Open-access Adaptação dos Familiares Cuidadores de Idosos com Doença de Parkinson: Processo de Transição

Adaptation of Elderly Relatives with Parkinson's Disease: Transition Process

Resumo

Descreveu-se e interpretou-se a repercussão da transição para o exercício do papel de cuidador em familiares de idosos com doença de Parkinson, à luz da teoria das Transições. O método exploratório de abordagem qualitativa foi empregado com 20 familiares cuidadores de idosos com doença de Parkinson. Emergiram como temas: tendo consciência e reconhecimento da doença de Parkinson na família; envolvendo-se com o processo de cuidar; tornando-se um familiar cuidador; percebendo as mudanças e diferenças significativas no estilo de vida; acontecimentos e pontos críticos envolvidos na adaptação ao papel. Constatou-se que a transição de familiares para o papel de cuidador inicia-se com a conscientização dos primeiros sintomas e do diagnóstico, envolvendo mudanças e caracterizando-se pelas ações de cuidar.

Palavras-chave: doença de Parkinson; família; cuidadores; idoso; enfermagem

Abstract

We described and interpreted the transition to the role of caregiver of elderly relatives with Parkinson's disease in the light of the Transitions Theory. We used an exploratory method of qualitative approach, and conducted the study with twenty caregivers of elderly relatives with Parkinson's disease. The themes found were as follows: awareness and recognition of Parkinson's disease in the family; engaging with the process of care; becoming a family caregiver; realizing the significant changes and differences in lifestyle; events and major issues resulting from adaption to the role. We found that the transition from relative to the role of family caregiver begins with awareness of the first symptoms and with the diagnosis and involves changes by way of special care.

Keyword: Parkinson’s disease; family; caregiver; elderly; nursing

A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa de etiologia idiopática, marcada por progressiva perda neuronal dopaminérgica, particularmente na parte compacta da substância nigra e presença anormal de corpos citoplasmáticos inclusos, os chamados corpos de Lewy (Dickson et al., 2009; Nolden, Tartavoulle, & Porche, 2014). Acredita-se que a perda de neurônios dopaminérgicos da substância nigra, que ocasiona a deficiência de dopamina, seja a responsável pelos sintomas motores (bradicinesia, tremores de repouso, rigidez muscular e instabilidade postural) e não motores, incluindo hipotensão ortostática, transtornos de humor, distúrbios do sono e perda do olfato (Dickson et al., 2009; Jain & Goldstein, 2012; Ossig & Reichmann, 2015).

Essas alterações motoras e não motoras podem resultar em incapacidades progressivas e declínio da autonomia (Carod-Artal, Mesquita, Ziomkowski, & Martinez-Martin, 2013). Com a evolução da doença, suas consequências perpetuam-se no decorrer da vida, fazendo com que as pessoas acometidas necessitem de cuidados permanentes em suas atividades básicas de vida diária (ABVD) e atividades instrumentais de vida diária (AIVD) (Martinez-Martin, Rodriguez-Blazquez, & Forjaz, 2012).

Dessa forma, o diagnóstico de DP representa uma transição não só para o doente, mas para toda família. Isso ocorre porque o diagnóstico confirma a irreversibilidade do estado e marca a entrada oficial do papel do cuidador (Abendroth, Lutz, & Young, 2012). Rotineiramente, é um membro da família que se torna o cuidador principal, aceitando a responsabilidade de dar assistência e cuidar da pessoa acometida pela doença (Peters, Fitzpatrick, Doll, Playford, & Jenkinson, 2011).

Contudo, os familiares que desempenham o papel de cuidador acabam experimentando problemas após o diagnóstico da doença (Melo, Rua, & Santos, 2014). Quem decide cuidar de uma pessoa com DP pode ter uma variedade de consequências negativas de ordem física, psicológica, social e financeira, as quais podem desafiar a sua capacidade de manter-se no papel de cuidador (Carod-Artal et al., 2013; Greenwell, Gray, Wersch, Schaik, & Walker, 2015). Pode apresentar distúrbio do sono, estresse emocional, fadiga, tristeza e preocupações financeiras, além de mudanças no estilo de vida, como redução das atividades sociais, isolamento social e danos nas relações interpessoais, ocasionados pelo sentimento de sobrecarga que se agrava com a progressão das incapacidades da doença no seu parente (Oguh, Kwasny, Carter, Stell, & Simuni, 2013).

Um estudo qualitativo, realizado em Singapura, constatou que os cuidadores precisam se adaptar constantemente à mudança implacável ocasionada pelos fatores estressores, à medida que a doença progride e que a implementação de cuidado em tempo integral é necessária (Tan, Williams, & Morris, 2012).

Na perspectiva da transição, referencial teórico desenvolvido em enfermagem por Meleis, Sawyer, Im, Hilfinger Messias e Schumacher (2000), a transição para um novo papel, como de cuidador, apresenta características contextuais específicas. Essas características incluem a necessidade de desenvolver a autoconfiança para lidar com situações de cuidado, demonstrar o domínio de habilidades necessárias para gerenciar as novas situações, adquirir novos conhecimentos sobre os serviços formais relevantes e sentir-se conectado com a sua rede de Apoio Social Informal (Meleis, 2010).

Acreditando que a DP é uma doença que afeta toda a família, estudos com essa abordagem são essenciais para ampliar o olhar dos profissionais da área de saúde para o impacto das mudanças ocasionadas pela doença na vida dos membros familiares, especialmente aqueles definidos como cuidadores. Dessa forma, podem contribuir para o desenvolvimento de estratégiasa fim de auxiliar a resiliência do familiar no processo de transição para o exercício de papel de cuidador.

