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Qualidade de medições em química analítica. Estudo de caso: determinação de cádmio por espectrofotometria de absorção atômica com chama

Quality of measurements in analytical chemistry study of case: cadmium determination by flame atomic absorption spectrophotometry

Resumo

Calculation of uncertainty of results represents the new paradigm in the area of the quality of measurements in laboratories. The guidance on the Expression of Uncertainty in Measurement of the ISO / International Organization for Standardization assumes that the analyst is being asked to give a parameter that characterizes the range of the values that could reasonably be associated with the result of the measurement. In practice, the uncertainty of the analytical result may arise from many possible sources: sampling, sample preparation, matrix effects, equipments, standards and reference materials, among others. This paper suggests a procedure for calculation of uncertainties components of an analytical result due to sample preparation (uncertainty of weights and volumetric equipment) and instrument analytical signal (calibration uncertainty). A numerical example is carefully explained based on measurements obtained for cadmium determination by flame atomic absorption spectrophotometry. Results obtained for components of total uncertainty showed that the main contribution to the analytical result was the calibration procedure.

uncertainty calculation; flame atomic absorption spectrophotometry; calibration function


uncertainty calculation; flame atomic absorption spectrophotometry; calibration function

Divulgação

QUALIDADE DE MEDIÇÕES EM QUÍMICA ANALÍTICA. ESTUDO DE CASO: DETERMINAÇÃO DE CÁDMIO POR ESPECTROFOTOMETRIA DE ABSORÇÃO ATÔMICA COM CHAMA

Queenie S. H. Chui e Ricardo R. Zucchini

Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A., Divisão de Química, Agrupamento de Materiais de Referência, Av. Prof. Almeida Prado, 532, 05508-901 São Paulo - SP

Jaim Lichtig

Instituto de Química da Universidade de São Paulo, Departamento de Química Fundamental, Cidade Universitária, Av. Prof. Lineu Prestes, 748, 05508-900 São Paulo - SP

Recebido em 20/3/00; aceito em 19/9/00

QUALITY OF MEASUREMENTS IN ANALYTICAL CHEMISTRY STUDY OF CASE: CADMIUM DETERMINATION BY FLAME ATOMIC ABSORPTION SPECTROPHOTOMETRY. Calculation of uncertainty of results represents the new paradigm in the area of the quality of measurements in laboratories. The guidance on the Expression of Uncertainty in Measurement of the ISO / International Organization for Standardization assumes that the analyst is being asked to give a parameter that characterizes the range of the values that could reasonably be associated with the result of the measurement. In practice, the uncertainty of the analytical result may arise from many possible sources: sampling, sample preparation, matrix effects, equipments, standards and reference materials, among others. This paper suggests a procedure for calculation of uncertainties components of an analytical result due to sample preparation (uncertainty of weights and volumetric equipment) and instrument analytical signal (calibration uncertainty). A numerical example is carefully explained based on measurements obtained for cadmium determination by flame atomic absorption spectrophotometry. Results obtained for components of total uncertainty showed that the main contribution to the analytical result was the calibration procedure.

Keywords: uncertainty calculation; flame atomic absorption spectrophotometry; calibration function.

INTRODUÇÃO

Atualmente, diferentes setores da indústria, da saúde, áreas de meio ambiente, entre outros, utilizam os resultados de análises gerados em laboratórios químicos para a tomada de decisões. Com base nestes resultados, aceitam-se ou rejeitam-se matérias primas, diferenciam-se a performance de fornecedores, processos produtivos são modificados, atua-se sobre a saúde das pessoas e dos animais.

Deste modo, os resultados das análises devem ser "bons", ou melhor, devem apresentar "qualidade aceitável" em função dos objetivos requeridos. Mas como podemos definir melhor estas medições de boa qualidade?

Analisemos um exemplo: Segundo a legislação ambiental, a contaminação de solos por cádmio não deve exceder a 5 mg/g. Se um laboratório determinou o teor de cádmio em um solo em 4,5 mg/g com incerteza de ± 0,5 mg/g, o resultado da análise indicou atendimento às exigências demandadas. Mas não seria o caso, se o resultado fosse 4,5 mg/g com incerteza de ± 0,8 mg/g. O laboratório estaria incorrendo em um certo risco de erro, ao afirmar que o solo atende às exigências prescritas em lei.

