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Propriedades eletrônicas e estruturais do PbTiO3: teoria do funcional de densidade aplicada a modelos periódicos

Structural and electronic properties of PbTio3: density functional theory applied to periodic models

Resumo

Calculations based on density functional theory at the B3LYP hybrid functional level applied to periodic models have been performed to characterize the structural and electronic properties of PbTiO3. Two different slab terminations (PbO and TiO2) have been considered to obtain and discuss the results of band structure, density of states, charge distribution on bulk and surface relaxation. It is observed that the relaxation processes are most prominent for the Ti and Pb surface atoms. The electron density maps confirm the partial covalent character of the Ti-O bonds. The calculated optical band gap and other results are in agreement with experimental data.

PbTiO3; periodic method; perovskite


PbTiO3; periodic method; perovskite

ARTIGO

Propriedades eletrônicas e estruturais do PbTiO3: teoria do funcional de densidade aplicada a modelos periódicos

Structural and electronic properties of PbTio3: density functional theory applied to periodic models

Sérgio Ricardo de LázaroI; Elson LongoI; Armando BeltranII; Júlio Ricardo SambranoIII, * * e-mail: sambrano@fc.unesp.br

IDepartamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13560-970 São Carlos - SP

IIDepartamento de Ciências Experimentais, Universidade Jaume I, Campus Riu Sec, Castellón - Espanha

IIIDepartamento de Matemática, Universidade Estadual Paulista, CP 473, 17033-360 Bauru - SP

ABSTRACT

Calculations based on density functional theory at the B3LYP hybrid functional level applied to periodic models have been performed to characterize the structural and electronic properties of PbTiO3. Two different slab terminations (PbO and TiO2) have been considered to obtain and discuss the results of band structure, density of states, charge distribution on bulk and surface relaxation. It is observed that the relaxation processes are most prominent for the Ti and Pb surface atoms. The electron density maps confirm the partial covalent character of the Ti-O bonds. The calculated optical band gap and other results are in agreement with experimental data.

Keywords: PbTiO3; periodic method; perovskite.

INTRODUÇÃO

O tratamento teórico de materiais cerâmicos, alvo de inúmeras pesquisas no decorrer dos últimos anos, tem um aspecto fundamental em ciências e engenharia de materiais, sobretudo pelo crescente progresso tecnológico. A teoria é voltada para modelar estruturas e propriedades utilizando os principais princípios da Física e da Química do estado sólido, auxiliando o desenvolvimento de novos materiais e aplicações, tais como catalisadores, células solares, capacitores, sensores de gases, memórias entre outros1-11. Em particular, materiais que apresentam tais aplicações são as perovskitas, que possuem fórmula geral ABO3, onde A e B são denominados elementos modificadores e formadores de rede. Quando adotamos o formador, Ti, obtemos a classe dos titanatos, ATiO3, onde A pode ser representado por Ca, Sr, Ba ou Pb, que apresentam diferentes comportamentos ferroelétricos, paraelétricos, e propriedades fotoluminescentes em estado amorfo à temperatura ambiente em decorrência de distorções da rede, causadas pelos seus modificadores12-19. Entre estes, o semicondutor PbTiO3 exibe importantes aplicações em filmes finos, sensores de gases e dispositivos eletrônicos20-26, podendo também destacar as suas propriedades fotoluminescentes à temperatura ambiente no estado amorfo27-29.

O titanato de chumbo possui uma fase cúbica e tetragonal com características paraelétrica e ferroelétrica, respectivamente16,30. A fase ferroelétrica é processada à temperatura ambiente, enquanto que a cúbica é caracterizada a aproximadamente 500 ºC. Esse material pode ser obtido em forma de pó ou filmes finos. O maior interesse investigativo está na forma de filmes finos que podem ser obtidos por método químico, especificamente, pelo método de precursores poliméricos, que consiste na formação de uma solução aquosa de quelatos metálicos com ácido cítrico para obtenção de uma resina. Tal resina pode ser depositada por "dip-coating" ou "spin-coating" em diversos substratos tais como Pt/SiO2/Si, entre outros, para posterior calcinação17,18,31-34.

