Acessibilidade / Reportar erro

Placas ósseas confeccionadas a partir de diáfise cortical equina na osteossíntese femoral em coelhos

Bone plates produced from equine cortical bone in rabbits femoral osteosynthesis

Resumos

A evolução tecnológica tem possibilitado o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de novos materiais para implantes. Apesar dos fundamentais benefícios providos pelos dispositivos ortopédicos, complicações decorrentes de corrosão, degradação, infecção, além de outras podem ocorrer. O entendimento das características dos biomateriais é fundamental para a previsibilidade do seu comportamento in vivo, fornecendo subsídios para que o composto mais adequado seja escolhido na reconstrução do defeito ósseo. As placas de origem metálica são as mais utilizadas para o reparo de fraturas de ossos longos, sendo mecanicamente resistentes e biocompatíveis. No entanto, a necessidade de remoção e o enfraquecimento do osso são suas principais desvantagens. Neste trabalho, placas produzidas a partir de osso cortical equino foram empregadas experimentalmente em fêmur osteotomizado de coelhos (Grupo osso-GO), num estudo comparativo com placas de metal (Grupo metal-GM). A avaliação radiográfica foi realizada a cada 30 dias, durante 120 dias, momento em que foi então realizada análise histológica do material em estudo. Não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos com relação à morfometria do calo ósseo e consolidação óssea em todos os momentos avaliados, sendo que ambas as placas permitiram a consolidação em todos os animais. Entretanto, observou-se que o calo ósseo foi menor no GO, em relação ao GM, em todos os momentos do estudo. Por outro lado, a maior parte dos animais do GO apresentou consolidação completa da fratura aos 90 dias, enquanto que no GM isto ocorreu aos 60 dias. Não foram evidenciadas células do tipo corpo estranho na histopatologia dos animais do GO, mas maior quantidade de tecido fibroso foi identificada, envolvendo este biomaterial. A placa confeccionada com osso equino representa uma alternativa de baixo custo e muito viável, uma vez que permitiu estabilização adequada para consolidação óssea de fratura de fêmur em coelhos. Neste estudo, a menor formação de calo periosteal, associada a um tempo superior para consolidação em GO sugerem maior estabilidade da fratura onde a placa de osso foi utilizada.

Ortopedia; osso cortical; placa; coelhos


Actually, technological advances have contributed to the development and improvement of new materials for implants. Despite the fundamental benefits provided by orthopedic materials, complications resulting from corrosion, degradation, infection, and others may occur. The knowledge of characteristics of the biomaterials is important to predict their behavior in vivo, supporting that the most suitable compound is chosen to reconstruct the bone defect. Metallic plates are the most common material used for repair of long bone fractures, and they are mechanically stable and biocompatible. However, the need of removal and bone weakening are their disadvantages. In this paper, plates made from equine cortical bone were used experimentally in osteotomized rabbit femur (bone-GO Group), in a comparative study with metal plates (metal GM Group). Radiographic evaluation was performed every 30 days during 120 days, at which time was then performed femur histological analysis. During all evaluated moments of the study, there was no statistically significant difference between the two groups in callus morphometry, and complete consolidation was observed in all animals. However, it was observed that the callus was lower in GO compared to GM, all times during the study. Moreover, most of the GO animals showed complete consolidation fracture at 90 days only, whereas this occurred in GM at 60 days. There were no foreign-body cells in the histopathology exam of the GO animals, but larger amount of fibrous tissue was identified, involving this biomaterial. The plate made from horse bone represents a low cost alternative and it is very feasible, it allowed adequate stabilization of femur fracture in rabbits. In this study, the lower periosteal callus associated with a longer time for consolidation in GO suggest greater fracture stability when the bone plate was used.

