Resumos
Dois experimentos compararam o desempenho de jovens e idosos nos testes de recuperação livre, recuperação com pista extra-lista e recuperação com pista intra-lista. No primeiro experimento, foi avaliada a influência da complexidade da tarefa, do tempo de apresentação dos estímulos e da faixa etária sobre a recuperação livre de palavras apresentadas no contexto de sentenças. No segundo, jovens e idosos foram comparados para verificar os efeitos da complexidade da tarefa, do tipo de teste, do tamanho do conjunto do alvo e da força associativa da pista sobre a memória de palavras no contexto de sentenças do teste de recuperação com pista extra-lista e intra-lista. Os resultados mostraram uma redução na evocação em função do aumento da idade dos participantes. Também indicaram que a magnitude da diferença variou, dependendo do tipo de teste de memória aplicado e da presença de contexto relacionado ao alvo durante a codificação.
memória de idosos; complexidade da tarefa; teste de memória
Two experiments tested young and elderly participants in free recall, intra-list and extra-list cued recall. The first study investigated the effects of task complexity, age and stimulus presentation rate on free recall of words presented within sentences. In the second experiment cued recall for words were investigated as a function of age, type of memory test, target set size and associative strength. The results revealed poorer recall for older than younger people. This difference varied according to the type of memory test and to the presence of context related to targets during encoding.
aging; memory; task complexity; test of memory
Aging and memory in complex tasks
Terezinha de Jesus C. G. van Erven; Gerson A. Janczura2
Universidade de Brasília
RESUMO
Dois experimentos compararam o desempenho de jovens e idosos nos testes de recuperação livre, recuperação com pista extra-lista e recuperação com pista intra-lista. No primeiro experimento, foi avaliada a influência da complexidade da tarefa, do tempo de apresentação dos estímulos e da faixa etária sobre a recuperação livre de palavras apresentadas no contexto de sentenças. No segundo, jovens e idosos foram comparados para verificar os efeitos da complexidade da tarefa, do tipo de teste, do tamanho do conjunto do alvo e da força associativa da pista sobre a memória de palavras no contexto de sentenças do teste de recuperação com pista extra-lista e intra-lista. Os resultados mostraram uma redução na evocação em função do aumento da idade dos participantes. Também indicaram que a magnitude da diferença variou, dependendo do tipo de teste de memória aplicado e da presença de contexto relacionado ao alvo durante a codificação.
Palavras-chave: memória de idosos; complexidade da tarefa; teste de memória.
ABSTRACT
Two experiments tested young and elderly participants in free recall, intra-list and extra-list cued recall. The first study investigated the effects of task complexity, age and stimulus presentation rate on free recall of words presented within sentences. In the second experiment cued recall for words were investigated as a function of age, type of memory test, target set size and associative strength. The results revealed poorer recall for older than younger people. This difference varied according to the type of memory test and to the presence of context related to targets during encoding.
Key words: aging; memory; task complexity; test of memory.
Os idosos convivem com tarefas diárias realizadas, muitas vezes, simultaneamente. Por exemplo, com o objetivo de reabastecer a despensa, verificam os produtos em falta; enquanto decidem sobre o cardápio do dia, respondem a perguntas de alguém ou calculam quanto vão gastar, entre outras coisas. Estas tarefas concorrentes, que variam quanto à complexidade, podem influenciar a lembrança no momento em que vão às compras. Nestas circunstâncias, sem a ajuda de mecanismos como pistas ou organização da informação, é provável que os idosos esqueçam mais itens da lista de compras do que os indivíduos mais jovens. Esta expectativa baseia-se em pesquisas cujos resultados mostraram que o desempenho da memória dos idosos é deficiente em tarefas de alta complexidade, que exigem preservação dos mecanismos de inibição, de supressão e de processamento da informação (Brébion, Ehrlich & Tardieu, 1995; Gick, Craik & Morris, 1988; Salthouse, 1992). Além disso, demonstrou-se que a complexidade da tarefa produz grandes diferenças no desempenho da memória entre aqueles grupos. Estes resultados sugerem que o estudo das interações entre níveis de complexidade da tarefa e fatores, como carga de memória concorrente e limite de tempo para realização da tarefa, poderia contribuir para a compreensão das dificuldades de memória observadas em idosos. Este estudo tem por objetivo investigar interações entre níveis de complexidade e variáveis que afetam a codificação, como o tempo de exposição aos estímulos, pistas apresentadas durante a fase de estudo e aquelas relacionadas à evocação, assim como diferentes demandas processuais.
Tarefas complexas são mais difíceis porque aumentam a quantidade de processamento simultâneo na memória de trabalho. Seus efeitos têm sido avaliados com testes de espaço de memória que têm a finalidade de produzir uma carga completa de memória enquanto observam-se os efeitos da tarefa concorrente. Para isto, são realizados testes seqüenciais variando-se a quantidade de itens, de tal modo que a primeira tentativa contém o mínimo de informação e a última corresponde à quantidade máxima que o participante consegue reter na memória. O objetivo deste procedimento é testar os efeitos do processamento da informação nos vários níveis de espaço de memória e já foi extensivamente estudado e relatado na literatura (Daneman & Carpenter, 1980; Gick & cols., 1988; Salthouse, 1992, Salthouse & Babcock, 1991; Stine & Wingfield, 1990; Van der Linden, Brédart & Beerten, 1994; Verhaeghen, Marcoen & Goossens, 1993). Light e Anderson (1985) mediram o espaço de memória em função da idade e concluíram que a média de palavras recordadas pelos jovens era maior do que para os idosos. Entretanto, a diferença observada entre os grupos foi menor quando avaliadas em relação ao espaço de memória para sentenças. No entanto, resultados dos testes de espaço de memória podem, além de medir a capacidade de retenção da informação, refletir uma predisposição para a interferência. A origem deste efeito seria a codificação das listas anteriores que interferiria na lembrança da lista atual em pessoas com deficiência nos mecanismos inibitórios da memória de trabalho (Zacks & Hasher, 1997). Desta forma, para evitar possíveis efeitos de confusão (confounding effects) este trabalho não utilizou o teste de espaço de memória. Em vez disso, adotando os parâmetros para espaço de memória dos estudos apontados pela literatura, manteve a carga de memória máxima em todos os níveis dos fatores, variando-se o nível de complexidade da tarefa. Esta manipulação poderá revelar a influência de diferentes graus de sobrecarga de memória no funcionamento dos mecanismos de processamento da informação.