Assim, este estudo demonstra ter relevância por proporcionar um vislumbre dos acontecimentos envolvidos na adaptação do familiar ao novo papel de tornar-se cuidador de uma pessoa com doença neurodegenerativa.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi descrever e interpretar a repercussão da transição para o exercício do papel de cuidador em familiares de idosos com doença de Parkinson, à luz da teoria das Transições de Afaf Meleis (2010).

Método

Trata-se de um estudo exploratório, de abordagem qualitativa, projetado para capturar as experiências dos familiares cuidadores frente à transição ao papel de cuidar de seus parentes idosos com doença de Parkinson. A escolha de um estudo dentro da abordagem qualitativa responde às questões particulares, num espaço mais profundo das relações humanas. Essa abordagem considera, ainda, os participantes como indivíduos pertencentes a um determinado contexto social e inserido em um sistema de crenças, valores e significados (Minayo, 2013).

Participaram 20 familiares cuidadores de idosos com diagnóstico de DP, selecionados por conveniência a partir do cadastro da Associação Parkinson Santa Catarina (APASC) e que preencheram os seguintes critérios de inclusão: pertencer à família por consanguinidade/parentesco ou proximidade da pessoa idosa com diagnóstico de DP; ser caracterizado como cuidador principal e deter o cuidado diário parcial ou integral há mais de seis meses. Além disso, deveriam possuir capacidade para responder aos questionamentos referentes ao estudo, residir na Grande Florianópolis/SC e ter idade igual ou superior a 18 anos. Para o tamanho da amostra, seguiu-se o princípio da saturação dos dados.

Para capturar a experiência vivida pelos familiares cuidadores e seu processo de transição ao exercício do papel de cuidar do idoso com DP, foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado, apoiado na teoria das Transições de Meleis (Meleis, 2010). As questões norteadoras dizem respeito a: Como ocorre a transição para o papel de cuidador familiar na Doença de Parkinson? Como as condições socioeconômicas, crenças e atitudes, significados e conhecimento dos familiares frente a vivência com a doença influenciam ou inibem o processo de transição de papel? De que forma o diagnóstico da DP afetou/modificou as relações familiares?

Essas entrevistas em profundidade foram realizadas individualmente e ocorreram no domicílio dos participantes, no período de março a agosto de 2015. A pesquisadora tentou estabelecer uma atmosfera agradável e aberta, ouvindo e incentivando os familiares, objetivando produzir descrição densa de suas experiências. Os depoimentos foram gravados em áudio digital e, posteriormente, transcritos na íntegra. Para manter uma relação de confiança, confidencial e profissional com os participantes, a pesquisadora iniciou e encerrou cada sessão de entrevista conversando com os famliares quanto aos objetivos da pesquisa, esclarecendo perguntas e a conveniência para todas as partes sobre o foco da mesma.

Para o exame dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo temática (Bardin, 2011), com o auxílio do software de investigação qualitativa ATLAS.ti, versão 7.2, para a codificação das entrevistas e formação de categorias de análise. Ao se iniciar o processo de análise, as transcrições foram lidas várias vezes para captar nuances do conteúdo das entrevistas e do material na sua totalidade. O passo seguinte foi considerar cada entrevista como uma unidade para análise e, em seguida, ler atentamente linha por linha para descobrir declarações relevantes para responder ao propósito do estudo. Códigos/codes capturando pensamentos principais foram derivados da entrevista, e citações do depoimento foram classificadas nos códigos/codes relevantes. Os códigos/codes foram classificados em grupos maiores, dependendo do conteúdo, e adensados, formando families. A partir dos códigos criados no ATLAS.ti e da análise, surgiram cinco temas:

  1. Tendo consciência e reconhecimento da DP na família; criado a partir de duas families (recebendo o diagnóstico e sentimentos ao receber o diagnóstico);

  2. Envolvendo-se com o processo de cuidar; criado pelas families adquirir informações e habilidades e reconhecimento como cuidador pelos profissionais;

  3. Tornando-se um familiar cuidador; families: tempo como aliado e papel marital;

  4. Percebendo as mudanças e diferenças significativas no estilo de vida; elaborado a partir das duas families atividades de lazer e sentimentos mudados;

  5. Acontecimentos e pontos críticos envolvidos na adaptação ao papel de cuidador, com quatro families: não aceitação inicial da doença, perigrinação ao serviço especializado, conflitos familiares e novo arranjo familiar para o cuidado.

O desenvolvimento do estudo respeitou as normas de ética em pesquisa envolvendo seres humanos, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução 466/2012, recebendo aprovação do Comitê de Ética da Secretária de Saúde de Santa Catarina (Parecer de nº/1.002.947/2015).

Os participantes assinaram o termo de consentimento em duas vias, após orientação sobre os objetivos, desenvolvimento da pesquisa e direitos enquanto participantes. Visando preservar o anonimato dos participantes, adotou-se para sua identificação o uso da inicial “F” para familiares e atribuíram-se números arábicos sequenciais conforme a ordem em que foram entrevistados.

Resultados e Discussão

Caracterização dos Participantes

Quanto à caracterização sociodemográfica, dos 20 familiares cuidadores que participaram do estudo, 16 eram do sexo feminino - o que não é um achado incomum, visto que a prevalência da DP é principalmente na população masculina, associado ao perfil cultural de cuidadoras mulheres (Abendroth et al., 2012; Abendroth, Greenblum, & Gray 2014;).