Orthopedicplate; cortical bone; rabbit


ANIMAIS DE PRODUÇÃO

Placas ósseas confeccionadas a partir de diáfise cortical equina na osteossíntese femoral em coelhos

Bone plates produced from equine cortical bone in rabbits femoral osteosynthesis

Fernando Pinheiro MiloriI,* * Autor para correspondência: fernandomilori@yahoo.com.br ; Juliany QuitzanII; Renato Silva de SouzaIII; Silvana Maris CirioIV; Peterson Triches DornbuschIII; Antônia Maria R. Binder do PradoII

IClínica Veterinária Maringá, Avenida Maringá 276, Bairro Emiliano Perneta, Pinhais, PR 83324-000, Brasil

IIHospital Veterinário, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Rodovia BR-376 Km 14, Cx. Postal 129, Bairro Costeira, São José dos Pinhais, PR 83010-500, Brasil

IIIHospital Veterinário, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rua dos Funcionários 1540, Bairro Juvevê, Curitiba, PR 80035-050, Brasil

IVPet Imagem Diagnósticos Veterinários, Rua Senador Batista de Oliveira 202, Jardim das Américas, Curitiba, PR 81530-150

RESUMO

A evolução tecnológica tem possibilitado o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de novos materiais para implantes. Apesar dos fundamentais benefícios providos pelos dispositivos ortopédicos, complicações decorrentes de corrosão, degradação, infecção, além de outras podem ocorrer. O entendimento das características dos biomateriais é fundamental para a previsibilidade do seu comportamento in vivo, fornecendo subsídios para que o composto mais adequado seja escolhido na reconstrução do defeito ósseo. As placas de origem metálica são as mais utilizadas para o reparo de fraturas de ossos longos, sendo mecanicamente resistentes e biocompatíveis. No entanto, a necessidade de remoção e o enfraquecimento do osso são suas principais desvantagens. Neste trabalho, placas produzidas a partir de osso cortical equino foram empregadas experimentalmente em fêmur osteotomizado de coelhos (Grupo osso-GO), num estudo comparativo com placas de metal (Grupo metal-GM). A avaliação radiográfica foi realizada a cada 30 dias, durante 120 dias, momento em que foi então realizada análise histológica do material em estudo. Não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos com relação à morfometria do calo ósseo e consolidação óssea em todos os momentos avaliados, sendo que ambas as placas permitiram a consolidação em todos os animais. Entretanto, observou-se que o calo ósseo foi menor no GO, em relação ao GM, em todos os momentos do estudo. Por outro lado, a maior parte dos animais do GO apresentou consolidação completa da fratura aos 90 dias, enquanto que no GM isto ocorreu aos 60 dias. Não foram evidenciadas células do tipo corpo estranho na histopatologia dos animais do GO, mas maior quantidade de tecido fibroso foi identificada, envolvendo este biomaterial. A placa confeccionada com osso equino representa uma alternativa de baixo custo e muito viável, uma vez que permitiu estabilização adequada para consolidação óssea de fratura de fêmur em coelhos. Neste estudo, a menor formação de calo periosteal, associada a um tempo superior para consolidação em GO sugerem maior estabilidade da fratura onde a placa de osso foi utilizada.

Termos de indexação: Ortopedia, osso cortical, placa, coelhos.

ABSTRACT

Actually, technological advances have contributed to the development and improvement of new materials for implants. Despite the fundamental benefits provided by orthopedic materials, complications resulting from corrosion, degradation, infection, and others may occur. The knowledge of characteristics of the biomaterials is important to predict their behavior in vivo, supporting that the most suitable compound is chosen to reconstruct the bone defect. Metallic plates are the most common material used for repair of long bone fractures, and they are mechanically stable and biocompatible. However, the need of removal and bone weakening are their disadvantages. In this paper, plates made from equine cortical bone were used experimentally in osteotomized rabbit femur (bone-GO Group), in a comparative study with metal plates (metal GM Group). Radiographic evaluation was performed every 30 days during 120 days, at which time was then performed femur histological analysis. During all evaluated moments of the study, there was no statistically significant difference between the two groups in callus morphometry, and complete consolidation was observed in all animals. However, it was observed that the callus was lower in GO compared to GM, all times during the study. Moreover, most of the GO animals showed complete consolidation fracture at 90 days only, whereas this occurred in GM at 60 days. There were no foreign-body cells in the histopathology exam of the GO animals, but larger amount of fibrous tissue was identified, involving this biomaterial. The plate made from horse bone represents a low cost alternative and it is very feasible, it allowed adequate stabilization of femur fracture in rabbits. In this study, the lower periosteal callus associated with a longer time for consolidation in GO suggest greater fracture stability when the bone plate was used.

Index terms: Orthopedicplate, cortical bone, rabbit.