Para verificar o efeito da complexidade da tarefa, Gick e cols. (1988) introduziram em seu estudo sentenças simples positivas, consideradas de baixa complexidade, sentenças negativas, consideradas como de alta complexidade e listas de palavras isoladas. Com o objetivo de aumentar as demandas de processamento, solicitaram aos sujeitos que julgassem as sentenças como falsas ou verdadeiras e ensaiassem as últimas palavras das sentenças. Verificaram uma correlação negativa entre a acurácia das respostas de julgamento dessas sentenças e o número de palavras recuperadas. Isto sugere que não houve influência da divisão da atenção, mas uma dificuldade dos idosos para lidarem com a complexidade sintática das sentenças. Os resultados também mostraram que nas condições de listas de palavras, ou sentenças simples, as diferenças relativas à faixa etária foram de aproximadamente 10%. Este resultado é semelhante ao estudo de Salthouse (1991) que, utilizando medidas de cognição (por exemplo, velocidade de processamento, espaço de memória, raciocínio integrado), relatou uma diferença de 9% entre jovens e idosos. Entretanto, quando Gick e cols. (1988) aumentaram a complexidade, a diferença entre faixas etárias foi de 23%, similar ao relatado por Verhaeghen e Marcoen (1993). Em outro experimento, Morris, Gick e Craik (1988) aumentaram a dificuldade da prova tornando maior a lista de estudo e variando a complexidade gramatical das sentenças (positivas ou negativas e passivas ou ativas). Verificaram latências mais longas nos resultados dos idosos em relação aos jovens, quando as sentenças eram mais complexas.Esses estudos sugerem que idosos têm afetada a habilidade de processar a informação, principalmente se esta é complexa, porque em tarefas de divisão de atenção, eles procuram atender as duas, como numa negociação, dirigindo mais atenção à acurácia no julgamento que ao ensaio da memorização (Brébion & cols., 1995).
Van der Linden e cols. (1994) mostraram que, com grande carga de memória (listas longas de 12 itens), os indivíduos tiveram recuperação mais pobre, especialmente nos itens mais recentes da prova, o que implicaria em deficiência do funcionamento do executivo central de memória de trabalho, responsável pela seleção da informação. Quando os mecanismos inibitórios são pouco atuantes, um maior número de informações entra na memória de trabalho agregando-se àquelas que não são mais relevantes, mas que continuam ativas aumentando, assim, a freqüência de respostas inapropriadas (Hasher, Stoltzfus, Zacks & Rypma, 1991; Stoltzfus, Hasher, Zacks, Ulivi & Goldstein, 1993; Zacks & Hasher, 1997; Zacks, Radvansky & Hasher, 1996).
Os mecanismos inibitórios falhariam nos idosos porque eles apresentariam uma quantidade bem maior de informações ativas na memória de trabalho. No entanto, a amplitude de informação ativa pode ser reduzida com a ajuda de contexto significativo, como palavras no final das sentenças. Este contexto semântico adicional "limparia" a memória de trabalho dos idosos de informações às vezes mais recentes, embora desnecessárias para o momento (Hasher, Quig & May, 1997; Stoltzfus & cols., 1993). Além disso, o contexto pode servir como pista produzindo um aumento na ativação da informação relevante, diminuindo as conexões associativas com as informações irrelevantes (Zacks & cols., 1996). No entanto, de acordo com Light (1991), existem evidências de que as características semânticas da ativação não variam com a idade. Sendo assim, o uso de sentenças em lugar de dígitos ou palavras poderia melhorar a lembrança de jovens e idosos.
Os prejuízos causados por falhas na inibição podem, ainda, ser agravados se o tempo de apresentação dos estímulos for aumentado. Estudo realizado por Fontaine, Isingrini, Gauthier e Cochez (1991), com listas de palavras concretas de duas sílabas, mostrou que um tempo mais longo (cinco segundos) beneficia os jovens e permite o aumento de intrusões em idosos, reforçando a hipótese da deficiência no mecanismo de inibição da memória de trabalho. Stoltzfus e cols. (1993) sugerem que a lentidão geral de processamento dos idosos favoreceria a entrada de informações irrelevantes à prova. Por outro lado, Fontaine e cols. mostraram que redução no tempo de apresentação dos estímulos para três segundos foi prejudicial aos jovens, melhorando o resultado de idosos. Concluíram, então, que pouco tempo de exposição aos estímulos diminuía a acurácia da recuperação, enquanto que, com o tempo livre, o índice de recuperação era acompanhado do aumento significativo de intrusões.
O tipo de teste de memória é outro fator que pode influenciar o desempenho dos indivíduos. De acordo com Light (1991), nos testes que medem a complexidade da tarefa, as limitações da capacidade são especificas ao tipo de teste, refletindo a dificuldade da pessoa para integrar as informações. As várias descobertas da literatura sobre a origem das falhas de memória dos idosos sugerem que diversos fatores estão influenciando os resultados, uns mais do que outros, dependendo daqueles que são mais salientados pelo tipo de teste aplicado. A literatura revela uma diferença de cerca de 21% entre jovens e idosos em testes de memória explícita (Verhaeghen & Marcoen 1993). Esta diferença pode cair para 4% dependendo do tipo de teste de memória implícita utilizado (Graf, 1990).
Para medir os efeitos de variáveis sobre as memórias explícita e implícita pode-se usar os testes de recuperação com pista extra-lista e intra-lista. Nestes testes, as pistas servem para ativar as representações de palavras-alvo e inibir suas associadas, como foi demonstrado pelo Modelo Semântico-Sensorial de Nelson, Schreiber e McEvoy (1992). Nestes paradigmas, é possível perceber o efeito do tamanho do conjunto das palavras associadas à palavra-alvo, no qual alvos com número pequeno de associadas são mais prováveis de serem recuperados. Pode-se avaliar, também, o efeito da força associativa da pista, em que pistas fortemente associadas às palavras-alvo são mais prováveis de ativá-las (Nelson, McEvoy, Janczura & Xu, 1993).
McEvoy e Holley (1990) afirmaram que o desempenho de idosos nestas provas pode ser atribuído a deficiências no processamento semântico ou na codificação mais geral. Para Nelson e cols. (1992), a força da codificação semântica é uma função do tempo de codificação, de estratégias e do contexto. Esta força, no entanto, não interage com a ativação das conexões implícitas iniciadas pela pista do teste, porque esse processo precede a codificação explícita e não é afetado por ela, durante o estudo.
Outra explicação para a redução nos índices de recuperação dos idosos refere-se às falhas em conectar a informação alvo com a contextual de forma intencional (Denney & Larsen, 1994). Entretanto, dependendo do tipo de teste, como a recuperação com pista, os idosos podem utilizar informações de contexto para facilitar a codificação, diminuindo a diferença entre o seu desempenho e o dos jovens (Ferraro & Kellas, 1992; Hasher & cols., 1997). Isto porque a pista estaria funcionando como mecanismo inibidor, distinto do mecanismo que atua na seleção da atenção, pois os paradigmas usados em vários estudos (Hasher & cols., 1997; Nelson & cols., 1993; Zacks & Hasher,1997) para medir o efeito inibitório das informações irrelevantes para a prova são diferentes, refletindo enfoques diversos. A inibição produzida pela pista é observada nos testes de recuperação com pista extra-lista e intra-lista, nos quais verificam-se efeitos de memória explícita e implícita (Nelson & cols., 1993). Nelson e cols. admitem que a inibição é determinada pelo contexto da codificação e pelas trocas de atenção envolvendo mudanças nas operações de processamento. Essas trocas podem inibir associadas ativadas, assim como reativar associadas que foram inibidas pelo contexto semântico.