A maioria eram cônjuges das pessoas diagnosticadas com DP. As idades variavam entre 37 e 85 anos. O nível de escolaridade foi do ensino fundamental incompleto ao ensino superior. Doze dos familiares entrevistados eram aposentados, com renda mensal familiar média de três salários mínimos. Todos referiram seguir uma religião, sendo a católica a mais citada entre os participantes. Características semelhantes foram encontradas em outros estudos com familiares de pessoas com DP, sendo considerados fatores que interferem na adaptação e aceitação da doença (Abendroth et al., 2014; Peternella & Marcon, 2009; Tan et al., 2012).

Para descrever e interpretar a experiência de familiares de idosos com doença de Parkinson na transição para o exercício do papel de cuidador, foram identificados cinco temas, que serão discutidos a seguir.

Experiências de Familiares Cuidadores de Idosos com DP: A Transição Para o Papel de Cuidador

Tendo consciência e reconhecimento da DP na família. Este primeiro tema demonstra o percurso da entrada no processo de transição para o exercício do papel de cuidador, através da conscientização frente à situação inesperada. Revela que o impacto de receber o diagnóstico de uma doença crônica, como a DP do idoso, gera ansiedade e medo nos familiares:

Olha, a gente recebe um choque tremendo, não é? Porque ela sempre teve problemas de pressão e tratamentos constantes, tratamento médico e depois a gente receber mais essa notícia. (F1) Quando teve o diagnóstico ficamos assustados. (F15)

Por ser uma situação inesperada, a família não está preparada para receber o diagnóstico de DP. Peternella e Marcon (2009) revelam que o impacto do diagnóstico é o primeiro momento de dificuldade da família e exige uma superação positiva para o bom convívio com a doença. Outro problema bastante evidenciado pelos familiares refere-se aos sentimentos ao receber o diagnóstico, quando surgem diversas dúvidas, questionamentos e sensação de impotência frente à notícia.

Ah. A gente tem dúvida. Assim, se realmente é ou não é. (F7) Então assim, quando ele disse que era Parkinson e meio que explicou sobre ser uma doença degenerativa, eu senti uma impotência, porque não há nada do que tu faças para melhorar. Claro tu fazes aquilo que é recomendado, tu vai tratar, tomar o cuidado com a medicação, mas fora aquilo ali não tem o que fazer. (F16) Fiquei meio triste. Toda família teve aquele sentimento de tristeza. (F18)

Observa-se nos relatos que os familiares sentiram-se impactados pelo diagnóstico, seguido de uma grande sensação de tristeza e perda. Percebe-se a carência, nesse momento, de mais informações capazes de ajudá-los a entender como a doença ocorreu e saber as consequências imediatas e prolongadas do diagnóstico para a família. Tan et al. (2012) explicam que lidar com o cuidado envolve: aprender a relaxar para reduzir o stress do cuidador; aprender a gerir o cuidado da pessoa com DP, através do desenvolvimento de gestão eficaz do tempo; melhor uso dos serviços de apoio disponíveis, melhorar a qualidade da comunicação com pessoas com DP e preparar-se para a progressão da doença no futuro.

Existem aquelas situações em que a conscientização de se ter um idoso com a DP e da função de cuidador iniciam-se no momento em que o familiar percebe as primeiras alterações, antes mesmo da assimilação do diagnóstico a partir da confirmação por um profissional médico:

Eu não senti nenhum sentimento em especial quando recebi a notícia da doença, porque eu já sabia que era Parkinson. (F03)

Eu estou com ele sempre e estava com ele na consulta, mas como já disse, eu já sabia que era DP, porque eu leio muito dessas coisas, então eu logo senti uma coisa estranha e disse ao médico: ‘Isso aí é Parkinson, não é?’. Mas também naquela época ele estava muito mais debilitado, eu acho que agora ele está ótimo. (F17)

Em alguns casos, os familiares referem também que demora um tempo, após o diagnóstico, para conscientizar-se da doença, como observado por este cuidador: “Dois anos depois que a gente se conscientizou que era o Parkinson e tal, que caiu a ficha” (F16)

É importante que a família participe desde o início da doença, para que possa auxiliar o idoso com DP nas instabilidades causadas pela doença. Essa conclusão é corroborada pelo trabalho de Peternella e Marcon (2009), que concluiu que a família é uma grande aliada no processo de enfrentamento da situação descoberta, colaborando na detecção inicial dos sintomas, no processo de aceitação e na convivência com a doença.

A chamada consciencialização é a propriedade da transição que se reporta à percepção e ao reconhecimento da vivência da transição, despontando como fundamental para a construção de estratégias de enfrentamento. Para acontecer transição, é indispensável que o indivíduo apresente consciência das mudanças que vão sucedendo durante o processo, o que faz com que essa propriedade seja considerada como característica definidora da transição. Logo, a inconsciência das alterações poderá denotar que o indivíduo ainda não iniciou seu processo (Chick & Meleis, 1986). Tal consciência é visualizada nos depoimentos:

Desde o início da doença eu controlo tudo. Assim, antes, quando ele trabalhava fora, eu já fazia essa parte de rua, de comprar coisas, de pagar. Agora muito mais. E agora ainda faço a parte dele, tipo se ele está tomando a medicação corretamente, é ... tudo. Ele não dirige mais, então eu levo. Tudo. Para toda parte eu que tenho que levar e fazer. (F5)

Eu tomei o cuidado para mim. Eu até trabalhava em um laboratório, como eu te falei, daí o meu marido falou que pagava para mim o salário que eu ganhava para ficar cuidando da mãe dele para ele, pegando essa responsabilidade, porque eu já ficava lá um pouco e cuidava dela a tarde. E eu aceitei, porque ficava menos cansativo. (F11)

