Acessibilidade / Reportar erro

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA, MUDANÇAS NA REGULAMENTAÇÃO E OS IMPACTOS NA ESTRUTURA EM CURSOS DE LICENCIATURA EM QUÍMICA

TEACHER’S TRAINING IN CHEMISTRY, CHANGES IN REGULATION AND IMPACTS ON THE STRUCTURE OF TWO CHEMISTRY UNDERGRADUATION COURSES

Resumo

Chemistry teacher training courses have been undergoing restructuring, encouraged by changes in legislation and various research in the educational area. This work presents an overview of the regulations, which in recent years has been considering the importance of including reflective practices during initial training courses, by increasing the workload of internships and the implementation of the “Practice as a Curricular Component” (Prática como Componente Curricular). In the light of these regimentation, through a documentary analysis, we investigate aspects related to the structure of the teacher education curriculum in two undergraduate chemistry courses, which are presented as courses with different curriculum structures, especially the percentage of hours devoted to specific activities that differentiate from the bachelor’s degree for the course as a whole and the distribution of these activities over the 4 years of the course. We identified resistance in change the structure of the curriculum to disassociate the teacher training courses from the baccalaureate. It was also investigated the profile of teachers for both institutions, which are similar and show that the majority of teachers have a bachelor profile, raising a question about the training of teacher educators.

Keywords:
Chemistry teacher training courses; teacher education curriculum; regulations


Keywords:
Chemistry teacher training courses; teacher education curriculum; regulations

INTRODUÇÃO

A formação de professores para a Educação Básica tem sido discutida no Brasil e internacionalmente ao longo dos anos considerando a construção de conhecimentos teóricos e sua relação com o desenvolvimento de aspectos voltados à prática profissional e à formação reflexiva.11 da Ponte, J. P.; Actas do Profmat 98, Lisboa, Portugal, 1998, pp.27-44; Maldaner, O. A.; A formação inicial e continuada de professores de química: professores/pesquisadores; Editora Unijuí: Ijuí, 2000; Bejarano, N. R. R.; de Carvalho, A. M. P.; Investigações em Ensino de Ciências 2003, 8, 257; Gatti, B. A.; Educação e Sociedade 2010, 31, 1355; Barolli, E.; Villani, A.; Revista Exitus 2015, 5, 72; Villegas-Reimers, E.; Teacher professional development: an international review of the literature, UNESCO-IIEP: Paris, 2003; Rosa, L. M. R.; Suart, R. de C.; Marcondes, M. E. R.; Ciência e Educação 2017, 23, 51.,22 Tardiff, M.; Saberes Docentes e Formação Profissional, 17a ed; Vozes: Petrópolis, 2014. Tais pesquisas, em conjunto com movimentos de discussão promovidos por diferentes entidades, têm levantado dados importantes que trazem contribuições nas reestruturações dos cursos de Licenciatura e na legislação nacional desde a reforma universitária de 1968 até atualidade.33 Mesquita, N. A. da S.; Cardoso, T. M. G.; Soares, M. H. F. B.; Quim. Nova 2013, 36, 195.

Ao influenciar as formações inicial e continuada de profissionais, um olhar crítico sobre as mudanças na legislação e na regulamentação da formação de professores e de que modo tais mudanças têm sido incorporadas nos cursos de formação inicial pode ser um exercício interessante no sentido de compreender os impactos e as demandas ainda existentes neste campo, sendo objetivo deste trabalho propor tal exercício.

Nesse sentido, apresenta-se um panorama da legislação referente aos cursos de formação inicial de professores de Química ao longo dos anos e, por meio da análise de documentos relativos a dois cursos de Licenciatura em Química, buscou-se pontuar, como as indicações legais e os aspectos levantados pelas pesquisas sobre formação docente têm sido incorporados nas suas respectivas matrizes curriculares. Além disso, buscou-se discutir aspectos relacionados aos perfis dos docentes dos cursos com base em suas formações iniciais e como isso pode ou não influenciar nos modelos propostos.

Legislação para a formação de professores de Química

Na formação de professores de Química para a Educação Básica, dois conjuntos de leis devem ser considerados: a legislação referente aos cursos de formação de professores no âmbito geral e aquela específica aos cursos de Licenciatura em Química. A Figura 1 apresenta uma linha do tempo com as principais regulamentações referentes à formação de professores de Química para a Educação Básica, na qual é possível notar que, desde a década de 1960, um conjunto de diretrizes, normativas e marcos legais tem sido proposto envolvendo órgãos distintos, sendo tal discussão recorrente nos documentos oficiais que se referem à educação.