Várias pesquisas foram realizadas com idosos manipulando as condições que afetam a memória usando os paradigmas acima (McEvoy & Holley, 1990; McEvoy, Nelson, Holley & Stelnicki, 1992; McEvoy, Holley & Nelson, 1995; Holley & McEvoy, 1996). Esses estudos concluíram que quanto maior o número de associadas ativadas e codificadas, tanto maior a interferência dessas palavras na recuperação. Este efeito é aumentado, principalmente, quando há falhas no processo de seleção da informação por mecanismo inibitório da memória de trabalho (Zacks & Hasher, 1997), como se supõe acontecer com os idosos.
Pesquisa realizada por Nelson, Gee e Schreiber (1992), com jovens, encontrou o efeito do tamanho do conjunto do alvo quando os alvos apareciam no final de sentenças simples. Esse efeito também foi notado quando a pista estava presente na sentença, desde que fosse separada do alvo por algumas palavras (cerca de quatro palavras). Entretanto, a literatura não relata estudos com idosos testados com este paradigma com listas de sentenças, ou com tarefas que impliquem na divisão da atenção, como se propôs na presente pesquisa em que foram desenvolvidos dois experimentos.
EXPERIMENTO 1
O objetivo deste experimento foi investigar os efeitos da faixa etária, da complexidade da tarefa e do tempo de apresentação do estímulo sobre a recuperação livre de idosos. Muitos estudos foram realizados variando cada um desses fatores para verificar seus efeitos sobre a memória de jovens e idosos, entretanto, nenhum analisou como esses fatores atuam quando outro paradigma diferente de carga de memória é aplicado. Neste experimento, na condição de alta complexidade, a manipulação do julgamento da veracidade das sentenças permitiu um exame dos acertos nos julgamentos e dos tipos de erros na lembrança, como análise auxiliar na investigação das hipóteses de que o desempenho dos jovens seria superior ao dos idosos, a complexidade da tarefa influenciaria a memória para palavras, e o tempo de apresentação dos estímulos livre beneficiaria mais os participantes que o tempo limitado.
MÉTODO
Participantes
Cinqüenta idosos com idade entre 58 e 87 anos (média = 69,6 anos DP = 7,9). A escolaridade variou entre 5 e 18 anos (média de 13,3 anos DP = 2,6). Foram também selecionados 50 jovens com idade entre 18 e 29 anos (média = 21,8 anos DP = 3,4)3. Os jovens tinham 12 a 16 anos de escolaridade (média 13,6 anos DP = 1,7).
Os participantes foram avaliados quanto à fluência verbal (CEPA, 1952) e saúde geral (Goldberg, 1996). A fluência verbal média dos idosos foi de 52,8 (DP = 23,7) e dos jovens foi de 71,6 (DP = 16,9). Excluíram-se pessoas cujos resultados indicavam estresse ou depressão, sendo as médias observadas no Questionário de Saúde Geral 1,6 e 1,8 para idosos e jovens, respectivamente. Os idosos foram avaliados, também, através do Mini-Mental State Exam (Folstein, Folstein & McHugh, 1975), a fim de eliminarem-se casos de Alzheimer e demências em geral (média = 28,8).
Delineamento
Aplicou-se um delineamento fatorial misto 2 x 2 x 2, no qual manipularam-se "entre-sujeitos" os fatores faixa etária (jovens, idosos) e o tempo de apresentação do estímulo (tempo fixo de oito segundos, tempo livre) e intra-sujeitos, o fator complexidade da tarefa (alta, baixa).
Material
Duas listas de sentenças, uma para cada nível de complexidade da tarefa foram utilizadas. A palavra que ocupava a última posição à direita de cada sentença foi definida como alvo, e deveria ser recuperada na fase de teste. A lista de alta complexidade constava de 16 sentenças negativas. A estrutura das sentenças era simples (Clark, 1966) e incluía artigo, sujeito, partícula negativa, verbo, objeto ou advérbio, perfazendo entre 13 a 16 sílabas. Nesta condição, as palavras-alvo tinham entre três e quatro sílabas. As sentenças eram falsas ou verdadeiras. Por exemplo, nas sentenças "O bombeiro não salva as pessoas de incêndios" e "O astronauta não vai à lua de jangada" as palavras-alvo são "incêndios" e "jangada" as quais deveriam ser mantidas na memória para serem recuperadas imediatamente após a fase de estudo. A lista de baixa complexidade incluiu 12 sentenças simples que possuíam entre nove e dez sílabas. Todas as sentenças eram afirmativas e as palavras-alvo tinham entre dois e três sílabas (por exemplo "O gato correu atrás do rato" ou "O depósito pegou fogo"). Todas as sentenças foram apresentadas no tamanho de fonte 18 e seis sentenças adicionais foram utilizadas na fase de prática do experimento.
Procedimento
O teste foi realizado individualmente numa única sessão, utilizando-se um computador Macintosh. Os participantes realizaram duas tarefas: recuperação livre e julgamento de veracidade das sentenças. Na tarefa de julgamento de veracidade, os participantes deveriam decidir se as sentenças apresentadas, uma de cada vez, na tela do computador, eram falsas ou verdadeiras pressionando a tecla F ou V, respectivamente. Estas teclas encontravam-se num teclado numérico anexo ao computador. O experimento desenvolveu-se em duas etapas para os quatro grupos de sujeitos. A primeira etapa consistia de: instruções gerais, prática (seis sentenças), fase de estudo (12 ou 16 sentenças) e teste de recuperação livre. A segunda etapa foi semelhante à primeira. Estas etapas diferiram quanto ao nível de complexidade manipulado. Entre essas etapas aplicou-se o teste de fluência verbal. Após a segunda etapa, os participantes foram avaliados pelo Questionário de Saúde Geral além do Mini-Mental State Exam para os idosos.
Para cada participante, variou-se, aleatoriamente, a ordem de apresentação das condições geradas pelo cruzamento dos fatores tempo de apresentação do estímulo e complexidade da tarefa. Na condição tempo fixo/alta complexidade, cada sentença era exposta na tela do computador por oito segundos, mesmo após o participante produzir o julgamento de veracidade das sentenças. Após o término desse intervalo, outra sentença era apresentada. Na condição tempo livre/alta complexidade, o participante era instruído a julgar as sentenças pressionando as teclas V ou F após repetir as palavras-alvo em voz alta, quando desejasse trocar a sentença. Na condição de tempo fixo/baixa complexidade, a troca de sentenças era automática e, na de tempo livre/baixa complexidade, o participante apertava a barra de espaço quando desejava que outra sentença fosse apresentada na tela.
Durante a fase de teste, o participante foi instruído a verbalizar, em voz alta, a última palavra de cada sentença que lembrasse da lista estudada. Estas respostas eram registradas pelo experimentador.
