Acessibilidade / Reportar erro

Valores Humanos como Preditores de Crenças Agroecológicas

Resumo

A Agroecologia é indicada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como sendo uma solução na concretização do direito humano à alimentação. Este estudo investigou a relação entre valores humanos e crenças sobre Agroecologia. Um survey foi respondido por estudantes e pesquisadores das ciências agrárias (n=388). Dois modelos foram testados com análise de trilhas. Os resultados revelaram que valores de Autotranscendência (0,24) e de Abertura à Mudança (0,21) foram preditores positivos de crenças a favor da Agroecologia. O estudo aponta para a importância da ativação destes valores na formação de profissionais preparados para o desafio de trabalhar em prol de sistemas agroalimentares sustentáveis.

Palavras-chave:
agroecologia; psicometria; agricultura; crenças; valores

Abstract

Agroecology is indicated by the Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO as a solution to the realization of the human right to food. This study investigated the relationship between human values and beliefs about Agroecology. A survey was answered by students and researchers in the agricultural sciences (n=388). Two models were tested with path analysis. The results revealed that values of Self-Transcendence (0.24) and Openness to Change (0.21) were positive predictors of proagroecology beliefs. These findings point to the importance of activating these values in the training of professionals prepared for the challenge of working towards sustainable agro-food systems.

Keywords:
agroecology; psychometry; agriculture; beliefs; values

Introdução

A Agroecologia é indicada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) como sendo uma solução na concretização do direito humano à alimentação. No entanto, mitos e crenças sobre a agroecologia são frequentes (Canuto, 2011Canuto, J. C. (2011). Mitos sobre Agroecologia [Myths about Agroecology] [Resumos dos trabalhos]. VII Congresso Brasileiro de Agroecologia, VII CBA 2011 (Vol. 6, n.2), Fortaleza, Brasil. https://orgprints.org/22673/1/Canuto_mitos.pdf
https://orgprints.org/22673/1/Canuto_mit...
). Em geral, revelam um aparente paradoxo entre a necessidade de produção de alimentos em larga escala, apoiado pela moderna agricultura, e a redução dos impactos sociais, de saúde e ambientais dessa produção (Pant, 2016Pant, L. P. (2016). Paradox of mainstreaming agroecology for regional and rural food security in developing countries. Technological Forecasting and Social Change, 111, 305-316. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2016.03.001
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2016....
).

Agroecologia é considerada uma ciência, um movimento político e uma prática social (Associação Brasileira de Agroecologia [ABA], 2015 Associação Brasileira de Agroecologia (2015). Estatuto da Associação Brasileira de Agroecologia [Statute of the Brazilian Association of Agroecology]. http://aba-agroecologia.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2013/06/estatuto-ABA-2015.pdf
http://aba-agroecologia.org.br/wordpress...
; Martin & Isaac, 2018Martin, A. R., & Isaac, M. E. (2018). Functional traits in agroecology: Advancing description and prediction in agroecosystems. Journal of Applied Ecology, 55(1), 5-11. https://doi.org/10.1111/1365-2664.13039
https://doi.org/10.1111/1365-2664.13039...
). Como ciência, revela seu caráter transdisciplinar, que respeita, incorpora e reelabora o conhecimento tradicional das populações, utilizando a ecologia como ciência integradora. Como movimento político, salienta sua adoção por movimentos sociais que lutam por autonomia e autossuficiência, pela redistribuição de terras e contra a destruição provocada pela agricultura industrial. E, finalmente, como prática social, reconhece que o desenvolvimento dos agroecossistemas se deu por interação entre sistemas sociais e ecológicos, por coevolução e interação por séculos entre sociedade e meio ambiente.

Essa nova concepção de agricultura traz subjacente novos valores, associados à crise ecológica e à sustentabilidade (Aubin et al., 2019Aubin, J., Callier, M., Rey-Valette, H., Mathé, S., Wilfart, A., Legendre, M., Slembrouck, J., Caruso, D., Chia, E., Masson, G., Blancheton, J. P., Ediwarman - , Haryadi, J. , Prihadi, T. H. , Casaca, J. M. , Tamassia, S. T. J. , Tocqueville, A. , & Fontaine, P. (2019). Implementing ecological intensification in fish farming: Definition and principles from contrasting experiences. Reviews in Aquaculture, 11(1), 149-167. https://doi.org/10.1111/raq.12231
https://doi.org/10.1111/raq.12231...
; Martin & Isaac, 2018Martin, A. R., & Isaac, M. E. (2018). Functional traits in agroecology: Advancing description and prediction in agroecosystems. Journal of Applied Ecology, 55(1), 5-11. https://doi.org/10.1111/1365-2664.13039
https://doi.org/10.1111/1365-2664.13039...
). Apesar do debate internacional crescente, estudos sobre valores e crenças associados à agroecologia são raros no Brasil, apontando uma lacuna a ser explorada. Este artigo investigou a influência dos valores pessoais sobre as crenças agroecológicas de profissionais e estudantes das ciências agrárias.

Valores e Crenças Agroecológicas

Nas últimas décadas, as questões ambientais despertaram interesse de pesquisadores das mais distintas áreas. Baseados no modelo teórico de Valores-Crenças-Normas (Stern et al., 1995Stern, P. C., Kalof, L., Dietz, T., & Guagnano, G. A. (1995). Values, Beliefs, and Proenvironmental Action: Attitude Formation Toward Emergent Attitude Objects. Journal of Applied Social Psychology, 25(18), 1611-1636. https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.1995.tb02636.x
https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.1995...
; Stern et al., 1999Stern, P. C., Dietz, T., Abel, T., Guagnano, G. A., & Kalof, L. (1999). A value-belief-norm theory of support for social movements: The case of environmentalism. Human Ecology Review, 6(2), 81-97. https://doi.org/10.2307/2083693
https://doi.org/10.2307/2083693...
), estudos revelaram que valores e crenças influenciam atitudes e comportamentos pró-ambientais (Bouman et al., 2018Bouman, T., Steg, L., & Kiers, H. A. L. (2018). Measuring values in environmental research: A test of an environmental Portrait Value Questionnaire. Frontiers in Psychology, 9(APR), 1-15. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00564
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00564...
; Chen, 2015Chen, M. F. (2015). An examination of the value-belief-norm theory model in predicting pro-environmental behaviour in Taiwan. Asian Journal of Social Psychology, 18(2), 145-151. https://doi.org/10.1111/ajsp.12096
https://doi.org/10.1111/ajsp.12096...
; De Dominicis et al., 2017De Dominicis, S., Schultz, P. W., & Bonaiuto, M. (2017). Protecting the environment for self-interested reasons: Altruism is not the only pathway to sustainability. Frontiers in Psychology, 8(JUN), 1-13. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.01065
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.01065...
) e se constituem em conceitos-chave para a compreensão da problemática ambiental e na busca pela sustentabilidade.

O modelo Valores-Crenças-Normas (VCN), VBN em inglês, apresenta uma relação de causalidade entre os valores, o sistema de crenças e as normas morais e sociais, que influenciam a intenção de comportamento pró-ambiental e, consequentemente, os comportamentos pró-ambientais. Para estes autores, as normas devem ser ativadas por crenças específicas relacionadas às questões ambientais e as atitudes fluem de valores humanos, informações sobre os objetos de atitudes e interações sociais, que influenciam essas crenças em formação.

De acordo com Schwartz (2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J. E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688.), valores são concebidos como princípios abstratos que guiam a vida das pessoas, organizados em ordem de importância, na qual a dinâmica da estrutura prevê que indivíduos com alta prioridade para tipos de valores compatíveis tenham baixa prioridade para tipos conflitivos.

A teoria refinada de valores humanos básicos de Schwartz indica duas dimensões bipolares de incompatibilidade motivacional entre os valores de ordem superior (Autotranscendência versus Autopromoção e Abertura à Mudança versus Conservação), dentro dos quais 19 valores são agrupados. Também chamados de quatro tipos motivacionais de segunda ordem, são os mesmos existentes na teoria original (Torres et al., 2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva [The refined theory of values: Associations with behavior and avidences of discriminative and predictive validity]. Psicologia USP, 27(2), 341-356.).

