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Perfil de leitores em um curso de licenciatura em química

Profile of readers in an undergraduate couse in chemistry

Resumo

The purpose of this study is to investigate the reading practice of undergraduate students of Chemistry, in a State University in Brazil. More specifically, we aim at showing students' habits and experiences concerning reading. Our research questions were: 1) What is the profile of readers in an undergraduate Chemistry course? 2) What can be perceived concerning students' reading experience? Results show that students' beliefs and practices are contradictory; although reading is considered by them as fundamental, they do not seem to have solid reading habits. This points to the necessity of rediscussing some aspects of Chemistry teacher formation.

teacher formation; reading; Chemistry


teacher formation; reading; Chemistry

EDUCAÇÃO

Perfil de leitores em um curso de licenciatura em química

Profile of readers in an undergraduate couse in chemistry

José Gonçalves Teixeira Júnior* * e-mail: goncalvestjr@gmail.com ; Rejane Maria Ghisolfi da Silva

Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia, CP 593, 38400-902 Uberlândia MG, Brasil

ABSTRACT

The purpose of this study is to investigate the reading practice of undergraduate students of Chemistry, in a State University in Brazil. More specifically, we aim at showing students' habits and experiences concerning reading. Our research questions were: 1) What is the profile of readers in an undergraduate Chemistry course? 2) What can be perceived concerning students' reading experience? Results show that students' beliefs and practices are contradictory; although reading is considered by them as fundamental, they do not seem to have solid reading habits. This points to the necessity of rediscussing some aspects of Chemistry teacher formation.

Keywords: teacher formation; reading; Chemistry.

INTRODUÇÃO

O tema leitura tem sido objeto de discussão freqüente no âmbito da Didática das Ciências, abrangendo questões sobre a sua incorporação nos currículos de Ciências1-3, o papel desempenhado por ela nas salas de aulas3,4 e a problemática da compreensão de textos pelos alunos.

Nessa discussão, resultados de pesquisas realizadas em diversos países indicam a baixa compreensão de leitura dos estudantes5, a pouca valorização dessa atividade no ensino de Ciências6, os obstáculos de domínio de tarefas metacognitivas relacionadas com a leitura7, a pouca motivação de alunos e as dificuldades por eles sentidas quando lêem textos científicos8.

Conforme Souza e Nascimento9 referem,

Isso acontece certamente pelo modelo de leitura utilizado pelo professor: um olhar induzido para o conteúdo, geralmente, atravessado por uma concepção de ciência como uma verdade absoluta, no qual só existe espaço para um sentido único, silenciando-se, por exemplo, as interpretações equivocadas que encontramos na história da ciência, na busca de explicações sobre os fenômenos.

Nesse sentido, estudos revelam que "os professores de Ciências não parecem conhecer de maneira satisfatória o modelo interativo-construtivo de leitura"10, pelo qual "o leitor constrói, ativamente, significados ao interagir com o texto"11.

Embora tenhamos clareza da multicausalidade da problemática relacionada com a questão da leitura, a formação docente assume, nesse contexto, um lugar central. É possível que a formação do leitor possa ser propiciada pelos diversos tempo-lugares da vida humana em sociedade – família, grupos de amigos, bibliotecas, editoras, escolas -, todavia a formação inicial deve ter papel decisivo na construção do profissional professor. Tal formação pressupõe, por um lado, a possibilidade de "mediação da leitura almejando que o maior número possível de indivíduos possa ter cada vez mais acesso à cultura científica entendida como compreensão da própria ciência, seus modos de produção e suas relações com a sociedade e a tecnologia"12 e por outro, uma fundamentação teórico-metodológica para a dinamização da leitura na sala de aula de ciências.

Desse modo e por essas razões, pensar na leitura na formação inicial de professores constitui uma necessidade inadiável e, pessoalmente, como desafio premente na condição de professores na disciplina de Prática de Ensino.

No presente artigo, propomo-nos a investigar e analisar práticas de leitura de futuros professores de Química, de uma universidade pública. Em termos mais específicos, procuraremos mostrar o perfil de leitores, mediante a investigação de hábitos, experiências e significações dadas à leitura pelos alunos de um curso de Licenciatura em Química. Para isso, partimos das seguintes indagações: Qual é o perfil de leitores de alunos de um curso de Licenciatura em Química? Quais são as experiências de leitura que tiveram os estudantes de um curso de Licenciatura em Química?