Figura 1
Linha do tempo com as principais regulamentações referentes às Licenciaturas em Química no Brasil. Na parte superior são apresentadas as regulamentações referentes ao ensino superior de forma geral, na parte inferior as que versam sobre os cursos de Licenciatura em Química. Nota: CFE - Conselho Federal de Educação; LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; DCNC - Diretrizes Nacionais Curriculares para os Cursos de Química; DCNC-Licenciaturas - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior; PNE - Plano Nacional de Educação; BNC-Formação - Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica

No âmbito da legislação educacional geral, a reforma universitária de 1968, descrita na Lei Nº5.540,44 Brasil; Lei 5540/1968, Brasília, 1968. trata, no artigo 30, da formação de professores para o segundo grau (atual Ensino Médio) e estabelece diretrizes que tornam as instituições de nível superior responsáveis pela formação de professores da Educação Básica apontando que, para esse nível de ensino, a formação “realizar-se-á, nas universidades mediante a cooperação das unidades responsáveis pelos estudos incluídos nos currículos dos cursos respectivos” (art.30).44 Brasil; Lei 5540/1968, Brasília, 1968.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)55 Brasil; Lei 9394/1996, Brasília, 1996. de 1996, em seu Título VI, que trata especificamente dos profissionais da educação, estabelece que a formação dos docentes do nível básico e outros profissionais da educação deve ser realizada em cursos de nível superior e deve incluir no mínimo 300 horas de práticas de ensino, sendo os docentes formados em cursos de Licenciatura de graduação plena.55 Brasil; Lei 9394/1996, Brasília, 1996. Destaca-se, ao longo da LDB, a importância de uma formação de qualidade no Ensino Superior dada aos (futuros) docentes da Educação Básica, sendo essa uma via importante para o fortalecimento do sistema de ensino como um todo.

Outro aspecto marcante é que a LDB propõe a cooperação entre Universidade e Educação Básica. Segundo Macedo e col.,66 Macedo, A. R.; Trevisan, L. M. V.; Trevisan, P.; Macedo, C. S.; Ensino Avaliação e Políticas Públicas em Educação 2005, 13, 127. as instituições de ensino superior:

[...] devem assumir a liderança na cooperação com os sistemas de educação básica de modo a efetivamente contribuir para a melhoria da qualidade da escola básica. A mais importante tarefa que deve ser cumprida pelas instituições de ensino superior é a formação de professores,[...]

[...] situar a relação Universidade-Escola Básica num plano mais abrangente e duradouro, que garanta a articulação entre os diferentes níveis de ensino na promoção da qualidade da educação. (p.140)66 Macedo, A. R.; Trevisan, L. M. V.; Trevisan, P.; Macedo, C. S.; Ensino Avaliação e Políticas Públicas em Educação 2005, 13, 127.

Nota-se a intencionalidade de que o aprimoramento da formação de professores tenha uma interferência direta na melhoria da qualidade da formação dos estudantes da Educação Básica.

A LDB não apresenta aspectos relativos aos conteúdos que devem ser trabalhados na formação docente, ficando a cargo dos conselhos de área específicos e dos conselhos (e secretarias) de educação a definição da carga horária específica para tais conteúdos.

Anteriormente à LDB, o Conselho Federal de Educação (CFE), na Resolução 9/CFE/69,77 Brasil; Resolução CFE 9/1969, Brasília, 1969. definiu que, além das disciplinas do Bacharelado, o currículo das Licenciaturas deveria incluir Psicologia da Educação, Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino em 2º grau, Prática de ensino/estágio supervisionado, sendo que tais disciplinas deveriam representar 1/8 da duração mínima do curso.

Posteriormente, as “Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Química”88 Brasil; Parecer CNE/CES 1303/2001, Brasília, 2011; Zucco, C.; Pessine, F. B. T.; de Andrade, J. B.; Quim. Nova 1999, 22, 454. (DCNC-Química) consideraram a Licenciatura uma complementação ao Bacharelado. Porém, a Resolução Complementar CNE/CES 08/2002,99 Brasil; Resolução CNE/CES 8/2002, Brasília, 2002. do Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Superior (CNE/CES), definiu que deveria ser respeitada a Resolução CNE/CP 2/2002,1010 Brasil; Resolução CNE/CP 2/2002, Brasília, 2002. do Conselho Nacional de Educação / Conselho Pleno (CNE/CP) escrita com base nos Pareceres CNE/CP 09/20011111 Brasil; Parecer CNE/CP 9/2001, Brasília, 2001. e CNE/CP 28/2001,1212 Brasil; Parecer CNE/CP 28/2001, Brasilia, 2002. que versa sobre os cursos de Licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.

Dentre esses documentos, o parecer CNE/CP 09/20011111 Brasil; Parecer CNE/CP 9/2001, Brasília, 2001. discorre sobre a proposta de Diretrizes para a Formação de Professores da Educação Básica, conduzido pela Secretaria de Ensino Superior (SESu). A SESu, durante a elaboração das propostas de diretrizes curriculares para a graduação, define três categorias de carreiras: Bacharelado Acadêmico; Bacharelado Profissionalizante; e Licenciatura, apontando a necessidade de mudança de paradigma nos cursos de formação de professores, uma vez que o mesmo não poderia mais ser considerado uma complementação ao curso de Bacharelado:

Dessa forma, a Licenciatura ganhou, como determina a nova legislação, terminalidade e integralidade própria em relação ao Bacharelado, constituindo-se em um projeto específico. Isso exige a definição de currículos próprios da Licenciatura que não se confundam com o Bacharelado ou com a antiga formação de professores que ficou caracterizada como modelo “3+1”. (p.6)1111 Brasil; Parecer CNE/CP 9/2001, Brasília, 2001.