Caso os resultados analíticos tivessem sido expressos apenas como médias, eles não poderiam ter sido comparados com o valor de referência. Apenas quando as médias estão acompanhadas de suas incertezas, é possível tomar as decisões adequadas. Resultados médios sem as respectivas incertezas carecem de significado porque não dão a informação completa sobre a medição.

OBJETIVO

Este artigo apresenta um procedimento para o cálculo das incertezas em análise química, através de um estudo de caso aplicado aos resultados obtidos na determinação de cádmio usando a técnica da espectrofotometria de absorção atômica com chama, para avaliação da capacidade de adsorção de argila utilizada como adsorvente de íons de metais.

CÁLCULOS DE INCERTEZAS EM ANÁLISE QUÍMICA

Incertezas em medições

A atual preocupação da ciência da medição química é representada pela questão do cálculo da incerteza estatística associada aos resultados obtidos experimentalmente1,2. Esta preocupação originou-se nos laboratórios analíticos prestadores de serviços, visto que a determinação das incertezas é exigida por critérios para o reconhecimento formal da competência técnica de laboratórios3-6. Esta questão é assunto ainda bastante controvertido no meio científico. Até mesmo o significado do termo "incerteza" ainda não é perfeitamente entendido por muitos químicos, que costumam confundi-lo com a repetitividade7,9,12.

De acordo com o Vocabulário Internacional de Metrologia8,9, a incerteza de uma medição é um parâmetro associado ao resultado, que caracteriza a dispersão dos valores obtidos em torno da média.

A incerteza total é a soma das incertezas geradas pelos diversos componentes do processo de medição, cada um deles expresso como um desvio padrão. Através da combinação apropriada das variâncias, calcula-se a incerteza padrão combinada10-12. Estabelecido um grau de confiança, determina-se a incerteza combinada expandida, através do critério do intervalo de confiança, utilizando um fator de abrangência, k. Na maioria dos casos, usa-se o valor de k = 2 correspondente ao estabelecimento do nível de confiança de aproximadamente 95%.

Entre as principais fontes geradoras de variabilidade em análise química estão a amostragem, a preparação da amostra em laboratório, a extração ou digestão, a pré-concentração de soluções, e as interferências de vários tipos durante a quantificação (dos efeitos de matriz, das características dos instrumentos utilizados e da sua calibração, entre outras). A rigor, todo fator que contribui com a incerteza final do resultado analítico deve ser considerado; porém, para efeito didático, este trabalho concentrar-se-á, exclusivamente, na determinação das incertezas das etapas de marcha analítica previamente indicadas no exemplo para estudo de caso.

Incertezas de Resultados Obtidos usando a Espectrofotometria de Absorção Atômica com Chama

Na espectrofotometria de absorção atômica com chama, usualmente é feita uma calibração inicial do instrumento com uma série de soluções com concentrações conhecidas dentro de uma faixa de trabalho pré-estabelecida.

Plotando-se as concentrações conhecidas utilizadas xi, contra as respostas do instrumento yi, geralmente é possível observar correlações lineares. Estabelece-se uma curva de calibração que representa da melhor maneira possível o conjunto de pontos (xi, yi) obtidos.

Representando uma relação linear como y = a x + b, valores para a e b são obtidos através de método numérico dos mínimos quadrados, que é um modelo matemático de correlação entre os valores numéricos de x e de y13,14. O coeficiente de correlação r é calculado pela equação abaixo,

onde SX e SY são as variâncias dos valores de xi e yi. O coeficiente de correlação varia entre -1 e +1. Quando utilizado em análise química, o conceito estatístico de r é muitas vezes mal interpretado15,16 e utilizado como critério de aceitação da linearidade da regressão por alguns analistas. Mesmo com valores altos de r, isto é, próximos de 1, porém abaixo de 0,999, é possível que a regressão não seja linear 21, o que deve ser verificado com os testes estatísticos de comparação de variâncias.

Incerteza da Curva de Calibração

Laboratórios normalmente levantam a curva de calibração com 4 a 5 pontos ao longo da faixa de trabalho desejada, com algumas repetições em cada ponto. A média aritmética é o valor aceito e o desvio padrão da média é calculado para cada ponto, sendo que a incerteza pontual é dada pelo intervalo de confiança da média, estabelecido o grau de confiança desejado. Calculadas desta maneira, as incertezas não são representativas para a curva de calibração como um todo; trata-se de incertezas pontuais, e nada se pode afirmar quanto aos pontos intermediários da curva.

