referentes ao Sínodo da Juventude, realizado em 2018, reforçam a exigência de uma Igreja sinodal. É o caso do Documento Final, ao falar da “atitude de discernimento” (nn. 104-113), ou, mesmo, nos nn. 119-127, exclusivos sobre sinodalidade. Também é um tema que transparece na Exortação Christus Vivit (cf. CV, nn. 203-215 e, em especial, nn. 206, 207 e 208). Infere-se que a sinodalidade requerida pelo Papa FranciscoJOÃO XXIII, Papa. Allocuzione del Santo Padre Giovanni XXIII con la quale annuncia il Sinodo Romano, il Concilio Ecumenico e l’aggiornamento del Codice di Diritto Canonico (1959). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/john-xxiii/it/speeches/1959/documents/hf_j-xxiii_spe_195 90125_annuncio.html>. Acesso em: 12 fev. 2020.
    http://www.vatican.va/content/john-xxiii...
    é confiada por ele próprio às novas gerações, às juventudes. Serão as novas gerações as protagonistas de uma Igreja jovem, rejuvenescida, com jeito sinodal de ser. O Sínodo da Amazônia, portanto, dispõe-se na continuidade de uma insistência por parte de FranciscoJOÃO PAULO II, Papa. Carta Apostólica “Ordinatio Sacerdotalis” (1994). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/1994/documents/hf_jp-ii_apl_19940522_ordinatio-sacerdotalis.html>. Acesso em: 15 fev. 2020.
    http://www.vatican.va/content/john-paul-...
    , o apelo por uma Igreja missionária, sinodal, dialógica, em mosaico, como são nossas juventudes e, por extensão, nossas comunidades eclesiais.
  • 9
    De fato, os cinco capítulos do Documento Final do Sínodo tomam a conversão como tema central de cada uma de suas ênfases. Fala-se, portanto, em “escuta” e “conversão integral” (nn. 5-19), “conversão pastoral” (nn. 20-40), “conversão cultural” (nn. 41-64), “conversão ecológica” (nn. 65-85), “conversão sinodal” (nn. 86-119).
  • 10
    Na América Latina, o protagonismo dos leigos pode ser notado especialmente nas diferentes expressões do catolicismo popular. Ver, por exemplo, nosso texto Sobre o protagonismo laical no catolicismo popular, recentemente publicado pela REB – Revista Eclesiástica Brasileira, em 2019 (cf. MARTINS FILHO, 2019aMARTINS FILHO, J. R. F. Cantadores do Reino, Foliões dos Santos Reis: um estudo sobre a inculturação da música litúrgica em Goiás. Goiânia: Espaço Acadêmico, 2019a.).
  • 11
    Como destacam a maioria dos intérpretes do tema no Brasil, entre os quais Almeida, em Milhares de comunidades sem Eucaristia interpelam o Sínodo da Amazônia, 2019.
  • 12
    Os exemplos são inúmeros, dada a importância do tema nos três documentos consultados. Por exemplo, a urgência em se “fazer dos leigos atores privilegiados. Sua atuação tem sido e é vital, tanto na coordenação das comunidades eclesiais, no exercício dos ministérios, como em seu compromisso profético em um mundo inclusivo para todos” (SÍNODO DOS BISPOS, Documento Final do Sínodo, 2019SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
    http://www.vatican.va/roman_curia/synod/...
    , n. 93).
  • 13
    A última delas na Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 1994.
  • 14
    Diz o Documento Final do Sínodo, no n. 101: “é necessário que a Igreja assuma em seu seio com maior força a liderança das mulheres, e que as reconheça e promova, fortalecendo sua participação nos conselhos pastorais das paróquias e dioceses, inclusive nas instâncias de governo”. Esse tema também aparece candente na Exortação Pós-Sinodal: “Daqui resulta também que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino” (QA, n. 103).
  • 15
    Isso no Brasil não é diferente. Basta observarmos em que regiões se concentram os grandes centros de estudo e pesquisa em Teologia. Certamente não se encontram na Região Norte do país, que, paradoxalmente, possui vivências específicas, quer dizer, constituem-se num verdadeiro lugar teológico.