O grau de envolvimento de um indivíduo que passa por uma das transições está intrínseco ao nível de consciência que tem acerca do que está acontecendo, do estado de saúde e dos recursos acessíveis (Meleis et al., 2000; Meleis, 2010). Portanto, oferecer à família avaliação, orientação e intervenções precoces no curso da DP pode ter impacto positivo imediato na qualidade de vida de todos os envolvidos no processo, sendo possível alterar a trajetória de funcionamento do cuidador, bem como determinar o risco de declínio futuro e desenvolvimento de sobrecarga ao cuidador que comprometa seu bem-estar (Lageman, Mickens, & Cash, 2015). A necessidade desse tipo de orientação era aparente, como os relatos citados abaixo podem comprovar:

Eu fiquei mais preocupada, de saber da progressão da doença, que futuramente ela poderia ficar paraplégica, ter atrofia, perder a voz, tudo que pesquisei na internet, isso me deixou muito nervosa e muito preocupada. (F3)

A gente começa a ler sobre a doença fica imaginando que aquilo poderá acontecer com sua mãe e por isso quis trazer ela pra morar comigo. (F8)

A consciencialização abrange o conhecimento/reconhecimento de si na nova situação. Pode ser desencadeada pelos profissionais ao buscarem informar ao familiar sobre a doença, enfocando a importância de adquirirem habilidades e competências para o cuidado (Martin, 2015). É importante demonstrar o novo cenário que a doença traz, para que os familiares possam reconhecer suas atribuições e não ficarem temerosos e perdidos, sem saber qual o seu real papel, como observado aqui: “No começo foi assim, um choque, porque fala que atrofia os nervos, porque ela pode deixar de andar e coisa e tal, atrofia a fala, então tudo isso pra nós foi novo (...), eu mesma fiquei A-PA-VO-RA-DA” (F3).

No presente estudo, ser um cuidador de um idoso com DP é percebido como notadamente difícil, devido ao desconhecimento da natureza progressiva da doença. Esses resultados corroboram os achados de estudos nos quais foi identificado que a falta de informações adequadas sobre o ritmo da doença, sua evolução e gravidade, aliado a uma perspectiva de exigência de cuidados diários, como a instabilidade de um dia tranquilo, cumprindo o cronograma de medicação, para um dia caótico, caracterizado por emoções instáveis do receptor de cuidados, causam medo e temor (Abendroth et al., 2014; Oguh et al., 2013).

Por essas situações, os enfermeiros e demais profissionais de saúde devem avaliar o nível de consciencialização do familiar. Se não for verificada a tomada de consciência através da existência de harmonia entre o que a pessoa conhece acerca do processo e as expectativas individuais, significa que o familiar ainda não está propenso à mudança para esse novo papel (Meleis et al., 2000; Meleis, 2010). Portanto, o processo de cuidar dessa família dependerá de estratégias, por parte da equipe de saúde, que considerem que a identificação das condições para essa transição antecede os cuidados à pessoa com doença de Parkinson..

Envolvendo-se com o processo de cuidar. O familiar, ao se conscientizar do seu novo papel e ao se situar na vivência do processo de transição e da necessidade de realizar o cuidado, pode vir a se empenhar em adquirir informações e habilidades necessárias para proporcionar melhor qualidade de vida para o idoso com DP e também para si. Sobre esse evento, os entrevistados assim se manifestaram:

E a gente começa a pesquisar e fazer leituras e ver que é uma doença degenerativa, que não tem cura e aí você começa a sentir a pressão pessoal sobre que caminho está? O que eu estou fazendo? O que vai acontecer? Por isso que eu sou muito de pesquisar. (F6)

Quando fiquei responsável por ele, comecei a querer pesquisar, de querer saber mais da doença, de tentar ajudá-lo. (F13)

O que às vezes eu faço é procurar na internet algo sobre dicas de memória, porque percebi que, tanto pela idade, como pelo Parkinson, tem isso da memória; e como agora ela está preocupada com a memória, vejo algumas dicas. (F18)

Pelos depoimentos, observa-se a iniciativa dos familiares em estudar e pesquisar sobre a doença, a fim de buscar recursos para melhorar a prestação de cuidados ao idoso com DP e entender suas atribuições enquanto cuidador. Uma consideração importante ao se ter um membro da família como cuidador é avaliar o que ele conhece sobre o cuidado de uma pessoa com DP. O impacto ou sobrecarga pode ser modificado ao receber informações pertinentes durante todo acompanhamento da doença (Rodríguez-Violante, Camacho-Ordoñez, Cervantes-Arriaga, González-Latapí, & Velázquez-Osuna, 2015). Além disso, quando os cuidadores familiares sabem sobre a doença da pessoa de quem estão cuidando, consideram-se parte integrante dos seus cuidados e conscientes da situação (Mora-López, Ferré-Grau, & Montesó-Curto, 2015).

Carod-Artal et al. (2013) lembram que, no Brasil, é comum as pessoas com DP serem acompanhadas e cuidadas em seus domicílios por familiares e cuidadores primários, que assumem papel considerável quanto aos cuidados físicos, psicológicos e financeiros, atuando como principal prestador de cuidados. Portanto, estar envolvido no processo de cuidar é importante para que se executem todas essas atribuições de forma adequada.