Esse parecer foi regulamentado pela Resolução CNE/CP 01/2002,1313 Brasil; Resolução CNE/CP 1/2002, Brasília, 2002. a qual evidencia que “a formação deverá ser realizada em processo autônomo, em curso de licenciatura plena, numa estrutura com identidade própria” (p.4)1313 Brasil; Resolução CNE/CP 1/2002, Brasília, 2002. Em relação à definição dos conhecimentos mínimos a serem abordados para o desenvolvimento das habilidades e competências consideradas necessárias aos licenciados, são descritos:

  1. cultura geral e profissional;

  2. conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e as das comunidades indígenas;

  3. conhecimento sobre dimensão cultural, social, política e econômica da educação;

  4. conteúdos das áreas de conhecimento que serão objeto de ensino;

  5. conhecimento pedagógico;

  6. conhecimento advindo da experiência. (p.3)1313 Brasil; Resolução CNE/CP 1/2002, Brasília, 2002.

Fica evidente a importância do desenvolvimento de conteúdos específicos e pedagógicos. Porém, deve-se ressaltar a relevância de uma visão ampla de mundo ao professor, destacando-se que o profissional professor deve ser mais do que um especialista.

O item VI é diferença importante desta proposta, pautando que, durante a graduação o sujeito aprenda a “ser” professor e, para tanto, além de conhecimentos “sobre” docência, é necessário o desenvolvimento de conhecimentos que só se fazem “na” e “pela” experiência, cabendo ressaltar que tal experiência só se torna significativa quando ocorre atrelada ao processo de reflexão sistemática baseada em conhecimentos e conceitos teóricos.

Vale destacar a relação entre a pesquisa educacional e o estabelecido nos marcos legais em desenvolvimento. A crítica ao modelo da racionalidade técnica, exemplificado pela formação “3+1” e a compreensão das dimensões prática e crítica para a formação fazem emergir investigações e concepções relacionadas à presença de conhecimentos e saberes que necessitam ser desenvolvidos por meio da reflexão sobre a prática. Apontado por diversos autores, experiência e processo reflexivo começam a ser tratados nos marcos legais, sendo considerado que a constituição dos saberes docentes deve ser construída em um modelo que reconheça uma identidade própria para a profissão e que possibilite seu desenvolvimento no momento da prática por meio de atividades envolvendo o contato entre licenciando e escola1414 Pimenta, S. G.; Lima, M. S. L.; Estágio e Docencia; Editora Cortez: São Paulo, 2004; Saviani, D.; Revista Brasileira de Educação 2009, 14, 143; Diniz-Pereira, J. E.; Educação 2011, 36, 203.,1515 Schon, D. A.; Em Os professores e sua formação; Novoa, A., org.; Dom Quixote: Lisboa, 1992; pp.77-91.

Partindo do cenário descrito, no qual as pesquisas sobre formação de professores apresentam recorrentes debates relacionados à necessária articulação teórico-prática, a Resolução CNE/CP 02/20021010 Brasil; Resolução CNE/CP 2/2002, Brasília, 2002. apresenta uma determinação específica a respeito da carga horária mínima dos cursos incluindo 400 horas de Prática como Componente Curricular (PCC), 400 horas de estágio curricular supervisionado, 1800 horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural e 200 horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.

Em 2015, é aprovada a Resolução CNE/CP 02/2015,1616 Brasil; Resolução CNE/CP 2/2015, Brasília, 2015. que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior (DCNC-Licenciaturas) que, de modo geral, conserva a essência das diretrizes anteriores, alterando a carga horária, sua distribuição e sistematizando outras duas modalidades de cursos de formação inicial para profissionais do magistério da Educação Básica criados neste interstício: (i) os cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados, regulamentado inicialmente em caráter emergencial pela Resolução CNE/CP 2/19971717 Brasil; Resolução CNE/CP 2/1997, Brasília, 1997. e (ii) cursos de segunda Licenciatura, regulamentado anteriormente pela Resolução CNE/CP 1/2009.1818 Brasil; Resolução CNE/CP 1/2009, Brasil, 2009.

As três modalidades diferem essencialmente quanto à carga horária e sua distribuição, como pode ser observado no Quadro 1.

Quadro 1
Cargas horárias mínimas, por modalidade de curso de formação de profissionais para o magistério para a Educação Básica

Apesar das DCNC-Química não terem apresentado mudanças posteriores ao ano de 2002, nos últimos anos os cursos de Bacharelado e Licenciatura em instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas passaram por mudanças curriculares, no Projeto Político-Pedagógico (PPP) e, no caso das Licenciaturas, mudanças necessárias para adequação à legislação. Dentre as alterações emergentes, um dos desafios que ainda perdura, por razões que serão discutidas posteriormente, refere-se à implementação da PCC, para a qual o Parecer CNE/CP 28/20011212 Brasil; Parecer CNE/CP 28/2001, Brasilia, 2002. traz algumas reflexões:

A prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz algo no âmbito do ensino. Sendo a prática um trabalho consciente [...] ela terá que ser uma atividade tão flexível quanto outros pontos de apoio do processo formativo, a fim de dar conta dos múltiplos modos de ser da atividade acadêmico-científica. Assim, ela deve ser planejada quando da elaboração do projeto pedagógico e seu acontecer deve se dar desde o início da duração do processo formativo e se estender ao longo de todo o seu processo. Em articulação intrínseca com o estágio supervisionado e com as atividades de trabalho acadêmico, ela concorre conjuntamente para a formação da identidade do professor como educador. [...] (p.9 -grifo nosso)1212 Brasil; Parecer CNE/CP 28/2001, Brasilia, 2002.