Análise dos dados
Foram realizadas três ANOVAS adotando-se o intervalo de confiança de 95%: a primeira para avaliar os efeitos da faixa etária, da complexidade da tarefa e do tempo de apresentação do estímulo sobre a recuperação de palavras; a segunda, para verificar os efeitos dos mesmos fatores na taxa de erros da recuperação livre e uma terceira para analisar os efeitos da faixa etária, do tempo de apresentação do estímulo na acurácia do julgamento de veracidade das sentenças. Todos os resultados foram inicialmente transformados em porcentagem.
RESULTADOS
A hipótese de que haveria um efeito da faixa etária, da complexidade da tarefa e do tempo de apresentação do estímulo no teste de recuperação livre foi confirmada. Os Fs obtidos foram: F(1,96) = 50,49 MS = 22978,34 p = 0,000 para faixa etária; F(1,96) = 46,23 MS = 7376,05 p = 0,000 para complexidade da tarefa e F(1,96) = 12,16 MS = 5534,39 p = 0,001 para tempo de apresentação dos estímulos. Conforme esperado, a recuperação dos jovens (58,2%) foi superior à dos idosos (36,8%) apontando para uma diferença de 21,4%. A média de recuperação na tarefa de complexidade alta foi de 41,4%, ao passo que na tarefa de complexidade baixa foi de 53,6%. Os participantes apresentaram uma recuperação maior quando o tempo era livre (52,8%) do que quando o tempo máximo era de oito segundos (42,3%). As demais fontes de variação não alcançaram níveis significativos na análise de variância.
Análise dos erros na recuperação livre
Os tipos de erros observados foram: intrusões (por exemplo, lembrança de palavras das listas do treino ou da condição recuperada anteriormente) e recuperação de outras palavras das sentenças da lista que não eram palavras-alvo e de palavras que não constavam nas listas estudadas até o momento.
Previa-se que a quantidade de erros cometidos pelos idosos na recuperação das palavras seria superior a dos jovens. Esta expectativa foi corroborada pela análise da variância, F(1,96) = 6,07 MS = 619,82 p = 0,015. A porcentagem média de erros dos idosos (8,2%) foi quase o dobro da média do jovem (4,7%). A ANOVA não apontou para influências significativas da complexidade da tarefa e do tempo de apresentação do estímulo, ou sua interação, nos erros cometidos pelos participantes na recuperação livre.
Efeitos da faixa etária e tempo de apresentação
A análise da variância revelou que a faixa etária e o tempo de apresentação do estímulo influenciaram significativamente a acurácia do julgamento de veracidade das sentenças. Os Fs obtidos foram: F(1, 96) = 28,66 MS = 4641,01 p = 0,000 para a faixa etária, e F (1,96) = 22,70 MS = 3675,39 p = 0,000 para o tempo de apresentação do estímulo.
As médias indicaram que a porcentagem de acurácia na verificação das sentenças dos idosos (78,6%) foi menor que a dos jovens (92,2%) e que índices inferiores de acurácia no julgamento das sentenças estiveram mais associados à condição de tempo fixo (79,8%) do que ao tempo livre (91,5%). A ANOVA apontou, também, para uma interação entre faixa etária e tempo de apresentação do estímulo F(1,96) = 14,30 MS = 2316,01 p = 0,000 na tarefa de julgamento. Verificaram-se que as diferenças relativas à faixa etária foram significativamente maiores no tempo de apresentação fixo do que livre, conforme pode ser observado na Tabela 1 (LSD = 3,17 bicaudal).
O teste subseqüente de Fischer (LSD = 3,17 bicaudal) revelou que, apenas, para os idosos foi significativa a diferença entre tempo fixo versus livre. Comparando-se as médias em função da complexidade e do tempo de apresentação dos estímulos percebe-se que a recuperação dos idosos reduziu em 11% tanto no tempo fixo quanto no livre, quando houve julgamento, enquanto que o desempenho dos jovens decresceu em 17,8% no tempo fixo e 8% no tempo livre.
DISCUSSÃO
Os resultados do Experimento1 revelaram efeitos principais significativos da faixa etária, da complexidade da tarefa e do tempo de apresentação do estímulo na recuperação livre. É importante salientar que o procedimento usado para medir a complexidade da tarefa não utilizou múltiplas listas como o modelo de Daneman e Carpenter (1980), mas uma única lista para complexidade alta e outra para complexidade baixa. Nestas condições, portanto, os resultados revelaram que as diferenças entre as médias dos diversos níveis das variáveis, em geral, foram menores para os idosos do que para os jovens. Verificou-se, na análise dos efeitos da complexidade da tarefa, que idosos e jovens tiveram desempenho inferior quando a complexidade era alta. No entanto, mantiveram entre si a diferença relativa à faixa etária, nos dois níveis de complexidade, ou seja, seus resultados corresponderam aos encontrados em geral nos testes de recuperação livre ou com pista (Verhaeghen & Marcoen, 1993). Isto sugere que a complexidade afetou similarmente a recuperação dos dois grupos e que a complexidade baixa, independentemente de outras variáveis, não foi responsável pelo rendimento significativamente superior dos participantes nesta condição e, ainda, que os jovens, ao contrário dos idosos, beneficiaram-se do tempo livre e esta condição produziu uma diferença significativa entre os dois grupos.
A análise dos erros ilustra essas diferenças, uma vez que os idosos erraram mais que os jovens, como era esperado. Os jovens produziram mais erros na condição de baixa complexidade/tempo fixo e tiveram maior recuperação na baixa complexidade/tempo livre. Os idosos apresentaram maior porcentagem de recuperação e maior número de erros na baixa complexidade/tempo livre.
É provável que o tempo fixo, na condição de complexidade alta, tenha prejudicado os jovens em relação à organização e ensaio das palavras, levando-os a cometer erros, o que não se verificou na complexidade baixa. Já para os idosos, sob as mesmas condições de complexidade, o tempo livre teria desfavorecido a recuperação. Isso poderia ser explicado pela diminuição na capacidade para inibir as informações irrelevantes em idosos, conforme verificou Zacks e Hasher (1997). Ou seja, o aumento de tempo para processar o estímulo pode ter permitido maior número de intrusões concorrendo com informações relevantes para o teste (Fontaine & cols., 1991), quando o tempo de apresentação dos estímulos foi manipulado com sujeitos idosos.
Supõe-se que o tempo gasto pelos idosos nos julgamentos da veracidade das sentenças na condição de tempo fixo tenha evitado o acesso de informações irrelevantes à prova, explicando o menor número de erros observados nessa condição. É possível que os idosos tenham dedicado grande parte do tempo para entender e julgar as sentenças, em detrimento da organização e do ensaio dos itens a serem memorizados, produzindo resultados inferiores aos dos jovens na evocação das palavras.