Esse foco parece-nos particularmente pertinente, tendo em vista investigações que mostram a forte correlação entre idéias, atitudes e comportamentos sobre o ensino e as experiências vividas durante o período em que foram alunos13. Assim, podemos reafirmar que tais experiências vividas orientam o fazer e o pensar do professor14. Nesse sentido, a leitura precisa ser significada nos diferentes níveis de escolaridade, como propõem Heselden e Staples15, Nigro e Trivelato11.

A análise das práticas propicia ter certo diagnóstico das necessidades formativas no campo da leitura e, ao mesmo tempo, apontar algumas implicações para a formação inicial de professores. Foram tais possibilidades que nos levaram a aplicar um questionário aos alunos da Licenciatura em Química, que resultou em um perfil da turma investigada. Entendemos que esse conhecimento é fundamental para a tomada de decisões pedagógicas para o ensino e a promoção da leitura com os futuros professores de Química.

Partimos do pressuposto de que a leitura como objeto do conhecimento necessita ser assumida, principalmente, nos cursos de formação de professores, tendo em vista o desenvolvimento do professor leitor, bem como a constituição de mediadores do ato de ler, que engendram e constroem sentidos e práticas de leitura.

A seguir, dividimos o trabalho em três partes. A primeira focaliza a metodologia do trabalho. A segunda relata resultados e análises e as considerações finais reiteram a importância de uma fundamentação teórico-metodológica sobre leitura nos processos formativos.

A QUESTÃO METODOLÓGICA

O estudo sustenta-se na problemática, situada no contexto da Licenciatura em Química, onde se pretende investigar o perfil dos leitores entre os licenciandos em Química. Neste estudo pretende-se responder às seguintes questões: Que leitura o futuro professor realiza? Com que finalidade? Com que apropriações? Trata-se de um estudo de caso, pois privilegia um caso particular, que objetiva colaborar na tomada de decisões sobre o problema estudado, indicando possibilidades para sua modificação16.

Para o processo investigativo, elegemos como universo os alunos matriculados nas disciplinas sobre ensino de Química – Prática de Ensino de Química I, Prática de Ensino de Química II, Metodologia de Ensino de Química, Instrumentação para o Ensino de Química - do curso de Licenciatura em Química. Os critérios para a definição dos sujeitos foram: ser aluno do curso de Licenciatura em Química; estar cursando disciplinas sobre ensino de Química (6º, 7º e 8º períodos) e ter disponibilidade para responder ao questionário. Foram envolvidos nesse processo 50 alunos, que responderam ao questionário na sala de aula, o que consideramos um número significativo, pela dimensão da amostra, que abrangeu a maioria (53) dos discentes matriculados nas disciplinas.

Na utilização do questionário como instrumento de busca de dados, seguimos as sugestões de Carmo e Ferreira16 em relação ao cuidado a ser posto na formulação de perguntas, e na forma mediatizada de contatar com os inquiridos. Na formulação de perguntas há a necessidade de ter uma coerência intrínseca e uma forma lógica para quem responde ao questionário. Na forma mediatizada de contato com os inquiridos, os autores sinalizam para os cuidados que se deve ter com os canais de comunicação selecionados, técnicas utilizadas para evitar a recusa ao fornecimento de respostas e a garantia da fidelidade. Quanto à aplicação dos questionários, optamos pela via "por portador"16, que exigiu uma prévia preparação de quem os levou. Uma das vantagens dessa opção é evitar o uso indevido do questionário, tanto na forma de preenchimento das questões quanto na fidedignidade das respostas. Para evitar as não-respostas, elaboramos um sistema simples de perguntas, com instruções claras e acessíveis. Procuramos ainda garantir a fidelidade pelo rigor nos "procedimentos metodológicos quanto à concepção, seleção dos inquiridos e administração no terreno"16.