O uso da análise pela variância do resíduo está sendo amplamente difundido para calcular a incerteza ao longo da curva de calibração16-22. A dispersão das medições deve ser independente da concentração das soluções de referência, que é a propriedade conhecida como homoscedasticidade16,19,21 em y. Deve ser válido o pressuposto de que a variância é constante nos erros aleatórios. Se por acaso a variável independente x estiver sujeita a erros, estes devem ser desprezíveis quando comparados aos erros em y.

Para verificar se a equação de regressão é estatisticamente significativa efetuam-se os testes para verificação de ajuste do modelo linear, validade da regressão, sua eficiência e sua eficiência máxima19-22.

Teste de Ajuste do Modelo Linear

Antes de utilizarmos a função calibração estabelecida pela teoria dos mínimos quadrados, é preciso testar a linearidade, procedendo-se à comparação de variâncias.

A discussão que trata dos detalhes para a aplicação do modelo seguido é encontrada em literatura20,22, e não será repetida neste trabalho, devido ao pouco acréscimo que traria aos químicos analíticos. O Quadro 1 descreve os elementos necessários para obtenção da análise pela variância.


O teste é feito através do cálculo da razão das médias quadráticas, ou seja, F = MQL/MQEP, e compara-se o valor obtido com Fcrítico = F(mi - 2); (n - mi); a / 2 (tabelado), para o grau de confiança desejado.

Se F £ Fcrítico, aceita-se a linearidade, ou seja, o ajuste do modelo é considerado satisfatório. Caso contrário, novo intervalo para a faixa de trabalho deve ser estabelecido. Na prática exclui-se o ponto correspondente à concentração mais alta da faixa pré-estabelecida e procede-se ao teste com os novos limites. Se a condição F £ Fcrítico é atendida, confirma-se a linearidade, ou seja, as variâncias em y são independentes dos níveis de concentração em x.

Teste de Validade da Regressão

Compara-se F = MQR / MQE com o valor de Fcrítico tabelado, no nível de confiança selecionado.

Se F ³ Fcrítico, aceita-se, no nível de confiança selecionado, que a ¹ 0, o que significa que a inclinação da reta da regressão não é nula. Há indicação de que a regressão é significativa.

Se F £ Fcrítico, não há indicação de existência de relação linear entre as variáveis x e y; e não tem sentido utilizar a regressão.

Teste de Eficiência da Regressão

Aceitando a validade da regressão, calcula-se a sua eficiência:

, sendo que o valor desejado para R2 é teoricamente 1.

Na prática, valores abaixo de 0,95 (R2 < 0,95) indicam que a regressão não é eficiente.

Cálculo de eficiência máxima (R2 máx)

O cálculo de R2máx indica a variância máxima explicável pela regressão.

Cálculo da incerteza de medições em x e y com a função calibração

O intervalo de confiança calculado para a reta de regressão, utilizando a distribuição T de Student, no nível de confiança selecionado e com o número de graus de liberdade (n - 2), é entendido como a incerteza da função calibração. A incerteza para qualquer ponto dentro da faixa de trabalho estudada, também válida para valores individuais, pode ser expressa como:

E os limites do intervalo de confiança para estimativas de yi podem ser expressos assim:

sendo que

T(a / 2 ; n - 2) = fator da tabela T de Student no nível de de confiança (1 - a) % e (n - 2) graus de liberdade

Syi = desvio padrão da estimativa de yi, na regressão

Pela lei de propagação de erros, entende-se que, para cada valor de yi, existe um intervalo cujos limites são estabelecidos por duas curvas hiperbólicas16,19,21, definindo os limites superior e inferior da curva média da regressão. A largura deste limite é influenciada pela incerteza das medições em y e pela incerteza das estimativas dos coeficientes linear e angular obtidas.

Na prática, o interesse ao se usar o método analítico é obter a incerteza de xi, que corresponde aos valores dos limites do intervalo de confiança de yi. O intervalo é conhecido como intervalo fiducial19,22 e está associado à incerteza dos valores obtidos nos eixos das abcissas.

Para o cálculo do intervalo fiducial, o valor medido em y deverá ser substituído na fórmula abaixo, calculando-se o valor de interesse em x22.