Diversos grupos de pesquisa têm trabalhado no desenvolvimento destes materiais. Chen e co-autores apresentaram um estudo teórico-experimental comparando quatro diferentes titanatos, observando os distintos comportamentos ferroelétricos. Estes autores utilizaram métodos de pseudopotenciais para analisar barreiras de energia por meio dos deslocamentos dos átomos de Ti na célula unitária16. Heifets e colaboradores publicaram uma série de artigos relacionados ao estudo de peroviskitas35-38. Em particular38, compararam diferentes métodos teóricos, analisando a estrutura eletrônica de superfícies do SrTiO3 para as duas possíveis terminações (SrO e TiO2). No grupo LIEC - UFSCar de São Carlos e no Laboratório de Simulação Molecular — Unesp - Bauru, têm sido desenvolvidos trabalhos teóricos e experimentais relacionados ao estudo de sólidos cristalinos modificados por método mecânico e sólidos amorfos obtidos por método químico, com propriedades fotoluminescentes à temperatura ambiente27-29,39,40.

Sendo assim, motivados pelo propósito de propiciar uma correlação entre trabalhos teóricos e experimentais, acreditamos que a análise computacional, via métodos de estrutura eletrônica, possa auxiliar e fornecer informações relevantes que podem ser utilizadas como complemento àquelas obtidas por técnicas experimentais, proporcionando uma excelente oportunidade de intercâmbio entre a teoria e o experimento. Desta forma, o objetivo deste trabalho é analisar as propriedades eletrônicas do PbTiO3, na fase cúbica, utilizando a teoria do funcional da densidade aplicada a modelos periódicos. As propriedades eletrônicas estão intimamente ligadas ao comportamento dos elétrons no sólido, as quais fornecem todas as características do material, bem como o de familiarizar o leitor de Química Nova com uma das técnicas teóricas utilizadas em química do estado sólido.

MODELO E MÉTODO

Quando se utiliza a palavra modelo, subentende-se que se determina uma estrutura molecular, um conjunto de funções de base e o nível da teoria a ser aplicado. No momento em que se implementa um modelo, seus resultados podem ser comparados a resultados experimentais, quando disponíveis, como parâmetro de precisão do cálculo. E este deve ser capaz de predizer propriedades muitas vezes difíceis ou até mesmo impossíveis de serem obtidas experimentalmente.

Dentro dos métodos computacionais da Química Quântica que permitem predizer, tanto de modo quantitativo como qualitativo, a estrutura e as propriedades de sistemas em fase condensada, pode-se distinguir dois grupos: i) sólidos cristalinos; ii) sólidos amorfos. Este estudo estará restrito aos sólidos do primeiro grupo.

A simetria e rigidez da rede cristalina e de suas superfícies facilitam a construção de estruturas, que podem ser diferenciadas em duas classes: estruturas finitas, denominadas de aglomerados ou modelos de "cluster" e estruturas periódicas, que consistem na repetição ordenada de átomos ou conjunto de átomos em uma, duas ou três direções. As unidades que se repetem são idênticas e podem ser obtidas mediante operações de simetria de uma célula unitária.

A fase cúbica do PbTiO3, termodinamicamente estável a aproximadamente 500 ºC, possui um grupo de simetria espacial Pm3m (nº 221), Z = 1 e parâmetro de rede a = 3,8647 Å30. A célula unitária é definida por um átomo de titânio no centro de um octaedro formado por seis átomos de oxigênio, localizados na face do cubo, com átomos de chumbo situados nos vértices, Figura 1.


Os cálculos foram desenvolvidos com o programa CRYSTAL9841-44, aplicando-se a teoria do funcional de densidade, com o funcional híbrido B3LYP45,46 e o conjunto de funções de base [86411-d41] para os átomos de Ti, 6-31G* para os átomos de O e o ECP [DB]-31G 47 para os átomos de Pb. Cabe observar que na maioria dos casos onde se exige um alto custo computacional, pode surgir a necessidade de utilizar pseudopotenciais para determinados elementos que exigem um conjunto de base muito amplo para descrever o grande número de elétrons e seus efeitos relativísticos, como para Ti e Pb. Neste caso, optamos em descrever o átomo de Ti com todos os elétrons e utilizar pseudopotenciais para o átomo de Pb, adaptado para reproduzir propriedades de sólidos. Este nível teórico é amplamente utilizado no estudo de uma grande variedade de sólidos38,48,49 e em trabalhos recentes desenvolvidos por nosso grupo50-53.