Schwartz et al. (2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J. E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688.) atribuem à teoria refinada uma capacidade preditora maior do que a teoria original e com melhor discernimento dos fundamentos de valores das crenças. Nesse refinamento, valores mais ecológicos como o Universalismo (Bouman et al., 2018Bouman, T., Steg, L., & Kiers, H. A. L. (2018). Measuring values in environmental research: A test of an environmental Portrait Value Questionnaire. Frontiers in Psychology, 9(APR), 1-15. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00564
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00564...
; Broek et al., 2017Broek, K. Van Den, Bolderdijk, J. W., & Steg, L. (2017). Individual differences in values determine the relative effectiveness of biospheric, economic and combined appeals. Journal of Environmental Psychology, 53, 1-39. https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2017.07.009
https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2017.07....
) se reorganizaram em três tipos: Universalismo - natureza, Universalismo - tolerância e Universalismo - compromisso.

Por sua vez, as crenças são mais específicas do que os valores e dizem respeito ao objeto atitudinal. No contexto ambiental, geralmente são estudadas como a dimensão cognitiva das atitudes ambientais (Fishbein & Ajzen, 1975Fishbein, M., & Ajzen, I. (1975). Belief, attitude, intention, and behavior: An introduction to theory and research. Addison-Wesley. http://people.umass.edu/aizen/f&a1975.html
http://people.umass.edu/aizen/f&a1975.ht...
) e representam “as opiniões, os pensamentos ou conhecimentos sobre o objeto de atitude” (Hernández & Hidalgo, 2000Hernández, B., & Hidalgo, M. C. (2000). Actitudes y creencias hacia el medio ambiente. In J. I. Aragonés & M. Amérigo (Eds.), Psicología Ambiental (pp. 309-330). Pirámide., p. 310). Nessa linha de investigação, estudos apontaram que valores e crenças ambientais influenciam na adoção de estilos de vida sustentáveis e na preocupação ambiental (Axon, 2017Axon, S. (2017). “Keeping the ball rolling”: Addressing the enablers of, and barriers to, sustainable lifestyles. Journal of Environmental Psychology, 52, 11-25. https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2017.05.002
https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2017.05....
; Corral-Verdugo & Guedea, 2011Corral-Verdugo, V., & Guedea, R. L. D. (2011). El rol de los eventos antecedentes y consecuentes en la conducta sustentable [The role of antecedent and consequent events in sustainable behavior]. Revista Mexicana de Analisis de La Conducta, 37(2), 9-29. https://doi.org/10.5514/rmac.v37.i2.26137
https://doi.org/10.5514/rmac.v37.i2.2613...
; Schultz et al., 2014Schultz, P. W., Milfont, T. L., Chance, R. C., Tronu, G., Luís, S., Ando, K., Rasool, F., Roose, P. L., Ogunbode, C. A., Castro, J., & Gouveia, V. V. (2014). Cross-Cultural Evidence for spatial bias in beliefs about the severity of environmental problems. Environment and Behavior, 46(3), 267-302. https://doi.org/10.1177/0013916512458579
https://doi.org/10.1177/0013916512458579...
).

Nessa perspectiva, define-se as crenças agroecológicas como afirmações a respeito do objeto de atitude Agroecologia, podendo ser representadas em forma de proposições que ligam o objeto de atitude a alguma outra entidade, por meio de um verbo ou outro termo relacional que expressa associação ou disjunção. Essa outra entidade é frequentemente expressa de uma forma adjetiva.

Assim, as crenças agroecológicas podem ser caracterizadas em dois tipos: positivo ou negativo. A primeira, a favor dessa concepção de produção de alimentos, pode ser definida como crenças pró-agroecológicas. Crenças desse tipo podem ser exemplificadas como “A Agroecologia pode aumentar a produtividade agrícola”. Por sua vez, as crenças do tipo negativo, representam uma concepção contrária a esse tipo de produção, podendo ser definidas como crenças antiagroecológicas. Um exemplo seria a seguinte afirmação: “A Agroecologia é menos produtiva”.

Enquanto as crenças pró-agroecológicas podem ser identificadas com uma nova concepção de agricultura alinhada com a preocupação ambiental, as crenças antiagroecológicas podem ser associadas aos mitos sobre esse tipo de produção agrícola. Canuto (2011Canuto, J. C. (2011). Mitos sobre Agroecologia [Myths about Agroecology] [Resumos dos trabalhos]. VII Congresso Brasileiro de Agroecologia, VII CBA 2011 (Vol. 6, n.2), Fortaleza, Brasil. https://orgprints.org/22673/1/Canuto_mitos.pdf
https://orgprints.org/22673/1/Canuto_mit...
) elencou alguns deles, tais como os sistemas agroecológicos são tecnologicamente retrógrados, de baixa produtividade, economicamente inviáveis, exigentes em mão de obra e “puramente ideológicos”.

Considerando-se a relação entre valores, atitudes e decisões comportamentais e que a interação constante com pessoas que têm diferentes prioridades de valores pode mudar as crenças de uma pessoa sobre o mundo e vice-versa, conforme Rohan (2000Rohan, M. J. (2000). A Rose by any name? The values construct. Personality and Social Psychology Review, 4(3), 255-277.), investigar a relação entre valores pessoais e crenças agroecológicas pode contribuir para a compreensão dos modelos de agricultura ensinados e praticados pelos profissionais das ciências agrárias.

O Presente Estudo

O principal motivo que ensejou a realização deste estudo foi a verificação empírica das diferentes crenças a respeito de Agroecologia de profissionais relacionados às ciências agrárias, principalmente os relacionados à educação, pelo seu trabalho na orientação de novas gerações de profissionais nessas áreas. A educação dessas novas gerações está fundamentada em um sistema de crenças, que diz respeito a um modelo de agricultura. Apesar das proposições de adoção da Agroecologia por instituições como a FAO (Schutter, 2012Schutter, O. (2012). Agroecologia e o direito humano à alimentação adequada: tradução do relatório de Olivier de Schutter: relator especial da ONU para o direito à alimentação (Vol. Caderno SISAN 01) Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/165/Caderno%20SISAN%2001-2012%20-
http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstr...
) e a Sociedade Latino Americana de Agroecologia (SOCLA) (Third World Network [TWN] & Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecología [SOCLA], 2015Third World Network & Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecología (2015). Agroecology: Key Concepts, Principles and Pratices. https://agroeco.org/wp-content/uploads/2015/11/Agroecology-training-manual-TWN-SOCLA.pdf
https://agroeco.org/wp-content/uploads/2...
), a maioria dos cursos superiores brasileiros, na área das ciências agrárias, principalmente de Agronomia, não apresentam enfoque agroecológico, como afirma Jacob (2016Jacob, L. B. (2016). Agroecologia na Universidade: entre vozes e silenciamentos [Agroecology at the University: between voices and silences]. Appris Editora.).

Para Beus et al. (1990Beus, C. E., & Dunlap, R. E. (1990). Conventional versus alternative agriculture: The paradigmatic roots of the debate. Rural Sociology, 55(4), 590-616.), existem dois paradigmas a respeito de agricultura: o da agricultura convencional e o da agricultura alternativa (onde a Agroecologia é incluída). Para os autores, não é possível separar as práticas e as tecnologias, que compõem a agricultura, das crenças e dos valores subjacentes a ela.

Assumindo que docentes transmitem seus sistemas de valores e crenças nos processos de ensino e aprendizagem, julgou-se importante compreender quais são as crenças que professores e estudantes das ciências agrárias possuem sobre agroecologia, bem como sua relação com valores. Assim sendo, baseando-se no modelo teórico VCN (Stern et al.,1993Stern, P. C., Dietz, T., & Kalof, L. (1993). Value orientations, gender, and environmental concern. Environment and Behavior, 25(3), 322-248.; Stern et al., 1995Stern, P. C., Kalof, L., Dietz, T., & Guagnano, G. A. (1995). Values, Beliefs, and Proenvironmental Action: Attitude Formation Toward Emergent Attitude Objects. Journal of Applied Social Psychology, 25(18), 1611-1636. https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.1995.tb02636.x
https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.1995...
; Stern, 2000Stern, P. C. (2000). Toward a coherent theory of environmentally significant behavior. Journal of Social Issues, 53(3), 407-424.) e no modelo teórico de valores de Schwartz et al. (2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J. E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688.) seria possível compreender quais as consequências para a educação, a sociedade e o meio ambiente sobre a maneira de condução dessa produção agrícola.

