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Perda química de carbono e cinética do crescimento celular em cultivos de Spirulina

Chemical carbon losses and growth kinetics in Spirulina cultures

Resumo

Photosynthetic microorganism cultures, such as microalgae, represent one of the alternatives for fossil CO2 emissions mitigation. Carbon supply is the major cost component in microalgal cultures. Aiming to enhance the dissolved inorganic carbon uptake efficiency in microalgal cultures, Spirulina sp LEB-18 was cultivated in mediums containing NaHCO3 concentrations ranging from 2.8 to 100 g L-1. Results indicated that lower dissolved inorganic carbon concentratios (2.8 g L-1 NaHCO3) produce higher growth parameters (Xmax = 0.75 g L-1; Pmax = 0.145 g L-1 d-1; µmax = 0.254 d-1) and lower carbon losses (13.61%). At 50 g L-1 of NaHCO3 cell growth was inhibited and carbon losses reached 38.73%.

carbon; microalga


Spirulina sp LEB-18

carbon; microalga

ARTIGO

Perda química de carbono e cinética do crescimento celular em cultivos de Spirulina

Chemical carbon losses and growth kinetics in Spirulina cultures

Michele da Rosa Andrade; Felipe Vieira Camerini; Jorge Alberto Vieira Costa* * e-mail: jorgealbertovc@terra.com.br

Escola de Química e Alimentos, Universidade Federal do Rio Grande, CP 474, 96201-900 Rio Grande - RS, Brasil

ABSTRACT

Photosynthetic microorganism cultures, such as microalgae, represent one of the alternatives for fossil CO2 emissions mitigation. Carbon supply is the major cost component in microalgal cultures. Aiming to enhance the dissolved inorganic carbon uptake efficiency in microalgal cultures, Spirulina sp LEB-18 was cultivated in mediums containing NaHCO3 concentrations ranging from 2.8 to 100 g L-1. Results indicated that lower dissolved inorganic carbon concentratios (2.8 g L-1 NaHCO3) produce higher growth parameters (Xmax = 0.75 g L-1; Pmax = 0.145 g L-1 d-1; µmax = 0.254 d-1) and lower carbon losses (13.61%). At 50 g L-1 of NaHCO3 cell growth was inhibited and carbon losses reached 38.73%.

Keywords: carbon; microalga; Spirulina sp LEB-18.

INTRODUÇÃO

Microalgas são microrganismos fotossintéticos que podem ser empregados para capturar dióxido de carbono, contribuindo com a redução do efeito estufa no planeta. A biomassa pode ser utilizada como suplemento alimentar ou para a produção de biocombustíveis, entre outras aplicações.

A biomassa microalgal apresenta cerca de 50% de carbono na sua composição, assim o fornecimento deste nutriente aos cultivos representa um importante componente dos custos de produção, seja gasoso na forma de dióxido de carbono, ou sólido, principalmente na forma de bicarbonato.1

A fonte de carbono, uma vez dissolvida no meio de cultivo, participa do equilíbrio químico CO2(aq)↔ H2CO3↔ HCO3-↔ CO32-, onde a distribuição entre as espécies químicas é determinada pelo pH. A concentração de sais dissolvidos contribui para a pressão osmótica do meio, que pode ter influência na fisiologia celular da microalga, refletindo nas taxas de crescimento e na composição da biomassa. As cianobactérias geralmente crescem em ambientes alcalinos, onde HCO3- é a forma predominante no equilíbrio químico.2

Spirulina é a microalga mais estudada com reconhecida habilidade para fixar carbono inorgânico.3 Esta microalga destaca-se por possuir o certificado GRAS (Generally Recognized As Safe) do FDA (Food and Drug Administration), o que garante seu uso como alimento e fármaco. Sua biomassa apresenta alto conteúdo de proteínas (64-74%), ácidos graxos poliinsaturados, pigmentos e vitaminas.4 No entanto, trabalhos voltados ao estudo dos fenômenos associados às reações de equilíbrio do carbono inorgânico dissolvido no meio são ainda escassos.

Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar o crescimento da biomassa e a perda de carbono em cultivos da microalga Spirulina sp LEB-18 em diferentes concentrações de carbono inorgânico dissolvido.

PARTE EXPERIMENTAL

Foi utilizada a microalga Spirulina sp LEB-185 mantida em meio Zarrouk.6 A biomassa foi previamente lavada e centrifugada (15 min, 5000 rpm) para a remoção de sais do meio. A concentração inicial foi 0,15 g L-1, exceto nos ensaios de avaliação da perda de carbono, onde não houve a presença de células.

O meio de cultivo utilizado nos ensaios foi Zarrouk6 modificado, onde a fonte de carbono (NaHCO3 16,8 g L-1) foi adicionada em diferentes concentrações, variando entre 2,8; 5; 10; 20; 50; 80 ou 100 g L-1. O intervalo de concentrações foi definido entre o início do efeito tampão do sal no meio (2,8 g L-1) até a saturação da solução (100 g L-1). Assim, todos os ensaios iniciaram com o mesmo pH (8,2 ± 0,1), eliminando o efeito inicial desta variável no crescimento.