Cálculo da incerteza de medições de amostras de concentração desconhecida

Para obter a incerteza da resposta analítica procurada, utiliza-se a expressão (2) com Syi calculado seguindo as expressões abaixo:

- Quando yi corresponde à média de " R " replicatas, o desvio padrão de yi é dado por16-23 :

sendo que:

MQE = média quadrática dos resíduos obtida na Análise pela Variância

R = número de repetições independentes para medições da amostra de concentração desconhecida

xm = S xi /n (xi= valores da variável independente ; n = n0 total de medições efetuadas na regressão)

xo= valor de x obtido para a amostra de concentração desconhecida

Sb2 = MQE / n (contribuição da parcela de b, coeficiente linear, ao desvio padrão)

Sa2 = MQE / Sxx (contribuição da parcela de a, coeficiente angular, ao desvio padrão)

Sxx = S(xi - xm)2 (soma quadrática dos x)

- Quando yi corresponde a apenas uma medição, a seguinte equação é calculada:

ESTUDO DE CASO EXPERIMENTAL

Uma solução de CdCl2. 2,5H2O contendo 56,3 mg de Cd (II) foi colocada em contato com 1 g de argila sob agitação constante, à temperatura ambiente por 4 horas. Em seguida, a fase líquida foi separada por filtração e a concentração de cádmio foi determinada por espectrofotometria de absorção atômica com chama.

O procedimento analítico é apresentado brevemente abaixo, através de algumas etapas experimentais adotadas:

1 - Preparação da solução da amostra, para conter o elemento de interesse, em balão volumétrico de 250 mL;

2 - Diluições necessárias para ajustar a concentração do elemento à faixa linear da curva de calibração;

3 - Leituras no espectrofotômetro de absorção atômica utilizando instrumento da PERKIN ELMER, modelo 5000, com chama de ar-acetileno, lâmpada de catodo oco de cádmio ajustada no comprimento de onda 228,8 nm e fenda de abertura de 0,7 nm, e corretor de fundo com lâmpada de deutério;

4 - Cálculo do Resultado Final

Para o cálculo da incerteza dos resultados são consideradas as seguintes fontes de incerteza:

- balança (marca Mettler com 160g de capacidade e escala de 0,1 mg);

- vidrarias volumétricas;

- espectrofotômetro utilizado e função calibração.

Para a estimativa da incerteza devido à pesagem, são consideradas as informações oferecidas pelo certificado de calibração da balança analítica, emitido por laboratório credenciado pela Rede Brasileira de Calibração3,12.

As vidrarias volumétricas utilizadas são avaliadas quanto aos seus volumes, considerando efeitos devido à temperatura entre o momento da calibração e de sua utilização na análise química; é considerada a contribuição do fator de diluição ao cálculo da incerteza do resultado final10.

A incerteza devido à função calibração é obtida através do cálculo do intervalo de confiança da equação de regressão, considerando o modelo univariado, utilizando a Análise pela Variância dos Resíduos17-22.

RESULTADOS OBTIDOS

Estimando a incerteza padrão devido à pesagem

A massa inicial encontrou-se na faixa de 0,0200 a 0,2000 g da escala da balança, obtida por diferença. O certificado de calibração da balança mostrou que uma massa obtida por diferença, na região que compreendia os valores até 1,0000 g, apresentava uma incerteza de ± 0,1 mg (95% de confiança). Para obter a componente da incerteza em desvio padrão, dividiu-se este número por 2 (fator de abrangência aplicado para o cálculo de incerteza), ou seja, 0,1 / 2 = 0,05.

O desvio padrão nas repetições para obtenção das massas nesta faixa foi estimado em ± 0,1 mg, usando gráficos de controle23,24.

Combinando-se as duas componentes, obteve-se a incerteza (expressa como um desvio padrão) devido à etapa de pesagem. Como a massa inicial é obtida por diferença, a parcela 0,05 é multiplicada por 2.

Estimando a incerteza padrão devido à diluição da massa inicial

A solução aquosa contendo íons cádmio, após contato com a argila foi filtrada em balão volumétrico de 250 mL.

Para calcular a incerteza devido às vidrarias volumétricas partiu-se da especificação ISO para vidrarias volumétricas25,26. Em geral, os limites de tolerâncias declarados não indicam o nível de confiança associado e qual a distribuição populacional a que elas pertencem. Portanto, estimou-se a incerteza utilizando a máxima amplitude declarada pela tolerância dividida por raiz quadrada de 6, assumindo-se a distribuição triangular10-12. Sendo assim, para a diluição da massa inicial em balão volumétrico de 250 mL, o desvio padrão calculado foi de 0,15 / 61/2 = 0,0612 mL, sendo que 0,15 mL foi obtido de tabelas para tolerâncias em balões volumétricos de 250 mL25,26.