  • 16
    Tivemos a oportunidade de tratar essa questão em alguns trabalhos, os quais sugerimos como leitura complementar. Ver, por exemplo Celebrar a vida é viver a fé: sobre o conceito de inculturação no catolicismo pós-conciliar (ECCO; MARTINS FILHO, 2016ECCO, C.; MARTINS FILHO, J. R. F. Celebrar a vida é viver a fé: sobre o conceito de inculturação no catolicismo pós-conciliar. Revista de Teologia e Ciências da Religião, Recife, [S.I], v. 6, p. 505-522, dez. 2016.), ou, ainda O que é inculturação?, livro didático-pastoral, publicado em 2019 (cf. MARTINS FILHO, 2019cMARTINS FILHO, J. R. F. Sobre o protagonismo laical do catolicismo popular: pistas para reflexão. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 78, n. 311, p. 679-694, set./dez. 2018.). O tema também é abordado por nós em Cantadores do Reino, Foliões dos Santos Reis, livro publicado pela editora Espaço Acadêmico (cf. MARTINS FILHO, 2019bMARTINS FILHO, J. R. F. O que é inculturação? Cultura e liturgia em diálogo. Goiânia: Prime, 2019b. (Coleção Prosa e Verso).).
  • 17
    E, como destacam Almeida e Brighenti, em seu texto Sínodo da Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, não é possível considerar os impactos de um evento como esse somente em termos regionais. É, por isso, fundamental identificar o alcance desse novo “sujeito eclesial” para toda a Igreja e a sociedade (cf. ALMEIDA. BRIGHENTI, 2019ALMEIDA, N. M. de; BRIGHENTI, A. Sínodo da Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. Revista Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 617-640, set./dez. 2019., p. 618).
  • *
    Este artigo se insere nas discussões desenvolvidas pelo nosso Projeto de Pesquisas O catolicismo brasileiro: tendências e desafios (com realização prevista para o quadriênio 2019-2022).

Referências

  • ALMEIDA, A. J. de. Procuram-se padres: centralidade da Eucaristia e escassez de clero. São Paulo: Paulinas, 2018.
  • ALMEIDA, A. J. de. Milhares de comunidades sem Eucaristia interpelam o Sínodo da Amazônia. Revista Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 585-616, set./dez. 2019.
  • ALMEIDA, N. M. de; BRIGHENTI, A. Sínodo da Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. Revista Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 617-640, set./dez. 2019.
  • BRIGHENTI, A. A pastoral dá o que pensar: inteligência transformadora da fé. São Paulo: Paulinas, 2006.
  • BRIGHENTI, A. O Sínodo da Amazônia: o evento e seus resultados. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 79, n. 314, p. 591-614, set./dez. 2019.
  • CAVACA, O. Uma eclesiologia chamada Francisco: Estudo da eclesiologia do Papa Francisco a partir da Evangelii Gaudium Revista de Cultura Teológica, São Paulo, ano XXII, n. 83, p. 15-34, jan./jun. 2014.
  • COSTA, M. C. C. O Sínodo para a Amazônia: um sínodo marcado pela escuta e pela alteridade. Revista Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 692-702, set./dez. 2019.
  • ECCO, C.; MARTINS FILHO, J. R. F. Celebrar a vida é viver a fé: sobre o conceito de inculturação no catolicismo pós-conciliar. Revista de Teologia e Ciências da Religião, Recife, [S.I], v. 6, p. 505-522, dez. 2016.
  • FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica “Laudato Si’” (2016). Disponível em <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html>. Acesso em: 12 jan. 2020.
    » http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
  • FRANCISCO, Papa. Constituição Apostólica “Episcopalis Communio” (2018). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/papa-francesco_costituzione-ap_20180915_episcopalis-communio.html>. Acesso em: 20 jan. 2020.
    » http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/papa-francesco_costituzione-ap_20180915_episcopalis-communio.html
  • FRANCISCO, Papa ExortaçãoApostólica Pós-Sinodal “Christus vivit” (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html>. Acesso em: 13 jan. 2020.
