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Uma proposta de síntese para o ensino integrado das disciplinas experimentais de química orgânica e inorgânica nos cursos de graduação

A proposal of synthesis for the integrated teaching of organic and inorganic experimental chemistry in the undergraduate courses

Resumo

The synthesis of the layered compound VO(PO4)(H2O)2 and its use to oxidize 2-butanol to the ketone 2-butanone, is proposed as an experiment to integrate the organic and inorganic experimental undergraduate chemistry courses, in an atempt to overcome the observed disrupture between organic and inorganic chemistry.

vanadium compounds; experimental chemistry; undergraduate students


vanadium compounds; experimental chemistry; undergraduate students

EDUCAÇÃO

Uma proposta de síntese para o ensino integrado das disciplinas experimentais de química orgânica e inorgânica nos cursos de graduação

A proposal of synthesis for the integrated teaching of organic and inorganic experimental chemistry in the undergraduate courses

Robson Fernandes de Farias

Departamento de Química, Universidade Federal de Roraima, CP 167, 69301-970 Boa Vista, RR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Robson Fernandes de Farias e-mail: robdefarias@yahoo.com.br

ABSTRACT

The synthesis of the layered compound VO(PO4)(H2O)2 and its use to oxidize 2-butanol to the ketone 2-butanone, is proposed as an experiment to integrate the organic and inorganic experimental undergraduate chemistry courses, in an atempt to overcome the observed disrupture between organic and inorganic chemistry.

Keywords: vanadium compounds; experimental chemistry; undergraduate students.

INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos observados nas últimas décadas, sobretudo nos chamados novos materiais, têm contribuído para a interpenetração experimental e teórica de diferentes ciências, ou sub-áreas de uma mesma ciência, num fenômeno denominado de interdisciplinaridade. No que diz respeito à química em particular, as barreiras artificialmente estabelecidas durante sua evolução1 têm sido progressivamente superadas, abrindo espaço para o ensino integrado de suas diferentes sub-áreas através, por exemplo, da ciência de materiais2. Destaque-se ainda, dentro desta perspectiva, o uso de tecnologias interativas3, a integração teoria-prática4 e a contextualização no ensino5. Nos parâmetros curriculares nacionais (PCN), os chamados temas transversais6 são propostos como forma de inter-relacionar e contextualizar as diferentes disciplinas.

No ensino médio, observa-se uma nítida separação entre o ensino da química orgânica e as demais sub-áreas da química, inclusive com um livro (o vol. 3) dedicado exclusivamente à química orgânica, que geralmente é ensinada no terceiro ano. Assim estabelece-se, desde o ensino médio, a noção de que a química orgânica é uma "química diferente", à parte dos demais conteúdos que envolvem o ensino-aprendizagem da ciência química.

Nos cursos universitários, tal separação também se faz sentir, tanto nos cursos teóricos quanto nas disciplinas experimentais, parecendo que a química é dividida em compartimentos estanques, com uma total desvinculação entre a parte "orgânica" e a parte "inorgânica" da química. Tal separação, extremamente nociva, termina por se perpetuar na vida profissional dos futuros químicos observando-se, de modo geral, pouco entrosamento entre os "orgânicos" e os "inorgânicos", esquecendo-se que a química é uma só, com as subdivisões existentes determinadas por fatores históricos ligados à própria evolução da química enquanto ciência, bem como pela necessidade de subdividir o conhecimento existente, a fim de facilitar sua sistematização1. Chega-se mesmo a observar, não raras vezes, certa dose de preconceito entre os "orgânicos" e os "inorgânicos", cada um considerando a sua fração (facção?) do conhecimento químico como a mais importante.

Numa tentativa de superar já na graduação a disjunção entre "orgânicos" e "inorgânicos", o presente artigo traz uma proposta de prática que visa integrar os cursos experimentais de química orgânica e inorgânica. Para tal apresenta-se a síntese do composto lamelar VO(PO4)(H2O)2 e sua subsequente utilização para a oxidação do 2-butanol à 2-butanona.

PARTE EXPERIMENTAL

Síntese do VO(PO4)(H2O)2

O composto lamelar (ver comentários) VO(PO4)(H2O)2 pode ser sintetizado conforme descrito a seguir7:

a) triture 11,0 mmols de V2O5, pesando em seguida 5,3 mmols deste composto;

b) coloque os 5,3 mmols de V2O5 num balão de fundo redondo de 50 cm3 (acrescente uma barra magnética). Adicione então 5,3 cm3 de ácido fosfórico concentrado,11 cm3 de água e três gotas de ácido nítrico concentrado;

c) deixe a mistura preparada anteriormente em refluxo por 3 h;

d) espere a mistura esfriar e então filtre os cristais formados, lavando-os com 20 cm3 de água e 10 cm3 de acetona (nesta ordem). Aguarde até o composto secar à temperatura ambiente.