INTRODUÇÃO

As fraturas dos ossos longos afetam frequentemente cães e gatos, e estão relacionadas às quedas, atropelamentos, brigas ou projéteis balísticos (Larin et al. 2001). Para o tratamento, a técnica utilizada deve ser capaz de resistir às forças de compressão, torção e encurvamento, visando o retorno precoce da função do membro e a sua completa reparação tecidual (Schmaedecke et al. 2003,Roque-Rodriguez et al. 2009).

A velocidade e a qualidade da união óssea são diretamente proporcionais à rigidez e estabilidade com que os fragmentos ósseos estão mantidos. A fixação das fraturas com placas e parafusos ortopédicos é bem adequada neste propósito, pois fornece estabilidade enquanto permite a atuação das forças de rotação, arqueamento, tração e compressão (Della Nina et al. 2007).

Os metais ainda são os principais materiais utilizados para as placas. A resistência à corrosão e a capacidade de suporte de carga caracterizam os principais benefícios destes materiais. No entanto, o emprego de uma placa metálica pode induzir osteoporose com perda de resistência óssea após remoção, predispondo o osso a novas fraturas. Essas complicações podem ser atribuídas a furos residuais, distúrbios vasculares pelo contato entre a placa e osso e o efeito da rigidez das placas sobre a estrutura óssea, denominado "stress shielding" (Rosson et al. 1991).

Para minimizar estes inconvenientes, novos materiais têm sido empregados como componentes de placas ósseas. Os materiais cujas propriedades permitem ser equivalentes às do tecido hospedeiro desfrutam das melhores aplicações. Deste modo, um material com características similares à de um enxerto ósseo é um atrativo muito interessante em osteossíntese. Mesmo que um implante de osso seja menos resistente que um implante de metal, tende a fortalecer o osso durante os processos de absorção e neoformação (Bento 2003).

Implantes de osso cortical são descritos na literatura, com resultados aprazíveis. O osso cortical heterólogo obtido de cadáver proporciona função mecânica de sustentação, podendo fornecer quantidade significativa de tecido a partir de um único doador (Freitas et al. 2008). O osso para implante deve ser submetido a tratamentos de descontaminação e redução da carga antigênica, visando preservar seu potencial biológico. Apesar de diferentes possibilidades de esterilização citadas na literatura para enxertos ósseos, incluindo glicerina 98% (Gioso 2002), mel (Alievi 2007), criopreservação (Johnson 1992), dentre outros, o óxido de etileno é um método de esterilização consagrado na prática hospitalar, prático e com custo acessível, já que há possibilidades de terceirização do serviço.

O metacarpo equino é considerado como um dos elementos mais fortes do esqueleto nesta espécie (Moreira 2008). Sua capacidade em suportar diferentes cargas o torna um material de grande interesse. Porém, nenhum relato utilizando este osso para confecção de placas ortopédicas foi encontrado. O objetivo do estudo foi avaliar o comportamento de placas ortopédicas confeccionadas a partir de osso cortical equino para fixação interna de fraturas, em comparação com placas de aço inox em fêmur de coelhos, por meio de avaliações radiográficas e anatomopatológicas.

MATERIAL E MÉTODOS

A região cortical dorsal do terceiro metacarpeano equino foi o local de escolha para a obtenção das amostras. Estes ossos foram fornecidos pelo serviço de patologia da PUCPR, obtidos de cavalos adultos eutanasiados devido lesões incompatíveis à vida.

Como o uso de uma micro-retífica, os fragmentos ósseos foram confeccionados até obterem o formato das placas ósseas com as dimensões pré- determinadas. A placa de metal posicionada sobre a placa de osso permitiu marcar os pontos de perfuração dos orifícios. Com o uso de escarificador, os orifícios tiveram suas porções superficiais aumentadas visando o ajuste da cabeça dos parafusos. As bordas das placas foram ligeiramente arredondadas finalizando o processo de confecção.

Seguindo a técnica de processamento químico descrita por Volpon (2000), as placas de osso foram imersas em álcool absoluto por 48hs, seguido de água oxigenada por 24hs, 24hs em éter etílico, e novamente em álcool absoluto por mais 48hs. As amostras foram acondicionadas em embalagens próprias e esterilizadas em óxido de etileno (utilizando 2,0kg de gás por ciclo, com tempo de esterilização de três horas e aeração e hiperventilação de duas horas cada, à temperatura de 55°C, na pressão de 0,5kgf/cm2, com -0,5kgf/cm2 de vácuo) (Fig.1).