O empenho surge do nível de envolvimento do familiar com os processos de transição, que busca o estabelecimento de estratégias adaptativas. Assim, desenvolver conhecimentos e competências, criando novas escolhas e encontrando oportunidades de crescimento pessoal, faz parte de um processo de transição saudável (Meleis, 2010). Uma das formas de envolvimento com a situação é o reconhecimento como cuidador pelos profissionais. Esse aspecto pode ser percebido nos depoimentos dos familiares, quando relatam:

Como eu acompanho, toda vez quando estou na consulta eu consigo me expressar. Por exemplo, consigo falar sobre a medicação, se ele está bem com tal medicação, se não está tão bem, se eu percebo alguma mudança, ou qualquer coisa, então eu já vou lá e digo para o médico sobre o que percebi sobre isso ou aquilo. (F15)

Quando eles chegam, se direcionam mais a mim, para conversar sobre tudo. Não sei se eles notam que eu entendo um pouquinho mais sobre o assunto, principalmente sobre a medicação, mas é bem tranquilo. (F18)

O envolvimento da família e reconhecimento do cuidador principal pelos profissionais de saúde também foi expresso como subcategoria em um trabalho sobre representações temáticas dos desafios e suportes de cuidadores familiares, devido à importância que têm no apoio emocional e físico do doente e à responsabilidade de cuidar (Faucher & Garner, 2015). Por outro lado, devem-se analisar circunstâncias em que o familiar responsável pelo cuidado já tem consciência da mudança ocorrida na sua vida, percebe a necessidade de mudança, mas não a operacionaliza - no sentido de estar inteiramente envolvido pela situação - e se mostra resistente quando os profissionais de saúde procuram envolvê-lo. Os resultados deste estudo identificaram que essa situação pode ocorrer principalmente quando o idoso com DP é independente, inibindo a ativa participação do familiar cuidador no acompanhamento e evolução da doença, como observado nos depoimentos a seguir:

É difícil eu saber a relação dos profissionais de saúde com ela, porque ela vai sozinha. (F2)

Olha, apesar de ser a responsável por ela, na verdade eu acredito que eu não participo muito, porque ela é independente para tudo, eu vou uma vez ao mês lá, passar um domingo com ela, falo com ela toda semana, para ver como ela está. (F3)

Uma pesquisa exploratória acerca da percepção de uma vida de sucesso entre pessoas com doença de Parkinson, no sul da Inglaterra, mostrou que pessoas com DP estão preocupadas em manterem a vida normal e terem capacidade de exercer atividades pessoais para continuarem independentes e capazes de contribuir com os outros, apesar do envelhecimento e da doença (Kang & Ellis-Hill, 2015). Contudo, apesar da percepção pessoal do idoso com DP de ser independente e viver bem com a doença, é essencial que a família se envolva e se sinta envolvida na situação, o que tem um alcance direto no nível de compromisso com o processo. Assim, é importante para os profissionais de saúde identificarem as mudanças, engajarem-se e planejarem adequadamente o suporte de autogestão de cada membro da família.

Outro estudo, com objetivo de conhecer a percepção do cuidador familiar acerca do exercício do papel de prestador de cuidados, identificou a necessidade de se estar preparado para assumir o cuidado ao outro como uma condição que determina a vontade em querer cuidar (Pereira & Silva, 2012). Isso também está de acordo com os resultados do presente estudo.

Um processo de transição implica o ajustamento do familiar à situação na qual está sujeito, demonstrado atitudes como buscar informação, idealizar estratégias, transformar o ambiente e ter uma postura proativa (Meleis, 2010; Meleis et al., 2000). Portanto, o enfermeiro, ao verificar que o familiar está se empenhando frente aos desafios de adquirir habilidades e que tem disponibilidade em definir-se e reconhecer-se como cuidador, constata que ele está passando pelo processo de transição de forma satisfatória, facilitando a adaptação ao papel de cuidador (Faucher & Garner, 2015).

Tornando-se um familiar cuidador. A adaptação mostra-se uma forte aliada no momento da transição do familiar para a execução do papel de cuidador de idoso com DP, permitindo que algumas questões internas se resolvam, tal como se pode ver na seguinte expressão:

Então, é que na doença dela as coisas vão acontecendo assim devagar, não é assim, rápida. É uma coisa que vai aumentando ao longo do tempo, então vamos acostumando-nos aos poucos. Não é um acontecimento que descobriu hoje e amanhã mudou completamente, é algo gradual. (F12)

A doença de Parkinson pode se desenvolver progressivamente, o que gera tempo para adquirir novas capacidades, alcançando novamente o controle da situação. Essa constatação é consistente com relatos na literatura, a exemplo do estudo de Martin (2015), em que os participantes mencionaram que requer tempo assumir a posição de ser o único a tomar decisões sobre o cuidado da pessoa com DP.

Outro fator identificado nos familiares, no tornar-se um cuidador, foi a aquisição de conhecimentos das práticas do cuidado a serem desenvolvidas com o passar do tempo e da dependência do idoso: “Pra ser cuidador você tem que ter um leque de conhecimentos que não é só ficar junto com a pessoa” (F1).