Utilização do VO(PO4)(H2O)2 para a obtenção da 2-butanona a partir do 2-butanol

Compostos de vanádio (V) são fortes oxidantes. Nesta etapa da prática, o composto VO(PO4)(H2O)2 será utilizado para oxidar o 2-butanol a 2-butanona, de acordo com a reação8:

Seguindo-se o seguinte procedimento experimental:

1) coloque 2,53 mmols de VO(PO4)(H2O)2 e 10 cm3 de 2-butanol em um balão de fundo redondo de 25 cm3 (utilize uma barra magnética para agitação). Aqueça a mistura até a temperatura de refluxo, deixando-a refluxar por 24 h;

2) deixe a mistura resultante esfriar e então filtre os cristais azuis, ou seja o composto VO(HPO4)(H2O)0,5. A presença de 2-butanona no filtrado pode ser testada utilizando-se 2,4,-dinitrofenil-hidrazina9.

COMENTÁRIOS E SUGESTÕES

Caberá a cada professor, de acordo com sua realidade específica, decidir qual a melhor forma de aproveitamento do experimento proposto. Pretende-se que o experimento seja "deixado em aberto", permitindo-se a cada professor as adaptações necessárias. Contudo, alguns comentários e sugestões relativos ao experimento em si, ou ao seu aproveitamento num curso integrado de química orgânica/química inorgânica, talvez possam ser úteis:

1) Neste experimento, exemplifica-se a utilização de um composto inorgânico para a preparação de um composto orgânico (o composto de vanádio (V) neste caso, não se enquadra na definição estrita de catalisador, uma vez que sua composição química é alterada após a reação), respondendo-se à tão corriqueira (e irritante para alguns professores) pergunta, insistentemente formulada pelos estudantes: para que serve este composto que preparamos?

2) A prática proposta tanto pode ser realizada num curso de química experimental inorgânica quanto num de química orgânica, devendo o professor, em qualquer dos casos, ressaltar a sobreposição das químicas orgânica e inorgânica no experimento. Pode-se ainda promover uma total interação/integração dos cursos experimentais de química orgânica e inorgânica: os "inorgânicos" sintetizariam o composto VO(PO4)(H2O)2, que seria então utilizado pelos "orgânicos" para a síntese da 2-butanona a partir do 2-butanol, devolvendo-se então aos "inorgânicos", o novo composto, ou seja, o VO(HPO4) (H2O)0,5. Perceba-se que a reação entre VO(PO4)(H2O)2 e 2-butanol pode ser encarada sob duas perspectivas distintas: como rota de síntese para a 2-butanona (diriam os orgânicos), ou como rota de síntese para o VO(HPO4)(H2O)0,5 (diriam os inorgânicos).

3) Caso não se disponha de muitos recursos para a caracterização dos produtos formados, a síntese de cada composto de vanádio poderá ser confirmada simplesmente pela mudança de coloração, visto que o V2O5 é um sólido marrom, o VO(PO4)(H2O)2 é amarelo e o VO(HPO4)(H2O)0,5 é azul. Para confirmar a formação da 2-butanona, poder-se-á utilizar a reação desta com a 2,4,-dinitrofenil-hidrazina, conforme sugerido anteriormente. Caso não se disponha deste reagente, ou de qualquer outro método analítico, uma alteração de odor apenas (comparando-se 2-butanol e 2-butanona) poderá ser utilizada como critério (Cuidado! Os compostos devem ser aspirados brevemente, evitando-se inalar grandes quantidades). Caso existam recursos disponíveis, a obtenção do difratograma de raios-X será suficiente para a identificação do VO(PO4)(H2O)25. A conversão de 2-butanol a 2-butanona poderá ser acompanhada por cromatografia gasosa, determinando-se inclusive a cinética do processo, mediante a análise de alíquotas retiradas em diferentes intervalos de tempo após o início da reação (neste caso haveria também uma integração com os cursos de química analítica e físico-química).

4) Itens para pesquisa: o que são, quais as reações e possíveis utilizações dos compostos lamelares ?

Recebido em 6/2/02; aceito em 30/4/02

  • 1. Ihde, A.J.; The Development of Modern Chemistry, Dover: New York, 1984.
  • 2. Widstrand, C.G.; Nordell, K.J.; Ellis, A.B.; J. Chem. Ed 2001, 78, 1044.
  • 3. Ferreira, V.F.; Quim. Nova 1998, 21, 780.
  • 4. Bieber, L.W., Quim. Nova 1999, 22, 605.
  • 5. Lima, J. de F.L. de; Pina, M. do S.L.; Barbosa, R.M.N; Jófili, Z.M.S., Quim. Nova na Escola 2000, 11, 26.
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  • 9. Pavia, D.L.; Lampman, G.M.; Kriz, G.S.; Engel, R.G.; Organic Laboratory Techniques ¾ Small-scale Approach, Saunders College Publishing: New York, 1998, p. 509.
  • Endereço para correspondência
    Robson Fernandes de Farias
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Mar 2003
    • Data do Fascículo
      Jan 2003

    Histórico

    • Aceito
      30 Abr 2002
    • Recebido
      06 Fev 2002
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