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Umbanda e quimbanda: alternativa negra à moral branca

Umbanda et Quimbanda: une alternatif noir à la moralité blanche

Umbanda y Quimbanda: una alternativa negra a la moral branca

Resumo

A quimbanda, modalidade de culto afro-brasileiro habitualmente apresentada como mera inversão ético-moral da umbanda, preservou-se em rituais com entidades espirituais que supostamente contestam ou invertem a ordem moral vigente. Neste estudo acompanharam-se esses rituais e coletaram-se depoimentos de sacerdotes em comunidades religiosas afro-brasileiras, com o objetivo de revisar se de fato há uma pressão exercida por padrões ético-religiosos da sociedade envolvente que poderiam ter moderado ou modificado concepções africanas subjacentes. Na contramão de análises que implicitamente pressupõem a subordinação dos cultos afro-brasileiros a uma única concepção de moralidade, constatou-se que a vivência do sagrado implicada na quimbanda e na umbanda não atrela-se a essa moralidade vigente, e que nenhuma das suas manifestações pode ser corretamente descrita como amoral.

Palavras-chave:
cultos afro-brasileiros; etnopsicologia; psicologia e religião

Résumé

Le Quimbanda, une modalité de secte afro-brésilienne généralement présenté comme une simple inversion éthique et morale d’Umbanda, conservé dans les rituels avec des entités spirituelles qui sont supposés contester ou inverser l’ordre moral actuelle. Dans cette étude, ces rituels ont été suivis et les témoignages de prêtres ont été recueillis dans des communautés religieuses afro-brésiliennes, afin de vérifier si, en effet, il y a une pression exercée par les normes éthiques et religieuses de la société environnante qui pouvait modérer ou modifier les conceptions africaines sous-jacentes. Contrairement aux analyses qui supposent implicitement la subordination des sectes afro-brésiliens à une seule conception de la moralité, on a été constaté que l’expérience du sacré impliquée dans le Quimbanda et l’Umbanda n’est pas liée à cette moralité actuelle, et qu’aucune de ses manifestations peut être correctement décrit comme immorale.

Mots-clés:
sectes afro-brésiliennes; ethnopsychologie; psychologie et religion

Resumen

La Quimbanda, modalidad de culto afrobrasileño y que generalmente se presenta como una mera inversión ético-moral de la Umbanda, conservó sus rituales con entidades espirituales que supuestamente invierten el orden moral vigente o lo contestan. En este estudio se acompañaron estos rituales y se recogieron declaraciones de sacerdotes en comunidades religiosas afrobrasileñas, con el objetivo de revisar si y en qué medida las presiones ejercidas por patrones ético-religiosos de la sociedad circundante podrían haber moderado o modificado las concepciones africanas subyacentes. Al contrario de los análisis que implícitamente presuponen la subordinación de los cultos afrobrasileños a una única concepción de moralidad, se encontró que la experiencia de lo sagrado involucrada en la Quimbanda y en la Umbanda no se vincula a esta moralidad vigente, y que ninguna de sus manifestaciones puede ser correctamente descrita como amoral.

Palabras clave:
cultos afrobrasileños; etnopsicología; psicología y religión

Abstract

Quimbanda is an African-Brazilian religious modality generally presented as a mere ethical and moral inversion of Umbanda that has been preserved through rituals made with spiritual entities that supposedly contest or reverse the prevailing morality. In this study, we followed rituals and collected interviews with priests in African-Brazilian religious communities, aiming to verify if there really is influence of an ethical standard from the surrounding society that could have moderated or modified subjacent African conceptions. Contrary to analyses that implicitly assume African-Brazilian cults as subjected to a single conception of morality, we found that the sacred experience involving Quimbanda and Umbanda is not attached to the prevailing morality, and that none of its manifestations can be properly described as amoral.

Keywords:
African-Brazilian cults; ethnopsychology; psychology and religion

Introdução1 1 Este artigo é dedicado a Agnaldo Moraes (in memoriam) e Emydgio dos Santos Netto (in memoriam), que deixaram um grande legado à comunidade religiosa afro-ribeirão-pretana.

Este artigo é produto de uma pesquisa realizada entre 2011 e 2016 desenvolvida no mestrado, no campo da Etnopsicologia, investigando-se a memória social no contexto afro-brasileiro2 2 Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). . Partiu-se da impossibilidade de compreender o humano sem conhecer as suas construções psicológicas específicas, estabelecendo-se pontes e contrastes entre diferentes formas de pensar, sentir e se relacionar (Lutz, 1983Lutz, C. (1983). Parental goals, ethnopsychology and the development of emotional meaning. Ethos, 11 (4), 246-262. Recuperado de https://bit.ly/2HXAXw3
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). Neste campo de conhecimento, no seu atual estado de desenvolvimento no Brasil, a religiosidade africana desempenha um papel importante (Bairrão & Coelho, 2016Bairrão, J. F. M. H. & Coelho, M. T. A. D. (Orgs.). (2016). Etnopsiologia no Brasi, teorias, procedimentos, resultados. Salvador, BA: UFBA.). Alguns estudos debruçaram-se, por exemplo, sobre uma concepção africana de ser que abarca a força vital (Leite, 1995/1996Leite, F. (1995/1996). Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África, 18-19(1), 103-118. Recuperado de https://bit.ly/2uHUpEb
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); busca prosperidade, felicidade e plenitude física e espiritual (Frias, 2016Frias, R. R. (2016). Psicologia, concepção iorubá de pessoa e religiosidade brasileira: diálogo possível. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Psicologia, laicidade e as relações com a religião e a espiritualidade: na fronteira da psicologia com os saberes tradicionais: práticas e técnicas (pp. 175-180). São Paulo, SP: CRP-SP.; Ribeiro, 1996Ribeiro, R. I. (1996). Alma africana no Brasil: os iorubás. São Paulo, SP: Oduduwa.; Sàlámì & Ribeiro, 2015Sàlámì, S. & Ribeiro, R. I. (2015). Exu e a ordem do universo (2a ed.). São Paulo, SP: Oduduwa .), e é composta por elementos culturais que devem ser considerados nas práticas de cuidado e saúde (Ilori, Adebayo, & Ogunleye, 2014Ilori, O. S.; Adebayo, S. O. & Ogunleye, A. J. (2014). Religiosity, paranormal beliefs and psychopathological symptoms in two ethnic samples. Humanities and Social Sciences Letters, 2(4), 192-202. Recuperado de https://bit.ly/2UtiBbY
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). As tradições religiosas derivadas dessa matriz oferecem uma contribuição interessante para o desenvolvimento da Psicologia da Religião no Brasil (Bairrão, 2017Bairrão, J. F. M. H. (2017). Psicologia da religião e da espiritualidade no Brasil por um enfoque etnopsicológico. Revistas Pistis & Praxis: Teologia e Pastoral, 9, 109-130.; Paiva, 2002Paiva, G. J. (2002). Ciência, religião, psicologia: conhecimento e comportamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15(3), 561-567. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722002000300010
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; Ribeiro, 2005Ribeiro, R. I. (2005). Psicoterapia e religiões brasileiras de matriz africana. In Amatuzzi, M. (Org.). Psicologia e espiritualidade (pp. 173-204). São Paulo, SP: Paulus.).