Minimizou-se a energia total da célula unitária em relação ao parâmetro de rede obtendo-se a = 3,900 Å. A partir do parâmetro otimizado, constroem-se duas estruturas periódicas com 5, 7, 9 e 11 camadas ("slab") cada uma, alternando entre um plano contendo átomos de Ti e O (TiO2) e outro plano contendo átomos de Pb e O (PbO). Um modelo de "slab" consiste em uma reprodução periódica infinita da geometria no plano x,y e finita na direção z. As Figuras 2a e 2b ilustram ambas estruturas, terminadas em superfície de TiO2 e PbO, respectivamente, as quais são as únicas terminações possíveis nesta direção.


A escolha do número de camadas para os cálculos teóricos foi realizada considerando a Energia de Corte (EC) não otimizada, bem como as cargas obtidas pela análise populacional de Mulliken54-57. Define-se a Energia de Corte como EC = ¼ [Esuper(PbO) + Esuper(TiO2) — n·Ebulk], em que Esuper(PbO) é a energia total do modelo terminado na camada de PbO; Esuper(TiO2) a energia total para o modelo terminado em TiO2; n o número de camadas e Ebulk a energia total da célula unitária37. Note que a Energia de Corte está diretamente relacionada com o número de camadas selecionado, isto é, a influência do tamanho do "bulk" sobre as superfícies estudadas.

Desta forma, avaliaram-se os modelos para n = 5, 7, 9 e 11 camadas, observando o limite computacional de 11 camadas, considerando o custo e a disponibilidade computacional, obtendo-se os valores de EC de 1,30 eV/(célula unitária), para os modelos de 5 e 7 camadas e 1,31 eV/(célula unitária) para os modelos de 9 e 11 camadas. Isto nos permitiu observar que esta energia é praticamente constante, ou seja, a diferença não é significativa.

Com relação à análise populacional de Mulliken, observou-se que as cargas dos cátions e átomos de oxigênio apresentaram valores similares para todos os modelos. Portanto, em decorrência da convergência da EC, a energia de "gap" e cargas de Mulliken, optamos por trabalhar com o modelo de 7 camadas, assumindo um compromisso entre a relação de EC e o esforço computacional no processo de otimização, sem afetar a qualidade dos resultados.

Otimizaram-se as posições atômicas das duas primeiras camadas em relação ao eixo z em ambas estruturas de 7 camadas (Figura 2), não permitindo qualquer deslocamento nas demais direções ou a quebra de simetria. Para isso, empregou-se em conjunto ao programa CRYSTAL98 o método de minimização SIMPLEX58. O programa gráfico XcrysDen59 foi utilizado na análise e obtenção das figuras e resultados de densidade de estados (DOS), estrutura de bandas e densidade eletrônica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Parâmetros estruturais e análise populacional de Mulliken

Na Tabela 1 apresentam-se os deslocamentos, para os átomos da primeira e segunda camadas dos modelos terminados em PbO e TiO2 com relação ao eixo z. Os deslocamentos são analisados tomando-se como referência as posições atômicas das estruturas não otimizadas.