Para o experimento foram utilizados dez coelhos adultos da raça New Zealand, pesando entre 2,5kg a 3,0kg, divididos aleatoriamente em dois grupos de cinco animais. Dispondo de água e comida à vontade, os animais permaneceram no biotério da PUCPR, em ambiente com temperatura controlada (25º C), alojados individualmente, em concordância com as diretrizes do Cômite de Ética n. 325.

Para o Grupo I, denominado Grupo metal (GM), foram utilizadas placas lineares de aço inox com seis furos para parafusos bicorticais de 2,0mm. Os animais do Grupo II, chamado Grupo osso (GO) receberam as placas de osso confeccionadas manualmente, com dimensões de 50mm X7,0mm X 3,0mm fixadas com parafusos de aço inox bicorticais de 2,0mm.

Os coelhos foram anestesiados por um médico veterinário, utilizando uma mistura de quetamina (50mg/kg), xilazina (5mg/kg) e acepromazina (0,75mg/kg), aplicadas via intramuscular como medicação de indução e aplicações endovenosas para manutenção. Durante todo o procedimento os animais foram mantidos em máscara de oxigênio.

Para ambos os grupos, procedeu-se à mesma seqüência cirúrgica. Com o animal em decúbito lateral esquerdo, o membro pélvico direito foi preparado assepticamente e coberto com campos cirúrgicos estéreis. Foi realizada incisão cutânea longitudinal crânio-lateral na coxa, incisão da fáscia lata, e retração do músculo quadríceps expondo a diáfise femoral. A placa foi posicionada sobre a diáfise femoral, em sua superfície cranio-lateral, e no osso ainda intacto, aplicados os três parafusos proximais. A placa foi rotacionada para proceder a osteotomia transversal da diáfise central do fêmur, utilizando disco de corte diamantado e furadeira manual. Ao mesmo tempo, o osso seccionado era resfriado com solução fisiológica estéril. Com a placa reposicionada, foi reduzida a fratura e implantados os parafusos restantes (Fig.2 e 3 ). Procedeu-se a sutura da fáscia a aponeurose com padrão de sutura contínua simples utilizando fio multifilamentar absorvível n. 3-0, e para a pele fio mononylon 2-0 num padrão de sutura simples interrompido.


Como medicação pós-operatória, os coelhos receberam enrofloxacina na dose de 5mg/kg, por via intramuscular a cada 24h por cinco dias e cetoprofeno, na dose de 2,0 mg/kg, cada 12h via oral, por três dias. A carga no membro operado foi permitida imediatamente, sem qualquer restrição ou imobilização. Ao final de sete dias, o curativo e os pontos cirúrgicos foram removidos.

Foram realizados exames radiográficos do membro operado no pós-operatório imediato, aos trinta dias, aos sessenta dias, aos noventa dias e cento e vinte dias de evolução. Foi realizada a morfometria do calo periosteal com o uso do programa EponatechMetron v3.0 ®. Como critério de cicatrização radiológica, muitos autores consideram a formação de calo periostal e ausência da linha de fratura. Este estudo fixou como parâmetros de avaliação a visibilidade da linha de fratura e o grau de remodelamento ósseo, num esquema de escores de Lane e Sandhu modificado, sendo: grau 0 - com traço de fratura completo e sem evidência de remodelação; grau 1 - com traço de fratura incompleto e remodelação intramedular; grau 3 - ausência de traço de fratura e remodelação cortical.

Decorridos cento e vinte dias pós-cirúrgico, os animais foram sedados por injeção intramuscular de xilazina na dose de 5mg/kg e cloridrato de quetamina na dose de 50mg/kg, e eutanasiados através de injeção intravenosa de cloreto de potássio. Depois de ser desarticulado distal e proximal, o fêmur foi separado da musculatura adjacente e da pele e submetido à descalcificação em ácido fórmico a 5%. No grupo metal, as placas necessitaram ser cuidadosamente removidas. Os implantes de osso foram mantidos no bloco e inclusos nos cortes. Após o processamento de rotina para histopatologia, as lâminas foram coradas com a técnica de hematoxilina-eosina (HE), tricômico de Mallory, tricômico de Shorr e Azul de Toluidina e análise em microscópio óptico. Para comparar os resultados da consolidação entre os grupos nos diferentes momentos utilizamos o teste de "Kruskal-Wallis" com o auxílio do programa Graphpadprism v5.0. Os resultados obtidos pela análise anatomopatológicas foram apresentados de modo descritivo.