O que aqui se propõe é a revisão do pressuposto de que o sagrado na umbanda e quimbanda se enquadrariam em categorias antagônicas como “bem” e “mal”. Nas descrições habituais dessas religiosidades, inclusive as oferecidas pelos seus adeptos, os espíritos alinhariam-se em geral em dois grandes grupos, a “direita” e a “esquerda”. Situadas na linha da “direita” estariam as entidades ligadas ao celestial, à luz, enquanto que a “esquerda” abarcaria entidades mundanas, mais próximas aos humanos. A divisão essencial aos cultos e à sua ritualística tem sido interpretada por autores que os estudam como sendo indicativo de submissão da religiosidade africana “original” ao poder e a regras morais dominantes (Lapassade & Luz, 1972Lapassade, G. & Luz, M. A. (1972). O segredo da macumba. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.). Essa interpretação engendra-se na tradição de análises fortemente impactadas pelo argumento de um autor clássico como Roger Bastide (1973Bastide, R. (1973). Estudos afro-brasileiros. São Paulo, SP: Perspectiva.), a respeito da forte influência do modo de pensar ocidental nas chamadas “macumbas”. Segundo esses estudos, a adaptação dessa religiosidade às transformações na sociedade brasileira, principalmente nos contextos urbanos, é compreendida como forma de desintegração de suas raízes. Enfatiza-se ainda a noção de que o candomblé teria se preservado culturalmente devido a seu isolamento, enquanto na chamada umbanda “branca”, como contraste, haveria a descaracterização do modelo negro e igualmente das vigências morais cristãs.

Na mesma medida, interpretou-se que práticas mágicas na umbanda “negra” ou quimbanda teriam sido “embranquecidas”, progressivamente moralizadas e substituídas pelas “virtudes cristãs” da classe dominante, de acordo com Renato Ortiz (1991Ortiz, R. (1991). A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira. São Paulo, SP: Brasiliense.), o que foi retratado no título da obra como A morte branca do feiticeiro negro. Apesar desses autores valorizarem os elementos próprios às religiões de matriz africana, parecem ter como expectativa em relação a elas uma “pureza” associada ao modo de pensar ocidental. Outro autor, Reginaldo Prandi (1996Prandi, R. (1996). Herdeiras do Axé: sociologia das religiões afro-brasileiras. São Paulo, SP: Hucitec., 2001Prandi, R. (2001). Exu, de mensageiro a diabo. São Paulo: Revista USP, (50), 46-63. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i50p46-63
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), que também afiança essas ideias, descreve a umbanda como apegada à ética católica, à caridade e ao altruísmo, contrariando a sua matriz africana. Já o candomblé, seu principal campo de pesquisa, é descrito como uma religião de cunho a-ético, provavelmente com base em uma concepção de ética ainda atrelada ao modelo cristão.

Não obstante, o perfil da umbanda seria menos ligado a regras e formalismos, mais próxima ao campo da oralidade e da espontaneidade poética, sendo seus mitos e saberes narrados e construídos coletivamente. Essa característica mostra-se potente na escuta e transmissão de memórias (Zumthor, 1997Zumthor, P. (1997). Introdução à poesia oral. (J. P. Ferreira; M. L. Pochat e M. I. Almeida, trads.). São Paulo, SP: Hucitec .) encontradas no imaginário social brasileiro. Pela via dos sentidos ligados ao corpo, enunciados por metáforas e metonímias na forma de cores, gestos, músicas, danças e rituais, essa religiosidade reconfigura no plano espiritual enredos de vivências históricas como síntese de valores simbólicos ameríndio-africanos, muitas vezes maltratados pela cultura dominante (Bairrão, 2005Bairrão, J. F. M. H. (2005). A escuta participante como procedimento de pesquisa do sagrado enunciante. Estudos de Psicologia (Natal), 10(3), 441-446. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2005000300013
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). No panteão espiritual umbandista não se estabelecem fronteiras rígidas ou divisões precisas, mas uma rede combinatória entre orixás, guias e santos católicos que compõem um conjunto elaborado, amplamente descrito em outros trabalhos acadêmicos3 3 Sobre trabalhos recentes que abordam os sentidos etnopsicológicos das entidades da umbanda, pode-se consultar Bairrão, 2005; Dias & Bairrão, 2011, 2014; Graminha & Bairrão, 2009; Macedo & Bairrão, 2011; Martins & Bairrão, 2009; Barros, 2013; Barros & Bairrão, 2015; Rotta & Bairrão, 2007; 2012. . Grande parcela de seus adeptos seria composta por populações periféricas (Brumana & Martinez, 1991Brumana, F. G. & Martinez, E. G. (1991). Marginália Sagrada. Campinas, SP: Editora Unicamp.), que, todavia, ganharam força na construção de classes sociais em ascensão afirmando-se social e etnicamente (Brown, 1985Brown, D. (1985). Umbanda e Poítica. Rio de Janeiro, RJ: Marco Zero.), o que proporcionou seu crescimento nas últimas décadas (Negrão, 2009Negrão, L. N. (Org.). (2009). Novas tramas do sagrado: tragetórias e multiplicidades. São Paulo, SP: Edusp .). A espiritualidade corporifica valores populares e re-significa características consideradas “baixas”, na medida em que aparecem no “alto escalão” umbandista (Bairrão, 2005Bairrão, J. F. M. H. (2005). A escuta participante como procedimento de pesquisa do sagrado enunciante. Estudos de Psicologia (Natal), 10(3), 441-446. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2005000300013
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). Esta capacidade, vale dizer, deve-se à própria ética da umbanda, uma ética de inclusão (Barros, 2013Barros, M. L. (2013). “Os deuses não ficarão escandalizados”: ascendências e reminiscências de femininos subversivos no sagrado. Revista Estudos Feministas, 21(2), 509-534. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2013000200005
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), que se constrói no presente e no cotidiano, afirmando-se psiquicamente como uma linguagem coletiva. O encontro entre memória e reflexão social parece ser uma habilidade de cifrar dores insuportáveis em reparações sublimes (Bairrão, 2004Bairrão, J. F. M. H. (2004). Sublimidade do mal e sublimação da crueldade: criança, sagrado e rua. Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(1), 61-73. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100009
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).