Como pode-se observar, a PCC deve ser implementa ao longo de todo processo formativo, auxiliando na formação da identidade docente sendo desenvolvida em articulação aos estágios supervisionados, mas não com vínculo exclusivo, como fica evidenciado no Parecer CNE/CP 9/2001:1111 Brasil; Parecer CNE/CP 9/2001, Brasília, 2001.

[...] a prática na matriz curricular dos cursos de formação não pode ficar reduzida a um espaço isolado, que a reduza ao estágio como algo fechado em si mesmo e desarticulado do restante do curso. Isso porque não é possível deixar ao futuro professor a tarefa de integrar e transpor o conhecimento sobre ensino e aprendizagem para o conhecimento na situação de ensino e aprendizagem, sem ter oportunidade de participar de uma reflexão coletiva e sistemática sobre esse processo. (p.57)1111 Brasil; Parecer CNE/CP 9/2001, Brasília, 2001.

Destarte, parte do processo de formação da identidade docente a ser desenvolvida pela PCC envolve a reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem, cabendo aos cursos e aos formadores realizar a mediação para o desenvolvimento de ações nesse sentido.

O Parecer CNE/CP 9/20011111 Brasil; Parecer CNE/CP 9/2001, Brasília, 2001. sugere o desenvolvimento da PCC em 3 frentes: (i) no interior das disciplinas específicas da área (com exceção das disciplinas práticas de fundamentos técnico-científicos), ficando claro aqui que além das disciplinas pedagógicas, as disciplinas de conteúdo específico são corresponsáveis pelo desenvolvimento da PCC; (ii) na coordenação da dimensão prática, assim chamada no documento, que envolve principalmente atividades de observação (que não precisam ser diretas como no estágio) e reflexão, e resolução de situações - problema articuladas de forma interdisciplinar e contextualizada; e (iii) nos estágios, compreendendo que a articulação entre IES e escola é essencial no desenvolvimento de um projeto que permita ao licenciando vivenciar diversas situações no momento da formação.

Souza Neto e Silva1919 Neto, S. D. S.; da Silva, V. P.; Revista Diálogo Educacional 2014, 14, 889. apresentam uma série de reflexões acerca da implementação da PCC nos currículos das Licenciaturas em Campi da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Os autores destacam o fato de os currículos, em sua maioria, terem passado por uma adequação e não por uma reestruturação, ressaltando que o entendimento da concepção da PCC e a resistência dos docentes de disciplinas específicas têm gerado dificuldades em relação a sua implementação:

Nesse contexto, a Prática como Componente Curricular causou um grande “nó” na cabeça dos membros de cada Conselho de Curso da Unesp, no que tange às licenciaturas. Por ocasião das mudanças curriculares, acabou-se optando mais pela adequação curricular do que por uma reestruturação curricular. Assim, tornou-se “comum” encontrar a PCC pulverizada nas disciplinas da graduação, podendo ela ser específica, pedagógica ou de intervenção e ficando, muitas vezes, confinada na “missão” de melhorar a relação teoria-prática na própria disciplina.

[...] para muitos professores de conteúdo específico, esse quadro se configurou como um excesso de práticas, não contribuindo para o desenvolvimento do curso, pois, no entender deles, o que os estudantes precisam ter é conteúdo. No entanto, há também tentativas interessantes de se buscar a superação de um simples “aplicacionismo”, implantando uma pedagogia de projetos, vinculada a essa ideia ou, [...] na forma de Projetos Integradores, [...]. (p.899 - grifo nosso)1919 Neto, S. D. S.; da Silva, V. P.; Revista Diálogo Educacional 2014, 14, 889.

Concordando com os autores, Mohr e Cassiani2020 Mohr, A.; Cassiani, S.; Em Prática como componente curricular: que novidade é essa 15 anos depois?; Mohr, A., Wielewicki, H. G., orgs.;1ª ed., NUP/CED/UFSC: Florianópolis, 2017. cap.3. afirmam que “o desconhecimento dos objetivos e formatos possíveis para a PCC é um dos entraves mais importantes para o seu adequado desenvolvimento”, fato que pode incidir na forma de organização das matrizes curriculares nos diferentes cursos.

Considerando ainda os aspectos legais, em deliberação de 20172121 São Paulo, Deliberação CEE/SP 154/2017, São Paulo, 2017. o Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE/SP), apresenta uma revisão acerca da PCC, sob a perspectiva do “Conhecimento Pedagógico do Conteúdo” (PCK, do inglês Pedagogical Content Knowledge), proposto por Shulman.2222 Shulman, L. S.; Educational Researcher 1986, 15, 4.,2323 Shulman, L. S.; Harvard Educational Review 1987, 57, 1. Segundo o autor, o PCK seria “a capacidade de um professor para transformar o conhecimento do conteúdo que ele possui em formas pedagogicamente poderosas e adaptadas às variações dos estudantes [...]” (p.15),2323 Shulman, L. S.; Harvard Educational Review 1987, 57, 1. considerando que desenvolvê-lo envolve a mobilização de domínios do conhecimento (incluindo o conhecimento do conteúdo específico e conhecimento pedagógico) aliado ao processo de reflexão crítica sobre e na experiência profissional.

