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A fenomenologia do inconsciente na obra de Machado de Assis

La phénoménologie de l’inconscient dans l’œuvre de Machado de Assis

La fenomenología del inconsciente en la obra de Machado de Assis

Resumo

Neste artigo buscamos, em primeiro lugar, elucidar como Machado de Assis desenvolveu a concepção de inconsciente no romance Helena (1876) e no conto Uma senhora (1883). Em segundo lugar, examinamos como sua concepção de inconsciente pode ser elucidada fenomenologicamente, a partir da relação entre consciência reflexiva e pré-reflexiva. Nestas narrativas, Machado revela como certas emoções, embora não sejam apreendidas reflexivamente pelo sujeito que as vive, manifestam-se indiretamente nas ações, nas expressões corporais e no modo de compreender o mundo.

Palavras-chave:
inconsciente; Machado de Assis; história da psicologia no Brasil; psicologia fenomenológica

Résumé

Dans cet article, nous examinons, d’abord, comprendre comment Machado de Assis a développé le concept de l’inconscient dans le roman Helena (1876) et le conte Uma Senhora (1883). En second lieu, nous cherchons à voir comment sa conception de l’inconscient peut être élucidée phénoménologiquement, par la relation entre la conscience réfléchie et la pensée préréflexion. Dans ces récits, Machado révèle comment certaines émotions, bien que non appréhendées par le sujet qui les vit, se manifestent indirectement dans les actions, les expressions corporelles et la compréhension du monde.

Mots-clés:
inconscient; Machado de Assis; histoire de la psychologie au Brésil; la psychologie phénoménologique

Resumen

En este artículo buscamos, en primer lugar, dilucidar cómo Machado de Assis desarrolló la concepción del inconsciente en la novela Helena (1876) y en el cuento corto Uma Senhora (1883). En segundo lugar, buscamos examinar cómo su concepción del inconsciente puede ser elucidada fenomenológicamente, a partir de la relación entre la conciencia reflexiva y la reflexión pre-reflexiva. En estas narraciones, Machado revela cómo ciertas emociones, aunque no reflexivamente aprehendidas por el sujeto que las vive, se manifiestan indirectamente en las acciones, en las expresiones corporales y en el modo de entender el mundo.

Palabras clave:
inconsciente; Machado de Assis; historia de la psicología en Brasil; psicología fenomenológica

Abstract

In this article we seek, firstly, to elucidate how Machado de Assis developed the conception of the unconscious in the novel Helena (1876) and in the short story Uma senhora (1883). Secondly, we examine how his conception of unconscious can be elucidated phenomenologically, from the relation between reflective and pre-reflective awareness. In these narratives, Machado reveals how certain emotions, although not reflectively apprehended by the subject who lives them, manifest indirectly in actions, in body expressions and in the understanding of the world.

Keywords:
unconscious; Machado de Assis; history of psychology in Brazil; phenomenological psychology

A presença do conceito de inconsciente no texto e contexto de Machado de Assis

Não é novidade entre seus críticos que Machado de Assis se interessou profundamente pela psiquiatria e pela filosofia romântica do século XIX. Isso pode ser constado, por exemplo, nos vários títulos de psiquiatria presentes no acervo de sua biblioteca pessoal (Jobim, 2001Jobim, J. L. (2001). A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro, RJ: Topbooks.), entre os quais encontramos obras de proeminentes psiquiatras como Théodule-Armand Ribot (1839-1916Ribot, T.-A. (1919). Les Maladies de la Personnalité. Paris: Felix Alcan. (Trabalho original publicado em 1885)), Henry Maudsley (1835-1918Maudsley, H. (1880). Le crime e la folie. (4ª ed.) Paris: Librairie Germer Baillière.), Marie Charles Joseph Bra (1854-1912Bra, M. (1883). Manuel de maladies mentales. Paris: Adrien Delahaye et Émile Lecrosnier Éditeurs.). Machado retratou ao longo de muitos contos e romances fenômenos psíquicos dos mais variados, como delírios, sonhos, obsessões, alucinações (Lopes, 1981Lopes, J. L. (1981). A psiquiatria de Machado de Assis. Rio de Janeiro, RJ: Agir.), além de examinar paixões como a vaidade, a inveja, o amor, o ódio, o remorso, o ciúme etc. Como se não bastasse, seu universo ficcional é povoado por uma variada tipologia, contando com sádicos, loucos, obsessivos, narcisistas e mesmo psicopatas (Freitas, 2001Freitas, L. A. P. (2001). Freud e Machado de Assis: uma intersecção entre psicanálise e literatura. Rio de Janeiro, RJ: Muad., Lopes, 1981). O próprio Machado era um caso psiquiátrico, tendo ele, assim como Dostoiévski, a doença dos deuses, a epilepsia, que lhe trouxe experiências extremas da consciência (Junior, 1938Junior, P. (1938). Doença e constituição de Machado de Assis. Rio de janeiro, RJ: José Olympio.). Tudo isso, somado a sua vasta cultura literária e filosófica, contribuiu para Machado alcançar uma elaborada concepção da vida psíquica, concepção essa que ele vai aperfeiçoando ao longo de sua carreira literária.

Esse gosto de Machado pela psicologia e pela psiquiatria não era, entretanto, privilégio seu. Na segunda metade do século XIX, a psicologia ocupa cada vez mais espaço não só na vida europeia, mas também na vida brasileira, especialmente na classe média letrada urbana, como se pode observar no espaço crescente das seções destinadas à psicologia nos jornais e nas revistas da época (Massimi, 1990Massimi, M. (1990). História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. São Paulo, SP: E.P.U.). Além disso, o movimento romântico do século XIX tem como um de seus traços a tendência a explorar o lado obscuro e as forças irracionais do indivíduo (Ellenberger, 1991Ellenberger, H. (1991). La scoperta dell’inconscio. Torino, Italia: Bolati Bognieri.).