A demonização do culto, principalmente em relação a entidades como os exus e sua versão feminina, as pombagiras, vistos pela sociedade hegemônica como um desafio à moral e à ética católica, reproduz um histórico de sistemáticas perseguições de terreiros, atreladas à discriminação racial, considerados antagonismos à vida moderna (Negrão, 1996aNegrão, L. N (1996a). Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo. São Paulo, SP: Edusp.; Silva, 2012Silva, V. G. (2012). Exu do Brasil: tropos de uma identidade afro-brasileira nos trópicos. Revista de Antropologia, 55(2), 1085-1114. doi: http://dx.doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.59309
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). A aproximação da umbanda como o espiritismo kardecista é descrita por Camargo (1961Camargo, C. P. F. (1961). Kardecismo e Umbanda. São Paulo, SP: Pioneira.) como um contínuo mediúnico, tendo no seu outro extremo a quimbanda, vista como mais próxima ao candomblé. Marca-se que o polo mais “branco” e o polo mais “negro” variam em função do posicionamento dos seus praticantes (Negrão, 1996aNegrão, L. N (1996a). Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo. São Paulo, SP: Edusp.).

O sincretismo com outras espiritualidades é assinalado por Silva (2012Silva, V. G. (2012). Exu do Brasil: tropos de uma identidade afro-brasileira nos trópicos. Revista de Antropologia, 55(2), 1085-1114. doi: http://dx.doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.59309
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) como proteção a esse processo discriminatório, em que as entidades espirituais teriam desenvolvido uma “dupla face” ora expondo um lado mais católico, pela via da caridade e identificação com os santos, ora expondo um lado indígena e africano pelas plantas sagradas, por vezes representado como demoníaco. Desse modo, busca-se revisitar com base em uma coleta de dados empíricos as concepções próprias do universo da quimbanda, nomeadamente discutindo-se os argumentos anteriormente apresentados, relativos ao interjogo entre o referencial ético-moral cristão e elementos mais arraigados a heranças “pagãs” africanas.

Método

Mediante um estudo de caso coletivo, a coleta de dados foi feita em duas comunidades religiosas, com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa4 4 Número da aprovação: CAAE 30472314.3.0000.5407. , utilizando-se técnicas etnográficas, como observação-participante; registros em caderno de campo; e fotográficos, de áudio e de vídeo. Participando de rituais, festas e consultas espirituais, foi possível circular e conversar com os participantes em situações informais, bem como com as entidades incorporadas durante os cultos. Esse tipo de procedimento indica uma inserção profunda nas concepções de mundo e nas formas de interação das comunidades, visto que não faria sentido e nem seria de confiança alguém participar do culto e não se consultar. Aliada ao modelo etnográfico de pesquisa adotou-se uma “escuta participante” (Bairrão, 2005Bairrão, J. F. M. H. (2005). A escuta participante como procedimento de pesquisa do sagrado enunciante. Estudos de Psicologia (Natal), 10(3), 441-446. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2005000300013
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), útil para dar-se ouvidos a narrativas que se dizem em ato, muitas vezes impedidas de serem comunicadas diretamente mediante um recalque social, seguido de uma “autocensura” dos colaboradores. E foram igualmente escutadas como narrativas do sagrado as suas manifestações estéticas e sensoriais. Assim, foi possível apreender a comunidade como um todo, observando tudo o que fizesse sentido internamente ao seu conjunto, como a disposição dos objetos, gestos, pensamentos, sonhos, modos de vida e acontecimentos, atentando-se para a complexidade das vivências religiosas e de sua elaboração coletiva. O método presta-se a desvelar enunciações não necessariamente redutíveis a palavras (Bairrão, 2011Bairrão, J. F. M. H. (2011). Nominação e agência sem palavras: o audível não verbal num transe de possessão. In Simanke, R.T; Capreso, F.; Bocca, F.V. (Orgs.). O movimento de um pensamento. Curitiba, PR: Editora CRV.). Dessa maneira, puderam ser feitas inferências sobre um conhecimento sinuoso, que de algum modo “se esconde” ao público em geral, mas se mostra aos olhos da tradição.

A posição de deixar-se ser interpretado e cuidado pelas comunidades religiosas durante cinco anos permitiu a construção de laços profundos e de confiança mútua. As características da pessoa do pesquisador foram relevantes como instrumento para essa interação com o campo, acurando-se a sua percepção sensível para conhecer as formas de comunicação específicas do contexto. Foram de particular valia a convivência e as entrevistas livres realizadas com duas eminentes lideranças umbandistas: “Seu” Agnaldo, fundador do terreiro Pai Joaquim do Congo e Ogum Guerreiro, e “Seu” Emygdio. Ambos trabalharam na companhia ferroviária Mogiana, em Ribeirão Preto, e partilharam memórias valiosas de suas biografias por terem frequentado um dos primeiros terreiros de umbanda fundados na região. Após o seu expediente de trabalho, realizavam reuniões espirituais ao redor dos trilhos do trem, o que contribuiu para o resgate de elementos antigos das comunidades afro-brasileiras ribeirão-pretanas. Nas análises, buscou-se enfocar aspectos mais amplos do que aqueles ligados unicamente a individualidades, destacando-se os dados que se repetiram nas comunidades, relativos à memória coletiva. Para tanto, os termos que apareceram no contexto foram aqui também utilizados, a fim de não se deslocar, com propósitos acadêmicos, o estatuto de conhecimento dos próprios protagonistas da tradição.

Resultados e discussão

A denominação quimbanda, muitas vezes usada como acusação a práticas de umbanda, não se reduz apenas a isso, posto que há grupos que se autodenominam de quimbanda, como é o caso de um dos estudados no presente artigo. No entanto, o mais comum no próprio contexto da umbanda é referir-se à quimbanda como sendo o outro por excelência (quando fala-se sobre ela é citada como mais próxima ao candomblé, ou referida tendo-se em vista outro terreiro que supostamente a praticaria sob a “falsa” denominação de umbanda, ou em relação a um problema entendido como um ataque de entidade de quimbanda, ou um rito feito com algum propósito num terreiro de umbanda e desaprovado por outro etc.).