Observa-se que os átomos de Pb e Ti da primeira camada, para suas respectivas estruturas, sofrem um deslocamento de 0,175 e 0,144 Å em direção ao interior do sólido (Dz < 0). Para a segunda camada, no modelo terminado em TiO2, os átomos de Pb sofrem um deslocamento positivo, em direção ao exterior do sólido (Dz > 0), da mesma ordem de grandeza dos átomos de Ti da segunda camada do modelo terminado em PbO. Os átomos de oxigênio da primeira camada de ambos os modelos têm um deslocamento em direção ao interior do sólido da ordem de 0,020 Å. Os átomos de O da segunda camada, modelo terminado em PbO, têm um deslocamento de 0,053 Å em direção ao exterior do sólido; por outro lado, os átomos de oxigênio da segunda camada, modelo terminado em TiO2, sofrem um deslocamento de 0,005 Å em direção ao interior do sólido (Dz < 0). De maneira geral, o deslocamento entre a primeira e segunda camada tem direções opostas, resultando em uma aproximação entre as camadas. Essas diferentes posições atômicas em uma mesma camada implicam num momento de dipolo. Em ambas terminações, observa-se que o momento de dipolo da superfície aponta em direção ao interior do sólido, enquanto que o momento de dipolo da segunda camada aponta em direção ao exterior do sólido. Devido ao fato de que estas estruturas são simétricas, esses momentos de dipolo devem anular-se, em concordância com resultados experimentais que indicam que a fase cúbica do PbTiO3 é paraelétrica16.

É conhecido que as cargas de Mulliken possuem limitações, tal como a dependência da base, devendo ser interpretadas com cuidado. Também existe a dificuldade em se discutir os valores absolutos das cargas para os átomos de Ti, O e Pb, porém, a evolução qualitativa dessas cargas pode demonstrar a influência nas interações entre átomos ou ligações químicas. Descrevem-se na Tabela 1 as cargas de Mulliken para a célula unitária e modelos de camadas. Observa-se que existe uma pequena variação das cargas dos modelos de camadas em relação à célula unitária. Porém, nota-se uma maior variação das cargas na primeira camada do modelo terminado em PbO, em relação ao modelo terminado em TiO2. Estas cargas são, provavelmente, as mais afetadas em função da esfera de coordenação incompleta dos átomos que formam a primeira camada em contraposição aos átomos no interior do sólido, que possuem a esfera de coordenação completa.

A Tabela 2 ilustra as distâncias entre átomos na primeira camada, segunda camada, primeira e segunda camadas (d12) e segunda e terceira camadas (d23). A distância metal-metal refere-se à distância ortogonal entre as respectivas camadas. Para o modelo terminado em PbO, a distância de ligação no plano Pb—O (primeira camada) sofre um acréscimo de 0,15%, por outro lado, no modelo terminado em TiO2, a distância de ligação no plano Ti—O (primeira camada) tem um acréscimo de 0,21%, em relação a célula unitária. As distâncias Pb—O e Ti—O no plano da segunda camada apresentam uma variação em menor escala. Para as distâncias entre átomos da primeira e segunda camada (Figura 2), em ambos modelos, existe um decréscimo das ligações Ti—O. Nas distâncias entre átomos da segunda e terceira camada, a maior variação está na ligação Ti—O para o modelo terminado em PbO. Por meio dessas variações de distância de ligação nas camadas otimizadas, observou-se um decréscimo das interações cátion—oxigênio no mesmo plano e um acréscimo das interações entre as camadas.

Calculou-se as energias de superfície de ambos os modelos, como descrito no trabalho de Heifets37, obtendo-se os valores de 1,04 eV para o modelo terminado em PbO e 1,11 eV para o modelo terminado em TiO2, respectivamente. Os valores calculados são similares, sendo que o modelo terminado em TiO2 é ligeiramente mais estável que o terminado em PbO.

Estrutura de bandas e densidade de estados

Um conceito de muita utilidade na análise da estrutura eletrônica de sistemas periódicos é a estrutura de bandas e a densidade de estados (DOS), que é o equivalente a um diagrama de níveis de energia em um sistema finito.

As Figuras 3a e 3b ilustram a zona de Brillouin selecionada e as estruturas de bandas para a célula unitária do PbTiO3, respectivamente. A escolha da zona de Brilloium deve-se ao fato de que esta representa a região que contém todos os pontos equivalentes no espaço recíproco com relação ao grupo de simetria utilizado. Observa-se que para a célula unitária a lacuna de energia, "gap", definida como a diferença entre as energias da banda de condução (BC) e banda de valência (BV), é de 3,18 eV em concordância com valores experimentais60,61. Em particular, existem dois tipos de "gap", um indireto no ponto X — G e outro direto, no ponto X (Tabela 3). Isto se deve a que a primeira banda de condução no ponto G — X tem um comportamento linear. O "gap" indireto ocorre quando o máximo da BV e o mínimo da BC encontram-se em pontos diferentes da zona de Brilloium e o "gap" direto, quando o máximo da BV e o mínimo da BC coincidem no mesmo ponto da zona de Brilloium.