Atualmente, há estudos que buscam mostrar como Machado, ao longo de suas obras, elaborou uma complexa concepção de inconsciente1 1 Devemos notar que Schwarz (1997), em seu estudo clássico Um mestre na periferia do capitalismo, não deixou de ser sensível ao tema do inconsciente na obra de Machado de Assis. Para ele (p. 89, 1997), Machado “casava temas novos da filosofa europeia do inconsciente à situação histórica da elite brasileira”. Contudo, Schwarz não oferece um tratamento sistemático do tema do inconsciente. Nesta ocasião, buscamos explicitar a concepção de Machado e mostrar que ela pode ser interpretada de acordo com a fenomenologia. Devemos mencionar, entretanto, que esse “casamento” entre a situação da elite brasileira e o tema do inconsciente revela-se como uma interessante vereda a ser explorada. (Barbieri, 1998Barbieri, I. (1998). O cônego ou a invenção da linguagem. Revista Tempo Brasileiro, 133/134, 23-34., Freitas, 2001Freitas, L. A. P. (2001). Freud e Machado de Assis: uma intersecção entre psicanálise e literatura. Rio de Janeiro, RJ: Muad., Leite, 2002Leite, D. M. (2002). Psicologia e literatura. (5a ed.). São Paulo, SP: Nacional & Edusp., Peres & Massimi, 2004Peres, S. P., & Massimi, M. (2004). Representações do conceito de inconsciente na obra de Machado de Assis. Memorandum, 7, 128-137. Recuperado de bit.ly/2GRbAuM
bit.ly/2GRbAuM...
, Peres, 2016Peres, S. P. (2016). A literatura e a história da psicologia: o caso Machado de Assis. In S. P. Peres, & R. M. Assis (Orgs.). História da psicologia: tendências contemporâneas (pp. 191-206). Belo Horizonte, MG: Artesã.). No que concerne ao problema do inconsciente, um dos contos mais citados e analisados é O cônego ou metafísica do estilo, de 1885 (Peres & Massimi, 2004, Peres 2016, Barbieri, 2001Barbieri, I. (2001). O “lapso” ou uma psicoterapia de humor. In Jobim, J. C. (Org.). A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro, RJ: Academia Brasileira de Letras; Topbooks.). Neste conto o narrador apresenta a teoria, grandiloquente e jocosa, de acordo com a qual a fonte da inspiração poética ocorre no inconsciente. Há passagens extremamente ricas, como:

Agora, porém, o caminho é escuro. Passamos da consciência para a inconsciência, onde se faz a elaboração confusa das ideias, onde as reminiscências dormem ou cochilam. Aqui pula a vida sem formas, os germens e os detritos, os rudimentos e os sedimentos; é o desvão imenso do espírito. (Assis, 2004Assis, J. M. M. (2004b). Obras completas (Vol. II). Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar.a, p. 275)

Como mostra Barbieri (1998Barbieri, I. (1998). O cônego ou a invenção da linguagem. Revista Tempo Brasileiro, 133/134, 23-34.), tal conto foi escrito sob a inspiração da obra do alemão Eduard von Hartmann, Filosofia do inconsciente, de 1877Hartmann, E. (1877). Philosofie de l’inconscient. Paris: Librairie Germer Baillière.. No acervo da Biblioteca Machado de Assis, encontramo-la na tradução francesa de 1881 (Jobim, 2001Jobim, J. L. (2001). A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro, RJ: Topbooks.). Há vários indícios de que Machado a leu em meados da década de 1880. Vale mencionar que a obra de Hartmann (1877) foi amplamente debatida no final do século XIX, para em seguida cair no esquecimento. Não obstante, ela apresenta algumas ideias bastante interessantes e provocadoras, como a de que o inconsciente se distingue em três níveis: individual, social e cósmico (Hartmann, 1877).

Embora a obra de Hartmann seja, no que concerne à concepção de inconsciente, uma clara inspiração para Machado, o seu interesse não começou com a leitura da obra do filósofo alemão. Já em seu segundo romance, Helena, de 1876, Machado trabalhou a concepção de que o ser humano é influenciado por uma dimensão que escapa à consciência. Nesta obra encontramos Estácio, um jovem que vai aos poucos se apaixonando, sem tomar consciência, por sua bela irmã bastarda, Helena. Como espero mostrar nas análises que seguirão, ainda que inconsciente, esse sentimento vai crescendo e se manifestando indiretamente de várias formas. Machado usa inclusive a expressão “inconsciente” para predicar o amor de Estácio. Trata-se de uma passagem em que um dos personagens do romance, o padre Melchior, diz para o rapaz: “Teu coração é um grande inconsciente” (2004a, p. 363).

Além dos fatores já mencionados, há outros que explicam por que Machado antecipou e elaborou uma rica concepção de inconsciente mesmo antes da publicação da Interpretação dos sonhos (1980), de Freud2 2 Em vários sentidos, embora estejamos propondo uma interpretação fenomenológica que visa compreender a descrição da consciência versus inconsciência machadiana através da chave autoconsciência pré-reflexiva versus autoconsciência reflexiva, devemos observar que o modo como Machado descreve a consciência antecipa, em certos aspectos, as distinções realizadas por Freud, na primeira tópica, entre inconsciente, pré-consciente e consciente. Existe, entretanto, certas limitações da aproximação. De acordo com Zahavi (1999), Freud opera com o conceito de consciência a partir do modelo reflexivo de autoconsciência. Ou seja, para Freud, um processo psíquico é consciente na medida em que é alvo da atenção. Gomes (2003, p.123) segue no mesmo sentido, ao afirmar que, para Freud, “Tornar-se consciente, para uma representação, significa, portanto, ser percebida por este sistema onde as excitações se produzem de maneira fugaz e sem deixar traço. Entre as representações do pré-consciente, só algumas são escolhidas pela atenção, a cada momento, para tornarem-se conscientes”. Devido ao recorte deste artigo, apenas indicamos tais aspectos, pois uma discussão detalhada deste tema promissor exigiria um extenso esforço investigativo. . Machado, assim como Freud, era um ávido leitor de Schopenhauer, cuja noção de vontade pode ser compreendida como uma força cósmica que escapa à plena consciência do indivíduo (Ellenberger, 1991Ellenberger, H. (1991). La scoperta dell’inconscio. Torino, Italia: Bolati Bognieri.). Machado era um admirador de Allan Poe e compartilhava com ele seu amor pelo lado obscuro da natureza humana. Conhecia os trabalhos de Darwin, com quem aprendeu a desconfiar da racionalidade humana e a prestar atenção às estratégias dos instintos. Com Pascal (2004Pascal, B. (2004). Pensamentos (Pietro Nassetti, trad.). São Paulo, SP: Martin Claret., pp. 127-128), aprendera que “o coração tem razões que a razão desconhece”. Os moralistas franceses do século XVI já tinham devassado as estratégias do amor-próprio e a inclinação ao autoengano (Vauvenargues, 1998Vauvenargues, L. C. (1998). Das leis do espírito: florilégio filosófico (Mário Laranjeira, trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes .). Nesta mesma esteira, o brasileiro Matias Aires, em 1752, em suas Reflexões sobre a vaidade dos homens (1942), examinou ponto a ponto as ardilosidades da vaidade que, segundo o autor, é uma paixão que muitas vezes age a partir do subterrâneo:

De tôdas as paixões, quem mais se esconde, é a vaidade: e se esconde de tal forma, que a si mesma se oculta, e ignora: ainda as ações mais pias nascem muitas vêzes de uma vaidade mística, que quem a tem, não a conhece nem distingue: a satisfação própria, que a alma recebe, é como um espêlho em que nos vemos superiores aos mais homens pelo bem que obramos, e nisso consiste a vaidade de obrar o bem. (Aires, 1993Aires, M. (1993). Reflexões sobre a vaidade dos homens. São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1752), p. 35)

O coração é um grande inconsciente

É no romance Helena, publicado em 1876, que encontramos pela primeira vez, de modo mais nítido, a presença de uma concepção de inconsciente na obra de Machado de Assis. A obra inicia-se com a morte de um viúvo rico, o Conselheiro Vale, que deixa para seu filho Estácio uma abastada herança. O testamento, contudo, traz uma surpreendente confissão. Nele, o Conselheiro Vale declara ter uma filha bastarda, Helena, a quem havia sustentando às escondidas durante toda a sua vida e a quem sua família deveria acolher uma vez que ele estivesse morto.

Estácio e sua tia, Dona Úrsula, ainda que receosos, acabam cumprindo o pedido; recebem a nova integrante da família cheios de suspeita e desconfiança. Mas Helena, com grande habilidade e um coração generoso, consegue aos poucos se fazer bem-vinda na casa. Algum tempo depois, Estácio já está tomado de grande afeição por sua nova irmã, tendo-a como amiga e confidente, e até mesmo um pouco mais…

Depois de alguns meses, um amigo de Estácio, Mendonça, retorna da Europa. Após algumas visitas à casa do amigo, vê em Helena uma possível esposa e passa a cortejá-la. A moça retribui com simpatia. Tendo percebido o clima entre ambos os jovens, o padre amigo da família, Melchior, planeja casá-los o mais cedo possível. Consulta primeiro a moça e fica sabendo que ela aprovaria o casamento. Pouco depois, a sós com Helena e Mendonça, o padre antecipa o rapaz e declara-lhes que gostaria de casá-los. A aprovação de ambos é imediata. Mendonça então envia a Estácio, no dia seguinte, um recado comunicando-lhe o seu desejo de desposar Helena e pedindo o seu consentimento. Estácio, contudo, vê com maus olhos a proposta. Resolve questionar a irmã se ela realmente quer se casar com Mendonça, ao que ela responde que sim. Apesar da resposta afirmativa, Estácio teima que não pode aceitar o casamento, pois ela havia lhe confessado, um tempo antes, ter outro amor. Helena não aceita o argumento e busca persuadir Estácio a aceitar o casamento com Mendonça, mas em vão.

Após não chegar a um acordo com Helena, Estácio resolve, a fim de esclarecer suas ideias, consultar o padre Melchior sobre o assunto. Para sua decepção, também o padre se posiciona a favor do casamento. Estácio ainda assim não se conforma e começa a discutir com o padre, esforçando-se para encontrar argumentos contrários ao matrimônio. Em meio à discussão, Mendonça aparece e Estácio não hesita em expressar de maneira seca e injuriosa sua oposição ao casamento. Os ânimos se exaltam, Mendonça reage e os amigos brigam. No dia seguinte, Estácio resolve conversar novamente com a irmã, que continua firme em sua resolução e pede a ele que faça as pazes com Mendonça. Estácio finalmente cede e vai visitar o amigo.

Mendonça o perdoa, mas ainda assim Estácio não consegue engolir o casamento. O que ele não sabe é que ama a própria irmã, coisa que o padre já havia farejado. No capítulo XXIII, em um dos momentos de clímax do romance, o padre revela a Estácio o amor que ele sente por Helena e desconhece em si mesmo. Antes de expor o que já sabe, Melchior faz a Estácio duas perguntas, a fim de preparar o rapaz para a carga emocional da revelação de seu amor incestuoso: “És forte?” e “Crês em Deus?”. Estácio, desconfiado, responde que sim.

Primeiro, o padre expõe uma verdadeira teoria sobre o inconsciente. Aliás, suas explanações sobre o modo de agir do inconsciente são bastante longas e minuciosas. Isso possivelmente se explica pelo fato de Machado saber, em 1876, que deveria convencer o leitor sobre a existência de tal fenômeno. O padre começa seu discurso associando o coração a um “grande inconsciente”:

- Pois bem, tu transgrediste a lei divina, como a lei humana, sem o saber. Teu coração é um grande inconsciente; agita-se, murmura, rebela-se, vaga à feição de um instinto mal-expresso e mal compreendido. O mal persegue-te, tenta-te, envolve-te em seus liames dourados e ocultos; tu não o sentes, não o vês; terás horror de ti mesmo, quando deres com ele de rosto. Deus que te lê, sabe perfeitamente que entre o teu coração e tua consciência há um véu espesso que os separa, que impede esse acordo gerador do delito.

- Mas que é, padre-mestre?

Melchior inclinou-se e encarou o moço. Os olhos, fitos nele, eram como um espelho polido e frio, destinado a reproduzir a imagem do que lhe ia dizer.

- Estácio, disse Melchior pausadamente, tu amas tua irmã. (2004a, p. 363).

Se levarmos em conta que esse romance foi publicado em 1876, quando o romancista ainda não tinha lido a Filosofia do inconsciente de Hartmann, essa passagem do livro surpreende, seja pela precisão, seja pela riqueza com que o fenômeno é descrito. O modo pelo qual o padre confirma a sua hipótese, isto é, pelas expressões do rapaz, é notável: “O gesto mesclado de horror, assombro e remorso com que Estácio ouvira aquela palavra, mostrou ao padre, não só que ele estava de posse da verdade, mas também que acabava de a revelar ao mancebo” (2004a, p. 364.).. Embora a consciência de Estácio repugne as palavras do padre, seu corpo as admite, o que deixa claro que o corpo é o lugar privilegiado de expressão do inconsciente.