Finalmente, pode-se verificar que duas variáveis influenciaram independentemente o desempenho dos idosos no teste de recuperação livre: o tempo de apresentação dos estímulos (pois o uso do tempo disponível pelos idosos, ao contrário dos jovens, não foi efetivo para facilitar a recuperação de palavras) e a complexidade alta da tarefa. Este fator sugere uma deficiência não na retenção dos itens na memória, mas no funcionamento dos mecanismos da memória de trabalho, ligados especificamente ao processamento da informação, isto é, a manipulação das informações que envolvem atenção, compreensão da linguagem e raciocínio (Baddeley, 1992). É provável que a diferença de desempenho, relativa à faixa etária, tenha salientado duas origens diversas de deficiência na evocação dos idosos em medidas de memória de trabalho. Na alta complexidade, as falhas teriam sido decorrentes de insuficiência de recursos para processar duas informações simultâneas, mesmo quando havia tempo disponível, compelindo os participantes a prestarem mais atenção a um componente da prova considerado mais difícil em detrimento do outro (Brébion & cols., 1995) enquanto que, na baixa complexidade e, principalmente na condição de tempo livre, muitas informações irrelevantes permaneceram ativas devido à falhas dos mecanismos inibitórios da memória de trabalho dos idosos reduzindo sua evocação (Zacks & Hasher, 1997).
EXPERIMENTO 2
Teve como objetivo verificar os efeitos da faixa etária, da complexidade da tarefa e do tipo de teste na memória. Os testes de recuperação com pista extra-lista e com pista intra-lista foram utilizados com a finalidade de observar o efeito da complexidade da tarefa quando o tipo de teste proporciona um recurso semântico que é a pista. Além disso, este experimento permitiu verificar a influência da presença de dois tipos de contexto significativo relacionado à palavra-alvo na memória para palavras. Um contexto refere-se àquele formado pela pista e o alvo que integram o mesmo conjunto de associadas (Nelson & cols., 1998). O outro contexto semântico corresponde às demais palavras da sentença que estão sintaticamente e semanticamente relacionadas, mas não estão obrigatoriamente associadas segundo as normas de Nelson e colaboradores.
MÉTODO
Participantes
Cem participantes foram aleatoriamente designados para quatro grupos de 25 pessoas cada um. Dentre estes, 50 eram idosos, com idade entre 60 e 85 anos (média = 69,5 anos DP = 5,5) e escolaridade entre 5 e 18 anos (média = 14,4 anos DP = 3,4) e, 50 eram jovens, entre 18 e 25 anos (média = 19,8 anos DP = 1,9) com escolaridade de 12 a 16 anos (média = 12,7 anos e DP = 0,6).
A fluência verbal média dos jovens foi de percentil 77,2 (DP = 13,5) e dos idosos foi de percentil 58,8 (DP = 21,5). Quanto à saúde geral, a média dos jovens foi de 1,9 e dos idosos de 1,6 e a média dos resultados do Mini-Mental State Exam dos idosos foi de 28,6 pontos.
Delineamento
Aplicou-se um delineamento fatorial misto 2 x 2 x 2, no qual manipularam-se a faixa etária (jovens e idosos) e o tipo de teste (recuperação com pista extra-lista e recuperação com pista intra-lista) entre-sujeitos e a complexidade da tarefa (alta e baixa) intra-sujeitos. Na condição de teste de recuperação extra-lista, manipulou-se, intra-sujeitos, o tamanho do conjunto do alvo em dois subníveis: conjuntos grandes e pequenos e, na condição de teste de recuperação intra-lista, manipulou-se a força associativa da pista em dois subníveis (pista forte e pista fraca) intra-sujeitos.
Material
Os estímulos constavam de 56 sentenças, cuja última palavra foi definida como palavra-alvo. Além das palavras-alvo, outras 56 palavras foram utilizadas como pista. As sentenças eram divididas em 32 de alta complexidade e 24 de baixa complexidade. Todas as sentenças eram gramaticalmente semelhantes às descritas no Experimento 1. Dentre as 56 sentenças, 28 incluíam pista, a qual antecedia o alvo (por exemplo, na sentença "A monarquia não é um sistema de governo", a palavra sistema é a pista e governo, o alvo), ao passo que, nas outras sentenças, a pista estava ausente (por exemplo, na sentença "A multiplicação não é igual à subtração", a pista, divisão, foi apresentada somente durante o teste). As sentenças foram agrupadas em quatro listas de acordo com as condições produzidas pelo cruzamento dos níveis dos fatores.
As palavras-alvo foram selecionadas das normas de associação livre de Nelson e cols. (1998). As palavras-alvo das listas eram, na condição de teste extra-lista, em número de 28 sendo que metade tinha conjuntos pequenos de associadas (média = 6,1 palavras DP = 1,6) e as demais tinham conjuntos grandes (média 19,5 palavras DP = 2,5). Na complexidade alta, oito alvos tinham conjuntos grandes de associadas e oito pequenos. Na complexidade baixa, seis palavras tinham conjuntos grandes de associadas e seis conjuntos pequenos e foram apresentados para os grupos 1 (25 jovens) e 3 (25 idosos) numa mesma listagem. As pistas para as palavras da recuperação com pista extra-lista eram fracas (média = 0,03 DP = 0,01) e tinham um grande número de associadas (média = 19,8 DP = 2,2 palavras). A seleção desses estímulos teve por objetivo dificultar a recuperação e assim evitar a influência da força da pista sobre a evocação.
Na condição de teste intra-lista, a média do número de palavras associadas aos alvos foi 13,5 (DP = 4,5) e às pistas foi 14,9 (DP = 4,4). As pistas usadas no teste de recuperação intra-lista foram 28, das quais metade era fortemente associada aos respectivos alvos (média = 0,28 DP = 0,03) e as demais fracamente associadas (média = 0,02 DP = 0,1). Na complexidade alta, oito alvos foram associados a pistas fortes e oito a fracas. Na baixa complexidade, seis foram associados a pistas fortes, e seis a pistas fracas numa mesma lista que foi apresentada para os grupos 2 (25 jovens) e 4 (25 idosos). Todas as sentenças da condição intra-lista foram construídas para produzir o efeito de contexto, que se caracteriza pela presença da pista na sentença, localizada imediatamente anterior ao alvo. A presença de contexto elimina o efeito do tamanho das associadas do alvo (Nelson & cols., 1993).
Procedimento
Os participantes foram testados numa única sessão que se desenvolveu de forma similar ao Experimento1. Na instrução, o grupo de recuperação com pista intra-lista foi informado que as pistas estavam junto das palavras-alvo estudadas nas sentenças. Após a apresentação das sentenças, os participantes receberam orientação para lembrar e relatar as últimas palavras de cada sentença, na medida em que as pistas fossem aparecendo na tela do computador. Eles deveriam ler e relacionar, em voz alta, a pista com o seu respectivo alvo. Depois de lembrar o alvo, o sujeito deveria apertar a tecla de espaço para a apresentação da próxima pista. As pistas eram apresentadas em ordem aleatória. Os participantes foram orientados a chutar caso tivessem dúvida na resposta. Neste experimento, o tempo de apresentação dos estímulos e das respostas dos participantes foi livre. As pistas lidas na tela do computador e as respostas dos participantes eram anotadas pelo experimentador.