RESULTADOS

Nas radiografias do pós-operatório imediato, todos os implantes encontravam-se devidamente fixados e alinhados ao osso adjacente. No grupo metal, três animais apresentaram consolidação óssea nas radiografias de sessenta dias e dois aos noventa dias. Um animal deste grupo apresentou sinais de deslocamento do segmento proximal á fratura observado aos trinta dias, devido a migração de um parafuso. No grupo placa de osso, um animal apresentou consolidação completa aos trinta dias, um animal aos sessenta dias e três aos noventa dias. Em um coelho deste grupo também foi observado afrouxamento de três parafusos do segmento proximal, o que retardou, mas não impediu a consolidação óssea. Em outro coelho do mesmo grupo, aos noventa dias era visível uma linha de fratura junto ao parafuso proximal ao foco de fratura. Em todos os grupos as fraturas estavam consolidadas com a formação de calo ósseo aos noventa dias (Fig.4 e 5 ).O resultado da consolidação óssea no grupo metal e no grupo osso está representado na Figura 10.







Pode-se observar que houve diferença na consolidação entre os grupos, aos 60 dias, onde a maior parte dos animais do Grupo Metal apresentaram escore 2. Entretanto, esta diferença não foi significativa do ponto de vista estatístico.

Com os resultados da morfometria do calo periosteal foi possível constatar que o grupo metal apresentou remodelamento significativo a partir dos noventa dias, assim como o grupo osso. Não foram encontradas diferenças entre os grupos em nenhum dos momentos (Quadro1).


Nas análises histológicas dos animais do grupo osso, a placa estava envolvida por tecido conjuntivo fibroso, sem sinais de inflamação ou reações tipo corpo estranho. Os canais de Havers da placa de osso estavam preenchidos por material amorfo e com presença de células viáveis do hospedeiro, mas somente nos canais mais próximos a periferia. A placa estava envolta por trabéculas ósseas neoformadas. Nos pontos de contato mais próximos, entre a placa de osso e o fêmur, não havia presença de tecido conjuntivo, mostrando adequada osteointegração (Fig.6). Uma placa mostrava sinais de reabsorção apenas nas extremidades, com formação de lacunas (Fig.7). A cortical abaixo da placa (sis-cortex) estava mais fina que a cortical oposta (trans-cortex) (Fig.8). Aos cento e vinte dias não era possível identificar o local da fratura induzida no fêmur.

No grupo metal, as placas encontravam-se envoltas por tecido conjuntivo fibroso, sem sinais de inflamação ou reação de corpo estranho (Fig.9). As corticais abaixo da placa (sis-cortex) estavam mais finas, irregulares e com mais canais medulares quando comparadas com as corticais do lado oposto. Aos cento e vinte dias não era possível identificar o local da fratura.

DISCUSSÃO

O coelho como animal de experimentação ortopédica se diferencia por apresentar rápida consolidação e remodelamento ósseo, além do fácil manuseio e obtenção (Matos et al. 2001). A tíbia tem sido utilizada por muitos pesquisadores por ser de fácil acesso e possuir pouco tecido mole adjacente, o que torna o procedimento mais rápido e menos traumático (Freitas et al. 2008). Para experimentos com placas e parafusos, no entanto, o fêmur é descrito como o osso mais apropriado (Carter et al.1981), possuindo maior envoltório muscular, o que evita a exposição da placa. Por este motivo, no presente estudo o modelo experimental foi feito em fêmur. Mas é importante ressaltar que, apesar da boa cobertura muscular auxiliar no recobrimento da placa e nutrição óssea, o estresse sobre o implante para manter a estabilidade da fratura é maior, considerando-se a força muscular que estes animais concentram no membro pélvico. Este fato talvez possa ter contribuído para o deslocamento do segmento proximal da fratura observado em um animal de cada grupo avaliado. Todos os animais apoiaram o membro poucas horas após a cirurgia e não permaneceram com nenhuma restrição à movimentação.

O tempo de cirurgia foi similar em ambos os grupos. Observamos que a placa metálica permitiu melhor ajuste e adaptação à superfície óssea, enquanto a placa de osso, devido sua textura de superfície, proporcionou melhor estabilidade e aderência, facilitando a aplicação dos parafusos.