A dificuldade de Estácio de encarar sentimentos que permaneciam em seu inconsciente continua a ser exposta nos parágrafos seguintes, nos quais o narrador esmiúça as reações do rapaz à revelação, como pode ser observado na seguinte passagem:

O que a consciência deste ignorava, sabia-o o coração, e só lho disse naquela hora solene. A consciência, depois de tatear nas trevas, recuou apavorada, como afastando de si o clarão súbito que acendera nela a palavra do sacerdote. Estácio não respondeu nada; não podia responder nada. Com que vocábulo e em que língua humana exprimiria ele a comoção nova e terrível que lhe abalara a alma toda? Que fio pudera atar-lhe as ideias rotas e dispersas? Nem falou, nem se atreveu a erguer os olhos; ficou como estúpido e morto. (2004a, p. 364)

Mesmo depois do choque inicial, Estácio continua a resistir à revelação, rejeitando-a com vagas e desconexas palavras, das quais “podia concluir-se que ele não cria na revelação de Melchior, que o suposto sentimento era tão absurdo e desnatural que só a maus instintos devia ser atribuído” (2004a, p. 364).

O padre, após escutar Estácio, retoma a palavra, corrigindo-o: “- Maus instintos, não, respondeu Melchior; nem desvio da lei social e religiosa, mas desvio inconsciente. Entra em teu coração, Estácio; revolve-lhe os mais íntimos recantos, e lá acharás esse germe funesto” (2004a, p. 364). Depois o padre explica a Estácio como apareceu nele o sentimento. O maior problema residia no fato de que Helena3 3 Na verdade, Helena não era irmã verdadeira de Estácio, verdade essa que a moça esconde ao longo do romance. , quando ele a conheceu, já tinha em si “todas as seduções próprias da mulher” (2004a, p. 364), sem que ele tivesse dela “a imagem da infância e a comunhão dos primeiros anos” (2004a, p. 364). Aos poucos, Estácio vai ruminando as palavras do padre até que o obscuro torna-se enfim transparente (2004a, p. 366).

O amor de Estácio por Helena, como bem revelou o padre, nasce sem que o rapaz o perceba. Contudo, embora inconsciente, não deixa de influenciá-lo das mais diferentes formas - podemos notá-lo quando Estácio tenta se persuadir de que seu amigo não é um bom candidato ao casamento, ou pelas suas preocupações excessivas em relação a Helena. Veja-se o ciúme desmedido que ele sente: numa tarde, observando-a por uma fresta da janela, encontra-a lendo uma carta. A ideia de que a carta poderia ser amorosa “molestou-o muito”:

Estácio sentiu-se movido de imperiosa curiosidade, à qual vinha misturar-se uma sombra de despeito e ciúme. A ideia de que Helena podia repartir o coração com outra pessoa desconsolava-o, ao mesmo tempo que o irritava. A razão de semelhante exclusivismo não a explicou ele, nem tentou investigá-la; sentiu-lhe somente os efeitos, e ficou ali sem saber que faria. (2004a, p. 306)

Curioso por saber o conteúdo da correspondência, Estácio aproxima-se da irmã e lhe pergunta a respeito da carta, ao que ela retruca: “Quer lê-la?”. Estácio então “fez-se vermelho e recusou com um gesto” (2004a, p. 306). A razão da vermelhidão de Estácio parece ser a vergonha, que se intensifica devido ao seu amor por Helena, o que mostra, mais uma vez, como o corpo manifesta o inconsciente. Em outra situação, quando ambos estão a passear pelo jardim, Estácio pergunta a Helena se ela está pensando em coisas amorosas:

Helena não respondeu; tomou-lhe o braço e os dois seguiram silenciosamente uns dez minutos. Chegando a um banco de madeira, Estácio sentou-se; Helena ficou de pé diante dele. Olharam um para o outro sem proferir palavra; mas o lábio de Estácio tremera duas ou três vezes como hesitando no que ia dizer. Por fim, o moço venceu-se.

- Helena, disse ele, você ama.

A moça estremeceu e corou vivamente; olhou em volta de si, como assustada, e pousou as mãos nos ombros de Estácio. Refletiu ela no que disse depois? É duvidoso; mas a voz, que nessa ocasião parecia concentrar todas as melodias da palavra humana, suspirou lentamente:

- Muito! muito! muito!

Estácio empalideceu. A moça recuou um passo, e, trêmula, pôs o dedo na boca, como a impor-lhe silêncio. A vergonha flamejava no rosto; Helena voltou as costas ao irmão e afastou-se rapidamente. (2004a, p. 312)

A palidez, os olhares, os lábios trêmulos são sinais de que o amor entre ambos já está presente nessa cena. Podemos dizer que os corpos de ambos já se amam, embora a presença do amor ainda não tenha penetrado na consciência de Estácio. No caso de Helena, supõe-se que ela sabia de seu amor por Estácio, já que ela, durante todo o tempo em que permanecera na casa, estava consciente de que não era filha de sangue do pai de Estácio, o Conselheiro Vale. No caso de Estácio o amor é experienciado, mas não compreendido.

Machado, já em 1876, começa a delinear uma sofisticada concepção de inconsciente. Não se trata simplesmente de algo que se esconde por trás da consciência, mas uma forma de consciência que não se revela a si mesma. Veja-se que o sentimento é “inconsciente” não porque ele não é sentido, mas porque ele é, como afirma o padre, “um sentimento mal expresso e mal compreendido” (2004a, p. 363). O amor é consciente, na medida em que é sentido. Mas é inconsciente, na medida em que é “mal expresso e mal compreendido”. Em outros termos, o amor é sentido em nível consciente, mas este mesmo amor não é trazido à consciência por um processo de explicitação conceitual no qual a vivência amorosa se torna tema de um olhar reflexivo.

Fica claro, portanto, que podemos interpretar o conceito de inconsciente a partir da articulação entre duas concepções de consciência: uma em sentido estrito e uma em sentido amplo.

Em sentido estrito, o sentimento de amor é inconsciente, já que o protagonista não sabe de sua presença. Ele é inconsciente na medida em que não é formulado em vivências linguísticas que o tragam a sua compreensão. Ou seja, Estácio sente os efeitos de seu amor, mas não o explicita para si.

Em uma concepção ampla, entretanto, a vivência de amor é consciente, na medida em que é sentida pelo sujeito. O sentimento é uma entre outras vivências conscientes da personagem. Um sentimento, na medida em que é sentido, não pode ser inconsciente. Nesta concepção, não tem significado afirmar a existência de um sentimento inconsciente. Uma dor inconsciente, por exemplo, não é uma dor, é apenas um estado fisiológico. A dor é basicamente uma forma de manifestação consciente. Isso se revela, por exemplo, em casos psiquiátricos, como o de sujeitos que sentem dor em um membro-fantasma. Portanto, há boas razões para afirmar que, quando Machado fala de um sentimento inconsciente, ele não está se referindo a um sentimento que se encontra apartado da consciência, mas a um sentimento que, embora presente, não é notado, não é tematizado e articulado conceitualmente por uma vivência reflexiva explicitadora, como fica claro na passagem: “A razão de semelhante exclusivismo (n.d.r: o sentimento amoroso) não a explicou ele, nem tentou investigá-la.” (2004a, p. 306). Essa situação é bem expressa pelo filósofo dinamarquês Dan Zahavi (1999Zahavi, D. (1999). Self-awareness and alterity: a phenomenological investigation. Evanston: Northwestern University Press., p. 206):

Embora eu não possa estar inconsciente de minha experiência presente, eu posso muito bem ignorá-la em favor de seu objeto, e esta é claramente a atitude natural. Em minha vida cotidiana eu estou absorvido e preocupado com projetos e objetos do mundo. Assim, a autoconsciência pré-reflexiva é definitivamente não idêntica com a total autocompreensão, mas pode ao invés estar ligada a uma precompreensão que permite pela subsequente reflexão e tematização.