Desta forma a Deliberação CEE/SP Nº154/20172121 São Paulo, Deliberação CEE/SP 154/2017, São Paulo, 2017. considera que:

[A PCC] Constitui a dimensão prática, contextualizada e significativa de todos os conteúdos curriculares da formação docente, tanto aqueles específicos de uma área ou disciplina quanto aqueles dos fundamentos pedagógicos. (p.4 - grifo nosso)2121 São Paulo, Deliberação CEE/SP 154/2017, São Paulo, 2017.

Portanto, a resolução indica a PCC como oportunidade de articulação entre diferentes domínios do conhecimento sendo importante que ocorra tanto em disciplinas envolvendo conhecimentos pedagógicos quanto em disciplinas de conteúdos específicos, considerando que, ao realizar atividades que permitam a reflexão sobre a prática de ensino de determinado conteúdo, o desenvolvimento do PCK dos futuros professores é favorecido.

Levando em conta a característica complexa da PCC, diversos estudos têm proposto importantes discussões relacionadas, principalmente, às concepções sobre a PCC por diferentes sujeitos (formadores e licenciandos)2424 Santos, A. J. S.; Mesquita, N. A. S.; Rev. Virtual Quim. 2018, 10, 487; da Costa, F. T.; de Alencar, F. L.; Beraldo, T. M. L.; Anais do XVI Encontro Nacional de Ensino de Química, Salvador, Brasil, 2012. e aos diferentes formatos de como vem ocorrendo a implementação deste componente na formação inicial, partindo da análise documental de projetos político-pedagógicos dos cursos em conjunto com as ementas das disciplinas.2525 Passos, C. G.; Del Pino, J. C.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2014, 7, 209.

26 da Silva, P. J.; Guimarãoes, O. M.; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 2019, 19, 565.

27 de Almeida, S.; Mesquita, N. A. de S.; Acta Scientiae 2017, 19, 157.

28 Kasseboehmer, A. C.; de Farias, S. A.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2012, 5, 95.

29 Real, G. C. M.; Educação e Fronteiras On-Line 2012, 2, 48;

30 Bego, A. M; Oliveira R. C; Corrêa R. G.; Quim. Nova Esc. 2017, 39, 250.
-3131 Calixto, V. S; Kiouranis, N. M. M; Vieira. R. M.; Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências 2019, 21, e 14931.

No primeiro cenário, a PCC tem sido compreendida como uma prática de articulação entre aspectos teóricos e práticos na formação com potencial para a “construção de saberes ancorados na realidade escolar”3232 Calixto, V. D. S.; Kiouranis, N. M. M.; Vieira, R. M.; Investigações em Ensino Ciências 2019, 24, 181. retomando aspectos da estrutura da formação discutidos ao logo das décadas de 1970, 1980 e 1990, período em que emergiram concepções que visavam a superação do modelo de racionalidade-técnica para a formação.1414 Pimenta, S. G.; Lima, M. S. L.; Estágio e Docencia; Editora Cortez: São Paulo, 2004; Saviani, D.; Revista Brasileira de Educação 2009, 14, 143; Diniz-Pereira, J. E.; Educação 2011, 36, 203. Pode-se notar, dentro da proposta da PCC, aspectos voltados à construção de saberes considerando a práxis, pautada em diferentes referenciais, como apontado por Real.2929 Real, G. C. M.; Educação e Fronteiras On-Line 2012, 2, 48; Tal concepção também tem sido verificada nos trabalhos mais recentes a respeito das formas de trabalho com este componente curricular.

Nos estudos referentes à implementação da PCC, um dos aspectos relevantes discutidos se refere à articulação dos saberes e conhecimentos profissionais com os momentos em que a PCC se desenvolve no curso, propondo a ideia de saberes de conteúdo, saberes pedagógicos e saberes de interface. Nesse âmbito, as investigações buscam identificar conjuntos de disciplinas em que a PCC tem sido incorporada e os conteúdos que têm sido trabalhados.2525 Passos, C. G.; Del Pino, J. C.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2014, 7, 209.

26 da Silva, P. J.; Guimarãoes, O. M.; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 2019, 19, 565.

27 de Almeida, S.; Mesquita, N. A. de S.; Acta Scientiae 2017, 19, 157.
-2828 Kasseboehmer, A. C.; de Farias, S. A.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2012, 5, 95.

Tem-se observado que, para um conjunto de cursos de Licenciatura em Química, a PCC se concentra nas disciplinas de interface, ou seja, disciplinas que não estão dentro da carga daquelas denominadas pedagógicas nem de conteúdo específico. Tal proposta vem sendo reconhecida como positiva pois cria um espaço particular para o desenvolvimento de saberes provenientes da prática reflexiva e leva em conta situações do cotidiano escolar. No entanto, tal possibilidade pode gerar o distanciamento em relação aos conteúdos específicos.2525 Passos, C. G.; Del Pino, J. C.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2014, 7, 209.

26 da Silva, P. J.; Guimarãoes, O. M.; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 2019, 19, 565.