Nos questionários, foram solicitadas informações referentes: ao que pensam sobre o ato de ler, sobre o que lêem e com que freqüência e acerca das práticas de leitura vivenciadas na formação. Foram utilizadas perguntas abertas – também conhecidas como livres ou não – e perguntas fechadas – chamadas de limitadas ou de alternativa fixa. Nas perguntas abertas, os alunos emitem seus pontos de vista usando linguagem própria. Nas fechadas, o pesquisado escolhe a resposta entre as opções listadas. Há três tipos de pergunta fechada: dicotômicas, nas quais o pesquisado responde "sim" ou "não" a uma pergunta direta; as de múltipla escolha, em que o informante escolhe uma ou mais opções entre as apresentadas; e aquelas com maior número de alternativas, em que o entrevistado tem a possibilidade de marcar apenas uma das alternativas. Nas questões fechadas, foram utilizadas perguntas referentes a dados sobre o que lêem e com que freqüência e, nas perguntas abertas, sobre o que pensam sobre o ato de ler e as práticas de leitura vivenciadas na formação.

No procedimento para busca de dados, foram mantidos contatos com os licenciandos investigados, instigando-os a participar da pesquisa. Antes de iniciar a aplicação, foi feita a apresentação dos objetivos da pesquisa e da sua importância para a construção de um projeto de ensino voltado para esse tema. Foram dadas as instruções para preenchimento do questionário, destacando-se que os sujeitos investigados não seriam identificados.

Os alunos receberam o questionário e imediatamente o responderam. O tempo de duração foi, em média, de 20 min. Os questionários respondidos foram lidos no seu todo. A seguir, foram agrupadas as respostas por afinidades para cada questão, sendo os dados analisados empregando-se um procedimento da estatística descritiva (média, porcentagem) de modo que fossem detectadas as informações ou dados que ocorrem com maior freqüência.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Para a melhor apresentação e análise, os resultados são discutidos segundo as questões de estudo, estruturadas nos seguintes itens: sobre o que entendem por leitura; gosto pela leitura; sobre o que lêem e com que freqüência e, experiências de leitura na formação.

Resultados sobre o que entendem por leitura

De acordo com os dados analisados, verificamos que, para 76% dos alunos investigados, a leitura é uma das vias para adquirir conhecimento, informação útil. Enquanto que 40% consideram a atividade de ler uma forma de distração, passatempo, entretenimento – o mesmo número de alunos (40%) relata que viajam a outros lugares durante uma boa leitura, o que revela que a concepção de leitura está também relacionada com divertimento. Segundo Larossa17, a leitura não é só passatempo, nem mecanismo de evasão do mundo real e do eu real. E não se reduz, tampouco, a um meio de adquirir conhecimentos. É, antes de tudo, uma misteriosa atividade, que tem a ver com aquilo que nos faz ser o que somos.

Apenas 20% entendem que a leitura é uma ferramenta importante por ampliar o vocabulário e auxiliar na aprendizagem. 16% reforçam a idéia de que não basta saber decodificar as palavras, pois devemos interpretá-las. 12% dos alunos entendem que saber ler é ser capaz de analisar e compreender a mensagem, de acordo com suas vivências e idéias.

Embora a leitura seja considerada pelos licenciandos como um instrumento fundamental para a aquisição do saber, com base nas respostas, podemos inferir que os futuros professores não entendem a "leitura como um meio de organizar os conceitos científicos, de construir, amparar, organizar e ampliar as interações sociais entre os professores, seus alunos e a comunidade escolar"18. Além disso, a leitura não é considerada como estratégia de aprendizagem em ciências. Isso supõe, ponderando que estamos formando professores, mostrar que se torna necessário criar espaços e tempos em que o futuro professor possa discutir e questionar a pertinência de tal estratégia para que possa fazer suas opções educacionais.

Resultados em relação ao gosto pela leitura

Quando perguntados se gostam de ler, a maioria dos alunos (70%) declara que sim, alguns chegam a manifestar que amam, adoram ler. Todavia ressaltam que preferem um livro de literatura (romance, contos) a artigos científicos19 ou livros técnicos. Para esse grupo de alunos, leitura é prazer e diversão. Alguns justificam o gosto pela leitura pelo fato de a leitura contribuir com novos conhecimentos e informações úteis. 30% mencionam não gostar de ler, argumentando que sentem desânimo ao se depararem com as páginas impressas. Avaliam a leitura como uma obrigação a ser cumprida. Uma das explicações para essas manifestações pode ser o caráter instrumental da leitura que esteve (e está) presente nas práticas escolares. Em tais práticas, os alunos são obrigados a ler e sentem-se à mercê das insistentes advertências do professor de que precisam ler e ter boa fluência na leitura. Essa imposição gera aversão a essa atividade.