Essa posição é assumidamente inspirada pela fenomenologia husserliana. De fato, Husserl (1984Husserl, E. (1984). Logische Untersuchungen, Zweiter Band, erste Teil Untersuchungen zur Phänomenologie und Theorie der Erkenntnis. (Hua 19/1) (U. Panzer Ed.). The Hague: Nijhoff., p. 355) distingue, como aponta Zahavi (2002Zahavi, D. (2002). The three concepts of consciousness in the ‘Logische Untersuchungen’. Husserl Studies, 18(1), 51-64., 1999), vários conceitos de consciência, dentre os quais, para os fins deste artigo, se destacam: (1) consciência intencional, (2) autoconsciência pré-reflexiva e (3) autoconsciência reflexiva. São esses três conceitos que iremos investigar nas próximas seções.

Consciência intencional

O termo “consciência” se refere aqui à consciência de algo exterior a ela própria. A fim de clarificar tal conceito, podemos nos basear na seguinte analogia: Imaginemos que estamos andando em uma caverna escura com o auxílio apenas de uma lanterna. Ao andarmos pela caverna, nossa consciência intencional está dirigida para algo transcendente, ou seja, para o caminho, para os obstáculos etc. Neste caso, não estamos prestando atenção na experiência de ver o caminho, mas pura e simplesmente no caminho. Há uma diferença entre prestar atenção no caminho e prestar atenção na vivência de ver o caminho. Na maioria das vezes, estamos conscientes de objetos, situações e projetos relativos ao mundo. Essa “consciência de algo” é o que Husserl denomina “vivência intencional”. Esta possui várias formas, ou seja, existem vários tipos de vivência intencional, como, por exemplo, imaginar algo, perceber algo, lembrar-se de algo, duvidar de algo.

Toda vivência é ela própria um evento que ocorre na consciência. Ou seja, o fluxo de consciência nada mais é do que um fluxo de vivências (Husserl, 1984Husserl, E. (1952). Ideen zu einer Reinen Phänomenologie und Phänomenologischen Philosophie: Phänomenologische Untersuchungen zur Konstitution. Zweites Buch. (Hua. 4). Haag: Martinus Nijhoff. (Trabalho original publicado em 1912), p. 355). Um dos pontos mais importantes da concepção intencional da consciência é que ela rompe com a velha noção que a entende como uma caixa fechada, repleta de conteúdos internos. Ou seja, não estamos conscientes apenas do que está dentro de nossa consciência, mas do que está fora dela, ou melhor dizendo, daquilo que é transcendente a ela (Sokolowski, 2004Sokolowski, R. (2004). Introdução à fenomenologia (A. d. O. Moraes, trans.). São Paulo, SP: Loyola.). Com isso, Husserl (1984Husserl, E. (1991). Cartesianische Meditationen und Pariser Vortrage (S. Strasser Ed.). Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.) critica a teoria representacionalista da percepção. Para a fenomenologia husserliana, se eu vejo uma rosa, não vejo a representação de uma rosa, vejo a própria rosa.

Autoconsciência pré-reflexiva

Retomemos o exemplo anterior. Ao andarmos pela caverna, com a atenção dirigida para a superfície iluminada, também estamos, em certo sentido, conscientes de nossa própria mão, que segura e maneja a lanterna, de modo a controlar o foco de luz. Neste caso, estamos conscientes da mão de uma maneira distinta de como estamos conscientes da área iluminada. Estou consciente de minha mão e de seus movimentos sem lhes dar o privilégio de minha atenção. Ou seja, tenho uma autoconsciência pré-reflexiva de minha mão. O que a caracteriza a consciência pré-reflexiva é que, nela, a vivência não se manifesta como objeto. Neste momento, por exemplo, tenho várias vivências sensoriais: sensações térmicas, auditivas, de movimento (cinestesia) etc. Tais sensações são conscientes, mas não se manifestam como objeto. Se eu estou simplesmente ocupado em ver uma mesa, a vivência de ver é vivida, faz parte do fluxo de consciência e, neste sentido, é consciente. Contudo, trata-se de uma vivência pré-reflexiva que tenho da mesa. Em suma, na medida em que estou pura e simplesmente orientado para o mundo, minhas vivências não aparecem como contrapostas a mim. Eu, por assim dizer, estou mergulhado em minhas vivências, dirigindo-me ao mundo4 4 Isso é válido, no geral, para as vivências sensoriais. As sensações são componentes das vivências perceptivas, mas não são elas percebidas na percepção. Por essa razão, Husserl escreve: “Não vejo as sensações de cor, mas, sim, coisas coloridas; não ouço sensações de som, mas antes a canção da cantora” (1984, p. 387). Assim, através de vivências intencionais nós estamos conscientes de algo transcendente à vivência. .

Autoconsciência reflexiva

Contudo, posso a qualquer instante refletir sobre a vivência na qual estou imerso. Como Husserl escreve: “Percebemos diretamente, por exemplo, a casa e não o próprio perceber. Só na reflexão nos dirigimos para o próprio ato e para o seu estar dirigido perceptivamente para a casa” (Husserl, 1991, p. 72). Em outros termos, na reflexão o fluxo de consciência deixa de se dirigir ao exterior para dirigir-se a si mesmo.

As vivências reflexivas constituem uma determina classe de vivências. Por vezes, Husserl denomina a vivência reflexiva de “percepção interna”, ou “percepção dirigida para a imanência” (1952, p. 84). Trata-se de uma vivência que, em vez de se dirigir para o mundo exterior, dirige-se para outra vivência. Quando isso ocorre, a vivência sobre a qual refletimos, ou seja, a vivência percebida reflexivamente, manifesta-se como objeto. “A reflexão natural altera essencialmente a vivência que antes era ingênua; esta perde o modo originário do estar diretamente dirigido, precisamente porque a reflexão torna objeto o que antes era vivência, mas não algo objetivo”. (1991, p. 72).