27 de Almeida, S.; Mesquita, N. A. de S.; Acta Scientiae 2017, 19, 157.
-2828 Kasseboehmer, A. C.; de Farias, S. A.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2012, 5, 95. O modelo de disciplinas de interface não é único e têm-se notado projetos de cursos de Licenciatura nos quais a PCC apresenta-se com maior carga dentro de disciplinas específicas.2626 da Silva, P. J.; Guimarãoes, O. M.; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 2019, 19, 565.

No tocante a esses possíveis cenários, notam-se trabalhos que ilustram contribuições considerando a formação pautada na racionalidade prática ainda que adotem a implementação da PCC em formatos distintos. Investigações em cenários onde a PCC tem sido absorvida por disciplinas da área específica, a articulação e entendimento dos docentes sobre esse componente faz-se crucial para permitir a mobilização de conhecimentos específicos e pedagógicos pensados sob a ótica de problemáticas da educação básica, vivenciadas pelos futuros professores.3030 Bego, A. M; Oliveira R. C; Corrêa R. G.; Quim. Nova Esc. 2017, 39, 250. Em contrapartida, há trabalhos que buscam trazer esse potencial reflexivo sobre a prática em disciplinas de com maior caráter pedagógico.3131 Calixto, V. S; Kiouranis, N. M. M; Vieira. R. M.; Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências 2019, 21, e 14931. Ressalta-se, no entanto, que nos diferentes casos, ficam evidentes a intencionalidade de ampliação da dimensão prática na ação docente e que tal dimensão deva ter sentido prático e, portanto, ser pensada de forma articulada a contextos e problemáticas reais.

Apesar das diferentes propostas, um ponto comum a maior parte dos trabalhos é a percepção de que, independente da formação dos docentes que atuam no curso, seria de extrema importância que todos tivessem clareza da intencionalidade e da concepção proposta pela PCC.

Ao considerarmos a existência de diferentes modelos de implementação da PCC, cabe questionar quais os fatores que suscitam a adoção de um caminho ou de outro procurando discutir as contribuições de cada um para a formação dos futuros professores.

Em meio ao conjunto de diretrizes legais e as pesquisas realizadas, recentemente foi aprovada a Resolução CNE/CP 2/2019 que “define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica” instituindo a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores (BNC-Formação).3333 Brasil; Resolução CNE/CP 2/2019, Brasília, 2019. O documento reforça o caráter de articulação entre teoria e prática na formação, propõe a adequação dos cursos à Base Nacional Comum Curricular (BNCC)3434 Brasil; Resolução CNE/CP 4/2018, Brasília, 2018. e atualiza a distribuição da carga horária dos cursos de Licenciatura, nas três modalidades, sendo mantida, para o curso de graduação plena, a carga horária mínima total (3200 h) e a carga horária dedicada à práticas pedagógicas - grupo III (800 h), que incluem PCC (400 h) e estágio (400 h). As demais horas são distribuídas em dois grupos de atividades: grupo I (conhecimentos educacionais e suas articulações)800 h, e grupo II (conteúdos específicos e o domínio pedagógico destes conteúdos)1600 h.

A BNC-Formação reforça a necessidade de integração teoria-prática ao longo da formação docente pontuando que as atividades do grupo III devem estar articuladas com as dos grupos I e II desde o primeiro ano do curso, destacando que devem ser realizadas de forma progressiva e com a participação de toda equipe docente da instituição formadora.

Podemos pontuar que, em linhas gerais, as alterações na legislação e as pesquisas a respeito das políticas educacionais objetivam que os cursos de Licenciatura se estruturem de forma a criar uma identidade própria, caracterizando a profissão como possuidora de conhecimentos e saberes específicos e visando implementar atividades voltadas à articulação entre teoria e prática ao longo de todo o curso e, para tanto, buscam propor a criação de condições e ações ao longo de todo o percurso formativo do futuro professor.

Partindo do contexto descrito, considera-se interessante observar como tais alterações são incorporadas nas estruturas atuais dos cursos. Com esse objetivo e a partir de um levantamento de dados documentais referentes a dois cursos de Licenciatura em Química, buscou-se trazer informações que permitam analisar quais as articulações entre os marcos legais e as propostas pedagógicas expostas pelas instituições. Obviamente não é intenção apontar modelos mais ou menos adequados à formação, mas sim compreender contextos formativos de modo a observá-los sob a ótica das discussões existentes neste campo.

Aspectos metodológicos

A partir de diferentes fontes de dados (Projetos Pedagógicos (PP); matriz curricular dos cursos; catálogo de disciplinas oferecidas; currículos lattes dos docentes), foram analisados cursos de Licenciatura em Química de duas Universidades. A seleção dos cursos alvo da análise foi realizada considerando os seguintes critérios: cursos alocados no mesmo estado da federação, e, portanto, regidos pela mesma legislação em âmbito federal e estadual; Universidades de mesma categoria administrativa, tendo sido selecionadas Universidades públicas; que oferecem no mesmo campus as modalidades de Licenciatura e Bacharelado em Química, possibilitando a observação da congruência entre as duas modalidades na matriz curricular e, institutos que fizessem parte de programas de pós-graduação em Ensino de Ciências, de modo que existam docentes que atuam nesta área. Dentro dos critérios, selecionaram-se dois cursos com estruturas curriculares distintas. Opta-se aqui por não identificar as Universidades sendo as mesmas denominadas de Universidades 1 e 2 respectivamente.