Aqueles que se autodenominam conhecedores ou praticantes da quimbanda descrevem que para isso é preciso ter muita “firmeza”, isto é, ser firme, contundente, o que exige experiência e conhecimento. Na quimbanda, as entidades espirituais ditas da linha da esquerda - que na umbanda geralmente ocupam posição muito importante, porém subalterna e periférica, que não rege o culto - assumem a primazia. Essa linha é descrita como “perigosa” e por isso na umbanda costuma ficar sob tutela da “direita”, o que informa ao interlocutor sobre possíveis riscos que precisam ser bem conhecidos. Sublinha-se que algumas entidades dessa linha se apresentam como o “povo da rua”, espíritos de moradores e crianças de rua, andarilhos, prostitutas, malandros. . . . E nessa linha situam-se conhecidamente os exus, entidades moradoras do reino da escuridão, que por sua vez revelam os pontos verdadeiros da pessoa para que ela possa ressituar-se relativamente a si mesma e às suas potencialidades, representando o desconhecido pessoal, e sendo indóceis ao discurso do outro e às tentativas de dominação (Bairrão, 2002Bairrão, J. F. M. H. (2002). Subterrâneos da submissão: sentidos do mal no imaginário umbandista. Memorandum, 2, 55-67. Recuperado de https://bit.ly/2JZdr3s
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). Ligados ao prazer, ao sexo e aos bens materiais, entende-se que os seus trabalhos têm um “preço” e se comportam como aliados de quem os procura (Trindade, 1985Trindade, L. (1985). Exu: poder e perigo. São Paulo, SP: Ícone.), mesmo que para isso utilizem meios e palavras cruas e diretas, o que corresponderia ao seu perfil de compromisso para com o seu interlocutor, em sua defesa, mas não necessariamente para seu agrado. No lugar de protetores, guardiões e mensageiros, lidam bem com as mazelas humanas, com o que é sombrio. Apresentam características tortuosas (sinalizadas como membros do corpo retorcidos) que não se subjugam a padrões de civilidade que colonizam e subalternizam outros, podendo ainda expressar-se de forma irreverente (Macedo & Bairrão, 2011Macedo, A. C & Bairrão, J. F. H. M. (2011). Estrela que vem do Norte: os baianos na umbanda de São Paulo. Paidéia, 21(49), 207-216. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-863X2011000200008
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), o que mesmo assim requer seriedade e cuidado no trato ritual em função do que representam. Exu é também um orixá na religião tradicional ioruba (Sàlámì & Ribeiro, 2015Sàlámì, S. & Ribeiro, R. I. (2015). Exu e a ordem do universo (2a ed.). São Paulo, SP: Oduduwa .), considerado o senhor da força primordial, do dinamismo, da transformação e da vitalidade, nem bom nem mau, soberano dos desígnios terrenos e trocas com o sagrado ao transportar pedidos e respostas entre homens e divindades (Oliva, 2005Oliva, A. R. (2005). Os africanos entre representações: viagens reveladoras, olhares imprecisos e a invenção da África no imaginário ocidental. Em Tempo de Histórias, (9), 90-114. Recuperado de https://bit.ly/2UlwM31
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).

Na umbanda os exus são entendidos como espíritos de pessoas desencarnadas com algumas qualidades que os aproximam desse tipo religioso. Sabe-se igualmente que na chamada linha de esquerda que eles integram situam-se também as pombagiras, entidades descritas como representantes do subversivo e do feminino, que oferecem um lugar simbólico para o carnal, e em última instância para o desejo (Barros, 2013Barros, M. L. (2013). “Os deuses não ficarão escandalizados”: ascendências e reminiscências de femininos subversivos no sagrado. Revista Estudos Feministas, 21(2), 509-534. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2013000200005
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; Barros & Bairrão, 2015Barros M. L. & Bairrão, J. F. M. H. (2015). Performances de gênero na umbanda: a pombagira como interpretação afro-brasileira de “mulher”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, (62), 126-145. doi: 10.11606/issn.2316-901X.v0i62p126-145
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).

Mas não apenas exus e pombagiras compõem a “esquerda”, sendo esta uma orientação possível presente no culto que pode ser compartilhada por diferentes entidades do panteão. Nessa linha também estão outras entidades, a exemplo dos exus mirins, espíritos de crianças “terríveis” ou “infernais”, em que o mal é narrado como horror vivido na pele e nas vivências de rua. Sua função espiritual é uma inversão daqueles que foram vítimas da exclusão social e depois de mortos tornam-se “experientes” protetores daqueles que se dirigem a eles (Bairrão, 2004Bairrão, J. F. M. H. (2004). Sublimidade do mal e sublimação da crueldade: criança, sagrado e rua. Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(1), 61-73. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100009
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).

Além das crianças, essa linha também inclui alguns pretos-velhos. Dias e Bairrão (2014Dias, R. N. & Bairrão, J. F. M. H. (2014). O caldeirão dos insurgentes: os pretos-velhos da mata. Memorandum, 26, 168-186. Recuperado de https://bit.ly/2VmhLLC
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) exploraram a categoria espiritual dos pretos-velhos da mata, espíritos supostamente de antigos quilombolas, de feiticeiros (quimbandeiros), curandeiros e rebeldes. Considerados perigosos pelo seu conhecimento mágico, chamam a atenção para vivências subjetivas das pessoas escravizadas, como rebeldia e insurgência, o mais das vezes omitidas ou abreviadas na descrição mais comum dos pretos-velhos (atribuídos à linha da direita e reportados como humildes, amáveis e pacientes). Os pretos-velhos da mata trazem à tona a profundidade das vivências da escravidão nos momentos em que “longe de terem sido indefesos e homogeneamente obedientes e submissos em relação ao trabalho servil e à condição desagregadora da escravidão, muitos negros se rebelaram, fugiram de seus senhores e lutaram firmemente por liberdade e autonomia” (Dias & Bairrão, 2014Dias, R. N. & Bairrão, J. F. M. H. (2014). O caldeirão dos insurgentes: os pretos-velhos da mata. Memorandum, 26, 168-186. Recuperado de https://bit.ly/2VmhLLC
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, p. 169).

Podem compor essa linha praticamente todas as outras classes de entidades, inclusive caboclos, deixando-se claro nessa religiosidade que ser de “esquerda” não é uma propriedade de certos tipos dessa espiritualidade, mas um modo de manifestação e de ação de quaisquer sujeitos espirituais. Assim, a quimbanda, ainda que “ofuscada” e marginalizada, muitas vezes sendo praticada à sombra da umbanda, disfarçadamente devido ao preconceito e pressões sociais, enuncia-se em narrativas e atos rituais, os quais serão descritos a seguir.

“Seu” Emygdio

Muitas pessoas procuravam o Sr. Emygdio dos Santos Netto, “Seu” Emygdio, para atendimentos espirituais, um senhor de 78 anos (1939-2016) conhecido nesse meio religioso como “quimbandeiro”. Ele frequentou um dos primeiros terreiros de umbanda da região, acompanhando de perto e durante muitos anos o pai­-de-santo conhecido como Pai José, até qualificar-se ele mesmo como líder espiritual e dedicar grande parte da sua vida à sua própria comunidade religiosa, em atendimentos que ocorriam diariamente dentro de um quarto em sua própria residência. As pessoas que o procuravam aguardavam sentadas no sofá da sala ou no quintal antes de serem chamadas para a consulta. Assinala-se que nos terreiros, como bem ilustrado neste caso, a família carnal não é vista como separada da família espiritual. Os seus filhos-de-santo e alguns familiares também o seguiam nas “giras”, que são as cerimônias espirituais, realizadas em locais como matas, cachoeiras, encruzilhadas, praias, capelas ou cemitérios.