Partindo destas premissas, considerou-se a Agroecologia como um novo objeto de atitude, que possui uma dimensão de preocupação ambiental e, portanto, também pode ter relação com fatores como idade, educação e gênero. Estudos apontam, por exemplo, que variáveis demográficas influenciam de modo distinto a preocupação ambiental, dependendo do fenômeno e do contexto sociocultural (Royne et al., 2016Royne, M. B., Thieme, J., Levy, M., Oakley, J., & Alderson, L. (2016). From thinking green to buying green: consumer motivation makes the difference. Journal of Business Strategy, 37(3), 37-43. https://doi.org/10.1108/JBS-12-2014-0151
https://doi.org/10.1108/JBS-12-2014-0151...
; Saphores et al., 2012Saphores, J. D. M., Ogunseitan, O. A., & Shapiro, A. A. (2012). Willingness to engage in a pro-environmental behavior: An analysis of e-waste recycling based on a national survey of U.S. households. Resources, Conservation and Recycling, 60, 49-63. https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2011.12.003
https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2011...
; Xiao & McCright, 2015Xiao, C., & McCright, A. M. (2015). Gender differences in environmental concern: revisiting the institutional trust hypothesis in the USA. Environment and Behavior, 47(1), 17-37. https://doi.org/10.1177/0013916513491571
https://doi.org/10.1177/0013916513491571...
).

Segundo Stern et al. (1995Stern, P. C., Kalof, L., Dietz, T., & Guagnano, G. A. (1995). Values, Beliefs, and Proenvironmental Action: Attitude Formation Toward Emergent Attitude Objects. Journal of Applied Social Psychology, 25(18), 1611-1636. https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.1995.tb02636.x
https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.1995...
), antes de Carson (2010Carson, R. (2010). Primavera Silenciosa [Silent Spring]. Gaia.) escrever seu livro “Primavera Silenciosa”, denunciando os riscos dos agrotóxicos sobre a vida e o meio ambiente, havia poucas atitudes contra os efeitos dos pesticidas. Desta forma, se as atitudes em relação à Agroecologia podem fluir de valores humanos, informações e interações sociais, que influenciam as crenças a seu respeito, sobretudo por se tratar de uma concepção emergente e carregada de mitos associados, considera-se importante compreender mais a respeito da influência dos valores humanos sobre as crenças agroecológicas.

Para tanto, foram testados dois modelos, tendo os valores humanos básicos da teoria refinada de valores de Schwartz como variáveis independentes (VIs) e as crenças Agroecológicas como variáveis dependentes (VDs). Além disso, também foram testadas as variáveis sociodemográficas e de controle sobre as crenças agroecológicas.

Modelo 1: As crenças agroecológicas dos quatro fatores: Fator 1 - Dimensão Sociopolítica, Fator 2 - Dimensão Socioeconômica e Cultural, Fator 3 - Dimensão Ambiental e Fator 4 -Dimensão Técnico-agronômica como VDs e 5 tipos motivacionais de valores, Universalismo - natureza, Universalismo - tolerância, Poder sobre recursos, Poder de domínio e Benevolência - cuidado como variáveis independentes (VIs).

Modelo 2: As crenças agroecológicas dos quatro fatores: Fator 1 - Dimensão Sociopolítica, Fator 2 - Dimensão Socioeconômica e Cultural, Fator 3 - Dimensão Ambiental e Fator 4 -Dimensão Técnico-agronômica como VDs e 4 valores de ordem superior, Autotranscendência, Abertura à Mudança, Autopromoção e Conservação, como VIs.

A escolha destas VIs se deveu a estudos que apontam a relação entre valores com comportamento ecológico. Segundo Schultz et al. (2005Schultz, W. P., Gouveia, V. V., Cameron, L. D., Tankha, G., Schmuck, P., & Franek, M. (2005). Values and their relationship to environmental concern and conservation behaviour. Journal of Cross-Cultural Psychology, 36(4), 457-475.), os valores de Autotranscendência, principalmente os de Universalismo e valores de Abertura à Mudança, influenciam positivamente atitudes e comportamentos ecológicos, enquanto os valores de Autopromoção e Conservação influenciam negativamente. Num estudo brasileiro, Coelho et al. (2006Coelho, J. P., Gouveia, V. V., & Milfont, T. L. (2006). Valores humanos como explicadores de atitudes ambientais e intenção de comportamento pró-ambiental [Human values as predictors of environmental attitudes and pro-environmental behavior]. Psicologia em Estudo, 1(1), 199-207.) demonstraram que os valores de Autotranscendência, especificamente os de orientação universalista, foram preditores de atitudes e comportamentos pró-ambientais. Assim, as hipóteses testadas foram as seguintes:

  • Hipótese 1: Os valores de Universalismo - natureza, Universalismo - tolerância e Benevolência - cuidado serão preditores positivos de crenças pró-agroecológicas.

  • Hipótese 2: Os valores de Poder de domínio e Poder sobre recursos serão preditores positivos de crenças antiagroecológicas.

  • Hipótese 3: Os valores de Abertura à Mudança e de Autotranscendência serão preditores positivos de crenças pró-agroecológicas.

  • Hipótese 4: Idade, gênero, prática de agricultura sustentável e nível de escolaridade serão preditores de crenças agroecológicas, de modo que os mais velhos, as mulheres, os praticantes de agricultura sustentável e os de maior nível de escolaridade serão mais pró-agroecológicos.

Método

Amostra

A amostra foi constituída de 388 pessoas, com intervalo de idade de 19-73 anos e média de idade de 36,94 anos (DP= 13,46), sendo 222 homens e 166 mulheres. Estas pessoas se identificaram nas categorias a seguir: estudantes (149), professores (100), pesquisadores (46), agricultores (19), extensionistas (25) e outros (49).

Quanto ao nível de escolaridade, 113 indivíduos possuíam graduação de nível superior incompleta, 34 graduação de nível superior completa sem pós-graduação e 241 possuíam graduação de nível superior completa com pós-graduação. O curso mais frequente foi de Agronomia. Quanto à prática de agricultura sustentável, a frequência encontrada foi de 69,4% entre os que disseram que a praticavam e 30,6% entre os que não a praticavam.

Instrumentos

Para testar os modelos teóricos apresentados, foram utilizados dois instrumentos: A escala de valores de Schwartz (PVQ-RR) e a Escala Brasileira de Crenças Agroecológicas, acrescidos das variáveis sociodemográficas. Tais instrumentos são apresentados a seguir.

Escala de valores da teoria refinada de Schwartz (PVQ-RR)

Para medir os 19 valores da teoria refinada, utilizou-se o PVQ-RR (Schwartz, 2017Schwartz, S. H. (2017). The refined theory of basic values. In S. Roccas, & L. Sagiv (Eds.), Values and behaviour taking a cross cultural perspective (pp. 51-72). Springer International Publishing.; Torres et al., 2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva [The refined theory of values: Associations with behavior and avidences of discriminative and predictive validity]. Psicologia USP, 27(2), 341-356.), composto por 57 itens relacionados à descrição de diferentes pessoas. Cada um dos 19 valores possui 3 itens na escala que lhe dizem respeito. A versão aqui utilizada foi medida com uma escala tipo Likert de 5 pontos, mantendo-se os pontos extremos como âncoras (1 = Não se parece nada comigo; 5 = Se parece muito comigo).

Escala Brasileira de Crenças Agroecológicas (EBCA)

Para medir as crenças agroecológicas utilizou-se a EBCA, composta por 53 afirmações sobre Agroecologia, dispostas em quatro fatores: Fator 1 - Dimensão Sociopolítica (α = 0,71), Fator 2 - Dimensão Socioeconômica e Cultural (α = 0,77), Fator 3 - Dimensão Ambiental (α = 0,65) e Fator 4 -Dimensão Técnico-agronômica (α = 0,71). Os fatores 1 e 3 correspondem a crenças pró-agroecológicas e os fatores 2 e 4, a crenças antiagroecológicas (Fiamoncini, 2018Fiamoncini, D. I. (2018). Valores humanos como preditores de crenças agroecológicas: Implicações na formação e educação dos profissionais das ciências agrárias [Human values as predictors of agroecological beliefs: Implications for the training and education of agricultural science professionals] [Tese de doutorado]. Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/33896
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
). A medida utiliza uma escala tipo Likert de 5 pontos (1 a 5), onde 1 significa discordo totalmente e 5 significa concordo totalmente.

Ao final, foram inseridas as variáveis sociodemográficas e de controle: idade, gênero, nível de escolaridade e prática ou não de agricultura sustentável.