Voltemos um instante para nosso exemplo, no qual andamos na caverna. Embora, no geral, nossa consciência esteja dirigida para o caminho iluminado, podemos a qualquer momento deslocar a atenção e focar, de maneira explícita, a mão que controla a lanterna. Nesse momento, a mão e seus movimentos tornam-se um tema do qual o espírito se ocupa. No caso, isso seria equivalente a um movimento de usar a lanterna para iluminar a própria mão. Mas por que alguém faria esse movimento reflexivo? Em vários casos esse movimento apenas parece causar mais problemas do que soluções. Se eu deixo de prestar atenção no próprio caminho para prestar atenção na textura da lanterna, no seu formato etc., corro o risco de cair em algum abismo. As circunstâncias pedem que minha atenção se dirija para o entorno físico imediato. Minha atenção apenas se dirigiria a minha mão caso ela não esteja cumprindo bem a sua função, por exemplo, se ela estiver transpirando e a lanterna começar a escorregar entre meus dedos. Isso fará com que minha atenção se dirija para a mão, a fim de eu resolver esse problema, como enxugá-la. Em outros termos, a atitude reflexiva ocorre apenas, por questões vitais, em raros momentos.

Em nossa atitude natural, estamos mergulhados em experiências diretamente dirigidas para o mundo, não apenas o mundo imediato físico, mas o mundo como um todo, incluindo o horizonte de passado e futuro (por exemplo, quando planejamos algo, estamos dirigidos ao futuro). Por essa razão, Husserl aponta que, se há o movimento reflexivo, é porque há alguma forma de motivação, alguma exigência interna ao fluxo que o faça dobrar sobre si mesmo.

Na reflexão, há uma mudança temática, pois nela retiramos o foco do mundo e o dirigimos para as nossas próprias experiências, que até então eram experienciadas de maneira ingênua, pré-reflexiva. Por exemplo, na reflexão, em vez de pensar em como fazer o mal à pessoa que odeio, eu passo a examinar a vivência de ódio que sinto por ela. Neste caso, deixo de tematizar a pessoa e como posso lhe fazer mal, para tematizar o meu próprio sentimento. Com a reflexão, eu deixo de agir imerso no sentimento, para aliená-lo de mim, tratá-lo como um objeto contraposto a mim e observá-lo a certa distância crítica. É claro que essa troca de foco não ocorre à toa; ela deriva de uma motivação. E qual motivação leva a pessoa a refletir? Vários podem ser os motivos. Por exemplo, uma motivação possível para tematizar o ódio é a autodeterminação prévia, de caráter moral, de não se deixar agir de acordo com o ódio.

Discussão parcial

Articulando essas três formas de consciência para a compreensão fenomenológica do inconsciente de Estácio, podemos dizer que ele vive pré-reflexivamente a vivência intencional de amor por Helena. Ele está mergulhado em sua vivência amorosa, comportando-se para com o mundo a partir dela. O modo como ele se abre significativamente ao mundo e particularmente à Helena é regido tacitamente pela sua vivência amorosa. Ainda que o amor seja a fonte de motivação de várias outras vivências, como o ciúme, a vergonha ou a antipatia súbita por Mendonça, sua vivência amorosa permanece não tematizada. Ou seja, Estácio não se distancia da própria vivência para examiná-la frontalmente, a partir de uma atitude reflexiva.

É notável que Machado tenha, através da boca do padre Melchior, mostrado que essa autoapreensão reflexiva da vivência está vinculada a sua expressão e tematização linguística. A reflexão é condição para que a vivência entre no espaço linguístico da consciência, podendo ser explicitada, predicada e articulada compreensivamente no contexto global de vida. Machado apresenta a ideia de que o sentimento é inconsciente, na medida em que ele, embora esteja vivo pré-reflexivamente, permanece não-notado e inarticulado linguístico-conceitualmente, permanecendo um instinto “mal expresso e mal compreendido” (2004a, p. 363). É a voz do outro, no caso o padre Melchior, que força em Estácio a atitude reflexiva, de modo que ele já não pode deixar de ver e constatar em si o sentimento amoroso.

Dona Camila: “uma sensação vale um raciocínio”

No conto Uma senhora5 5 O conto encontra-se no volume Histórias sem data. , de 1883, Machado desenvolve uma concepção de inconsciente bastante semelhante à presente no romance Helena. Poderíamos aplicar à personagem central do conto, Dona Camila, as palavras que o padre Melchior dirigiu a Estácio: “entre teu coração e tua consciência há como um véu espesso que os separa”. Mas, em Uma senhora, o que dirige o comportamento da protagonista não é o amor, mas a vaidade.

Encontramos neste conto Dona Camila, cuja beleza não passava despercebida e cuja idade não condizia com o viço de suas faces. Sua filha, Ernestina, “tinha a frescura dos anos; mas a beleza da mãe era mais perfeita, e apesar dos anos, superava a da filha” (2004b, p. 425). Isso não impede que Dona Camila se sinta ameaçada quando alguns rapazes começam a flertar com sua filha:

Um dia, poucos meses depois, apontou no horizonte o primeiro namorado. D. Camila pensara vagamente nessa calamidade, sem encará-la, sem aparelhar-se para a defesa. Quando menos esperava, achou um pretendente à porta. Interrogou a filha; descobriu-lhe um alvoroço indefinível, a inclinação dos vinte anos, e ficou prostrada. Casá-la era o menos, mas, se os seres são como as águas da Escritura, que não voltam mais, é porque atrás deles vêm outros, como atrás das águas outras águas; e, para definir essas ondas sucessivas é que os homens inventaram este nome de netos. D. Camila viu iminente o primeiro neto, e determinou adiá-lo. Está claro que não formulou a resolução, como não formulara a ideia do perigo. A alma entende-se a si mesma; uma sensação vale um raciocínio. As que ela teve foram rápidas, obscuras, no mais íntimo do seu ser, de onde não as extraiu para não ser obrigada a encará-las. (2004b, p. 425)

Do sentimento de vaidade surge o medo da velhice. Tornar-se avó é assumir perante si mesma e perante o mundo a sua idade. Eis a origem de sua inclinação a adiar o casamento. E devemos notar que esse temor de se tornar avó, bem como a decisão de atrapalhar e colocar impedimentos no casamento da filha, não é formulado explicitamente no nível da consciência: “Está claro que não formulou a resolução, como não formulara a ideia do perigo” (2004b, p. 425). Contudo, apesar de não expressar para si a decisão, ela age e experiencia o mundo de tal forma a retardar o casamento da filha. Ou seja, a determinação de adiar o casamento não emerge na sua consciência na forma de ideia ou raciocínio, mas na forma de sensações. De fato, Dona Camila não aprova nenhum dos namorados da filha, sempre encontrando defeitos neles. Acredita, entretanto, que a verdadeira razão da antipatia que sente pelos rapazes provém dos próprios defeitos deles e não das possíveis consequências do matrimônio. Ou seja, há em Dona Camila uma inclinação para procurar defeitos nos pretendentes da filha. Mas essa inclinação não é tematizada nem explicitada pela própria consciência.