Os atendimentos eram realizados com o auxílio de duas entidades: Exu Quimbandeiro e Exu Gato Preto, que nos dão pistas para uma reflexão mais ampla a respeito do argumento de assimilação do modelo cristão. Segundo Ribas (1989Ribas, O. (1989). Ilundu: espíritos e ritos angolanos. Porto: Edições ASA.), “umbanda” significa na etimologia angolana (línguas bantu) “arte de cura”, e na mesma gramática o prefixo “ki” designa o agente, o ministrante do ofício, sendo “kimbanda” a pessoa que faz a “arte de cura”.

O nome do Exu Quimbandeiro seria uma adaptação do significado africano “kimbanda” para o português “o quimbanda”, ou “quimbandeiro”, que guarda o mesmo significado e sonoridade de “curandeiro”. Na cosmologia bantu os saberes do “nganga”, uma autoridade espiritual ou um adivinho (p. 57) acompanham o uso das plantas sagradas, de acordo com Temples (1959Temples, P. (1959). Bantu philosophy. (A. Rubben, trad.). Paris: Presence Africaine.), o mesmo que Ribas (1989Ribas, O. (1989). Ilundu: espíritos e ritos angolanos. Porto: Edições ASA.) descreveu como sendo o agente que pode curar doenças do corpo ou da alma, mediante rituais que envolvem vivos e mortos, oferendas e “limpezas” usadas em todas as circunstâncias, para proteger, trazer benefícios e também “maleficar quem o hostiliza” (p. 19).

O nome do Exu Gato Preto estaria ligado ao imaginário da “feitiçaria”, referida com frequência em relatórios policiais e criminais em relação aos praticantes dos cultos afro-brasileiros (Negrão, 1996aNegrão, L. N (1996a). Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo. São Paulo, SP: Edusp.). Uma de suas características é “gostar de sangue”, o que lembra da carne, do mundano e pode ser entendido como um gosto pelo bélico, pelo enfrentamento. O significante “sangue” liga-se à cor vermelha e ao “fogo” próprios dos exus, sendo também um elemento de ligação entre o mundo carnal e espiritual (Slenes, 2011Slenes, R. (2011). Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX. Campinas, SP: Editora Unicamp .). Ao mesmo tempo, esse exu diz que se lhe pode pedir qualquer coisa que se queira, dando a entender que atende a todos os tipos de necessidades. Sua função espiritual seria oferecer apoio e proteção aos seus seguidores, no enfrentamento de situações de desafio e luta contra injustiças, massacres, perseguições, abusos de poder. Ressalta-se a concepção espiritual da umbanda de que toda ação traz consequências para o autor, e essa responsabilidade ritual requer que o sujeito que a executa nela se implique.

Para aquelas pessoas que não conheciam a rotina de “Seu” Emygdio, ao passar em frente ao portão fechado de sua casa não seria possível notar que ali ocorriam consultas espirituais. Sua característica discreta lembra a Omulu/Obaluaiê, entidade a qual “Seu” Emygdio é filho espiritual. Na Nigéria, essas duas divindades são diferentes, e na umbanda usualmente se fundem e são reconhecidas como ligadas a práticas medicinais, à cura, e moradoras do cemitério.

Como os terreiros são em geral abertos ao público, e o que pode se observar nessa forma de “privacidade” em relação ao entorno da casa, ou mesmo o seu oposto, uma total abertura da intimidade dos cômodos para se receber os consulentes, diz respeito a uma concepção religiosa muito peculiar. Conforme apontaram Brumana e Martinez (1991Brumana, F. G. & Martinez, E. G. (1991). Marginália Sagrada. Campinas, SP: Editora Unicamp.), não há separação entre casa e terreiro. Os terreiros são chamados de “centro”, com uma conotação kardecista, porém também são chamados de “casa”, indicando-se na própria denominação de pais, mães e filhos-de-santo a dimensão de uma família espiritual, em que não somente os parentes carnais são importantes no âmbito das relações de proximidade e confiança. Nesse sentido, outra característica comum na espiritualidade afro-brasileira apoia-se na dimensão do segredo em relação a alguns elementos rituais, determinante do grau de iniciação e de comprometimento para com o religioso. Além disso, a discriminação contra a umbanda, e particularmente contra a quimbanda, teria deixado como marca o seu disfarce ou ocultamento, o que se reflete na conduta de alguns praticantes que optam por uma espécie de invisibilidade social, muitas vezes sendo conhecidos na vizinhança apenas como “benzedeiros”.

Uma das práticas rituais de que houve oportunidade de se participar foi realizada numa mata (Figuras 1, 2 e 3). “Seu” Emygdio incorporou o Caboclo Pena Branca, uma referência a Oxalá pela cor branca, e que também soa como “pemba” branca, um pó usado na umbanda e igualmente utilizado na África em rituais bantus (Thompson, 1983Thompson, R. F. (1983). The flash of the spirit. New York: Random House.). É com ele que se riscam os pontos-riscados, que são para Thompson (1983Thompson, R. F. (1983). The flash of the spirit. New York: Random House.), assim como os pontos-cantados, mensagens criptografadas em metáforas visuais e sonoras para se “chamar” as entidades espirituais. Apesar dessa entidade, o caboclo, ser característico do repertório espiritual umbandista, ele também se manifesta na quimbanda, porém numa disposição ritual distinta, na mata aberta.

Figura 1
Lugar do ritual na mata

Figura 2
Lugar do ritual na mata

Figura 3
Cruz do Pedro

Outro ritual foi realizado na capela da Cruz do Pedro, numa sexta-feira em noite de lua cheia, hora e dia recomendados para trabalhos da linha de esquerda. Nessa capela (Figura 4) deu-se início a um rito sem tambores, em harmonia com a característica de não chamar muito a atenção, de passar o mais despercebido possível. Essa capela situa-se na zona rural de Ribeirão Preto, em cima do túmulo do menino Pedro, um filho de escravos que foi brutalmente assassinado por ter roubado comida. Em memória aos milagres que ocorreram após esse acontecimento, segundo Molina (2012Molina, S. R. (2012). A cruz do Pedro: memórias sobre o menino que virou festa. Anais do XXI Encontro Estadual de História: trabalho, cultura e memória. 1-14. Campinas, SP: ANPUH-SP. Recuperado de https://bit.ly/2uOvYVD
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), essa capela é muito importante na história da região, apesar de pouco lembrada. Construída em uma das grandes fazendas cafeicultoras, seus sinos eram tocados pela manhã como parte da rotina dos terreiros de café que abasteciam a Estrada de Ferro Mogiana. Afastada e de difícil acesso, atualmente congrega fiéis de várias cidades da região, provavelmente familiares das colônias, e é onde anualmente se faz uma peregrinação e depois se celebra uma festa junina.