Os experimentos foram descontínuos, realizados em fotobiorreatores do tipo erlenmeyer de 2 L, com 1,8 L de meio. A temperatura foi mantida em 30 °C e o fotoperíodo em 12 h claro/escuro,7 com iluminância de 3200 Lux.3 A agitação foi realizada através da injeção de ar estéril a 0,3 vvm (volume de ar por volume de meio por min). O CO2 do ar foi removido por absorção em NaOH 2 N.

Determinações analíticas

A concentração de biomassa de Spirulina sp LEB-18 foi determinada diariamente através da medida do peso seco de uma alíquota de amostra.8 O pH das culturas foi medido diariamente por pHmetro digital (Quimis Q.400H, Brasil). A alcalinidade total foi determinada diariamente por titulação do filtrado dos cultivos com HCl.9

Parâmetros de crescimento avaliados

Ao final de cada ensaio a máxima concentração de biomassa de Spirulina sp LEB-18 (Xmáx, g L-1) foi determinada. A produtividade (P, g L-1 d-1) foi calculada a partir da equação P = (Xt-X0).(tx-t0)-1, onde Xt é a concentração de biomassa (g L-1) no tempo tx (d) e X0 é a concentração de biomassa inicial (g L-1) no tempo t0 (d),10 sendo a produtividade máxima (Pmáx, g L-1 d-1) o maior valor de produtividade obtido. A velocidade específica máxima de crescimento (µmáx, d-1) foi calculada por regressão exponencial da fase logarítmica da curva de crescimento.11 O conteúdo de carbono inorgânico total dissolvido e a distribuição das espécies químicas no equilíbrio CO2(aq)↔ H2CO3↔ HCO3-↔ CO32- foram calculados a partir das frações de ionização,12 com valores de pH e alcalinidade total determinados experimentalmente.

A perda de carbono para a atmosfera foi calculada a partir da equação [(Ci - Cf)*(Ci)-1]*100, onde Ci é a concentração inicial de carbono inorgânico dissolvido no meio e Cf a concentração final.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Figura 1 são apresentadas as curvas de crescimento de Spirulina sp LEB-18 cultivada em diferentes concentrações de NaHCO3. O crescimento da biomassa nos ensaios com 5, 10 ou 20 g L-1 de NaHCO3 foi semelhante, bem como os parâmetros cinéticos máximos avaliados (Tabela 1), em média Xmáx = 0,6 g L-1, Pmáx = 0,08 g L-1 d-1 e máx = 0,13 d-1. Os maiores parâmetros entre todas as concentrações de NaHCO3 testadas ocorreram no ensaio contendo 2,8 g L-1 do sal. Neste ensaio a velocidade específica máxima de crescimento (0,254 d-1) foi superior à obtida em cultivos de Spirulina com meio Zarrouk padrão, encontrados na literatura (0,093 d-1;13 0,111 d-1;14 0,2 d-1 15).


Concentrações de 80 e 100 g L-1 de NaHCO3 provocaram inibição do crescimento da microalga (dados não apresentados), enquanto o ensaio com 50 g L-1 de NaHCO3 apresentou concentração de biomassa aproximadamente constante durante o cultivo (Figura 1).

Quando as células são expostas à alta concentração de NaHCO3 a fotossíntese pode ser inibida, devido à rápida entrada de sódio na célula.3 A atividade fotossintética pode também ser inibida devido ao alto teor de carbonato (CO32-) formado.16,17 No ensaio com 50 g L-1 de NaHCO3, a concentração de CO32- alcançou 6,3 g L-1 e o pH 10,1 (Figura 2a). O lento crescimento celular neste ensaio com 50 g L-1 de NaHCO3 pode ainda estar associado com o aumento da energia requerida para expulsar o íon Na+ da célula, provocando elevadas taxas de respiração noturna, que consome parte da biomassa formada no período claro.3,8



Perda de carbono nos cultivos

Devido à natureza apolar da membrana plasmática, a resistência à difusão da molécula de CO2 é menor que a do íon HCO3-, tornando o CO2 a espécie química de carbono inorgânico preferencialmente consumida pelas microalgas.17 Quando este é consumido, o sistema em equilíbrio CO2(aq)↔ H2CO3↔ HCO3-↔ CO32- reage no sentido de formação de CO2, consumindo H+ do meio. Por outro lado, quando a concentração de HCO3- é alta, o consumo desta espécie química pode ocorrer pelo seu transporte ativo através da membrana plasmática18 ou por sua conversão a CO2 pela enzima anidrase carbônica, segundo a reação HCO3-↔ CO2 + OH-.3,19,20 Assim, seja CO2 ou HCO3- a espécie química consumida pelas células, o crescimento celular resulta em aumento do pH do meio de cultivo.