Analisando-se a densidade de estados da célula unitária, Figura 3c, nota-se que a maior contribuição para a BV deve-se aos átomos de O. Observa-se que na região de -11 eV (BV) a contribuição mais significativa pertence aos átomos de Pb, seguidos dos átomos de O. Para a BC, a maior contribuição deve-se aos átomos de Ti e Pb.

Nas Figuras 4a, b e c ilustram-se a zona de Brilloium bi-dimensional e a estrutura de bandas para os modelos terminados em PbO e em TiO2. Analisando-se a estrutura de bandas do modelo terminado em PbO (Figura 4b ), observa-se que na BV o ponto X é o de maior energia; por outro lado, o ponto G é o de menor energia na BC, acarretando em um "gap" indireto de 3,03 eV, no ponto X — G (Tabela 3), sendo o nível de Fermi igual a -5,16 eV. No modelo terminado em TiO2 (Figura 4c ), com nível de Fermi de -5,07 eV, verifica-se a existência de uma onda plana como primeira banda de condução (G - X). Isso demonstra que o "gap" é indireto nos pontos M — X e M — G, ambos com um valor de 2,99 eV. O ponto M é o de energia mais alta, simultaneamente para a BV e BC. Comparando-se a estrutura de bandas para as estruturas terminadas em PbO e TiO2 (Figuras 4b , c ) e a estrutura de bandas do SrTiO3 (terminado em SrO e TiO2), apresentadas no trabalho de Heifets37, podemos observar algumas semelhanças. Para a estrutura terminada em PbO as primeiras bandas da BC demonstram um comportamento similar. Para a estrutura terminada em TiO2, os pontos de máximo da BV encontram-se no mesmo ponto da zona de Brilloium e as primeiras bandas da BC apresentam mesmo comportamento. Cálculos preliminares para os demais compostos da família ATiO3 (A = Ba e Ca) apresentam um comportamento análogo na estrutura de bandas.


A densidade de estados para a superfície terminada em PbO (Figura 5a) demonstra que a contribuição para a BC dos átomos de Pb é predominante na primeira camada. A contribuição na BC dos átomos de Ti na segunda camada é mais elevada que para os titânios da camada central, considerando a mesma faixa de energia. Os átomos de O da primeira e segunda camadas são os que mais contribuem para a BV e os átomos de O da camada central são os que menos contribuem. Esse comportamento demonstra que, no modelo terminado no plano PbO, a contribuição dos átomos O decresce em direção ao interior do sólido. Analisando-se a projeção do DOS sobre os orbitais 2px, 2py e 2pz dos átomos de O (Figura 5b) observa-se que os orbitais 2px e 2py têm um comportamento análogo. Analisando-se os orbitais 3d dos átomos de Ti, destacando as contribuições mais significativas, observa-se que os orbitais 3dxz, 3dyz e 3dz2 são os que mais contribuem, enquanto que não existe contribuição significativa dos orbitais 3dxy e 3dx2 — y2.


Para a superfície terminada em TiO2 (Figura 6a), observa-se que os átomos de Pb não têm contribuição significativa para as bandas de condução e valência, sendo que os átomos de O são predominantes na BV e os átomos de Ti, na BC. Analisando-se cada átomo e suas respectivas contribuições por camada, verifica-se que os titânios da primeira e terceira camadas possuem contribuições semelhantes para a mesma faixa de energia. Com relação aos átomos de O, observa-se uma maior contribuição na primeira e terceira camadas. Isso comprova que a maior influência na BV é dos átomos de O nos planos formados por átomos de Ti e O. Para uma discussão mais detalhada com relação aos átomos de oxigênios, calculou-se a densidade de estados projetada para os orbitais 2p. A BV é influenciada predominantemente pelos orbitais 2px e 2py. Para os orbitais 3d dos átomos de Ti as contribuições mais significativas para a faixa de energia adotada devem-se aos orbitais 3dxz, 3dyz e 3dz2. Observou-se que não há contribuição dos orbitais 3dxy e 3dx2 — y2.