RESULTADOS
Efeitos da faixa etária, da complexidade da tarefa e do tipo de teste
A hipótese de que a faixa etária, a complexidade da tarefa e o tipo de teste teriam efeito sobre a memória de palavras foi confirmada pela ANOVA, cujos Fs foram os seguintes: F(1,96) = 46,95 MS = 20418,89 p = 0,000 para faixa etária; F(1,96) = 20,03 MS = 4239,69 p = 0,000 para complexidade da tarefa e F (1,96) = 93,94 MS = 40850,36 p = 0,000 para tipo de teste. O desempenho dos idosos foi inferior (51,6%) ao dos jovens (71,8%); a média de recuperação na condição de complexidade alta foi menor (57,1%) que na de complexidade baixa (66,3%) e a média obtida pelos participantes no teste com pista intra-lista foi maior (76%) que no teste com pista extra-lista (47,4%).
Esperava-se que os idosos teriam seus resultados inferiores aos dos jovens, em ambos tipos de teste e que no teste intra-lista, apresentassem resultados significativamente altos, de forma que esses valores representassem a menor diferença em relação aos jovens. Esta expectativa foi confirmada pela ANOVA, F(1,96) = 4,02 MS = 1750,36 p = 0,047. A média dos idosos (34,4%) no teste extra-lista foi inferior a sua média no teste intra-lista (68,9%). Os jovens também obtiveram média (60,5%) inferior no teste extra-lista comparados ao teste intra-lista (82,9%) (LSD = 4,92 bicaudal).
A análise da variância apontou uma interação significativa entre o tipo de teste e a complexidade da tarefa, F(1,96) = 5,71 MS = 1208,67 p = 0,019. A maior média foi obtida no teste intra-lista na condição de complexidade baixa (78,2%), e a menor média foi observada no teste extra-lista na condição de alta complexidade (40,4%). A recuperação no teste intra-lista na complexidade alta foi superior (73,9%) ao teste extra-lista na complexidade baixa (54,5%), sustentando a hipótese da interação entre o tipo de teste e a complexidade da tarefa. Todas as diferenças entre as médias foram significativas (LSD = 3,43 bicaudal).
Esperava-se, ainda, que o desempenho dos jovens seria superior ao dos idosos e que, independentemente do nível da complexidade da tarefa, os índices de recuperação dos idosos seriam maiores no teste intra-lista do que no extra-listra. Além disso, que a média de recuperação dos idosos na condição de alta complexidade seria menor do que na condição de baixa complexidade. Essas previsões foram confirmadas pela análise da variância, F(1, 96) = 4,60 MS = 975,36 p = 0,034. Os resultados mostraram, também, que para os jovens o teste intra-lista foi mais efetivo na condição de alta complexidade, contrariando a expectativa experimental, conforme pode ser visto na Tabela 2.
Esta tabela evidencia a superioridade de desempenho dos jovens sobre os idosos, a maior efetividade do teste intra-lista sobre a memória de palavras em relação ao extra-lista e, o desempenho inferior dos participantes na condição de complexidade alta em comparação a complexidade baixa.
As diferenças entre as porcentagens médias dos idosos no teste intra-lista e extra-lista quando a complexidade foi alta (35%), comparadas as dos jovens nas mesmas condições (32%) mostraram que, em relação à faixa etária, o tipo de teste intra-lista foi mais efetivo que o extra-lista na recuperação de palavras. Quando a complexidade foi baixa, a diferença entre as porcentagens médias dos idosos no teste intra-lista versus teste extra-lista (42,3%) e dos jovens nas mesmas condições (13,3%), indicou que o tipo de teste intra-lista beneficiou mais os idosos que os jovens nesse nível de complexidade (LSD = 3,4 bicaudal).
Efeitos da faixa etária, complexidade da tarefa e tamanho do conjunto do alvo
A análise da variância revelou que a faixa etária, a complexidade da tarefa e o tamanho do conjunto do alvo tiveram efeitos significativos sobre a lembrança de palavras. Os Fs obtidos foram: F (1,48) = 35,52 MS = 34452.86 p = 0,000 para faixa etária; F (1,48) = 24,820 MS = 9800,13 p = 0,000 para complexidade da tarefa, e F(1,48) = 8,14 MS = 2628,05 p = 0,006, para o tamanho do conjunto do alvo.
As médias indicaram que a porcentagem de recuperação dos idosos (34,4%) foi menor do que a dos jovens (60,6%), que índices superiores de recuperação foram obtidos na tarefa de baixa complexidade (54,5%) comparada a de alta complexidade (40,5%) e, por fim, que é mais provável a recuperação de palavras com um menor número de associadas (51,1%) do que palavras com um grande número de associadas (43,9%). Esses resultados confirmaram todas as expectativas experimentais para esses fatores.
A análise da variância confirmou, também, a hipótese de que independente da complexidade da tarefa, os participantes obteriam resultados superiores quando o número de associadas da palavra-alvo fosse pequeno e que os resultados da baixa complexidade seriam superiores aos da alta, F(1,48) = 11,882 MS = 3403,207 p = 0,001. Conforme previsto, na complexidade alta a lembrança de palavras de conjuntos pequenos foi maior (48,2%, DP = 2,97) que a de conjuntos grandes (32,7% DP = 2,88). Na complexidade baixa, no entanto, o tamanho do conjunto do alvo não produziu diferenças significativas.
Efeitos da faixa etária, complexidade da tarefa e força associativa da pista
A análise da variância revelou que a faixa etária e a força associativa da pista tiveram efeitos significativos sobre a memória para palavras. Os Fs obtidos foram: F (1,48) = 12,20 MS = 9683,86 p = 0,001 para faixa etária, e F(1,48) = 42.63 MS = 7503,12 p = 0,000 para força associativa.As médias indicaram que o desempenho dos jovens (82,8%) foi superior ao dos idosos (68,9%), e que os participantes tiveram médias superiores na condição de pista forte (82%) quando comparadas à pista fraca (69,7%).
A análise da variância indicou uma interação entre a faixa etária e força associativa da pista, F (1,48) = 6,18 MS = 1088,85 p = 0,016. Este resultado confirmou a hipótese de que, independentemente da faixa etária, pistas mais fortes produziriam maior recuperação do que pistas mais fracas, e que a diferença entre faixas etárias seria menor para pistas fortes. Conforme esperado, quando a pista foi fortemente associada à palavra-alvo, os jovens obtiveram valores mais altos (média, 86,6 DP = 10,4) que os idosos (média, 77,3 DP = 15,6). Quando a pista foi fracamente associada, a média de acurácia dos jovens foi 78,9 (DP = 17,6) e dos idosos 60,4 (DP = 17,5). Verificou-se, ainda, que pistas de diferentes níveis de força associativa produziram maiores diferenças na recuperação entre idosos do que entre jovens.