Para considerar o efeito devido à diferença entre temperaturas, na calibração e no momento da análise, foi estimada uma variação de temperatura de ± 3K(com 95% de confiança) 10, considerando o coeficiente de dilatação volumétrica da água (2,1 x 10-4 / 0C a 200C). Uma vez que a dilatação volumétrica do líquido é consideravelmente maior que a do frasco (10 x 10-6 / oC para vidros borossilicatos e 25 x 10-6 / 0C para vidros sódio-cálcio), desprezou-se o efeito deste último no cálculo. Sendo assim, para frasco de 250 mL, o intervalo de 95% de confiança de ± 250 x 3 x 2,1 x 10-4, ou seja, 0,1575 representa o efeito da temperatura à incerteza do resultado final. Considerando a distribuição retangular10-12, o desvio padrão é calculado dividindo 0,1575 por raiz quadrada de 3, resultando em 0,09094.

A incerteza combinada, referente à etapa de dissolução da amostra em volume final de 250 mL, foi calculada combinando-se as 2 parcelas de desvio padrão,

Estimando a incerteza padrão devido ao fator de diluição

Para fazer as medidas de cádmio, utilizando a função calibração, foram necessárias 2 diluições de 10 vezes da solução anterior. Para diluições de 10 vezes, foi utilizada pipeta volumétrica de 10 mL e balões volumétricos de 100 mL.

A Tabela 1 mostra os valores obtidos para o cálculo da incerteza padrão combinada, que foi expresso como um desvio padrão, levando-se em conta as variabilidades devido a operações de rotina e especificação de vidrarias25,26. Considerando a distribuição triangular10-12 para limites de tolerância especificados, calculou-se o desvio padrão, dividindo-se estes valores por raiz quadrada de 6.

Ao fator de diluição está associada a incerteza devido aos volumes inicial e final. Como o fator é calculado por operação de divisão, a incerteza associada ao fator é dada por sfator / fator. Em seguida, a incerteza associada ao fator é calculada para uma diluição de 1:10, usando pipeta de 10 mL e balão de 100 mL.

sendo que:

sfator 10 = desvio padrão do fator (corresponde à utilização de pipeta de 10 mL e balão volumétrico de 100 mL)

fator 10 = valor do fator, neste caso, é 10

Substituindo os respectivos valores:

sfator 10 = 0,0158

Estimando a incerteza devido à função calibração

A curva de calibração foi obtida com 5 soluções preparadas com concentrações diferentes: 0,50; 0,75; 1,0; 1,5 e 2,0 mg/L de Cd (II), a partir de uma solução estoque de 1,000 ± 0,002 g/L de Cd (II). Os erros em "x" são pressupostos desprezíveis quando comparados às variabilidades em "y". A mesma curva foi preparada em 4 dias diferentes ( em 21, 22, 23 e 29/08/97).

A Tabela 2 indica os dados brutos deste experimento e a decomposição das variâncias é mostrada na Tabela 3.

Os resultados de testes para o ajuste do modelo seguido (Tabela 4) mostra que o valor da razão MQL/MQEP=0,1795 foi inferior ao valor tabelado (Fcrítico = 4,15). A indicação de existência de relação linear entre as variáveis dependente y e independente x foi altamente significativa e confirmada com a razão MQR/MQE = 22 715.

O valor obtido de R2 = 0,9992 demonstrou a eficiência da regressão, com R2máx de 0,9994. Os parâmetros da regressão foram estimados (coeficiente angular, a = 0,2358 e coeficiente linear, b = 0,01419). Leitura única de absorvância obtida para a solução amostra foi de 0,273.

A concentração de cádmio e sua incerteza, em mg/L, foi calculada utilizando a expressão (2) e (4) com T(18 ; 0,025) = 2,101.

O resultado foi expresso como (1,10 ± 0,03) mg/L, ou seja, com 95% de confiança a concentração de cádmio na solução encontrava-se entre 1,07 e 1,13 mg/L. Em percentagem, a incerteza devido à função calibração representou 3%.