A utilização de um material de osteossíntese que possua as mesmas propriedades de um enxerto ósseo, ou seja, ser osteoindutor, osteocondutor e possuir células osteoprogenitoras é um atrativo muito interessante. A confecção das placas de osso mostrou-se perfeitamente exeqüível e o metacarpo equino demonstrou resistência suficiente para suportar a esterilização e a estabilização de um osso longo envolto por importante camada muscular. Em nenhum animal foram observadas fissuras ou fraturas na placa de osso.

Há controvérsias quanto à capacidade de manutenção das características mecânicas do osso, após esterilização pelo óxido de etileno. Alguns autores (Johnson et al. 1992)verificaram que a desidratação do implante esterilizado pelo óxido de etileno resultou em perda de suas propriedades mecânicas. Já Tshamala et al. (1994) obteve viabilidade de armazenamento por um ano, sem risco de danificar as propriedades mecânicas do ósseo cortical esterelizado com óxido de etileno e depois criopreservado. Com relação à osteoindução, o óxido de etileno está associado à diminuição desta propriedade do enxerto ósseo (Castania 2002).

Como não realizamos outro método comparativo de esterilização nem estudo específico de força mecânica das placas de osso, não podemos afirmar se houve interferência negativa do óxido de etileno em nosso material. Novos estudos fazem-se necessários para verificar a manutenção das propriedades mecânicas e osteoindutoras da placa de osso, esterilizada por diferentes métodos.

A avaliação comparativa da cicatrização óssea nos diferentes grupos foi obtida por meio de estudos radiográficos. As particularidades na consolidação óssea de cada espécie, principalmente no quesito tempo, devem ser respeitadas. Roberts &Huja(2004) estabelece que o ciclo de consolidação dos ossos compactos de coelhos ocorre em um período de seis semanas. Em nosso estudo a consolidação média pode ser observada aos 67,5 dias.

Andrianov et al. (2007) realizaram experimento para avaliar técnica de fixação de haste através de placa em doze fêmures osteotomizados de coelhos. Relataram que em onze coelhos a consolidação pôde ser observada em um período de oito semanas. Resultado semelhante é relatado por Lima et al. (2004), para investigar a influência de proteínas morfogenéticas ósseas bovina (bBMPs) ligadas a hidroxiapatita mais colágeno na consolidação de fraturas, que observou nas radiografias de 60 dias o restabelecimento cortical de rádio de coelhos em ambos os grupos.

Nas radiografias de trinta dias, um animal de cada grupo apresentava consolidação em fase tardia em comparação aos demais. Observamos também que a formação do calo periosteal foi visivelmente maior nestes animais. A razão provável deste fato foi o afrouxamento de alguns parafusos, o que caracteriza uma das complicações inerentes ao uso de placas. A instabilidade de um parafuso ortopédico pode estar ligada a diversos fatores, entre eles, o superaquecimento durante perfuração, o uso de técnicas inadequadas de aplicação, compatibilidade, reações teciduais, infecções, e questões relacionadas ao próprio animal.

Em ambos os grupos a quantidade de calo ósseo foi maior aos sessenta dias, em comparação com os outros momentos estudados. Esses dados são similares aos relatados por Terjensen (1984), que observou maior quantidade de calo entre os períodos de quatro e seis semanas, num estudo utilizando placas e fixadores externos em tíbia osteotomizadas de coelhos.

A importância do calo periosteal na cicatrização óssea é promover estabilização precoce e relativa união da fratura. Apesar de não termos encontrado diferença estatisticamente significante entre os dois grupos, observou-se que o calo ósseo foi menor no grupo osso, em relação ao grupo metal, em todos os momentos do estudo. Por outro lado, a maior parte dos animais do grupo osso apresentou consolidação completa da fratura aos 90 dias apenas, enquanto que no grupo metal isto ocorreu aos 60 dias.

Considerando que a quantidade de calo é inversamente proporcional ao grau de estabilidade da fratura (Johnson 1992) e que em áreas com alta força compressiva e estabilidade ocorre união óssea direta, porém com um tempo maior para completa cicatrização tecidual (Terjensen 1984), os resultados obtidos neste estudo sugerem que a placa de osso possibilitou uma maior resistência às forças tensionais atuantes no foco de fratura, levando à menor formação de calo ósseo e conseqüentemente um tempo superior para consolidação, em comparação aos animais onde a placa de metal foi utilizada.