Procedimentos

O recrutamento da amostra foi realizado por e-mail enviado para as coordenações dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Agronomia, Agroecologia e demais cursos de Ciências Agrárias de instituições de ensino superior público (Universidades e Institutos Federais) e privado, das cinco regiões brasileiras. Tais cursos foram procurados no sistema E-mec, pelo site http://emec.mec.gov.br/. Um total de 18 instituições e 40 cursos, das cinco regiões brasileiras, responderam aos e-mails. Também a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) encaminharam o link aos seus associados. O link dos instrumentos aplicados ficou hospedado online, no período de 1º de dezembro de 2016 a 31 de maio de 2017, por meio da utilização do site de serviço SurveyMonkey. Também se divulgou o link da pesquisa na rede social Facebook, em Núcleos de Agroecologia e grupos relacionados às ciências agrárias, no mesmo período.

Os participantes responderam o questionário de forma voluntária e anônima, sendo informados sobre a natureza da participação, a garantia do sigilo e do anonimato, bem como a possibilidade de abandono sem qualquer prejuízo. Considerou-se tal fato suficiente como termo de consentimento livre e esclarecido pelo fato de a pesquisa ter como público-alvo estudantes de graduação ou acima disso, professores de ensino superior e pesquisadores de áreas como ciências agrárias, agroecologia e afins, que são capazes de avaliar possíveis riscos e tomar decisões com relativa autonomia. Nenhum incentivo à participação foi dado aos respondentes.

Análise dos Dados

Escala de Valores da Teoria Refinada de Schwartz (PVQ-RR)

Inicialmente se fez o tratamento dos casos ausentes e dos outliers. Posteriormente, para se confirmar a estrutura teórica dos valores, se procedeu à realização de análises fatoriais confirmatórias.

Análises Fatoriais Confirmatórias (AFCs)

Adotou-se o procedimento proposto por Cieciuch e Schwartz (2012Cieciuch, J., & Schwartz, S. (2012). The number of distinct basic values and their structure assessed by PVQ-40. Journal of Personality Assessment, 94(3), 321-328.) de realizar AFCs em separado para cada um dos quatro tipos de valores de ordem superior. Foram utilizados três índices de ajuste múltiplos para determinar se os modelos eram aceitáveis: o índice de comparação de ajuste (CFI), a raiz do erro de aproximação do valor médio quadrático (RMSEA) e o re síduo do valor médio quadrático padronizado (SRMS). Foram considerados como bons indicadores de ajuste os valores de CFI > 0,90 (Bentler, 1990), RMSEA < 0,08 e SRMR < 0,08 (Marsh et al., 2004Marsh, H. W., Hau, K. -T., & Wen, Z. (2004). In search of golden rules: Comment on hypothesis-testing. Structural Equation Modeling, 11(3), 320-341.). Tais análises foram feitas com o programa R, versão 3.4.2, Pacote lavaan (latente variable analysis).

O método de estimação usado foi o da Máxima Verossimilhança Robusto (MLR = Maximun Likelihood Robust). Para atingir identificação, a variância dos fatores latentes foi fixada em 1 no item que possuía maior carga fatorial, dentre os três de cada um dos 19 valores.

Escala Brasileira de Crenças Agroecológicas (EBCA)

Para o teste dos dois modelos teóricos, foram utilizados os escores fatoriais das quatro dimensões encontradas na análise fatorial exploratória realizada na escala de crenças agroecológicas (EBCA).

Variáveis Sociodemográficas

Inicialmente, se calculou as frequências de cada variável utilizando o software SPSS, versão 21. Para a realização dos cálculos estatísticos referentes aos Modelos teóricos 1 e 2, utilizou-se 0 ou 1 para gênero (0 = feminino, 1 = masculino) e para prática da agricultura sustentável (0 = não praticante e 1 = praticante). Quanto ao nível de escolaridade, organizou-se a categorização utilizada na coleta de dados (1 para graduação incompleta, 2 para graduação completa sem pós-graduação e 3 para pós-graduados) em dois grupos, onde 0 = curso de graduação incompleta mais curso de graduação completa sem pós-graduação e 1 = curso de graduação completa com pós-graduação. Quanto à idade, se utilizou os valores absolutos para as análises.

Teste dos Modelos Teóricos através da Análise de Trilhas (Path Analysis)

Para testar os dois modelos teóricos das relações entre valores e crenças agroecológicas, foram realizadas duas análises de trilhas com o Programa R, versão 3.4.2 e Pacote lavaan. A análise de trilha mede a influência de uma variável sobre as outras, independente das demais, onde as correlações entre os caracteres são desdobradas em efeitos diretos e indiretos (Souza, 2013Souza, T. V. (2013). Aspectos estatísticos da análise de trilha (path analysis) aplicada em experimentos agrícolas [Statistical aspects of path analysis applied in agricultural experiments] [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Lavras.).

O método de estimação utilizado foi o da Máxima Verossimilhança Robusto (MLR), conforme Li (2016Li, C. H. (2016). Confirmatory factor analysis with ordinal data: Comparing robust maximum likelihood and diagonally weighted least squares. Behavior Research Methods, 48(3), 936-949.). Utilizou-se os escores fatoriais das variáveis, o que reduz os vieses e fontes de erro das correlações simples. Os escores fatoriais são calculados pela média do produto do escore obtido em uma variável versus os pesos dos escores fatoriais resultantes das AFCs. Somente os itens mantidos após as AFCs foram usados (Herrmann & Pfister, 2013Herrmann, A., & Pfister, H. (2013). Simple measures and complex structures: It is worth employing a more complex model of personality in Big Five inventories? Journal of Research in Personality, 47(5) , 599-608.).

Resultados

Análises Fatoriais Confirmatórias (AFCs)

Os coeficientes de ajuste obtidos foram: para Autotranscedência, χ2/g.l =2,18, SRMR=0,065, CFI=0,91 e RMSEA=0,065; para Abertura à Mudança, χ2/g.l.= 2,03, SRMR=0,053, CFI=0,94 e RMSEA=0,062; para Autopromoção, χ2/g.l=1,90, SRMR= 0,054, CFI=0,93 e RMSEA=0,073; e para Conservação, χ2/g.l=1,83, SRMR=0,049, CFI=0,94 e RMSEA=0,054. O ajuste do modelo foi considerado bom, de acordo com os índices e todos os itens foram mantidos. Nessa amostra, o tipo motivacional Humildade se ajustou melhor ao tipo de ordem superior Autotranscendência do que à Conservação.

Teste dos Modelos Teóricos através da Análise de Trilhas (Path Analysis)

A seguir são apresentados os efeitos diretos significativos encontradas no Modelo 1, os quais podem ser observados na Tabela 1. Em relação às crenças pró-agroecológicas do Fator 1(CA1): Dimensão Sociopolítica, encontrou-se um coeficiente significativo de 0,555 para o efeito do valor de Universalismo - natureza sobre estas crenças, indicando que pessoas que possuem maiores valores de Universalismo - natureza também possuem maiores crenças desta dimensão. Por sua vez, encontrou-se um coeficiente significativo de -0,231 para o efeito do valor de Poder sobre Recursos, indicando que pessoas que possuem menores valores de Poder sobre Recursos possuem mais crenças dessa dimensão. Obteve-se ainda um coeficiente significativo de -0,170 para o efeito de gênero, indicando que as mulheres possuem mais crenças da Dimensão Sociopolítica do que os homens. E encontrou-se um coeficiente significativo de 0,009 para o efeito da idade, indicando que quanto maior a idade, mais crenças agroecológicas de cunho sociopolítico. Em relação ao Fator 2 de crenças antiagroecológicas (CA2): Dimensão Socioeconômica e Cultural, encontrou-se um coeficiente significativo de 0,410 para o efeito do valor de Poder sobre recursos sobre essas crenças, indicando que pessoas que possuem maiores valores de Poder sobre recursos possuem mais crenças desta dimensão. Obteve-se ainda um coeficiente significativo de 0,216 para o efeito de gênero, indicando que homens possuem mais crenças desse tipo do que as mulheres. Em relação às crenças pró-agroecológicas do Fator 3 (CA3): Dimensão Ambiental, encontrou-se um coeficiente significativo de 0,207 para o efeito do valor de Universalismo - natureza sobre estas crenças, indicando que pessoas que possuem maiores valores de Universalismo - natureza também possuem mais crenças dessa dimensão. Obteve-se ainda um coeficiente significativo de -0,081 para o efeito de gênero, indicando que as mulheres possuem mais crenças da Dimensão Ambiental do que os homens. Em relação ao Fator 4 de crenças antiagroecológicas (CA4): Dimensão Técnico-agronômica, encontrou-se um coeficiente significativo de -0,408 para o efeito do valor de Universalismo - natureza sobre essas crenças, indicando que pessoas que possuem menores valores de Universalismo - natureza possuem mais crenças dessa dimensão. Por sua vez, encontrou-se um coeficiente significativo de 0,221 para o efeito do valor de Poder sobre Recursos, indicando que pessoas que possuem maiores valores de Poder sobre recursos possuem mais crenças nas afirmações do Fator 4.