Realizou-se uma análise documental, recorrendo-se a diferentes fontes,3535 da Fonseca, J. J. S.; UECE - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2002. uma vez que se compreende que por meio deste tipo de análise é possível a observação de processos e mudanças ocorridas ao longo de determinados períodos.3636 Cellard, A. Em A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos; Poupart, J. e C., org.; Vozes: Petrópolis , 2012; pp.295-316.

Os documentos referentes à análise consultados neste trabalho são de domínio público e foram encontrados nos sítios eletrônicos das Universidades. Além disso, a formação dos docentes de cada um dos cursos foi realizada utilizando-se informações disponíveis na plataforma Lattes, também de domínio público.

Ao analisarmos a matriz curricular, foram utilizados concomitantemente o PP, a matriz curricular e, quando necessário, o catálogo de disciplinas com suas respectivas ementas sendo possível identificar disciplinas que compõem a carga horária destinada à PCC, e disciplinas comuns entre a matriz curricular do curso de Licenciatura e Bacharelado. Os documentos foram acessados no período de 01 à05 de julho de 2019.

Para a análise do perfil de formação dos docentes, foram considerados docentes dos Departamentos / Institutos de Química e analisou-se o currículo Lattes, sendo, portanto, consideradas informações declaradas por cada docente nessa plataforma. Considerou-se na análise dos dados informações referentes à formação acadêmica, formação complementar, atuação em projetos (de pesquisa e extensão), linhas de pesquisa e área de atuação. O acesso foi realizado no período 24 a 31 de julho de 2019.

Os dados foram tabulados em planilhas do software Excel® e, quando pertinente, foram transformados em gráficos e tabelas.

Partindo da análise realizada, objetivou-se tecer interpretações sobre como a estrutura dos cursos está relacionada aos estudos sobre a formação profissional e à mudança na legislação. No tocante à implementação da PCC, buscou-se compreender como esse componente tem sido trabalhado e possíveis fatores que influenciam as estruturas dos cursos.

Ao considerarmos as horas destinadas ao estágio, à PCC e as outras ações formativas, consideramos que esses momentos são fundamentais para o desenvolvimento dos conhecimentos profissionais pois possibilitam ações reflexivas que permitem a articulação entre conhecimentos específicos do conteúdo com conhecimentos pedagógicos e contribuem para uma formação que considere a experiência relacionada a aspectos da cultura e cotidiano escolar. Essas considerações vão ao encontro dos estudos sobre o desenvolvimento profissional articulando-se aos principais referenciais de formação inicial de professores.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Quadro 2 apresenta as estruturas curriculares dos cursos de Licenciatura para as duas Universidades sendo as descrições dos componentes curriculares aquelas apresentadas em seus respectivos PP. Apresenta-se ainda uma análise da porcentagem de horas-aula dedicada às disciplinas pedagógicas (aqui incluídas disciplinas teóricas, estágios, PCC e atividades teórico-práticas de aprofundamento) e disciplinas de conteúdo específico (Química e disciplinas complementares, como Física e disciplinas das áreas de Matemática e Geociências).

Quadro 2
Descrição da estrutura curricular dos cursos de Licenciatura das duas Universidades, conforme descrito em seus respectivos projetos pedagógicos

Quando analisados os números de horas dedicadas aos conteúdos / práticas pedagógicas, percebe-se que a carga horária não difere significativamente. Entretanto, em termos percentuais, nota-se que o curso da Universidade 1 dedica maior porcentagem do curso a conteúdos pedagógicos, enquanto a Universidade 2 dedica maior porcentagem de seu currículo às disciplinas / conteúdos específicos da química.

A Figura 2 mostra como a distribuição da carga horária das disciplinas específicas da Licenciatura e comuns ao Bacharelado se altera ao longo do curso. Para a Universidade 1, houve alteração na matriz curricular referente aos ingressantes nos anos de 2018 e 2019 sendo apresentados os dados de ambos.

Figura 2
Distribuição ao longo do curso da porcentagem de créditos referente às disciplinas específicas da Licenciatura (disciplinas pedagógicas, ou disciplinas de conteúdo químico que tem estrutura diferente da disciplina ofertada ao Bacharelado) (a) Universidade 1, matriz curricular para ingressantes em 2018 (b) Universidade 1, matriz curricular para ingressantes em 2019, e (c) Universidade 2, matriz curricular para ingressantes em 2019

Os gráficos apontam que a Universidade 1 inclui disciplinas específicas da Licenciatura desde o primeiro ano da graduação e a carga horária dessas disciplinas aumenta gradativamente ao longo do curso, ultrapassando 90% no último ano. Observa-se que a mudança de matriz curricular ocorrida entre 2018 e 2019 prioriza ainda mais esse aspecto.

Para a Universidade 2 observa-se que tais disciplinas tem seu oferecimento com início no segundo ano com porcentagem de 20% ocorrendo um incremento gradativo e atingindo pouco mais de 80% no último ano. Dessa forma, há indícios de que o caráter pedagógico da formação para a docência ocorre mais intensamente, mas não de forma exclusiva, nos anos finais do curso, após a formação técnico-científica pautada no conteúdo específico da área.