Resultados semelhantes foram encontrados em estudo realizado em clínica de distúrbios do movimento, no sudeste dos Estados Unidos, em que cuidadores afirmaram que cuidar de pessoas com DP é um processo, que precisa ser facilitado por apoio social dentro de grupos capazes de prepará-los para os desafios diários do cuidar (Abendroth et al., 2014). Nesse sentido, verifica-se que a transição para o exercício do papel de cuidador é um processo de adaptação que se faz a longo prazo, enquanto os familiares se adaptam à nova situação, assumindo o novo papel gradualmente, de acordo com a evolução das características clínicas da DP. Nesse contexto, Meleis (2010) explica que a transição é um processo lento, com duração variável ao longo do tempo, que implica ajustamento do familiar cuidador à nova condição, dotando-o de novas capacidades. Ainda, quanto ao tornar-se cuidador, contatou-se no estudo que o papel marital foi definido como auxiliar do processo de tornar-se cuidador, pois a noção de cuidado configura-se no processo de construção do relacionamento, como exposto por alguns parceiros:

Eu sempre tive a consciência de que sou o cuidador. Se eu casei é porque eu gosto da pessoa e vou assumir essa responsabilidade. Eu sempre pensei isso. (F1)

Porque não tem como, se tu moras, tu estás envolvido vendo o processo e naturalmente é você que é o cuidador diariamente, independente de doença. (F17)

Segundo Martin (2015), nem todos os parceiros de uma pessoa com doença crônica pensam em si como cuidador, sendo que alguns resistem ao termo, descrevendo o apoio que eles fornecem como parte natural do matrimônio.

Em outros estudos com cuidadores familiares, o cuidar do outro como dever também esteve implícito e apareceu prontamente nas relações afetivas, tanto de filhos e pais, quanto de cônjuges, com referências à vontade de continuarem os cuidados domiciliares, apesar da diminuição das capacidades funcionais e perda de autonomia física dos doentes (Pereira & Silva, 2012; Martin, 2015).

Resultado de estudo realizado na Suécia (Hellqvist & Berterö, 2015) revela que pacientes com DP e seus cônjuges necessitam e exigem apoio individual, prestado pelos enfermeiros especialistas em DP, com o objetivo de atenuar o impacto da doença na vida diária. Esse tipo de apoio exige que o enfermeiro especialista em DP tenha diversas habilidades e conhecimentos em diferentes áreas, a fim de realizar visitas para atender o paciente e o cônjuge, que incluiriam uma conversa para explorar a situação atual do casal, seguida por uma avaliação clínica das funções motoras do paciente no seu ambiente doméstico e dos sentimentos do cônjuge.

Os familiares cuidadores necessitam enfrentar e se adaptar ao seu papel de cuidar do dia-a-dia. O tempo em que a transição pode acontecer é variável e até mesmo indeterminado, passível de avanços e retrocessos, implicando reavaliações dos resultados durante todo o processo (Meleis et al., 2000).

Percebendo as mudanças significativas no estilo de vida. A doença provoca alterações na rotina da família, exigindo mudanças na dinâmica familiar. Essas mudanças apresentam-se como eventos que causam desarmonia e comprometimento na rotina, nas relações interpessoais e na percepção, configurando-se prejudiciais para a identidade da pessoa/família (Meleis et al., 2000).

O lazer sofre uma das primeiras alterações percebidas pelo familiar, que pode ser potencializada ao longo da instalação de novos sintomas e do aumento da relação de dependência (Martin, 2015). As principais atividades de lazer comprometidas ou interrompidas devido à doença, relatadas pelos participantes do presente estudo, foram momentos de diversão, viagens e esporte:

Mas agora com a doença dela não dá mais para viajar. (F1)

Eu gostava muito de ter uma rotina de esporte, gostava muito de ir para academia, de estar ali. (F5)

Bom, a parte de lazer a gente não tem mais (...). Nessa situação que estamos hoje não estamos viajando. Mas a gente viajava muito. (F11)

Seguindo com a abordagem qualitativa, outras pesquisas com familiares de portadores de doenças crônicas corroboram os achados deste estudo, ao encontrarem em seus resultados que os familiares mudam suas rotinas e aumentam a carga de trabalho ao assumir o papel de cuidador familiar (Martin, 2015; Mora-López et al., 2015; Pinto & Nations, 2012). A incapacidade da pessoa com DP para viajar e engajar-se em outros passatempos é considerada uma das maiores frustrações relatadas pelo familiar cuidador quando se trata de perda de lazer. Portanto, ter que desistir de atividades de lazer pode ter implicações devastadoras na identidade (Martin, 2015).

Apesar das transições implicarem em modificações, nem sempre essas se relacionam com o processo de transição. Entretanto, é fundamental para o processo que o familiar reconheça quais alterações estão ocorrendo em sua vida após o evento, configurando-se como indicador positivo para os profissionais de saúde durante a avaliação (Chick & Meleis, 1986). Outra mudança que a doença pode ocasionar refere-se às alterações gerais no estilo de vida, cuidado pessoal e bem-estar do familiar:

Teve uma época que a gente caminhava bastante, mas agora devido aos problemas dela, nem ela, nem eu caminhamos. (F1)

Com a doença tudo mudou, tudo mudou. (F5)

Às vezes a gente perde aquela coisa de estar se cuidando, ir ao cabelereiro, fazer uma unha, você vai perdendo o ânimo para as coisas pessoais. Então querendo ou não, muda. (F11)

A presença da DP impacta a qualidade de vida da pessoa que a apresenta e também do seu familiar cuidador. Isso porque os sintomas, em muitos casos, dificultam a capacidade da pessoa de manter atividades de lazer; e, quando essas atividades são compartilhadas, como no caso dos casais, os parceiros sofrem com sua interrupção (Martin, 2015).