Tabela 1
Resultados do Modelo 1

Tais resultados corroboram parcialmente a Hipótese 1, pois somente o valor Universalismo - natureza foi preditor positivo de crenças a favor da Agroecologia (Dimensão Sociopolítica e Dimensão Ambiental), além de preditor negativo de crenças antiagroecológicas (Dimensão Técnico-agronômica). A Hipótese 2 também foi parcialmente corroborada, pois somente o valor Poder sobre Recursos foi preditor de crenças contrárias à Agroecologia (Dimensão Socioeconômica e Cultural e Dimensão Técnico-agronômica), além de predizer negativamente as crenças pró-agroecológicas da Dimensão Sociopolítica. Quanto à Hipótese 4, esta também foi corroborada parcialmente, pois somente gênero e idade foram preditores de crenças. Gênero foi preditor positivo das crenças antiagroecológicas da Dimensão Socioeconômica e Cultural, indicando que os homens possuem mais crenças desse tipo. Em relação à Dimensão Sociopolítica e à Dimensão Ambiental, gênero foi preditor negativo das crenças pró-agroecológicas, indicando que as mulheres possuem mais crenças desse tipo. Idade foi o preditor positivo das crenças pró-agroecológicas da Dimensão Sociopolítica, de modo que, quanto maior a idade, mais crenças nas afirmações desta dimensão.

A seguir são apresentados os efeitos diretos encontrados no Modelo 2, os quais podem ser observados na Tabela 2. Em relação ao Fator 1 de crenças pró-agroecológicas (CA1): Dimensão Sociopolítica, encontrou-se um coeficiente significativo de 0,209 para o efeito do valor de ordem superior Abertura à Mudança sobre essas crenças, indicando que pessoas que possuem maiores valores de Abertura à Mudança possuem mais crenças dessa dimensão. Por sua vez, obteve-se um coeficiente significativo de -0,236 para o efeito do valor de ordem superior Autopromoção, indicando que pessoas que possuem menores valores de Autopromoção possuem mais crenças dessa dimensão. Encontrou-se ainda um coeficiente significativo de -0,191 para o efeito de gênero, indicando que mulheres possuem mais crenças de cunho sociopolítico do que os homens. E, com um coeficiente significativo de 0,015 para o efeito da idade, encontrou-se que, quanto maior a idade, mais crenças nessas afirmações. Em relação ao Fator 2 de crenças antiagroecológicas (CA2): Dimensão Socioeconômica e Cultural, encontrou-se um coeficiente significativo de -0,322 para o efeito do valor de ordem superior Autotranscendência e um coeficiente significativo de 0,323 para o efeito do valor de ordem superior Autopromoção, indicando que pessoas que possuem menores valores de Autotranscendência e maiores valores de Autopromoção possuem mais crenças dessa dimensão. Encontrou-se ainda um coeficiente de 0,228 para o efeito de gênero, indicando que homens possuem mais crenças do que as mulheres nestas afirmações. Em relação ao Fator 3 das crenças pró-agroecológicas (CA3): Dimensão Ambiental, encontrou-se um coeficiente de 0,238 para o valor de ordem superior Autotranscendência e de -0,069 para o valor de ordem superior Autopromoção, indicando que pessoas que possuem maiores valores de Autotranscendência e menores de Autopromoção possuem mais crenças dessa dimensão. Obteve-se ainda um coeficiente de -0,09 para o efeito de gênero, indicando que mulheres possuem mais crenças nessas afirmações do que os homens. Em relação ao Fator 4 das crenças antiagroecológicas (CA4): Dimensão Técnico-agronômica, encontrou-se um coeficiente de -0,198 para o valor de ordem superior Abertura à Mudança e de 0,311 para o valor de ordem superior Autopromoção, indicando que pessoas que possuem menores valores de Abertura à Mudança e maiores de Autopromoção possuem mais crenças dessa dimensão.

Tabela 2
Resultados do Modelo 2

Desta forma, a Hipótese 3 foi corroborada parcialmente. Abertura à Mudança foi preditor positivo das crenças pró-agroecológicas do Fator 1 e preditor negativo das crenças antiagroecológicas do Fator 4; Autotranscendência foi preditor negativo das crenças antiagroecológicas do Fator 2 e preditor positivo das crenças pró-agroecológicas do Fator 3; Autopromoção foi preditor das crenças dos 4 Fatores, sendo preditor negativo das crenças pró-agroecológicas dos Fatores 1 e 3 e preditor positivo das crenças antiagroecológicas dos Fatores 2 e 4. Em relação à Hipótese 4, os resultados encontrados foram os mesmos do Modelo 1.

Discussão

Dois modelos foram testados para avaliar a relação entre valores humanos básicos e crenças agroecológicas, com o intuito de verificar se os valores exerceriam alguma influência preditiva sobre essas crenças. Para tanto, se aplicou o PVQ-RR e a EBCA. Depois, foram realizadas quatro análises fatoriais confirmatórias, uma para cada valor de ordem superior, dos valores da escala de Schwartz. Realizou-se a análise fatorial exploratória da EBCA. E, posteriormente, se realizaram duas análises de trilha (path analysis) para verificação dos modelos testados.

Em relação às análises fatoriais confirmatórias - AFCs, todas tiveram bons índices de ajuste, sendo que o valor Humildade se ajustou melhor dentro do valor de ordem superior chamado Autotranscendência. Como proposto pela teoria de Schwartz, Humildade é limítrofe entre Autotranscendência e Conservação e, para essa amostra, o reconhe cimento da própria insignificância (meta central do valor de Humildade) aparentemente reflete mais a conformidade com expectativas sociais. Tal achado está em conformidade com os resultados de Torres et al. (2016Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva [The refined theory of values: Associations with behavior and avidences of discriminative and predictive validity]. Psicologia USP, 27(2), 341-356.).

Em relação às análises de trilha (path analysis), os resultados apontaram que alguns valores, tanto de primeira ordem como de ordem superior, foram preditores de crenças agroecológicas, de maneira distinta.

Discussão a Respeito dos Resultados do Modelo 1

Universalismo - natureza e Poder sobre recursos, os quais se situam em posição antagônica no contínuo-motivacional de Schwartz, tiveram efeitos diretos sobre três dos quatro fatores de crenças, de modo diferente.

O valor de Universalismo - natureza teve efeito direto positivo, com um coeficiente de 0,555 sobre crenças pró-agroecológicas CA1 e coeficiente de 0,207, sobre as crenças pró-agroecológicas CA3, sendo preditor das crenças a favor da Agroecologia, das Dimensões Sociopolítica e Ambiental, respectivamente. E teve efeito direto negativo, com um coeficiente de -0,408, sendo preditor das crenças antiagroecológicas da Dimensão Técnico-agronômica (CA4). Estes resultados corroboram os valores identificados por Beus e Dunlap (1990Beus, C. E., & Dunlap, R. E. (1990). Conventional versus alternative agriculture: The paradigmatic roots of the debate. Rural Sociology, 55(4), 590-616.) da agricultura alternativa (onde se insere a Agroecologia), que estariam relacionados à sustentabilidade ambiental e ética. Era esperado que o valor de Universalismo - natureza fosse preditor positivo das crenças pró-agroecológicas CA1 e CA3, uma vez que preocupações com a preservação da natureza fazem parte destas duas dimensões. As crenças pró-agroecológicas se relacionam com a harmonia da relação sociedade-natureza. São crenças que primam pela mudança urgente na agricultura para que ela se torne ecologicamente correta, pela conservação rigorosa do solo e da água, com a proteção a longo prazo da capacidade produtiva da terra, com a preocupação com as futuras gerações, com a conexão entre a produção de alimentos e o direito das pessoas à alimentação, com o fortalecimento das pequenas comunidades rurais e com a aceitação da biodiversidade sociocultural para gerar processos de desenvolvimento local.