DISCUSSÃO
Nesse experimento, a complexidade da tarefa foi medida pelo teste de recuperação com pista extra-lista e intra-lista. Nesta situação, a porcentagem da evocação no teste de recuperação com pista intra-lista foi maior do que no teste de recuperação com pista extra-lista. Esses resultados sugerem que o estudo da pista junto à palavra-alvo favorece a inibição das palavras irrelevantes, salientando as relevantes (Nelson & cols., 1993; McEvoy & cols., 1992), além de anular a influência da alta complexidade dos estímulos sobre a sua lembrança.
Os resultados mostraram uma interação entre tipo de teste e complexidade da tarefa, confirmando as expectativas experimentais. Considerando que a complexidade alta aumenta a demanda de processamento da memória de trabalho, esperava-se que o desempenho, nesta condição, fosse inferior ao de complexidade baixa, principalmente no teste de recuperação com pista intra-lista, uma vez que a codificação do alvo junto com a pista forma um contexto que facilita a evocação. As diferenças entre os resultados dos participantes, cruzando-se os níveis de complexidade e o tipo de teste, sugerem que a estrutura do teste de recuperação com pista intra-lista reduziu significativamente a contribuição da complexidade da tarefa sobre a lembrança de palavras. No teste extra-lista, no entanto, em que a pista não é codificada junto com a palavra-alvo a estrutura do teste pode ter efeito facilitador bem reduzido dependendo da magnitude da força associativa da pista em relação à palavra alvo. Conclui-se, portanto, que a estrutura de cada teste pode produzir um contexto propício para a medida de determinadas variáveis que explicam parte das questões sobre o funcionamento da memória.
Verificou-se, também, que os idosos foram mais sensíveis que os jovens aos efeitos do contexto semântico produzido no teste intra-lista, indicando que eles são beneficiados pela presença de contexto na fase de estudo para que a inibição das associadas seja efetiva e, conseqüentemente, favoreça a recuperação das palavras-alvo. Nos resultados do teste extra-lista, no entanto, não se observou a magnitude de desempenho esperada. Uma análise da interação entre os três fatores mostrou que os níveis de complexidade não afetaram o desempenho dos jovens quando medido pelo teste de recuperação com pista intra-lista. Isto não foi observado para os idosos, apesar de seus resultados terem sido significativamente altos nos dois níveis de complexidade no teste intra-lista, quando comparados ao teste extra-lista. Neste teste, os jovens obtiveram resultados superiores na baixa complexidade em relação à alta, sugerindo que nesta primeira condição os mecanismos de ativação da pista foram mais efetivos para eles do que para os idosos. Estes dados indicam que a dificuldade de cada grupo esteve associada a causas diversas e sugerem que enquanto os jovens fixaram a atenção nas sentenças mais difíceis de julgar, os idosos estiveram envolvidos com a compreensão de todas as sentenças, valorizando mais esta tarefa em detrimento da memorização das palavras-alvo.
No teste de recuperação com pista extra-lista avaliou-se, também, o efeito do tamanho do conjunto de associadas do alvo. Os resultados da interação entre este fator, a faixa etária e a complexidade da tarefa revelaram que o efeito do tamanho do conjunto foi observado apenas para idosos. No caso dos jovens, o resultado encontrado foi oposto àqueles relatados na literatura. As pistas usadas neste teste, por questão de controle, eram fracamente associadas aos alvos. Apesar disso, esperava-se que o efeito do tamanho do conjunto determinasse os resultados dos jovens, sobretudo na tarefa de complexidade baixa em que a carga de memória é diminuída e não exige divisão de atenção.
O efeito da força associativa da pista na memória foi medido pelo teste de recuperação com pista intra-lista. A análise da interação entre este fator, faixa etária e complexidade da tarefa mostrou que os jovens, ao contrário dos idosos, tiveram desempenho similar nos diferentes níveis de complexidade. Este resultado sugeriu que o efeito da força associativa da pista, em relação aos jovens, praticamente anulou o efeito da complexidade da tarefa.Este experimento avaliou o efeito da complexidade da tarefa sobre a recuperação de palavras, quando o participante tem disponíveis recursos como uma pista fortemente associada à palavra-alvo ou um número pequeno de associadas do conjunto do alvo. Mostrou-se que, variando a complexidade da tarefa, a diferença relativa à faixa etária foi de 26% quando os sujeitos foram avaliados com o teste de recuperação com pista extra-lista, enquanto que essa diferença caiu para 13% se o teste era de recuperação com pista intra-lista.
Em relação ao teste intra-lista, a influência de dois recursos facilitadores distintos puderam ser avaliados. Quando a pista era fraca, o efeito do contexto de estudo (composto por pista e alvo) produziu uma diferença entre jovens e idosos de 18,5%, e quando foi forte, esta diferença foi reduzida para 9,3%. Enfim, mesmo quando a complexidade da tarefa foi manipulada, demonstrou-se que houve efeito do tamanho do conjunto do alvo e da força associativa da pista sobre a recuperação de palavras nos idosos.
CONCLUSÃO
O objetivo principal deste trabalho foi estudar o efeito de fatores considerados críticos (Kausler, 1994), na recuperação de palavras pelos idosos, e que seriam responsáveis em grande parte pelas diferenças de desempenho observadas entre jovens e idosos. Por este motivo, manipularam-se fatores que facilitam (por exemplo, contexto semântico) ou dificultam (por exemplo, complexidade da tarefa e o tempo de apresentação do estímulo) a recuperação para observar os seus efeitos no processo de evocação, através de diferentes medidas. Três tipos de teste de memória utilizados (recuperação livre e recuperação com pista extra-lista e intra-lista) produziram níveis diferentes de dificuldade para lembrar palavras permitindo perceber algumas deficiências básicas dos idosos e alguns fatores que beneficiam seu desempenho.
A complexidade da tarefa, medida pelo teste de recuperação livre sem verificação paralela do espaço de memória (Daneman & Carpenter, 1980), produziu efeito similar ao relatado na literatura (Gick & cols., 1988, Salthouse, 1992) em relação às diferenças relativas à faixa etária, podendo-se concluir que a lentidão cognitiva geral dos idosos (Salthouse, 1991) determinaria o funcionamento mais lento dos mecanismos inibitórios da memória de trabalho. Desta forma, estes mecanismos não atuariam em tempo para inibir e suprimir as informações irrelevantes (Stoltzfus & cols., 1993).
Tarefas complexas, medidas pelo teste de recuperação com pista intra-lista, neutralizaram a ação negativa da alta complexidade na lembrança dos sujeitos, provavelmente por causa da presença do contexto semântico durante a fase de memorização. É possível que o contexto semântico tenha fortalecido a ativação do alvo e a inibição de outras associadas, principalmente quando a pista era fortemente associada a ele (Nelson & cols.,1993) mostrando-se, portanto, efetivo na diminuição dos efeitos deletérios da complexidade da tarefa.