A camada de tecido fibroso é característica de uma reação a um corpo estranho não tolerado, com espessura variando de acordo com o grau de biocompatibilidade do material de implante. Pela análise das lâminas, esta camada foi mais evidente nos animais do Grupo osso. Entretanto, não foi feita nenhuma medida numérica da quantidade de fibrose nas lâminas.

As corticais abaixo da placa (sis-cortex) estavam mais finas tanto nos animais do grupo metal quanto no grupo osso, comparadas às corticais do lado oposto. Em um estudo com cães, Uhthoff et al. (2006), mostraram que o tratamento rígido com placas em diáfise femural osteotomizadas levou à ampliação do canal femoral e ao afinamento do córtex, com 60 semanas. A perda de massa óssea em fêmur canino após 12 meses foi significativamente maior com placas de Vitallium que placas de fibras de grafite metilmetacrilato, manifestada pela redução na largura da córtex (Akeson et al.1976,Woo et al. 1976).

Hungria Neto (1996), afirma que o fenômeno "stress shielding" que aparece nas osteossínteses com placas é devido à presença de alterações circulatórias provocadas pelo contato e pressão da placa sobre o osso subjacente. Uhthoff et al. (2006) argumentam que o papel do "stress shielding" é relevante no enfraquecimento do osso.

Como não foram realizadas mensurações do sis-córtex nos diferentes grupos, não podemos afirmar em qual deles o "stress shielding" foi mais significativo. Nos últimos anos tem ocorrido considerável conscientização e discussão sobre a necessidade de placas menos rígidas para melhorar a cicatrização da fratura, reduzir o comprometimento da rede capilar do periósteo e evitar o enfraquecimento do osso. Estudos sobre as características mecânicas específicas da placa de osso, incluindo sua dureza, em comparação com placas metálicas podem auxiliar na comprovação de que esta é uma opção realmente viável para substituição de implantes metálicos na Medicina Veterinária. Estudos de longo prazo também serão necessários para avaliarmos se as placas ortopédicas confeccionadas com osso equino são reabsorvidas ou completamente osteointegradas.

CONCLUSÕES

A confecção e esterilização de placas ortopédicas de neutralização utilizando diáfise cortical de equinos é perfeitamente exequível na prática médica veterinária.

Este material representa uma alternativa de baixo custo e muito viável, uma vez que permitiu estabilização adequada para consolidação óssea de fratura de fêmur em coelhos.

Neste estudo, a menor formação de calo periosteal, associada à um tempo superior para consolidação, em comparação com o uso da placa de metal sugerem maior estabilidade da fratura onde a placa de osso foi utilizada.

Recebido em 29 de julho de 2013.

Aceito para publicação em 23 de agosto de 2013.