Por sua vez, o fato de Universalismo - natureza ter tido efeito direto negativo sobre as crenças antiagroecológicas da Dimensão Técnico-agronômica fez sentido, apesar de não fazer parte das hipóteses formuladas. As crenças dessa dimensão, contrárias à Agroecologia, podem ser consideradas também contrárias à proteção da natureza, sendo opostas ao que expressam os valores de Universalismo - natureza, como a crença no uso de agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes químicos, dentre outros.

O valor de Poder sobre recursos teve efeito direto positivo sobre as dimensões Socioeconômica e Cultural e Técnico-agronômica, de crenças antiagroecológicas, respectivamente com coeficiente mais alto sobre crenças CA2, de 0,410 e mais baixo, de 0,221 sobre crenças CA4 e teve efeito direto negativo sobre as crenças pró-agroecológicas da Dimensão Sociopolítica, com um coeficiente mais baixo do que o valor de Universalismo - natureza, de -0,231, sobre crenças CA1. Tais achados se coadunam com os valores identificados por Beus e Dunlap (1990Beus, C. E., & Dunlap, R. E. (1990). Conventional versus alternative agriculture: The paradigmatic roots of the debate. Rural Sociology, 55(4), 590-616.) sobre a agricultura convencional, os quais estariam relacionados à intensificação e maximização do lucro. Uma vez que o valor de Poder sobre recursos trata do poder exercido por meio do controle de recursos materiais e sociais, era esperado que ele tivesse influência sobre as crenças contrárias à Agroecologia, relacionadas à obtenção de lucro e maior eficiência produtiva, a despeito de preocupações ambientais, como o uso adequado de solo e água, não levando em conta as externalidades ambientais, cujos custos são repassados à sociedade. Ainda, são crenças que não consideram o funcionamento ecológico da natureza e apontam para o uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos e transgênicos como os únicos que podem resolver a questão da alimentação da humanidade. Nessa perspectiva, acredita-se que só é possível produzir em escala macro, realizada por meio de empreendimentos concentradores, capital-intensivos e monocultivadores, que não levam em consideração os recursos humanos e naturais que definem a estrutura e função dos agroecossistemas. O fato de Poder sobre recursos ter tido influência negativa sobre as crenças pró-agroecológicas da Dimensão Sociopolítica também não foi previsto nas hipóteses formuladas, mas fez sentido. Isso se deve ao fato de existirem crenças nessa dimensão, tais como nivelamento das desigualdades historicamente produzidas, fortalecimento das pequenas comunidades rurais, aceitação da biodiversidade sociocultural e imitação dos ecossistemas naturais como um dos segredos para o sucesso da agricultura, que são crenças contrárias ao poder sobre recursos materiais e sociais. Além disso, tal ocorrência de efeito direto contrário é explicada pelos conflitos de valores previstos pela teoria de Schwartz no contínuo motivacional circular, onde Poder sobre recursos é oposto a Universalismo - natureza (Schwartz et al., 2012Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J. E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688.).

De todo modo, os coeficientes encontrados no Modelo 1, em sua maioria, possuem baixos índices (abaixo de 0,400). Tais índices podem revelar que outros fatores podem influenciar as crenças agroecológicas ou que é necessário compreender melhor o construto Agroecologia e os mitos associados a ele. Foram encontrados índices considerados médios apenas em relação ao tipo de valor Universalismo - natureza sobre as crenças CA1 e CA4, de 0,555 e -0,408 e de Poder sobre recursos sobre as crenças CA2, de 0,410. Tais índices reforçam o contínuo-motivacional da teoria de Schwartz e a maior influência destes valores sobre as crenças agroecológicas nas Dimensões que envolvem as questões sociais e ambientais.

Quanto às variáveis sociodemográficas, apenas gênero e idade apresentaram algum poder preditor. As mulheres apresentaram mais crenças pró-agroecológicas, enquanto os homens apresentaram mais crenças antiagroecológicas. Gênero, portanto, foi preditor negativo tanto da Dimensão Sociopolítica quanto da Dimensão Ambiental, com coeficientes respectivos de -0,191 e -0,09, e preditor positivo de crenças antiagroecológicas da Dimensão Socioeconômica e Cultural, com coeficiente de 0,228. Com relação à idade, pessoas mais velhas possuem mais crenças pró-agroecológicas da dimensão Sociopolítica, com coeficiente de 0,015.

O fato de as mulheres apresentarem mais crenças pró-agroecológicas é corroborado por Cheung et al. (2014Cheung, W., Luke, M. A., & Maio, G. R. (2014). On atitudes towards humanity and climate change: The effects of humanity esteem and self-transcendence values on environmental concerns. European Journal of Social Psychology, 44, 496-506.) em sua pesquisa sobre mudanças climáticas. As mulheres consultoras apresentaram escores significativamente maiores nas crenças sobre mudanças climáticas antropogênicas do que os homens.

Os resultados encontrados também são sustentados por estudos referentes a valores, os quais têm demonstrado que mulheres possuem mais valores autotranscendentes, com maior foco no social, enquanto que os homens apresentam valores mais autopromotores, com foco pessoal, independente de se estar discutindo a temática ambiental (Feather, 2004Feather, N. T. (2004). Value correlates of ambivalent attitudes toward gender relations. Personality and Social Psychology Bulletin, 30(1), 3-12.; Schwartz & Rubel, 2005Schwartz, S. H., & Rubel, T. (2005). Sex differences in value priorities: Cross-cultural and multimethod studies. Journal of Personality and Social Psychology, 89(6), 1010-1028.).

No entanto, os índices encontrados no presente estudo foram muito modestos, com coeficientes de -0,170, 0,216, -0,081 no Modelo 1, em relação às crenças CA1, CA2 e CA3, respectivamente, e de -0,191, 0,228, -0,09 no Modelo 2, em relação às crenças CA1, CA2 e CA3, respectivamente. Tais valores explicam muito pouco da variabilidade observada.

O fato de as mulheres apresentarem mais crenças pró-agroecológicas pode estar ligado aos seus papéis de atribuições de gênero, centrado nas questões da reprodução e dos cuidados. Siliprandi (2009Siliprandi, E. (2009). Mulheres e Agroecologia: a construção de novos sujeitos políticos na agricultura familiar [Women and Agroecology: the construction of new political subjects in family farming] [Tese de doutorado]. Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/5591/1/2009_EmmaCademartoriSiliprandi.pdf
https://repositorio.unb.br/bitstream/104...
) constatou que, em parte, a valorização atribuída às mulheres a aspectos das relações entre os seres humanos e a natureza está vinculada com o fato de terem um papel de cuidadoras das pessoas e dos demais seres dentro da estrutura produtiva, cuidando da alimentação e da saúde, o que não se verifica entre os homens.

Desse modo, as atribuições de gênero poderiam explicar o fato de as mulheres do presente estudo, estudantes e professoras das ciências agrárias, demonstrarem mais crenças favoráveis à preservação do meio ambiente e produção de alimentos saudáveis. Do mesmo modo, pode explicar por que os homens possuem crenças mais relacionadas à obtenção de lucro e eficiência produtiva, questões relacionadas ao seu papel de gênero, como provedor do lar.

Estudos futuros poderiam ser realizados sobre feminismo e agricultura, papéis de gênero e assim por diante, tendo em vista que extrapolam o escopo do presente trabalho.

Quanto à idade, só houve influência positiva sobre as crenças pró-agroecológicas da Dimensão Sociopolítica, indicando que as pessoas mais velhas possuem mais crenças agroecológicas da dimensão, que se caracteriza por preocupações sociais e políticas em prol da Agroecologia. O fato de idade ter sido preditor positivo sobre preocupações sociais e políticas talvez possa ser explicado pelo fato de que, com o avanço do tempo, se adquire mais maturidade, experiência e conhecimento. De toda forma, o índice de correlação apresentado foi muito modesto, com um coeficiente de 0,009 no Modelo 1 e de 0,015 no Modelo 2 e se manifestou apenas em relação à Dimensão Sociopolítica. O nível de escolaridade e a prática de agricultura sustentável não indicaram influências significativas como preditores das crenças agroecológicas.