Como conhecido na literatura14,36,62-64, a família dos titanatos ATiO3 é formada por óxidos de caráter iônico com propriedades ferroelétricas e piezoelétricas. Sendo assim, obteve-se a densidade eletrônica para a primeira camada dos modelos terminados em PbO e TiO2 (Figura 7a). Para a camada de PbO observa-se que não existe isolínea comum entre os átomos de Pb e O, isto é, isolínea que contorne ou abarque ambos os átomos. Esse comportamento caracteriza qualitativamente o carácter iônico da camada, pois não há um maior compartilhamento de elétrons, os átomos interagem como cargas pontuais. Observa-se na Figura 7b, para a camada de TiO2, que a interação entre os átomos de Ti e O tem uma pequena contribuição covalente. Qualitativamente, as isolíneas contornam os átomos da camada TiO2 com uma densidade eletrônica contínua. Esse comportamento concorda com a análise de Heifets et al.37,38 para o SrTiO3, pois se observa uma pequena interação covalente.


CONCLUSÕES

As conclusões decorrentes da análise das propriedades estruturais e eletrônicas do PbTiO3 aplicando a teoria do funcional da densidade a modelos periódicos são descritas a seguir:

i) as energias de superfície de ambos os modelos de camadas, terminando no plano contendo átomos de Ti e O (TiO2) e no plano contendo átomos de Pb e O (PbO) são similares, porém o modelo terminado em TiO2 é ligeiramente mais estável;

ii) de maneira geral, os átomos da primeira camada deslocam-se em direção ao interior do sólido, enquanto que os átomos da segunda camada se deslocam em direção oposta. Estes deslocamentos geram um momento dipolar que tende a se anular, em concordância com a característica paraelétrica do PbTiO3;

iii) observa-se um decréscimo das interações cátion—oxigênio no mesmo plano e um acréscimo das interações entre as camadas;

iv) a distribuição de cargas de Mulliken nos modelos de camadas não sofre alteração significativa em relação às cargas da célula unitária;

v) a análise da estrutura de bandas da célula unitária permite observar que o material é um semicondutor com um "gap" de energia de 3,18 eV. Os átomos que mais contribuem na BV são os de oxigênio, enquanto que para a BC, a maior contribuição é atribuída aos átomos de titânio e chumbo;

vi) para as superfícies terminadas em PbO e TiO2 obtém-se um "gap" de energia de 3,03 e 2,99 eV, respectivamente, corroborando com a característica semicondutora do PbTiO3. O "gap" de ambos os modelos é menor que o "gap" de energia calculado para a célula unitária;

vii) nas projeções de DOS observa-se uma maior contribuição em relação aos orbitais atômicos de componente z que nos orbitais de componente xy;

viii) o comportamento dos átomos de O nas camadas em ambos os modelos é distinto. No modelo terminado no plano PbO, a contribuição diminui em sentido ao interior do sólido e no modelo terminado no plano TiO2, os O que mais contribuem são os que formam os planos TiO2 (primeira e terceira camadas) e

ix) a análise da densidade eletrônica demonstra um caráter iônico para a primeira camada do modelo terminado em PbO, enquanto que a primeira camada do modelo terminado em TiO2 apresenta uma pequena interação covalente entre os átomos de Ti e O.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi financiado por FAPESP, CAPES, CNPq, FINEP e BANCAJA. Todos os cálculos foram realizados no Laboratório de Simulação Molecular da Unesp de Bauru e nas dependências do centro de informática da Universidade Jaume I, Castellón, Espanha.

Recebido em 17/10/03; aceito em 11/8/04; publicado na web em 23/11/04

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Fev 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Aceito
      11 Ago 2004
    • Recebido
      17 Out 2003
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