"Eu simplesmente ODEIO ler. Não sei por quê. Desde o primário. Meu fraco sempre foi Português, e tenho quase certeza que é por causa disso. Acho que o principal motivo é que eu não tenho paciência. Fico louco para saber o final e ele não chega nunca. O livro tem que ser muito bom para me segurar".

Segundo os resultados, podemos inferir que há duas concepções dominantes: leitura prazerosa e leitura obrigatória.

Resultados sobre o que lêem e com que freqüência

Os resultados sobre o que lêem e com que freqüência indicam que a maioria dos alunos realiza leituras diárias de livros didáticos (24%) e revistas eletrônicas (28%), sendo os sites mais visitados para esta atividade: globo.com, folha on-line, science direct, terra, ultimosegundo e investnews.

Importa referir a importância assumida pela internet nesse contexto, pois propicia ao leitor a criação de novas relações ao 'gosto de cada um', a memorização de trajetos, percorrer e bifurcar quando julgar necessário, ou quando sentir vontade20. A atividade via internet possibilita e desperta novas competências, como procurar, escolher, fazer triagem, classificar, reorganizar, religar, sintetizar, associar, comparar e reformular.

Quase metade dos estudantes (44%) declara ler livros didáticos semanalmente, porém um pouco mais que isso (48%) lê raramente obras literárias. Revistas em geral (40%) e artigos científicos (36%) são outras opções de leitura. Segundo eles, não há tempo disponível para leitura e, ao mesmo tempo, exige-se essa atividade nas disciplinas específicas do curso, o que não favorece o acesso a outros textos.

Uma outra análise dos dados foi feita relacionando as diferentes respostas de freqüência de leitura de jornais, revistas, artigos científicos, livros didáticos, livros de literatura e notícias pela internet. Para isso, todos os dados foram cruzados na intenção de criar um perfil mais detalhado desses leitores. Por exemplo, todos os alunos que afirmam ler diariamente artigos científicos, lêem também livros didáticos, mas raras vezes os jornais. Da mesma forma, todos os que mencionam ler revistas e notícias pela internet semanalmente, efetuam alguma leitura ligada à literatura uma vez por mês.

Todos os alunos que marcaram a opção de freqüência diária para leitura de revistas, também escolheram esta opção para notícias pela internet e obras literárias. Já os artigos científicos e livros didáticos são lidos semanalmente – o que mostra uma grande carga de leitura desses estudantes. No extremo oposto desta análise, todos os alunos que revelaram nunca ler revistas, raramente, lêem artigos científicos, jornais, livros de literatura e notícias pela internet.

Sessenta por cento (60%) dos estudantes que afirmam ler jornais mensalmente, também marcaram esta opção para a leitura de artigos científicos, mas mencionam ler pelo menos uma vez por semana revistas, livros didáticos e de literatura. Já os licenciandos em Química que confessaram ler jornais raras vezes, também, buscam ler revistas e artigos científicos na mesma freqüência.

Todos os alunos que fazem leitura de obras literárias diariamente, também acessam a internet na mesma freqüência. Porém 57% destes lêem o livro didático apenas uma vez por semana. Já os alunos que afirmam não ler obras literárias, raramente lêem revistas e nem sempre acessam a internet, mas lêem semanalmente os livros didáticos. Este dado mostra uma preocupação quase que exclusiva com a leitura de material específico de Química, principalmente livros didáticos, o que reforça a manifestação de descontentamento por parte de alguns alunos quando denunciam não sobrar tempo para outras formas de leitura.

Da mesma maneira, e talvez até mais preocupante, é o fato de todos os alunos que revelam ler o livro didático raramente, também acessam a internet e lêem livros de literatura nesta mesma freqüência. Destes, 66% confirmam ler ocasionalmente revistas em geral e artigos científicos.