Nos ensaios com 50, 80 e 100 g L-1 de NaHCO3 o crescimento da biomassa foi inibido. No entanto, ocorreu aumento do pH (Figura 2a) e queda da concentração de íons HCO3-, indicando que, além do crescimento da biomassa, outros fatores provocam a alteração do pH e da concentração de carbono inorgânico dissolvido no meio durante o cultivo de microalgas.

Soluções ricas em carbono inorgânico dissolvido, como o meio Zarrouk, contêm CO2 livre em concentração superior (0,05 g L-1) à de equilíbrio com a atmosfera (0,0004 g L-1 CO2 a 30 °C).21 Enquanto houver esse gradiente, ocorre um fluxo de CO2 do meio de cultivo para a atmosfera.

O deslocamento do equilíbrio CO2(aq)↔ H2CO3↔ HCO3-↔ CO32- no sentido da reposição do CO2 perdido, com conseqüente consumo de H+, provoca o aumento do pH do meio de cultivo até que a concentração de CO2 dissolvido no meio líquido esteja em equilíbrio com a concentração de CO2 na atmosfera.

O fluxo de massa entre o meio de cultivo e a atmosfera é proporcional ao gradiente de concentração entre as duas fases.22 Considerando que a concentração de CO2 livre no meio aumenta em função do aumento da concentração total de carbono inorgânico dissolvido, a maior perda de CO2 e a maior variação de pH são verificadas nos meios com as maiores concentrações de NaHCO3 (Figura 2b).

A Figura 3 mostra a queda na concentração de CO2 nos meios na ausência de Spirulina sp LEB-18. A partir do segundo dia de cultivo a concentração de CO2 livre tornou-se aproximadamente igual e constante em todas as concentrações de NaHCO3 testadas. Assim, a utilização de meios sintéticos com altas concentrações de carbono inorgânico no cultivo de microalgas deve ser evitada, uma vez que sua composição inicial é alterada em função das perdas de carbono para o meio externo, resultando em um meio com uma concentração de CO2 dissolvido próxima à de equilíbrio com a atmosfera.


No ensaio contendo 2,8 g L-1 de NaHCO3, onde foram verificados os melhores parâmetros de crescimento para a microalga entre todas as concentrações de NaHCO3 testadas (Tabela 1), foi verificada a maior diferença entre as variações de pH provocadas pela perda de CO2 para a atmosfera e as variações provocadas pelas perdas somadas ao consumo biológico (Figura 4a). A Figura 4b mostra a variação da concentração de NaHCO3 neste ensaio, evidenciando a diferença entre o consumo biológico de carbono e as perdas para a atmosfera. As perdas de carbono em função da concentração de NaHCO3 no meio são apresentadas na Figura 5, demonstrando que o aumento na concentração de carbono inorgânico dissolvido utilizado no preparo do meio Zarrouk provoca maiores perdas de carbono para a atmosfera.




Além das perdas de carbono dos cultivos para a atmosfera representarem um custo adicional na produção de biomassa, o aumento de pH associado pode conduzir a valores de pH inibitórios ao crescimento celular. Poucos autores consideram as perdas químicas de carbono nos cultivos, de modo que em estudos sobre o pH e o consumo de carbono em cultivos de microalgas estas perdas podem ser confundidas com o consumo biológico de carbono pelas células, levando a resultados equivocados.21,23,24

A elevação do pH do meio de cultivo reduz a concentração de CO2 livre, segundo o equilíbrio, dificultando a perda química deste componente para a atmosfera, além de reduzir a suscetibilidade do cultivo de Spirulina à contaminação.25 Assim, microalgas alcalifílicas como Spirulina apresentam características biológicas adequadas às condições físico-químicas do meio, que levam à maior eficiência do consumo de carbono.

CONCLUSÃO

A menor perda química de CO2 para a atmosfera (13,61%) e os maiores parâmetros de crescimento (X = 0,75 g L-1, P = 0,145 g L-1 d-1, µ = 0,254 d-1) da microalga Spirulina sp LEB-18 ocorreram no ensaio com a menor concentração de carbono testada (NaHCO3 2,8 g L-1). Com o aumento da concentração de bicarbonato os parâmetros de crescimento diminuíram e as perdas de carbono foram maiores. Em 50 g L-1 de NaHCO3 38,73% do carbono do meio foi perdido para a atmosfera, além de ocorrer inibição do crescimento celular.

A manutenção dos cultivos em baixas concentrações de carbono inorgânico dissolvido pode resultar em maior eficiência no consumo do nutriente pela microalga Spirulina sp LEB-18, contribuindo para a redução de custos em plantas de produção da biomassa microalgal.

Recebido em 16/12/07; aceito em 12/6/08; publicado na web em 10/11/08

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      12 Jun 2008
    • Recebido
      16 Dez 2007
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