Na abertura, “Seu” Emygdio e seus ajudantes acenderam muitas velas, iluminando o lugar. Pedindo “força” e “proteção” aos orixás, cantou-se um ponto-cantado “chamando” os caboclos. Um médium incorporou essa entidade, que “deu o passe” nos consulentes com o uso de um galho cheio de folhas. Após esse momento, cantou-se um ponto-cantado para os baianos. O pai-de-santo incorporou essa entidade, que também “deu passe” aproximando-se alegremente de cada pessoa, segurando-lhe as mãos e dizendo “eu sou Joaquim Baiano”. Outro médium incorporou Virgulino Cangaceiro. Na sequência o pai-de-santo “recebeu” Martinho Marinheiro, sendo-lhe entregue uma garrafa de pinga que ele colocou debaixo do braço e em seguida cumprimentou a todos, expressando no seu andar embriaguez. Logo depois “chegou” um preto-velho, e na ocasião a pesquisadora foi autorizada a tirar fotografia da entidade (Figura 5), que logo em seguida foi “embora”.

Antes da finalização do ritual, “Seu” Emygdio diz: “agora vai ser o que não era pra ser feito aqui, mas vai ser aqui mesmo”. O que “não pode, mas vai ser feito” na capela é a incorporação dos exus. Pediu-se que as pessoas ficassem do lado de fora aguardando o atendimento individual que seria realizado com o Exu Quimbandeiro e em seguida com o Exu Gato Preto.

Figura 4
Ritual no interior da capela

Figura 5
Preto-velho e consulentes durante o ritual

Na umbanda, o cemitério e a rua são lugares de culto da linha da esquerda, e uma capela é um lugar típico da “direita”. Aqui houve uma inversão: a “esquerda” ficou dentro da capela. Os consulentes aguardaram o momento do atendimento a céu aberto, sob a luz da lua que clareava a mata ao redor. O cambone (ajudante ritual) explicou que eram os “exus, que são índios da mata” quem os protegia, portanto, caboclos quimbandeiros. Ou seja, nessa variante do culto o exu típico dá as consultas (numa capela!) e os caboclos fazem a proteção do lado de fora (no caso, uma mata, território de caboclos).

A mata, segundo esses porta-vozes da tradição, traz “mais força” ao ritual. Retratada na literatura romântica indianista como sinônimo de fertilidade e beleza, e como palco histórico dos massacres da colonização, a mata exalta o índio e com ele um ideário de nação e de liberdade (Zilberman, 1994Zilberman, R. (1994). A terra em que nasceste: imagens do Brasil na literatura. Porto Alegre, RS: Editora Universidade/UFRGS.).

Além da mata como elemento ritual, destaca-se nesse episódio a importância da capela, que aqui é ao mesmo tempo um túmulo, sobre o qual encontra-se uma grande cruz estendida no chão. A cruz é descrita na cosmologia bantu como a junção entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos (Souza, 2002Souza, M. M. (2002). Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de Rei Congo. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.; Thompson, 1983Thompson, R. F. (1983). The flash of the spirit. New York: Random House.). As duas linhas em cruz formam uma encruzilhada, o encontro de caminhos, onde nesses cultos é território de exus, os que cumprem o papel de “abrir os caminhos”, endereçando ao seu interlocutor a responsabilidade sobre o caminhar. Na “cruz do menino Pedro” sublinha-se a morada de um morto, um pequeno cemitério, local em que é comum situarem-se os cruzeiros ditos “das almas”, que por sua vez em cultos como a umbanda são lugares associados aos pretos-velhos. O simbolismo do cemitério está ligado ao mar, à “kalunga”, e aos ancestrais (Slenes, 1992Slenes, R. (1992). “Malungu, ngoma vem!”: África coberta e descoberta do Brasil. Revista USP, (12), 48-67. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i12p48-67
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). A cruz representa um conjunto complexo de memórias e suas conexões tanto com a cosmologia cristã quanto com cosmologias africanas, o que resulta em uma negociação ativa das tradições afro-brasileiras entre o “velho” e o “novo” mundo (Souza, 2002Souza, M. M. (2002). Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de Rei Congo. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.).

“Seu” Guina

Sentar ao lado do Sr. Agnaldo Moraes, o “Seu” Agnaldo (Guina), parecia ter uma conversa com um preto-velho, mas não em espírito, em “carne e osso”. Neto de africano e brasileira, frequentou durante sua infância a “mesa branca”5 5 As sessões do espiritismo são conhecidas na umbanda como “mesa branca”. com a avó, e na juventude foi trabalhar na empresa ferroviária Mogiana. Com a paciência da sua idade de 85 anos (1930-2015) afirmava que “a gente sempre aprende” e contava histórias, sempre numa posição de mestre conversando com um aprendiz. Quando perguntado sobre sua experiência na religião, narrava características das entidades espirituais. Quando perguntado sobre a quimbanda, sua resposta era indireta, com interrupções, não linear e com longas digressões, e relatava enredos da sua biografia. Examinando essa forma de atuar na sua comunidade e o seu papel na tradição de transmissão do conhecimento, cheio de interditos, revela a não separação bem definida entre espíritos e pessoas.

Figura 6
Rosemary Rodrigues de Moraes, atual mãe-de-santo

O chefe espiritual do terreiro fundado por “Seu” Agnaldo, hoje dirigido por sua filha Rosemary (Meire) (Figura 6), é o preto-velho Pai Joaquim do Congo, entidade da sua esposa e antiga mãe-de-santo, “Dona” Antônia (Tonica) (1928-2007). Os pretos-velhos são concebidos como espíritos de antigos africanos escravizados, cuja atuação na umbanda se dá pela via da paciência e humildade. Representam a reversão daquele que sofreu abandono e, depois de morto, transformou-se num cuidador. Quando associados aos quilombolas são moradores e profundos conhecedores dos segredos da mata (Dias & Bairrão, 2014Dias, R. N. & Bairrão, J. F. M. H. (2014). O caldeirão dos insurgentes: os pretos-velhos da mata. Memorandum, 26, 168-186. Recuperado de https://bit.ly/2VmhLLC
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). O outro chefe espiritual desse terreiro é Ogum Guerreiro, divindade ligada ao ferro, logo, às estradas férreas, nas quais ambos os nossos colaboradores trabalharam. Nas vivências espirituais de quimbanda, “Seu” Guina realizava com um grupo de amigos, entre eles “Seu” Emygdio, após o expediente do trabalho reuniões noturnas em torno dos trilhos do trem, eufemisticamente chamadas de “alta magia”, e pedia às entidades espirituais para ter clarividência6 6 “Seu” Agnaldo não tinha a mediunidade de incorporação, mas dizia poder ver e perceber as entidades. Durante o culto ele ficava sentado em sua cadeira de rodas ao lado do congá (altar), na maior parte do tempo com os olhos fechados e a cabeça baixa. Tinha uma visão e uma audição espetaculares. Havia ocasiões em que ele levantava a cabeça no mesmo momento em que alguém falava ou agia de maneira inadequada, mesmo que a pessoa estivesse na outra extremidade do salão. , e para conhecer os segredos rituais e das plantas. Comentava que é preciso “agradar” a “esquerda” da pessoa que se quer combater ou defender, dizendo assim: “você pega o seu inimigo de acordo com o que ele acha que é vantagem”. Foi frequentador, assim como “Seu” Emygdio, do terreiro de Pai José. Em sua trajetória, “Seu” Agnaldo, filho espiritual de Xangô, orixá da justiça, dava a benção àqueles que o procuravam e era chamado pela comunidade de avô.