Outro dado negativo foi em relação à freqüência de acesso à internet. Dos alunos que pouco acessam a internet, 66% também não realizam com freqüência leituras de revistas e obras literárias, porém essa mesma porcentagem de alunos afirma ler artigos científicos pelo menos uma vez por mês.

As revistas mais lidas pelos alunos do curso de Química da universidade investigada são: Veja (44%), SuperInteressante (36%), Isto é (20%) e Época (12%). Foram citadas também as revistas de informações gerais: Exame, Cláudia, Moda Desfile, Tititi, Caras, InfoExame, Cuidados com o Corpo, Saúde, dentre outras.

Entre as obras literárias mais citadas, estão "Dom Casmurro", de Machado de Assis, e "Violetas na Janela", de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho. Aqueles que não lêem justificam que o tempo dedicado para a atividade pode atrapalhar o desenvolvimento de outras tarefas relacionadas com o curso de graduação.

Em relação aos gêneros literários, os mais citados são os de aventura (56%), ficção científica, comédia e contos (48%), romance e "auto-ajuda" (44%). Outros gêneros que também foram citados: técnicos e policiais (36%), históricos e de culinária (28%), viagens e enciclopédias (26%) e biografias (20%). Aqueles cujos temas se relacionam com religião, filosofia, política, arte, esotérico, poesia e terror também foram lembrados, mas em porcentagem inferior a 20%.

Quanto aos jornais mais lidos de âmbito nacional, figurou a "Folha de São Paulo" (50%); local, o "Correio" (32%), e, de âmbito estadual, "O Tempo" e "Estado de Minas" (12%). Contudo, a freqüência de leitura de jornais diariamente é relativamente baixa (12%).

A maioria dos alunos, quando solicitados sobre as seções de jornais e revistas de maior interesse, situam suas preferências nas seções de Educação e Ciências (ambas 80%), Entretenimento (72%), Saúde (60%) e Notícias do Brasil (52%). Os Licenciandos revelaram ainda que gostariam que houvesse maior incentivo à leitura.

Resultado sobre a experiência de leitura na formação

Quanto às práticas de leitura no curso de formação de professores de Química, os licenciandos assinalam que a maioria dos formadores incentiva apenas a leitura do livro didático da disciplina por eles lecionada. Queiroz21 explicita que "o campo da química é potencialmente quantitativo, os currículos dos cursos de química no ensino superior, de uma forma geral, enfatizam o desenvolvimento de habilidades quantitativas, como a efetuação de cálculos e resolução de problemas, em prejuízo do desenvolvimento de habilidades qualitativas, como a escrita". Entendemos que, por essas razões, a habilidade de leitura, também, venha sendo tratada como algo que não deve ser trabalho no ensino de Ciências9.

Por outro lado, os alunos envolvidos em atividades de pesquisa, iniciação científica, realizam a leitura de artigos científicos regularmente, funcionando, inclusive, como um "diálogo com outros laboratórios". Queiroz e Almeida22 apontam a presença da leitura de artigos em diversas etapas de iniciação, como a preparação de projetos, seminários, artigos, trabalhos para congressos, entre outros. Segundo as autoras, o laboratório de pesquisa é um "local de inscrição literária, onde textos são constantemente produzidos e onde é diária a convivência com cópias de artigos publicados em revistas e com 'preprints'".

Os relatos referentes à experiência de leitura na Universidade revelam que esta é informativa, isto é, leituras das quais se extraem informações úteis para determinada situação de ensino9. Os depoimentos dos licenciandos apontam que não há uma prática de leitura na perspectiva de formação23, durante o curso de graduação, o que nos sugere que as ofertas de leitura não atendem às exigências da formação de um leitor múltiplo, crítico e polivalente. E fica, para nós formadores, a seguinte questão: a quem cabe mediar a leitura? "Se a leitura e a escrita são constituintes do ofício do professor, como pretender formar professores sem leitura e sem escrita reais?"24.