Discussão a Respeito dos Resultados do Modelo 2

Os valores de ordem superior, Autotranscendência, Autopromoção e Abertura à Mudança foram preditores das crenças agroecológicas de modo diverso. Autotranscendência foi preditor positivo das crenças pró-agroecológicas da Dimensão Ambiental, com um coeficiente de 0,238, e preditor negativo das crenças antiagroecológicas da Dimensão Socioeconômica e Cultural, com um coeficiente de -0,322. Por sua vez, Autopromoção foi preditor positivo das crenças antiagroecológicas das Dimensões Socioeconômica e Cultural e Técnico-agronômica, com coeficientes de 0,323 e 0,311, respectivamente, e preditor negativo das crenças pró-agroecológicas das Dimensões Sociopolítica e Ambiental, com coeficientes de -0,236 e -0,069, respectivamente. Tais resultados estão de acordo com a teoria de Schwartz, uma vez que Autotranscendência e Autopromoção são opostos no contínuo motivacional e atuam como preditores positivos e negativos, respectivamente, das dimensões que também são opostas quanto às crenças agroecológicas. As Dimensões Socioeconômica e Cultural e a Técnico-agronômica possuem crenças antiagroecológicas, que são opostas às crenças pró-agroecológicas das Dimensões Sociopolítica e Ambiental, como explicitado no Modelo 1.

É interessante notar que Abertura à Mudança foi preditor positivo da Dimensão Sociopolítica, com coeficiente de 0,209, e preditor negativo da Dimensão Técnico-agronômica, com coeficiente de -0,198. Tal fato denota que pessoas mais abertas a mudanças possuem crenças a favor de ações em prol da Agroecologia e contrárias ao uso de técnicas prejudiciais ao meio ambiente, como o uso de agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes químicos, possivelmente, porque a Dimensão Sociopolítica traz subjacente um certo ativismo e um rompimento com os padrões vigentes relativos à produção agrícola, o que é consonante com os valores de Abertura à Mudança. São pessoas que possuem liberdade para cultivar suas próprias ideias e habilidades e determinar suas próprias ações, enfrentando o pacote tecnológico da agricultura hoje considerada hegemônica.

De todo modo, os coeficientes encontrados apresentaram índices baixos, o que pode significar problemas de ordem psicométrica, uma vez que as medidas de crenças agroecológicas são novas ou que outros fatores devem influenciá-las. Sugere-se estudos futuros para melhor compreensão a respeito das crenças agroecológicas e os mitos e crendices associados ao construto Agroecologia, considerado recente.

Considerações Finais

É preciso reconhecer que, neste estudo, ocorreram algumas limitações. Os achados aqui encontrados se referem a estudos iniciais. A medida de crenças sobre agroecologia é uma escala recente e deve ser aperfeiçoada para melhorar suas propriedades psicométricas. Portanto, sugere-se que seja aplicada com outros públicos relacionados às ciências agrárias, como agricultores e outros profissionais que atuam na produção de alimentos, que não apenas os que atuam na educação.

Com relação à escala de valores do modelo teórico refinado de Schwartz, muito embora a aplicação da escala com 5 pontos tenha revelado a mesma estrutura fatorial da escala original, considera-se importante repetir a aplicação com a escala original de 6 pontos para o mesmo tipo de público-alvo, para confirmar os resultados encontrados. Além disso, é necessário que futuros estudos investiguem o modelo completo, dos 19 valores da teoria refinada de Schwartz, a fim de testar outras relações, além das testadas nesse estudo. Assim, é possível que outros valores não diretamente associados à problemática ambiental possam influenciar as crenças sobre agroecologia, possibilitando ampliar o conhecimento acerca das motivações subjacentes à adoção de modelos de produção de alimentos mais sustentável.

De toda forma, os resultados demonstraram existir influência dos valores sobre as crenças a respeito de Agroecologia, apesar dos baixos índices dos coeficientes. Nesse sentido, tais fatos merecem ser refletidos no momento da discussão dos currículos dos cursos das ciências agrárias, de modo a fortalecer e ativar os valores que contribuam para a inserção do enfoque agroecológico nestes currículos.

A pré-ativação (priming) de valores foi estudada por Maio (2010Maio, G. R. (2010). Mental representations of social values. In M. P. Zanna, Advances in experimental social psychology. (pp. 1-43). Academic.). Segundo seus estudos a pré-ativação de um determinado valor abstrato ativa também as compatibilidades e os conflitos em todo o sistema de valores, concebidos como representações mentais de uma estrutura circular, com interconexões mentais, levando a comportamentos compatíveis com os valores ativados. Maio (2010Maio, G. R. (2010). Mental representations of social values. In M. P. Zanna, Advances in experimental social psychology. (pp. 1-43). Academic.) também sugere que os julgamentos avaliativos derivam, em geral, das crenças sobre o objeto de nosso julgamento, dos sentimentos sobre o objeto e dos comportamentos passados em relação a ele. Há evidências de que os valores abstratos são fortemente ligados a reações afetivas.

Desta forma, este conhecimento poderia ser usado para se ativar os valores de Autotranscendência (principalmente de Universalismo - natureza) e Abertura à Mudança nos cursos de Ciências Agrárias, de modo que a ativação de tais valores possa contribuir para atitudes pró-ambientais e comportamentos pró-agroecológicos. Espera-se, assim, favorecer a sustentabilidade nos sistemas agroalimentares, como proposto pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) e contribuir para a mitigação e adaptação da problemática ambiental.