Figura 7
Senhor Agnaldo de Moraes

Em seus ensinamentos costumava repetir: “Procure se cuidar. Procure não fazer mal pra ninguém”. “Cuidar” é uma prática cotidiana e o “mal” aparece como uma opção para o seu ouvinte. Nas suas palavras fazer o mal seria muito fácil, o “duro” é ter “firmeza”, “manter a cabeça no lugar”.

Umbandoquim

Sublinha-se na trajetória de “Seu” Agnaldo, fiscal da justiça espiritual, e de “Seu” Emygdio, defensor dos casos mais reservados, uma história de dois líderes (que na sua idade remontam quase um século de vida) com experiências importantes em um dos primeiros terreiros da região. As narrativas nesses terreiros tradicionais revelam uma síntese entre os dois polos dessa espiritualidade. Esses saberes impõem-se como responsabilidade e coerência nos próprios atos, sendo os passos desses dirigentes o alicerce da transmissão dos seus fundamentos. Indica-se haver uma umbanda manifestamente voltada para a caridade, em que a quimbanda seria o seu lado demoníaco; assim como há outra manifestação possível da mesma religiosidade, uma versão pelo seu interior, nomeada por meio das palavras de “Seu” Agnaldo como sendo dois lados da mesma moeda: “tem a umbanda que é a direita, a quimbanda é a esquerda, umbandoquim é as duas em uma só”.

Desta forma, encontramos nas suas palavras não apenas o que é na prática uma concepção unitária do culto, mas um termo que a denomina. Uma designação longa e cuidadosamente protegida de olhares curiosos, talvez pelo risco de derivações fantasiosas que o uso de palavras e a banalização de conhecimentos pode trazer aos cultos afro-brasileiros.

Segundo “Seu” Guina, não só quem ensina, mas também quem aprende tem responsabilidades. O ritual é uma forma de transmitir esses saberes, o gesto e a prática religiosa comportam significados que passam pelos órgãos dos sentidos e não precisam ser explicados, ou talvez muitas vezes não há palavras para traduzi-los. Dizia que se “tem de ter conhecimento de causa”, é preciso “saber o que se está fazendo”. “Saber fazer” significa ter sabedoria, conhecimento, assim como estar implicado na ação, responsabilizar-se.

Em muitas tradições orais o fazer não se separa do pensar (Leite, 1992Leite, F. (1992). A questão da palavra em sociedade negro-africanas. In Santos, J. E. (Org). Democracia e diversidade humana, desafio contemporâneo (pp. 35-41). Salvador, BA: SECNEB.). Enquanto espiritualidade sensível e acolhedora, sustentada na memória coletiva, esses cultos evidenciam uma concepção moral não compreendida linearmente, sendo mais atenta ao caso a caso e às pessoas singulares do que a regras doutrinárias. Nos cultos afro­-brasileiros usa-se o ritual para iniciação espiritual, e também com o intuito de resolver as questões da vida como um todo, o que é destacado por Negrão (1996bNegrão, L. N (1996b). Magia e religião na Umbanda. Revista USP, (31), 76-89. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i31p76-89
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) como uma “moral pragmática” (p. 88) em função da satisfação plena das necessidades humanas, o que integra a pessoa e todos os seus aspectos do passado, presente e futuro ressignificados simbolicamente, inclusive nas relações saúde/doença. Essas religiões voltam-se para a solução de problemas em benefício dos seus praticantes, especialmente como proteção contra as injustiças cometidas em relação às populações marginalizadas.

As linhas espirituais na umbanda circulam entre “direita e frente, esquerda e costas” (Negrão, 1996bNegrão, L. N (1996b). Magia e religião na Umbanda. Revista USP, (31), 76-89. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i31p76-89
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, p. 82), e embora divididas podem refletir um juízo de valor que aparta as entidades chamadas da “esquerda”, muitas vezes descritas no nível do discurso e das explicações fundadas em preconceitos como sendo carentes de caráter, isso pode não coincidir com a prática, em que elas ocupam um lugar no ritual no qual se lhes dirigem uma importância e profundo respeito, sendo homenageados em primeiro lugar e estando de fato “à frente” dos problemas mais difíceis e ao mesmo tempo cuidando das “costas” . Quando são elas a ocuparem a posição de liderança, no caso da quimbanda, a estrutura religiosa, ainda assim, pode permanecer ancorada numa mesma apreensão da natureza e dos sentidos corporal, estético e simbólico.

Os dados encontrados evidenciam a importância do detalhe. Destaca-se em um ritual singelo, de uma resistente quimbanda (comumente despercebida ou ignorada por estratégias de registro incapazes de apreender as suas formas de expressão silenciosas), uma contribuição que pode lançar luz e permite inferir a especificidade ética imanente a essa espiritualidade, mediante elementos que não se captam pela fala nem pela doutrina, mas revelam-se no fazer. Deste modo, os seus rituais e práticas podem preservar sentidos eventualmente reprimidos socialmente, que se transmitem pelo corpo e enunciam narrativas de fundo espiritual e histórico implícitos (Connerton, 1989Connerton, P. (1989). How societies remember. Cambridge, UK: Cambridge University Press.).

Ressalte-se também o trânsito fluido e a convivência entre umbanda e quimbanda, algo não previsto por análises de cunho etnocêntrico, embasadas em matrizes de pensamento e de moralidade alheias às suas razões. O fato destas se reportarem a outro modelo cultural, de se transmitirem mediante recursos não atidos ao verbal, e de serem pouco acessíveis a categorias de pensamento lineares e excludentes, não significa que tenham desaparecido. Hoje, em pleno século XXI, percebe-se numa perspectiva histórica o equívoco da aposta de alguns autores, conduzidos por uma análise presa à superfície do que esses cultos mostram a um olhar apressado. Segundo esse ponto de vista, a umbanda estaria não somente “embranquecida”, como seria uma oposição à quimbanda, aparentemente excluída, isto é, submissa à assimilação de valores da cultura dominante e cada vez mais distanciada de seus referenciais africanos. Ainda que os estudos desenvolvidos por essa chave tenham grande importância e se constituam em contribuições valiosas, desde que consideradas as suas condicionantes históricas e limitações metodológicas, eles não esgotam o tema. Se aceitarmos os seus pressupostos, estamos condenados a pensar a umbanda (e a quimbanda) tomando-se como parâmetro a moralidade cristã, arriscando desconhecer a sua ética própria, reduzindo-a à mera amoralidade. Em contraponto, se levarmos em conta a diferença suscitada pelas marcas de africanidade inerentes a essas expressões religiosas, é possível encontrar nelas uma elaboração sobre a questão ética distinta dos termos em que tradicionalmente vem sendo abordada.