Concorda-se com Meleis et al. (2000) que, para se perceber absolutamente o processo de transição, é indispensável esclarecer as implicações e significados das mudanças que ele abarca, uma vez que estas, isoladamente, não necessariamente provocarão o processo de transição. Entretanto, são consequências que devem ser avaliadas pelo profissional. Os sentimentos também foram apresentados pelos participantes como outro aspecto que muda ao longo do processo:

Claro que o impacto de saber da doença teve mudanças no nosso dia a dia com relação à preocupação, de sentimentos, de querer estar mais próximo, sabe? Acho que isso mudou muito, não só em mim, mas na minha irmã também. (F2)

Mudou pouca coisa. Mudou mais a preocupação, porque a gente fica mais tensa por causa de uma doença assim nessa idade. (F13)

Um estudo explorando experiências psicossociais dos companheiros de pessoas com DP constatou que um dos pricipais sentimentos adquiridos pelos cônjuges é a responsabilidade. Contudo, o assumir cada vez mais responsabilidade é o aspecto desafiador da convivência com a doença (Martin, 2015).

Cuidadores familiares relataram a necessidade de acompanhamento para lidar com as mudanças no estilo de vida e relacionamento, planejamento futuro e estratégias de bem-estar, devido ao potencial risco de tensão sofrida ao cuidar de pessoas com DP, por causa da imprevisibilidade da apresentação dos sintomas (Lageman et al., 2015). Logo, é responsabilidade dos profissionais de saúde amenizar o impacto da doença para o paciente e família, visto que o convívio com a DP afeta e envolve a pessoa que tem a doença e todos à sua volta, representando o início de um novo processo na vida para todos (Peternella & Marcon, 2009). Processos de transição saudáveis denotam uma reestruturação de rotinas de vida, em resposta à nova situação, que permite ao cuidador recuperar a percepção de que sua vida é controlável e agradável (Meleis et al., 2000).

Acontecimentos e pontos críticos envolvidos na adaptação ao papel de cuidador. Alguns eventos podem marcar os membros da família durante a vivência com a DP, retardando ou comprometendo sua entrada no processo de transição. Na Teoria da Transição, esses eventos são conhecidos como acontecimentos e pontos críticos e são atributos da fragilização do indivíduo no início do processo, estando vinculados às propriedades de conscientização da mudança ou da diferença (Meleis et al., 2000).

Ao perceber os primeiros sinais e receber o diagnóstico de DP, o familiar cuidador pode vivenciar diversos acontecimentos e pontos críticos, que provavelmente influenciarão sua entrada no processo de transição, tais como a não aceitação dos sintomas iniciais, a peregrinação ao serviço especializado, os conflitos familiares e novos arranjos familiares. Neste estudo, os participantes realçaram a não aceitação inicial da doença, mesmo percebendo os sintomas iniciais:

(...) algumas coisas eu ia notando no dia a dia, como o esquecimento, uma dificuldade motora de fazer mais alguma coisa, então tudo isso a gente foi percebendo que não era só a idade, do envelhecimento normal, mas acabava deixando. (F3)

(...) mas só que já estava tendo alguns sintomas que a gente achava que era normal. Às vezes da idade, mas não queria pensar que era uma doença. (F5)

Porque até cair a ficha do familiar demora, reconhecer que está com problema, aí a gente correu, levou ela para o hospital. Mas depois entendemos que são aquelas coisas do Parkinson (...). (F19)

Dados semelhantes foram encontrados em estudo nacional (Peternella & Marcon, 2009) com pessoas com Parkinson e seu familiar mais próximo, demonstrando que a não aceitação e os sentimentos como tristeza, medo da dependência, depressão e decepção por saber o prognóstico incurável da doença são reações mencionadas, manifestando a dificuldade de se enfrentarem as mudanças frente à nova situação.

Associado a isso, outro acontecimento que pode comprometer o início do processo de transição dos familiares cuidadores de idosos com DP é a peregrinação ao serviço especializado para confirmação do diagnóstico e início do tratamento e acompanhamento. Essa se evidencia nas falas abaixo:

Mas assim, até chegar ali na APASC e na reabilitação, nós penamos muito por dois anos, só para ser encaminhado para um neurologista. (F6)

Então, como nós não temos plano de saúde, então fomos para o SUS, ficamos numa fila, demorou cerca de 2 anos para encaminharem para o neurologista e mais um ano para conseguir um exame, a ressonância e a tomografia. Uma peregrinação, não tem como, entrou naquele processo tem que esperar todas as etapas, (...) aí faz exame e só depois que vai ter um diagnóstico ou início de diagnóstico para poder medicar (...), tudo isso demora e a pessoa lá piorando. (F20)

Observa-se nos relatos que perceber os primeiros sintomas e alterações, procurar ajuda no serviço de saúde e ter que esperar um encaminhamento para um especialista a fim de confirmar o diagnóstico são eventos estressores na vida do núcleo familiar que vivencia a DP desde o início. Isso tanto para o paciente, que pode sofrer com a evolução e a piora do quadro clinico caso não receba acompanhamento especializado; como para o familiar, que acompanha a situação.

Do ponto de vista clínico, a incidência de problemas como burden em familiares cuidadores pode aumentar com a potencialização das alterações motoras e a instalação de sintomas não motores, como depressão e alucinações, na pessoa com DP. Assim, torna-se essencial o tratamento precoce desses fatores, a fim de se planejarem intervenções para reduzir a carga dos cuidadores de pessoa com DP, apoiando-os em seu papel de cuidador (Carod-Artal et al., 2013).

Em um sistema fragmentado, no qual os prestadores de serviços mudam regularmente e o início do tratamento é comprometido pelo sistema, cuidadores familiares são, muitas vezes, as únicas pessoas que experimentaram toda a trajetória da doença de um membro da família, principalmente na fase inicial (Levine, Halper, Peist, & Gould, 2010). Contudo, em se tratando de novas vivências de papéis, Meleis et al. (2000) afirmam que os enfermeiros devem estar presentes desde o início dos sintomas e a confirmação do diagnóstico, para preparar os indivíduos para a vivência das transições, facilitando o processo de desenvolvimento de habilidades e conhecimentos nas experiências das situações de saúde/doença.