Cálculo da incerteza total do resultado final

Considerando que a amostra tinha sido diluída 100 vezes (2 diluições de 10 vezes, com pipeta volumétrica de 10 ml e balões volumétricos de 100 mL) e inicialmente estava contida em balão volumétrico de 250 mL, o resultado calculado, em massa, passou a ser 27,4 mg de cádmio (mg cádmio = 1,098 x 25).

A Tabela 5 resume os componentes das incertezas devido às várias etapas do procedimento analítico descrito para a determinação de cádmio.

Seguindo as recomendações internacionais estabelecidas para nomenclatura e expressão de incertezas em medições11,12, são mostrados em seguida os cálculos para incerteza combinada e incerteza combinada expandida para o resultado de 27,4 mg.

Cálculo da incerteza combinada - u (C)

u(C) = ± 0,01570 x 27,4

u(C) = ± 0,43

Resultado Final: (27,4 ± 0,4) mg

Cálculo da incerteza combinada expandida - U

U = ± 2 x 0,43

U = ± 0,86

Resultado Final : ( 27,4 ± 0,9) mg

U (em percentagem) = 3%

COMENTÁRIOS

Observa-se que a incerteza combinada expandida expressa em percentagem de 3% referente ao resultado 27,4 mg, tem o mesmo valor obtido para a incerteza da função calibração. Comparando-se os valores de incertezas das várias etapas do procedimento analítico adotado (Tabela 5), percebe-se que as incertezas relativas à obtenção da massa inicial (CV = 0,002176), à diluição inicial (CV = 0,0004384) e ao fator de diluição (CV = 0,002234) são bem menores que a incerteza associada à medição obtida com a função calibração (CV = 0,01538).

O exemplo apresentado refere-se à medição única da amostra de concentração desconhecida. Analisando a expressão (III), observa-se que, à medida que o número de replicatas " R " de amostras aumentar, o termo MQE/ R diminuirá e, conseqüentemente o termo TSyi / a da expressão (II). Portanto a incerteza do valor de interesse também diminuirá, à medida que se efetuar um maior número de replicatas para a amostra de concentração desconhecida.

Em trabalhos de rotina, recomenda-se estabelecer a função calibração com pelo menos 5 pontos, distribuídos de forma eqüidistante, ao longo da faixa de trabalho desejada. Estudos para planejamento otimizados21,27 sugerem fazer 2 replicatas pelo menos para as concentrações mais alta e mais baixa da faixa de trabalho estudada. A ISO 8466/9028 recomenda procedimento com 10 replicatas de cada uma das concentrações mais alta e mais baixa da faixa de trabalho, mantendo-se leitura única para os pontos intermediários, para checar a homogeneidade de variâncias.

Como é observado no presente estudo, replicatas de amostras e de soluções de referência, usadas para a construção da curva de calibração, são fatores importantes que determinam os graus de liberdade a serem considerados no cálculo das médias quadráticas, na análise de variância, e que influenciam no valor a ser obtido para a incerteza dos resultados.

A abordagem das incertezas, da forma como foi discutida, não pretendeu subestimar outras fontes de variabilidade importantes, que são as interferências e efeitos de matriz em uma análise química, porém não incluídas nesta discussão.

CONCLUSÃO

O exemplo dado como estudo de caso mostra a importância de se conhecer as parcelas de incertezas que contribuem ao resultado final, uma vez que permite identificar a etapa que mais contribui à incerteza total do resultado final. São recomendadas medidas de controle29 para que a qualidade dos resultados gerados em laboratório seja monitorada. A função calibração, muito empregada na química analítica, pode ser planejada, a fim de proporcionar uniformidade às práticas metrológicas nos diversos laboratórios que venham a gerar resultados a serem comparados entre si, ou que venham a representar informações para decisões em situações de impasse.

A discussão da qualidade de resultados analíticos, através das incertezas associadas às medições obtidas, representa contribuição à necessária uniformização para os seus cálculos, ao mesmo tempo conscientizando o químico analista a respeito da correta expressão de resultados em análise química.

A recomendação para utilizar o Sistema Internacional de Unidades ajudou a uniformizar a expressão das medições nas áreas científicas e tecnológicas. Da mesma forma é necessário o consenso para o cálculo e a expressão da incerteza em medições, a fim de facilitar a interpretação apropriada dos resultados em análises químicas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2001
  • Data do Fascículo
    Jun 2001

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2000
  • Aceito
    19 Set 2000
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