O uso da pista no teste de recuperação com pista extra-lista, no entanto, não favoreceu a evocação provavelmente porque as palavras-alvo foram codificadas pelos idosos junto com as irrelevantes, ou porque a pista, por ser fraca nesta condição e pertencer a dois conjuntos distintos, teria ativado palavras de outros conjuntos, às quais estava fortemente associada, em detrimento da primeira a que estava fracamente associada. Neste caso, a pista não favoreceu a lembrança, de tal forma que os resultados encontrados no primeiro experimento no teste de recuperação livre, cuja demanda é maior, foram superiores considerando-se condições similares. Estudos com categorias taxonômicas e faixa etária (Kausler, 1994) têm mostrado que a liberação da inibição acontece quando itens de uma categoria são seguidos de itens de uma outra categoria. Talvez um estudo posterior destas variáveis possa esclarecer essas possibilidades.
Recebido em 25.01.2003
Primeira decisão editorial em 16.03.2004
Versão ?nal em 23.03.2004
Aceito em 26.03.2004
Referências bibliográficas
- Baddeley, A.D. (1992). Working memory. Science, 255(5044), 556-559.
- Brébion, G., Ehrlich, M.F., & Tardieu, H. (1995). Working memory in older subjects: Dealing with ongoing and stored information in language comprehension. Psychological Research, 58(3), 225-232.
- Clark, H.H. (1966). The prediction of recall patterns in simple active sentences. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 5(2), 99-106.
- Daneman, M. & Carpenter, P.A. (1980). Individual differences in working memory and reading. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 19(4), 450-466.
- Denney, N.W. & Larsen, E.J. (1994). Aging and episodic memory: Are elderly adults less likely to make connections between target and contextual information? Journal of Gerontology: Psychological Sciences, 49(6), 270-275.
- Ferraro, F.R. & Kellas, G. (1992). Age related changes in effects of target orientation on word recognition. Journal of Gerontology: Psychological Sciences, 47(4), 279-280.
- Folstein, M.F., Folstein, S.E. & McHugh, P.R. (1975). "Mini-Mental State:" A practical method for grading the cognitive state of patients for clinician. Journal of Psychiatric Research, 12(3), 189-198.
- Fontaine, R., Isingrini, M., Gauthier, M. & Cochez, A. (1991). Aging memory: Nature and evolution. Cahiers de Psychologie Cognitive. European Bulletin of Cognitive Psychology, 11(3), 385-398.
- Gick, M., Craik, F., & Morris, R. (1988). Task complexity and age differences in working memory. Memory and Cognition, 16(4), 353-361.
- Goldberg, D.P. (1996) Questionário de saúde geral de Goldberg: manual técnico QSG: adaptação brasileira. L. Pasquali, V.V. Gouveia, W.B. Andriola, F.J. Miranda & A.L.M. Ramos. São Paulo: Casa do Psicólogo.
- Graf, P. (1990). Life-span changes in implicit and explicit memory. Bulletin of the Psychonomic Society, 28(4), 353-358.
- Hasher, L., Quig, M.B. & May, C. P. (1997). Inhibitory control over no-longer-relevant information: Adult age differences. Memory & Cognition, 25(3), 286-295.
- Hasher, L. Stoltzfus, E.R. Zacks, R.T. & Rypma, B. (1991). Age and inhibition. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition, 17(1), 163-169.
- Hollley, P.E. & McEvoy, C.L. (1996). Aging and inhibition of unconsciously processed information: no apparent deficit. Applied Cognitive Psychology, 10, 241-256.
- Kausler, D.H. (1994). Learning and Memory in Normal Aging. San Diego, California: Academic Press, Inc.
- Light, L.L. (1991). Memory and aging: Four hypotheses in search of data. Annual Review of Psychology, 42, 333-376.
- Light, L.L. & Anderson, P. (1985). Working memory capacity, age and memory discourse. Journal of Gerontology, 40(6), 737-747.
- McEvoy, C.L. & Holley, P. E. (1990). Aging and stability of activation and sampling in cued recall. Psychology and Aging, 5(4), 589-596.
- McEvoy, C.L., Holley, P.E. & Nelson, D.L. (1995). Age effects in cued recall: Sources from implicit and explicit memory. Psychology and Aging, 10(3), 314-24.
- McEvoy, C.L., Nelson, D.L., Holley, P.E. & Stelnicki, G.S. (1992). Implicit processing in the cued recall of young and old adults. Psychology and Aging, 7(3), 401-408.
- Morris, R.G., Gick, M.L. & Craick, F.I.M. (1988). Processing resources and age differences in working memory. Memory and Cognition, 16(4), 362-366.
- Nelson, D.L., Gee, N.R. & Schreiber, T.A. (1992). Sentence encoding and implicitly activated memories. Memory and Cognition, 20(6), 643-654.
- Nelson, D.L., McEvoy, C.L., Janczura, G.A. & Xu, J. (1993). Implicit memory and inhibition. Journal of Memory and Language, 32(5), 667-691.
- Nelson, D.L., McEvoy, C.L. & Schreiber, T.A. (1998). The University of South Florida word association, rhyme, on word fragment norms. Retirado de http://www.usf.edu/freeassociation
- Nelson, D.L., Schreiber, T.A. & McEvoy, C.L. (1992). Processing implicit and explicit representations. Psychological Review, 99(2), 322-348.
- Salthouse, T.A. (1991). Mediation of adult age differences in cognition by reductions in the working memory and speed of processing. Psychological Science, 2, 179-183.
- Salthouse, T.A. (1992). Why do adult age differences increase with task complexity? Developmental Psychology, 28 (5), 905-918.
- Salthouse, T.A. & Babcock, R.L. (1991). Decomposing adult age differences in working memory. Developmental Psychology, 27(5), 763-776.
- Stine, E.A.L. & Wingfield, A. (1990). How much do working memory deficits contribute to age differences in discourse memory? European Journal of Cognitive Psychology, 2(3) 289-304.
- Stoltzfus, E.R., Hasher, L., Zacks, R.T., Ulivi, M.S. & Goldstein, D. (1993). Investigations of inhibition and interference in younger and older adults. Journal of Gerontology: Psychological Sciences, 48(4), 179-188.
- Van der Linden, M., Brédart, S. & Beerten, A. (1994). Age-related differences in updating working memory. British Journal of Psychology, 85, 145-152.
- Verhaeghen, P. & Marcoen, A. (1993). Memory aging as a general phenomenon: Episodic recall of older adults is a function of episodic recall of young adults. Psychology and Aging, 8(3), 380-388.
- Verhaeghen, P. & Marcoen, A. & Goossens, L. (1993). Facts and fiction about memory aging: A quantitative integration of research findings. Journal of Gerontology: Psychological Sciences, 48(4), 157-171.
- Zacks, R.T. & Hasher, L. (1997). Cognitive gerontology and attentional inhibition: A reply to Burke and McDowd. Journal of Gerontology: Psychological Sciences, 52(6), 274-283.
- Zacks, R.T., Radvansky, G. & Hasher, L. (1996). Studies of directed forgetting in older adults. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition, 22(1), 143-156.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Jun 2004 -
Data do Fascículo
Abr 2004
Histórico
-
Aceito
26 Mar 2004 -
Recebido
25 Jan 2003