Ao explorar a categoria quimbanda, que longe de ter desaparecido ainda hoje é praticada em Ribeirão Preto, descobre-se no que foi apontado como uma desintegração de uma tradição na verdade uma forma de proteção. A separação direita e esquerda, que aparecem como duas vertentes dessa prática espiritual, na realidade não se opõem. A linha da “direita”, da luz, comportando sentidos para a retidão, para a consciência, e as entidades da “esquerda”, da escuridão, comportando sentidos para o ardiloso, parecem ser aos olhos da comunidade referências à mesma espiritualidade.

Quimbanda e umbanda, que em geral se apresentam como distintas ou como práticas antagônicas, compartilham simbolismos e apetrechos rituais representando dois palcos de uma mesma concepção religiosa. Embora essa divisão sem dúvida habite as representações conscientes não apenas daquela parcela social que insiste em demonizar os cultos afro-brasileiros, como também por vezes dos seus próprios praticantes (e de alguns dos seus estudiosos), não corresponde à concepção profunda desse universo religioso, habitualmente silenciado no seu modo próprio de ser, cheio de símbolos e pouco dado a palavras e explicações a respeito de si mesmo (talvez por elas serem inúteis para quem ainda não compreendeu as suas sutilezas e desnecessárias para quem pensa e atua por dentro delas). A quimbanda, por sua vez, reforça os sentidos de contestação ao que coloniza, de luta e resistência frente às relações de poder. Desconsidera leis sociais e morais vindas “de cima”, sem que por isso, salvo alguma explicitação do uso do termo e das condições de comparação, seja cabível qualificá-la (nem a ela nem a nenhuma outra prática religiosa afro-brasileira) de amoral.

Essa solidariedade entre umbanda e quimbanda possibilita uma vivência espiritual que não priva nem exclui o humano das suas características integrais, incluindo-se as intoleráveis ou as mais temíveis, responsabilizando cada um pelo seu caminhar. A associação da quimbanda ao polo mais negro, ou à feitiçaria e mesmo ao satanismo, pode ser entendida mais propriamente em função do posicionamento do praticante no sistema do que atinente a uma diferença substancial em relação à umbanda. Essas espiritualidades desdobram-se em uma ética de implicação pessoal, adversa à dicotomia entre “bem” e “mal”.

Considerações finais

Para além da doutrina e dos ritos religiosos visíveis, há uma dimensão da vivência espiritual irredutível a palavras e explicações, mas que se transmite pela prática e pelo silêncio. Nesse âmbito, parece não haver uma oposição verdadeira entre quimbanda e umbanda, que se unificam numa experiência única capaz de refletir o amplo leque das intenções e motivações humanas, nenhuma delas sendo deixada de fora. O exemplo desses mestres espirituais ilustra que é preferível não lhe dar nome, mas se este for preciso deve reunir em si umbanda e quimbanda, conforme a condensação proposta depois de muitos anos de interlocução, emitida uma só vez por “Seu” Agnaldo: “umbandoquim, as duas em uma só”. Este contínuo não se dá em primeiro lugar e principalmente na forma do rito exterior. A passagem entre uma e outra ocorre no coração da vivência e é da ordem da escolha. Na umbanda haveria uma concepção da natureza que se propõe como uma estética e uma ação “correta”, ao modo da pedra que é dura, firme, justa; a erva que cura, é medicinal; a água que limpa; a mata que protege, provê etc. . . . No interjogo com a quimbanda, o humano dá o tom do fazer, em que a erva pode ser usada para matar, a pedra para ferir, a água para sujar, a mata para esconder. Isso não quer dizer que a umbanda seja boa e a quimbanda seja má. Quando a pessoa se implica na umbanda há uma adesão aos seus sentidos éticos e simbólicos, como os do caboclo, no caso a retidão, enquanto que na quimbanda o fazer não se lhes subordina, mas não necessariamente se desvincula deles, nem os contesta.

Desta maneira, é possível entender que existem cultos com uma forma de quimbanda, mas de uma similaridade com a umbanda, de uma transparência e bondade ímpares, apoiados em uma determinação dos corações dos homens, em cujos ritos se manifestam, por exemplo, exus leais e justos, pombagiras fiéis e boas conselheiras conjugais etc. Não é o bem ou o mal que decidem, e sim a articulação entre o sistema e as singularidades dos sujeitos nele implicados. Assim se explicaria porque há grupos em que a estética é totalmente a de uma umbanda, as cores, os significados, a ordem do ritual e as entidades religiosas, mas ainda assim considerados como quimbanda por terceiros e pelos próprios adeptos, pois se olha para a intenção do praticante e não tanto para a forma exterior do culto.

De certa maneira, em todos os casos, não há figura sem fundo, e por isso sempre as duas são uma só. Há liberdade e independência no coração “obediente” (firme) à natureza rica, subjacente à circulinearidade das motivações individuais e personalistas. Deste modo, e talvez por isso mesmo, certo e errado, bem e mal, quando determinados à revelia da sensibilidade e motivação humana, assim como da sua verdade subjetiva seriam categorias e qualificativos inadequados e incabíveis, não propriamente por uma negação da sua validade, mas pela constatação da sua inaplicabilidade e impertinência neste contexto. A ideia de uma sujeição retórica a dicotomias como bem e mal, pretensamente excludente de outras concepções de moralidade, não é válida neste campo e, portanto, não lhe é aplicável o atributo de amoralidade com que por vezes se brindam esses cultos, derivado de projeções e fantasias de observadores externos aos quais escapou a sua lógica interna.

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  • 1
    Este artigo é dedicado a Agnaldo Moraes (in memoriam) e Emydgio dos Santos Netto (in memoriam), que deixaram um grande legado à comunidade religiosa afro-ribeirão-pretana.
  • 2
    Dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • 3
    Sobre trabalhos recentes que abordam os sentidos etnopsicológicos das entidades da umbanda, pode-se consultar Bairrão, 2005Bairrão, J. F. M. H. (2005). A escuta participante como procedimento de pesquisa do sagrado enunciante. Estudos de Psicologia (Natal), 10(3), 441-446. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2005000300013
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    .
  • 4
    Número da aprovação: CAAE 30472314.3.0000.5407.
  • 5
    As sessões do espiritismo são conhecidas na umbanda como “mesa branca”.
  • 6
    “Seu” Agnaldo não tinha a mediunidade de incorporação, mas dizia poder ver e perceber as entidades. Durante o culto ele ficava sentado em sua cadeira de rodas ao lado do congá (altar), na maior parte do tempo com os olhos fechados e a cabeça baixa. Tinha uma visão e uma audição espetaculares. Havia ocasiões em que ele levantava a cabeça no mesmo momento em que alguém falava ou agia de maneira inadequada, mesmo que a pessoa estivesse na outra extremidade do salão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2017
  • Aceito
    22 Mar 2019
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