Um terceiro aspecto do que pode ocorrer com os cuidadores de idosos com DP, configurando-se como ponto crítico, são os conflitos familiares, que podem prejudicar seu processo de adaptação em relação à doença, como se percebe nos discursos a seguir:

O doente reclama. Eu digo pela minha filha, vive reclamando quando a gente quer ajudar. (F4)

Está certo que com a doença a gente às vezes entra em atrito, porque é comum para o cuidador achar que a pessoa doente está de manha, que está enfeitando a coisa de uma maneira que não é. (F17)

De acordo com Martin (2015), os parceiros às vezes têm dificuldade em manter sua paciência com as pessoas com DP e acabam frustando-se e discutindo por questões relacionadas à doença ou pelo cuidado necessário a elas. Entre os familiares, os conflitos podem denotar a necessidade de um novo arranjo familiar para o cuidado. Uma mãe cuidadora explicou esse tipo de evento da seguinte maneira:

A vida dela é muito atrapalhada, sabe. Porque minha neta, que é uma menina nova e podia estar cuidando da mãe direito, não quis fazer isso. Não fazia a comida, não ajudava em casa, então tivemos que arrumar as coisas, porque quando fui lá vi minha filha definhando, abatida. Foi por isso que eu tive que arrumar a casa dela, falar que não dava mais certo minha neta morar com ela e ficar responsável como acompanhante dela. Na verdade, distribui algumas coisas com minhas outras duas filhas. (F4)

Portanto, enfermeiros e outros profissionais de saúde devem examinar quaisquer mudanças nas rotinas de saúde da família e estarem atentos para quando os cuidadores expressarem necessidade de mudança nos arranjos de cuidados, o que pode ser um sinal antecipado para avaliação imediata e direcionamento para a assistência adequada (Mclennon, Habermann, & Davi, 2010).

Ressalta-se que doenças crônicas originam diversas mudanças na vida da família, entretanto, nem todas as mudanças na família surgem da DP. Os profissionais de saúde devem saber identificar quais modificações dos arranjos familiares estão ocorrendo devido à doença, quais já estavam iniciadas antes do diagnóstico e quais ocorreram durante o processo de transição, mas que não foram desencadeados pela DP.

Os acontecimentos e pontos críticos devem ser avaliados, pois podem acontecer na entrada do processo de transição, bem como durante a passagem da transição. Quando ocorrem durante o processo de transição, esses acontecimentos e pontos críticos podem ser condicionantes inibitórios para a transição saudável e, se não corrigidos, podem tornar a transição traumática.

Considerações Finais

Apesar de já existirem estudos sobre familiares cuidadores de pessoas com outras doenças crônicas, este estudo revela que a transição de um membro da família para tornar-se cuidador de idoso com DP é um processo complexo, que envolve diversas fases e depende de diferentes fatores relativos ao contexto familiar, fornecendo uma compreensão aprofundada das experiências de transição situacional dos participantes.

Foi possível identificar que a transição para o papel de cuidador de idosos com DP inicia-se com a conscientização dos primeiros sintomas e do diagnóstico da DP, bem como das mudanças que a doença do outro acarreta em si, interferindo em sua rotina diária. A adaptação ao novo papel caracteriza-se pelo envolvimento com as ações de cuidar e tem um tempo individualizado para ocorrer, podendo ser comprometida por eventos familiares ocorridos nas fases de entrada e passagem da transição. O referencial teórico utilizado facilitou identificar o estabelecimento de uma relação do profissional de saúde com o familiar que experimenta o momento de transição para a situação de cuidar, contribuindo para a compreensão da percepção do outro.

Algumas limitações reconhecidas neste estudo incluem o uso de uma amostra de conveniência reduzida, bem como a participação de familiares que cuidavam de idosos em diversas fases da DP. Contudo, por se tratar de um processo, consideramos ser importante analisar isoladamente as mudanças ocorridas em cada fase da doença. Associado a isso, o estudo foi realizado com o olhar voltado para a transição do familiar cuidador de idosos. Entretanto, apesar da DP ser uma doença ligada ao envelhecimento, não é exclusiva desse estágio da vida, podendo ser diagnosticada em indivíduos jovens. Logo, há a necessidade de pesquisas de caráter longitudinal para reexaminar os resultados e verificar se há diferença na transição do familiar para o papel de cuidador quando a pessoa que recebe cuidado é jovem.

Contudo, mesmo com as limitações presentes, foi possível avaliar as experiências diárias dos participantes, conforme eles as percebem. Essas informações são de valor inestimável para compreender o impacto e a repercussão da vivência diária do familiar cuidador, ao exercer os cuidados ao idoso com doença de Parkinson.

Pelos resultados do estudo, considera-se pertinente identificar os focos específicos de atenção dos profissionais de saúde nas diversas fases do processo de transição para o exercício de papel de cuidador de um familiar com DP. Assim, instiga-se a necessidade de discussões e a realização de novas investigações sobre a temática, a fim de se compreenderem as diversas dimensões envolvidas no contexto da família que vivencia a doença de Parkinson. Da mesma forma, destaca-se a importância do estudo aprofundado das atribuições do enfermeiro como agente facilitador dos processos de transição do familiar para o desempenho do papel de cuidador de idoso com DP, bem como outras doenças neurodegenerativas, considerando os cuidados e o enfoque abrangente das experiências individuais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2016
  • Revisado
    12 Out 2016
  • Aceito
    05 Jan 2017
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