Argumentamos que a prática de leitura na universidade deve avançar para além do saber ler e saber devolver o que foi lido, do mesmo modo como o autor o apresentou. A atividade a ser desenvolvida deve extrapolar os territórios do "eu" e se instituir como espaço e tempo interior, que mobiliza memória, imaginação, pensamentos e sensibilidade e concretizar uma experiência na qual o "leitor ao erguer os olhos mostra a transformação de seu olhar"17.

Acrescentamos, ainda, que as práticas de leitura reveladas pelos licenciandos sugerem uma concepção reducionista. Nessa visão, basta os formadores indicarem bons textos e bons autores para que os alunos se dediquem à leitura, não importando como a leitura é introduzida. O que está pressuposto nessa perspectiva é que, se o professor oferece, o aluno aprende. Tal visão está atrelada ao modo como se concebe, ainda hoje, o processo de ensino/aprendizagem, desconsiderando que o conhecimento é uma construção do sujeito. Tradicionalmente, essa prática tem se mantido na maioria dos cursos superiores, o que leva a refletir sobre a urgência da constituição de espaços de leitura, principalmente na formação de professores, pois não basta oferecer textos para serem lidos. É preciso criar espaços e tempos de leitura capazes de sensibilizar, de estabelecer um diálogo entre o dito e o não dito do texto, entre o que a palavra entrega e o que retém, é preciso favorecer a escuta da interpelação que é dirigida ao leitor e responsabilizar-se por ela17. Trata-se de mediar o ato de ler promovendo a mediação de textos. Tal mediação pode contribuir para familiarizar futuros professores com textos científicos, aproximando-os das pesquisas realizadas nos diferentes campos de conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossas análises e interpretações sobre hábitos, experiências e significações dadas a leitura, de um grupo de alunos de um curso de Licenciatura em Química, de uma universidade, apontam que eles lêem pouco e que é preciso uma ampliação do repertório de leituras, principalmente, pela responsabilidade que deve ser assumida, também, pelo professor de Química: formar e produzir leitores com responsabilidade social e política e com capacidade de julgar, avaliar e decidir no campo do domínio técnico e científico.

Com base nos dados construídos e no fato de que a trajetória de formação dos professores é determinante para a constituição do ser professor, a pesquisa revela a necessidade de desenvolver ações que superem algumas das demandas formativas do professor de Ciências/Química no território da leitura, tais como: conhecer as concepções de leitura, que dizem respeito à maneira pela qual o professor concebe o processo de leitura e orienta todas as suas ações de ensino em sala de aula; considerar sobre o que lêem, o que significa pensar no que os forma; adquirir conhecimentos teórico-metodológicos sobre leitura pressupõe saber como dinamizá-la nas aulas de Ciências e como utilizá-la na perspectiva de estratégia de leitura nas aprendizagens em ciências; saber analisar criticamente os textos. Saber planejar unidades de leitura implica articular, de forma adequada, textos e atividades que levem os alunos a criar, imaginar, experimentar e refletir. É um processo que envolve tomada de decisões do tipo: Por que estes textos e não outros? Que tipos de leitura fazer aos alunos? Como fazer com que a leitura não seja simplesmente uma tarefa mecânica e fragmentada? Como avaliar?

As discussões em torno deste tema não se encerram neste artigo, pois, apesar de inicial, este estudo se constitui em uma importante ferramenta para a reflexão acerca da leitura. Pretendemos dar continuidade à nossa pesquisa traçando um perfil socioeconômico dos licenciandos relacionando-o com hábitos, preferências e freqüência de leitura, esperando assim trazer contribuições às pesquisas neste campo.

AGRADECIMENTOS

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela bolsa de mestrado concedida (J. G. Teixeira Jr.)

5. http://www.oecdbookshop.org/oecd, acessada em Maio 2006.

8. Sarda, A.; Márquez, C.; Sanmarti, N. Em ref. 1.

11. Nigro, R. G.; Trivelato, S. L. F. Em ref. 1.

23. Segundo Larossa (2000), para que a leitura resulte em formação, é necessário que haja uma relação íntima entre o texto e a subjetividade. Essa relação pode ser pensada como experiência.

Recebido em 30/1/06; aceito em 9/11/06; publicado na web em 27/4/07

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  • *
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      09 Nov 2006
    • Recebido
      30 Jan 2006
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