References

  • Associação Brasileira de Agroecologia (2015). Estatuto da Associação Brasileira de Agroecologia [Statute of the Brazilian Association of Agroecology]. http://aba-agroecologia.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2013/06/estatuto-ABA-2015.pdf
    » http://aba-agroecologia.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2013/06/estatuto-ABA-2015.pdf
  • Aubin, J., Callier, M., Rey-Valette, H., Mathé, S., Wilfart, A., Legendre, M., Slembrouck, J., Caruso, D., Chia, E., Masson, G., Blancheton, J. P., Ediwarman - , Haryadi, J. , Prihadi, T. H. , Casaca, J. M. , Tamassia, S. T. J. , Tocqueville, A. , & Fontaine, P. (2019). Implementing ecological intensification in fish farming: Definition and principles from contrasting experiences. Reviews in Aquaculture, 11(1), 149-167. https://doi.org/10.1111/raq.12231
    » https://doi.org/10.1111/raq.12231
  • Axon, S. (2017). “Keeping the ball rolling”: Addressing the enablers of, and barriers to, sustainable lifestyles. Journal of Environmental Psychology, 52, 11-25. https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2017.05.002
    » https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2017.05.002
  • Bentler, P. M. (1990). Comparative fit indexesin structural models. Psychological Bulletin, 107(2), 238-246.
  • Beus, C. E., & Dunlap, R. E. (1990). Conventional versus alternative agriculture: The paradigmatic roots of the debate. Rural Sociology, 55(4), 590-616.
  • Bouman, T., Steg, L., & Kiers, H. A. L. (2018). Measuring values in environmental research: A test of an environmental Portrait Value Questionnaire. Frontiers in Psychology, 9(APR), 1-15. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00564
    » https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00564
  • Broek, K. Van Den, Bolderdijk, J. W., & Steg, L. (2017). Individual differences in values determine the relative effectiveness of biospheric, economic and combined appeals. Journal of Environmental Psychology, 53, 1-39. https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2017.07.009
    » https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2017.07.009
  • Canuto, J. C. (2011). Mitos sobre Agroecologia [Myths about Agroecology] [Resumos dos trabalhos]. VII Congresso Brasileiro de Agroecologia, VII CBA 2011 (Vol. 6, n.2), Fortaleza, Brasil. https://orgprints.org/22673/1/Canuto_mitos.pdf
    » https://orgprints.org/22673/1/Canuto_mitos.pdf
  • Carson, R. (2010). Primavera Silenciosa [Silent Spring]. Gaia.
  • Chen, M. F. (2015). An examination of the value-belief-norm theory model in predicting pro-environmental behaviour in Taiwan. Asian Journal of Social Psychology, 18(2), 145-151. https://doi.org/10.1111/ajsp.12096
    » https://doi.org/10.1111/ajsp.12096
  • Cheung, W., Luke, M. A., & Maio, G. R. (2014). On atitudes towards humanity and climate change: The effects of humanity esteem and self-transcendence values on environmental concerns. European Journal of Social Psychology, 44, 496-506.
  • Cieciuch, J., & Schwartz, S. (2012). The number of distinct basic values and their structure assessed by PVQ-40. Journal of Personality Assessment, 94(3), 321-328.
  • Coelho, J. P., Gouveia, V. V., & Milfont, T. L. (2006). Valores humanos como explicadores de atitudes ambientais e intenção de comportamento pró-ambiental [Human values as predictors of environmental attitudes and pro-environmental behavior]. Psicologia em Estudo, 1(1), 199-207.
  • Corral-Verdugo, V., & Guedea, R. L. D. (2011). El rol de los eventos antecedentes y consecuentes en la conducta sustentable [The role of antecedent and consequent events in sustainable behavior]. Revista Mexicana de Analisis de La Conducta, 37(2), 9-29. https://doi.org/10.5514/rmac.v37.i2.26137
    » https://doi.org/10.5514/rmac.v37.i2.26137
  • De Dominicis, S., Schultz, P. W., & Bonaiuto, M. (2017). Protecting the environment for self-interested reasons: Altruism is not the only pathway to sustainability. Frontiers in Psychology, 8(JUN), 1-13. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.01065
    » https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.01065
  • Feather, N. T. (2004). Value correlates of ambivalent attitudes toward gender relations. Personality and Social Psychology Bulletin, 30(1), 3-12.
  • Fiamoncini, D. I. (2018). Valores humanos como preditores de crenças agroecológicas: Implicações na formação e educação dos profissionais das ciências agrárias [Human values as predictors of agroecological beliefs: Implications for the training and education of agricultural science professionals] [Tese de doutorado]. Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/33896
    » https://repositorio.unb.br/handle/10482/33896
  • Fishbein, M., & Ajzen, I. (1975). Belief, attitude, intention, and behavior: An introduction to theory and research Addison-Wesley. http://people.umass.edu/aizen/f&a1975.html
    » http://people.umass.edu/aizen/f&a1975.html
  • Hernández, B., & Hidalgo, M. C. (2000). Actitudes y creencias hacia el medio ambiente. In J. I. Aragonés & M. Amérigo (Eds.), Psicología Ambiental (pp. 309-330). Pirámide.
  • Herrmann, A., & Pfister, H. (2013). Simple measures and complex structures: It is worth employing a more complex model of personality in Big Five inventories? Journal of Research in Personality, 47(5) , 599-608.
  • Jacob, L. B. (2016). Agroecologia na Universidade: entre vozes e silenciamentos [Agroecology at the University: between voices and silences]. Appris Editora.
  • Li, C. H. (2016). Confirmatory factor analysis with ordinal data: Comparing robust maximum likelihood and diagonally weighted least squares. Behavior Research Methods, 48(3), 936-949.
  • Maio, G. R. (2010). Mental representations of social values. In M. P. Zanna, Advances in experimental social psychology (pp. 1-43). Academic.
  • Marsh, H. W., Hau, K. -T., & Wen, Z. (2004). In search of golden rules: Comment on hypothesis-testing. Structural Equation Modeling, 11(3), 320-341.
  • Martin, A. R., & Isaac, M. E. (2018). Functional traits in agroecology: Advancing description and prediction in agroecosystems. Journal of Applied Ecology, 55(1), 5-11. https://doi.org/10.1111/1365-2664.13039
    » https://doi.org/10.1111/1365-2664.13039
  • Pant, L. P. (2016). Paradox of mainstreaming agroecology for regional and rural food security in developing countries. Technological Forecasting and Social Change, 111, 305-316. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2016.03.001
    » https://doi.org/10.1016/j.techfore.2016.03.001
  • Rohan, M. J. (2000). A Rose by any name? The values construct. Personality and Social Psychology Review, 4(3), 255-277.
  • Royne, M. B., Thieme, J., Levy, M., Oakley, J., & Alderson, L. (2016). From thinking green to buying green: consumer motivation makes the difference. Journal of Business Strategy, 37(3), 37-43. https://doi.org/10.1108/JBS-12-2014-0151
    » https://doi.org/10.1108/JBS-12-2014-0151
  • Saphores, J. D. M., Ogunseitan, O. A., & Shapiro, A. A. (2012). Willingness to engage in a pro-environmental behavior: An analysis of e-waste recycling based on a national survey of U.S. households. Resources, Conservation and Recycling, 60, 49-63. https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2011.12.003
    » https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2011.12.003
  • Schultz, W. P., Gouveia, V. V., Cameron, L. D., Tankha, G., Schmuck, P., & Franek, M. (2005). Values and their relationship to environmental concern and conservation behaviour. Journal of Cross-Cultural Psychology, 36(4), 457-475.
  • Schultz, P. W., Milfont, T. L., Chance, R. C., Tronu, G., Luís, S., Ando, K., Rasool, F., Roose, P. L., Ogunbode, C. A., Castro, J., & Gouveia, V. V. (2014). Cross-Cultural Evidence for spatial bias in beliefs about the severity of environmental problems. Environment and Behavior, 46(3), 267-302. https://doi.org/10.1177/0013916512458579
    » https://doi.org/10.1177/0013916512458579
  • Schutter, O. (2012). Agroecologia e o direito humano à alimentação adequada: tradução do relatório de Olivier de Schutter: relator especial da ONU para o direito à alimentação (Vol. Caderno SISAN 01) Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/165/Caderno%20SISAN%2001-2012%20-
    » http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/165/Caderno%20SISAN%2001-2012%20-
  • Schwartz, S. H., & Rubel, T. (2005). Sex differences in value priorities: Cross-cultural and multimethod studies. Journal of Personality and Social Psychology, 89(6), 1010-1028.
  • Schwartz, S. H. (2012). An overview of the schwartz theory of basic values an overview of the Schwartz theory of basic values. Online Readings in Psychology and Culture, 2, 1-20. https://doi.org/http://dx.doi.org/http://dx.doi.org/10.9707/2307-0919.1116
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/http://dx.doi.org/10.9707/2307-0919.1116
  • Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., Beierlein, C., Ramos, A., Verkasalo, M., Lönnqvist, J. E., Demirutku, K., Dirilen-Gumus, O., & Konty, M. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103(4), 663-688.
  • Schwartz, S. H. (2017). The refined theory of basic values. In S. Roccas, & L. Sagiv (Eds.), Values and behaviour taking a cross cultural perspective (pp. 51-72). Springer International Publishing.
  • Stern, P. C., Dietz, T., & Kalof, L. (1993). Value orientations, gender, and environmental concern. Environment and Behavior, 25(3), 322-248.
  • Stern, P. C., Kalof, L., Dietz, T., & Guagnano, G. A. (1995). Values, Beliefs, and Proenvironmental Action: Attitude Formation Toward Emergent Attitude Objects. Journal of Applied Social Psychology, 25(18), 1611-1636. https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.1995.tb02636.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.1995.tb02636.x
  • Stern, P. C., Dietz, T., Abel, T., Guagnano, G. A., & Kalof, L. (1999). A value-belief-norm theory of support for social movements: The case of environmentalism. Human Ecology Review, 6(2), 81-97. https://doi.org/10.2307/2083693
    » https://doi.org/10.2307/2083693
  • Stern, P. C. (2000). Toward a coherent theory of environmentally significant behavior. Journal of Social Issues, 53(3), 407-424.
  • Siliprandi, E. (2009). Mulheres e Agroecologia: a construção de novos sujeitos políticos na agricultura familiar [Women and Agroecology: the construction of new political subjects in family farming] [Tese de doutorado]. Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/5591/1/2009_EmmaCademartoriSiliprandi.pdf
    » https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/5591/1/2009_EmmaCademartoriSiliprandi.pdf
  • Souza, T. V. (2013). Aspectos estatísticos da análise de trilha (path analysis) aplicada em experimentos agrícolas [Statistical aspects of path analysis applied in agricultural experiments] [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Lavras.
  • Torres, C. V., Schwartz, S. H., & Nascimento, T. G. (2016). A Teoria de Valores Refinada: associações com comportamento e evidências de validade discriminante e preditiva [The refined theory of values: Associations with behavior and avidences of discriminative and predictive validity]. Psicologia USP, 27(2), 341-356.
  • Third World Network & Sociedad Científica Latinoamericana de Agroecología (2015). Agroecology: Key Concepts, Principles and Pratices https://agroeco.org/wp-content/uploads/2015/11/Agroecology-training-manual-TWN-SOCLA.pdf
    » https://agroeco.org/wp-content/uploads/2015/11/Agroecology-training-manual-TWN-SOCLA.pdf
  • Xiao, C., & McCright, A. M. (2015). Gender differences in environmental concern: revisiting the institutional trust hypothesis in the USA. Environment and Behavior, 47(1), 17-37. https://doi.org/10.1177/0013916513491571
    » https://doi.org/10.1177/0013916513491571

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2019
  • Revisado
    10 Set 2019
  • Aceito
    01 Maio 2020
Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 70910-900 - Brasília - DF - Brazil, Tel./Fax: (061) 274-6455 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistaptp@gmail.com