    » http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20190325_christus-vivit.html
  • FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia (2020). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20200202_querida-amazonia.html>. Acesso em: 12 fev. 2020.
    » http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20200202_querida-amazonia.htm
  • JOÃO XXIII, Papa. Allocuzione del Santo Padre Giovanni XXIII con la quale annuncia il Sinodo Romano, il Concilio Ecumenico e l’aggiornamento del Codice di Diritto Canonico (1959). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/john-xxiii/it/speeches/1959/documents/hf_j-xxiii_spe_195 90125_annuncio.html>. Acesso em: 12 fev. 2020.
    » http://www.vatican.va/content/john-xxiii/it/speeches/1959/documents/hf_j-xxiii_spe_195 90125_annuncio.html
  • JOÃO PAULO II, Papa. Carta Apostólica “Ordinatio Sacerdotalis” (1994). Disponível em: <http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/1994/documents/hf_jp-ii_apl_19940522_ordinatio-sacerdotalis.html>. Acesso em: 15 fev. 2020.
    » http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/1994/documents/hf_jp-ii_apl_19940522_ordinatio-sacerdotalis.html
  • MARTINS FILHO, J. R. F. Sobre o protagonismo laical do catolicismo popular: pistas para reflexão. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 78, n. 311, p. 679-694, set./dez. 2018.
  • MARTINS FILHO, J. R. F. Cantadores do Reino, Foliões dos Santos Reis: um estudo sobre a inculturação da música litúrgica em Goiás. Goiânia: Espaço Acadêmico, 2019a.
  • MARTINS FILHO, J. R. F. O que é inculturação? Cultura e liturgia em diálogo. Goiânia: Prime, 2019b. (Coleção Prosa e Verso).
  • MARTINS FILHO, J. R. F. Um sonho ecológico para a Igreja: o magistério de Francisco da Laudato Si’ ao Sínodo para a Amazônia. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, v. 24, n. 64, p. 104-126, jan./abr. 2020a.
  • MARTINS FILHO, J. R. F. O Papa Francisco e o Sínodo Amazônico: novos impulsos para a inculturação. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 80, n. 316, p. 232-261, maio/ago. 2020b.
  • MELO, J. R. de. Ministérios e serviços litúrgicos numa Igreja toda ministerial: a ministerialidade em documentos do magistério pós-conciliar. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 38, n. 106, p. 349-374, maio/ago. 2006.
  • MICHELETTI, G. D. Diaconato permanente: encanto e risco de uma novidade. São Paulo: Paulinas, 2018.
  • REDE ECLESIAL PAN-AMAZÔNICA. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integralInstrumentum Laboris” Brasília: Edições CNBB, 2019.
  • SILVEIRA, E. J. S.; REIS, M. V. F.; ALMEIDA, F. P. M. O Sínodo da Amazônia e os dilemas do catolicismo. Revista Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 669-691, set./dez. 2019.
  • SÍNODO DOS BISPOS. Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica. Documento Final Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral (2019). Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html>. Acesso em: 20 nov. 2019.
    » http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20191026_sinodo-amazzonia_po.html
  • SINODO DEI VESCOVI. XV Assemblea generale ordinaria sul tema: “I giovani, la fede e il discernimento vocazionale”. Documento Finale (2018). Disponível em: <http://www.synod.va/content/synod2018/it/fede-discernimento-vocazione/documento-finale-e-votazioni-del-documento-finale-del-sinodo-dei.html>. Acesso em: 13 jan. 2020.
    » http://www.synod.va/content/synod2018/it/fede-discernimento-vocazione/documento-finale-e-votazioni-del-documento-finale-del-sinodo-dei.html
  • TAITSON, P. F.; BUROCCHI, A. M. Fundamentos da Eclesiologia de Francisco. Paralellus, Recife, v. 9, n. 20, p. 185-197, jan./abr. 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2020
  • Aceito
    01 Out 2020
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) Avenida Doutor Cristiano Guimarães, 2127 - Bairro Planalto, Minas Gerais - Belo Horizonte, Cep: 31720-300, Tel: 55 (31) 3115.7000 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: editor.pt@faculdadejesuita.edu.br