O que chama atenção neste conto é o grau de complexidade com que a vaidade velada atua em Dona Camila. A vaidade não se limita a uma instância que permanece oculta, mas envolve algo mais elaborado, como uma inteligência subterrânea. Movido pelo fim de proteger a vaidade, a alma é capaz de vislumbrar as possibilidades futuras e identificar quais delas são indesejáveis, atuando estrategicamente para evitá-las. Toda essa atuação da alma, entretanto, não se dá em nível consciente-reflexivo. Assim, se dissermos que as operações da alma são inconscientes, deveríamos acrescentar que o inconsciente não é cego ao mundo. Não pode ser comparado a um porão escuro, no subterrâneo da alma. É preciso notar que Machado não fala propriamente em uma vaidade “inconsciente”: ele emprega antes a expressão “a alma entende-se a si mesma” (2004b, p. 425). Ou seja, essa pré-compreensão que a alma tem de si própria ocorre em nível pré-reflexivo.

Podemos dizer que neste conto a alma é apresentada como algo que possui, por assim dizer, camadas. E nem todas essas camadas lhe são transparentes. O narrador diz que as sensações ocorrem “no mais íntimo do seu ser”. E o íntimo do ser não é transparente ao sujeito, não é dado de forma explícita. Essas sensações não são tematizadas de modo a se tornarem objetos contrapostos ao eu, como fica claro no momento em que o narrador afirma que Dona Camila “não as extraiu para não ser obrigada a encará-las” (2004b, p. 425). Em outros termos, o conceito de alma, em certo sentido, envolve tanto a consciência (em sentido estrito) quanto a inconsciência (consciência pré-reflexiva). Inconsciente e consciente pertencem a um mesmo todo, que é a alma.

A alma não pode ser comparada nem a uma interioridade nem à vida consciente, pois ela é aquilo que dá vida e move o indivíduo. A consciência é uma camada da alma. E as vivências linguísticas constituem a forma mais alta desta camada consciente. Assim, quando o narrador afirma que “a alma entende-se a si mesma”, ele não está dizendo que esse entendimento ocorra a partir de vivências linguísticas conscientes, expresso em uma “fala interior”. Isso se reforça quando o narrador diz que “uma sensação vale um raciocínio” (2004b, p. 425). E as sensações de Dona Camila defendem o seu amor-próprio, evitando os netos. Vejamos em detalhes como Dona Camila evita o casamento da filha.

Ribeiro, o primeiro namorado de Ernestina, está prestes a receber um cargo diplomático nos Estados Unidos e, antes de partir para o exterior, resolve pedir a namorada em casamento. Dona Camila opõe-se ao pedido, alegando que não queria ficar distante da filha. Surge outro candidato, um viúvo de vinte e sete anos. Dona Camila, a princípio, aceita o novo pretendente, mas logo se esforça para encontrar defeitos no moço:

Não podia alegar nada contra ele; tinha o nariz reto como a consciência, e profunda aversão à vida diplomática. Mas haveria outros defeitos, devia haver outros. D. Camila buscou-os com alma; indagou de suas relações, hábitos, passado. Conseguiu achar umas coisinhas miúdas, tão-somente a unha da imperfeição humana, alternativas de humor, ausência de graças intelectuais, e, finalmente um grande excesso de amor-próprio. Foi neste ponto que a bela dama o apanhou. Começou a levantar vagarosamente a muralha do silêncio; lançou primeiro a camada das pausas, mais ou menos longas, depois as frases curtas, depois os monossílabos, as distrações, as absorções, os olhares complacentes, os ouvidos resignados, os bocejos fingidos por trás da ventarola. Ele não entendeu logo; mas, quando reparou que os enfados da mãe coincidiam com as ausências da filha, achou que era ali de mais e retirou-se. Se fosse homem de luta, tinha saltado a muralha; mas era orgulhoso e fraco. D. Camila deu graças aos deuses. (2004b, p. 426).

Por trás das antipatias podem residir causas ocultas. Dona Camila crê que o desgosto que sente pelos namorados da filha provém dos próprios defeitos deles. Ironicamente, Dona Camila vê justamente o “excesso de amor-próprio” como o maior defeito do segundo pretendente. Como pudemos observar, ela está inclinada a encontrar defeitos nos pretendentes da filha. Mas essa inclinação lhe é velada, na medida em que não a assume explicitamente para si mesma. Sua motivação é um tanto sórdida, já que se funda no próprio egoísmo e não na felicidade da filha. Dona Camila tem medo de se tornar vovó e ter que deparar com a condição de que o tempo, sempre impiedoso, lhe colocou. Tornar-se avó seria assumir sua idade e velhice, para si e para os outros, e isso sua vaidade não estava disposta a aceitar.

Em Uma senhora, obtemos o esboço de um modelo psíquico no qual alguns sentimentos conscientes, como a antipatia e a simpatia, são consequência de fatores inconscientes, ou seja, de uma vaidade que se encontra presente e atuante em nível pré-reflexivo. Repete-se nesse conto uma estrutura psicológica análoga à do romance Helena, concernente ao ciúme que Estácio sentia por ela. Assim como Estácio, movido por seu amor inconsciente, sente antipatia pelo pretendente de Helena, também D. Camila, movida pela vaidade inconsciente, encontra defeitos nos pretendentes da filha. Assim, o que pode ser “inconsciente”, no sentido de não ser notado por uma apreensão reflexiva, não são apenas as vivências, mas também os nexos motivacionais entre vivências pertencentes a um mesmo fluxo. Como Husserl escreve em Ideias II:

Neste contexto a vivência singular é então motivada por um fundo obscuro, possui “motivos psíquicos”, aos quais se pode interrogar: como me veio na mente essa coisa - que coisa me levou a tal? Que esta pergunta seja possível é um fato que caracteriza qualquer motivação em geral. Os “motivos” são muitas vezes escondidos na profundidade, mas podem vir colocados à luz por meio da “psicanálise”. Um pensamento “me recorda” outro pensamento, me chama à memória um vivido passado. Em certos casos este nexo pode até vir a ser percebido. Mas na maior parte dos casos, embora a motivação esteja realmente presente na consciência, não chega a assumir um relevo, não vem notada, é inadvertida (“inconsciente”)6 6 Dada a importância da passagem para o argumento desenvolvido, cito em alemão: “Das einzelne darin ist im dunklen Untergrunde motiviert, hat seine „seelischen Gründe“, nach denen man fragen kann: wie komme Ich darauf, was hat mich dazu gebracht? Daß man so fragen kann, charakte risiert alle Motivation überhaupt. Die „Motive“ sind oft tief verborgen, aber durch „Psychoanalyse“ zutage zu fördern. Ein Gedanke „erinnert“ mich an andere Gedanken, ruft ein vergangenes Erlebnis in die E rinnerung zurück usw. In manchen Fällen kann das wahrgenommen werden. In den meisten Fällen aber ist die Motivation zwar im Bewußt sein wirklich vorhanden, aber sie kommt nicht zur Abhebung, sie ist unbemerkt oder unmerklich (‚unbewußt‘)“. (1952, p. 223) . (Husserl, 1952Husserl, E. (1952). Ideen zu einer Reinen Phänomenologie und Phänomenologischen Philosophie: Phänomenologische Untersuchungen zur Konstitution. Zweites Buch. (Hua. 4). Haag: Martinus Nijhoff. (Trabalho original publicado em 1912), p. 223)

Conclusão

Uma das maiores contribuições de Machado à psicologia e sua história reside não só no fato de que ele, já no século XIX, tinha uma concepção de inconsciente, mas no modo como ele articulou em sua ficção a relação entre consciência, corpo e inconsciência.

Como tivemos oportunidade de observar, o inconsciente se delineia e ganha vida a partir da descrição da consciência e do corpo. Assim, o inconsciente não é uma entidade abstrata, oculta e metafísica. Em uma interpretação fenomenológica, podemos dizer que Machado apresenta uma concepção de inconsciência que pode facilmente ser interpretada como uma consciência que não se expressa a si mesma reflexivamente. As vivências que constituem a vida pré-reflexiva manifestam-se no corpo, na conduta, nos modos com os quais a pessoa interpreta e sente os diferentes aspectos de seu mundo circundante. As vivências participam do fluxo de consciência, são vividas pelo indivíduo, mas nem sempre são contrapostas ao eu, tematizadas como objeto de atos reflexivos do espírito. Vimos que Machado descreve a vida psíquica de modo a revelar que uma emoção inconsciente não é algo que se encontra ausente da consciência, mas algo que está presente, embora “mal expresso e mal compreendido” (2004a, p. 363).

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  • 1
    Devemos notar que Schwarz (1997Schwarz, R. (1997). Um mestre na periferia do capitalismo (3ª ed.). São Paulo, SP: Editora 34.), em seu estudo clássico Um mestre na periferia do capitalismo, não deixou de ser sensível ao tema do inconsciente na obra de Machado de Assis. Para ele (p. 89, 1997), Machado “casava temas novos da filosofa europeia do inconsciente à situação histórica da elite brasileira”. Contudo, Schwarz não oferece um tratamento sistemático do tema do inconsciente. Nesta ocasião, buscamos explicitar a concepção de Machado e mostrar que ela pode ser interpretada de acordo com a fenomenologia. Devemos mencionar, entretanto, que esse “casamento” entre a situação da elite brasileira e o tema do inconsciente revela-se como uma interessante vereda a ser explorada.
  • 2
    Em vários sentidos, embora estejamos propondo uma interpretação fenomenológica que visa compreender a descrição da consciência versus inconsciência machadiana através da chave autoconsciência pré-reflexiva versus autoconsciência reflexiva, devemos observar que o modo como Machado descreve a consciência antecipa, em certos aspectos, as distinções realizadas por Freud, na primeira tópica, entre inconsciente, pré-consciente e consciente. Existe, entretanto, certas limitações da aproximação. De acordo com Zahavi (1999), Freud opera com o conceito de consciência a partir do modelo reflexivo de autoconsciência. Ou seja, para Freud, um processo psíquico é consciente na medida em que é alvo da atenção. Gomes (2003Gomes, G. (2003). A teoria freudiana da consciência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 19(2), 117-125. doi: bit.ly/2uPdGGC
    bit.ly/2uPdGGC...
    , p.123) segue no mesmo sentido, ao afirmar que, para Freud, “Tornar-se consciente, para uma representação, significa, portanto, ser percebida por este sistema onde as excitações se produzem de maneira fugaz e sem deixar traço. Entre as representações do pré-consciente, só algumas são escolhidas pela atenção, a cada momento, para tornarem-se conscientes”. Devido ao recorte deste artigo, apenas indicamos tais aspectos, pois uma discussão detalhada deste tema promissor exigiria um extenso esforço investigativo.
  • 3
    Na verdade, Helena não era irmã verdadeira de Estácio, verdade essa que a moça esconde ao longo do romance.
  • 4
    Isso é válido, no geral, para as vivências sensoriais. As sensações são componentes das vivências perceptivas, mas não são elas percebidas na percepção. Por essa razão, Husserl escreve: “Não vejo as sensações de cor, mas, sim, coisas coloridas; não ouço sensações de som, mas antes a canção da cantora” (1984, p. 387). Assim, através de vivências intencionais nós estamos conscientes de algo transcendente à vivência.
  • 5
    O conto encontra-se no volume Histórias sem data.
  • 6
    Dada a importância da passagem para o argumento desenvolvido, cito em alemão: “Das einzelne darin ist im dunklen Untergrunde motiviert, hat seine „seelischen Gründe“, nach denen man fragen kann: wie komme Ich darauf, was hat mich dazu gebracht? Daß man so fragen kann, charakte risiert alle Motivation überhaupt. Die „Motive“ sind oft tief verborgen, aber durch „Psychoanalyse“ zutage zu fördern. Ein Gedanke „erinnert“ mich an andere Gedanken, ruft ein vergangenes Erlebnis in die E rinnerung zurück usw. In manchen Fällen kann das wahrgenommen werden. In den meisten Fällen aber ist die Motivation zwar im Bewußt sein wirklich vorhanden, aber sie kommt nicht zur Abhebung, sie ist unbemerkt oder unmerklich (‚unbewußt‘)“. (1952, p. 223)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2017
  • Revisado
    22 Dez 2017
  • Aceito
    01 Fev 2018
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