  • Akeson W.H., Woo S.L., Rutherford L., Coutts R.D., Gonçalves M. & Amiel D. 1976. The effects of rigidity of internal fixation plates on long bone remodeling:a biomechanical and quantitative histological study. Acta Orthop. Scand. 47:241-249.
  • Alievi M.M., Schossler J.E.W. & Guimarães L.D. 2007. Implante ósseo cortical alógeno conservado em mel na reconstrução de falha óssea diafisária em cães: avaliação clínica e radiográfica. Ciência Rural 37(2):450-457.
  • Andrianov V., Lenzner A., Roosaar P., Arend A. & Aunapuu M. 2007. Rod-Through-Plate fixation for long bone fractures: A morphological study on rabbits. Scand. J. Lab. Anim. Sci. 34(3):159-166.
  • Bento D.A. 2003. Análise de resistência mecânica em implantes de osso: um enfoque numérico e experimental. Dissertação de Mestrado em Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 158p.
  • Carter D.R., Vasu R. & Harris W.H. 1981. The plated femur: relationships between the changes in bone stresses and bone loss. Acta Orthop. Scand. 52:241-248.
  • Castania V.A. 2002. Enxerto cortico-esponjoso homógeno processado quimicamente e esterilizado em óxido de etileno em cães: análise mecânica e estudo da integração por meio de radiografias. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. 72p.
  • Della Nina M.I., Schmaedecke A., Romano L. & Ferrigno C.R.A. 2007. Comparação de osteossíntese com placa e osteossíntese com placa associada a enxerto de proteína morfogenética óssea em fratura bilateral distal de rádio e ulna em cão: relato de caso. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci. 44(4):297-303.
  • Freitas S.H., Dória R.G.S., Mendonça F.S., Evêncio Neto J. & Camargo L.M. 2008. Aspecto radiológico de heteroenxerto ósseo cortical fragmentado na reparação de falhas ósseas em coelhos. Revta Bras. Ciênc. Vet. 15(3):107-110.
  • Gioso M.A., Benites N.R. & Kämpf G. 2002. Análise microbiológica de ossos de cães conservados por longo período de tempo na glicerina a 98% à temperatura ambiente, objetivando a enxertia óssea. Acta Cirur. Bras. 17(4). (Serial Online)
  • Hungria Neto J.S. 1996. Fraturas diafisárias do fêmur: ainda há indicação para o uso de placas? Revta Bras. Ortopedia 31(6):234-237.
  • Johnson A.L., Eurell J.A.C. & Schaeffer D.J. 1992. Evaluation of canine cortical bone graft remodelling. Vet. Surg. 21:293-298.
  • Larin A., Eich C.S., Parker R.B. & Stubbs W.P. 2001. Repair of diaphyseal femoral fractures in cats using interlocking intramedullary nails: 12 cases. J. Am. Vet. Med. Assoc. 219(8):1098-1104.
  • Lima A.F.M., Rahal S.C., Volpi R.S., Mamprim M.J., Vulcano L.C. & Correia M.A. 2004. Aspectos radiográficos e densitométricos na consolidação de fraturas tratadas por proteínas morfogenéticas ósseas em rádio de coelhos. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci. 41: 416-422.
  • Matos M.A., Gonçalves R.R. & Araujo F.P. 2001. Modelo experimental de osteotomia em coelhos imaturos. Acta Ortoped. Bras. 9(4):21-26.
  • Moreira R.C. 2008. Estudo biomecânico do terceiro metacarpeano de equinos. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 56p.
  • Roberts W.E. & Huja S. 2004. Bone modelling: biomechanics, molecular mechanisms and clinical perspectives. Semin. Orthodont. 10(2):123-161.
  • Roque-Rodriguez A.I., Baraldi S.M. & Oliveira D. 2009.Implante de biomateriais e a consolidação óssea em cadelas submetidas à ovariossalpingo-histerectomia. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. 61(5):1054-1061.
  • Rosson J., Egan J., Shearer J. & Monro P. 1991. Bone weakness after the removal of plates and screws cortical atrophy or screw holes? J. Bone Joint Surg. B 73(2):283-286.
  • Schmaedecke A., Aceto M.L., Queiroz G.F., Tatarunas A.C., Zerwes M.B.C., Mastrocinque S. & Ferrigno C.R.A. 2003.Tratamento cirúrgico de união retardada e não-união de fraturas em cães: revisão de literatura. Revta Educ. Contin. CRMV-SP 6(1/3):74-82.
  • Terjesen T. 1984. Bone healing after metal plate fixation and external fixation of the osteotomized rabbit tibia. Acta Orthop. Scand. 55:69-77.
  • Tshamala M., Bree H.V. & Mattheeuws D. 1994. Biomechanical properties of ethilene oxide sterilized and cryopreserved cortical bone allografts. Vet. Comp. Orthop. Traumat. 7(1):25-30.
  • Uhthoff H.K., Poitras P. & Backman D.S. 2006. Internal plate fixation of fractures: short history and recent developments. J. Orthopaedic Science 11(2):118-126.
  • Volpon J.B. & Costa R.M.P. 2000. Ensaio mecânico e uso clínico do enxerto homógeno processado. Revta Bras. Ortopedia 35:219-224.
  • Woo S.L., Akeson W.H., Coutts R.D., Rutherford L., Doty D., Jemrnott G.F. & Amiel D. 1976. A comparison of cortical hone atrophy secondary to fixation with plates with large differences in bending stiffness. J. Bone Joint Surg. 5(2):190-195.
  • *
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      29 Jul 2013
    • Aceito
      23 Ago 2013
    Colégio Brasileiro de Patologia Animal - CBPA Pesquisa Veterinária Brasileira, Caixa Postal 74.591, 23890-000 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel./Fax: (55 21) 2682-1081 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: pvb@pvb.com.br