O comparativo entre as matrizes curriculares permite observar que a Universidade 1 oferece, em termos porcentuais, mais disciplinas da área específicas da Licenciatura do que a Universidade 2. É necessário destacar que o conhecimento dos conteúdos específicos é essencial para a prática docente e não pode ser renegada no curso de formação de professores assim como uma série de outros conhecimentos precisam ser desenvolvidos ao longo de todo o curso.

A priorização dada às disciplinas específicas da Licenciatura pode indicar, dependendo do caráter das disciplinas, uma percepção da formação da identidade do licenciando que se aproxima da Resolução CNE/CP 1/20021313 Brasil; Resolução CNE/CP 1/2002, Brasília, 2002. e dos estudos sobre a formação inicial promovidos nas últimas décadas. No entanto, ainda que as resoluções relacionadas à necessidade da inserção de disciplinas pedagógicas ao longo de todos os anos da graduação já tenham completado mais de uma década, notam-se ainda diferentes cursos que mantêm uma estrutura pautada na formação específica da área para a posterior formação pedagógica.

Kasseboehmer e Ferreira3737 Kasseboehmer, A. C.; Ferreira, L. H.; Quim. Nova 2008, 31, 694. relatam a resistência de coordenadores de cursos de Licenciatura em Química no que se refere à distribuição da carga didática entre disciplinas pedagógicas e técnico-científicas destacando que “vários coordenadores revelaram preocupação com a carga horária destinada à preparação do futuro professor de Química para a sala de aula, o que prejudicaria a “transmissão de conteúdos químicos”(p.698).3737 Kasseboehmer, A. C.; Ferreira, L. H.; Quim. Nova 2008, 31, 694. Esse tipo de preocupação não se restringe aos coordenadores, sendo bastante frequente no corpo docente.

A persistência de um currículo que trabalhe primeiro o conteúdo específico e posteriormente o pedagógico passa também por questões relacionadas à forma de acesso dos estudantes ao ensino superior. Alguns autores, como Maximiano3838 Maximiano, F. A.; Estudos Avançados 2018, 32, 225. e Dias da Silva e col.,3939 Dias da Silva, M. H. G. F.; Romanatto, M. C.; Sossolote, C. C.; Inforsato, E. C.; Chakur, C. R. S. L.; Cusinato, R.; Muzetti, L. R.; Oliveira, J. K.; Revista Diálogo Educacional 2008, 8, 15. defendem o ingresso comum aos cursos de Bacharelado e Licenciatura, tendo como principal argumento a imaturidade dos ingressante para realização de tal escolha, refletida nas altas taxas de desistência. Os autores apontam que mesmo com a escolha tardia pela Licenciatura seria possível desenvolver uma identidade própria aos licenciandos e que esse modelo permite aos futuros professores construírem uma base conceitual sólida.

Compreendemos que um curso de Licenciatura com identidade própria, desvinculado da característica de complementação ao Bacharelado, inclui a escolha da opção profissional no ingresso à Universidade, ou mais tardar, no ano inicial do curso, permitindo que as ações formativas necessárias sejam realizadas de forma progressiva ao longo de toda a formação e possibilitando ao licenciando iniciar esse processo ainda nos primeiros semestres de curso, desenvolvendo reflexão na e sobre a prática docente culminando nas atividades de atuação nos estágios supervisionados.

Nota-se que há posições diferentes em relação à estrutura dos cursos e mesmo que existam argumentos que defendem o modelo pautado na racionalidade técnica, os diferentes estudos desenvolvidos ao longo das últimas décadas têm se posicionado, de forma clara, contrários a tal proposta.1414 Pimenta, S. G.; Lima, M. S. L.; Estágio e Docencia; Editora Cortez: São Paulo, 2004; Saviani, D.; Revista Brasileira de Educação 2009, 14, 143; Diniz-Pereira, J. E.; Educação 2011, 36, 203. Não obstante, por mais que a legislação deva ser alvo constante de um olhar crítico, a mesma tem acompanhado tais discussões no campo das políticas de formação.

Outra questão a ser destacada refere-se ao fato de que a simples implementação de disciplinas com caráter pedagógico nos diferentes anos da graduação não garante sua articulação com as disciplinas de conteúdo específico ou com o ambiente educacional do futuro professor. Por vezes, o que pode ocorrer é um distanciamento ainda maior entre conteúdos específicos e pedagógicos, aspecto esse que pode ter pautado os objetivos pensados na proposição das horas de PCC.

Se retomarmos à ideia por trás da PCC, relacionada a prática como proposta reflexiva para o desenvolvimento dos conhecimentos profissionais de professores, destacamos que, segundo Shulman,2323 Shulman, L. S.; Harvard Educational Review 1987, 57, 1. esses são desenvolvidos em 4 grandes esferas: (1) conteúdos específicos da área, (2) estrutura e materiais educacionais, (3) conteúdos da área educacional e (4) relação/reflexão para a prática. Para Tardiff22 Tardiff, M.; Saberes Docentes e Formação Profissional, 17a ed; Vozes: Petrópolis, 2014. os saberes docentes podem ser provenientes de 4 fontes: (1) Saberes da formação profissional, (2) Saberes disciplinares, (3) Saberes curriculares e, (4) Saberes experienciais. Nota-se que existe concordância de que os conhecimentos e saberes docentes são desenvolvidos por uma base teórica sólida, conceitual, pedagógica e da experiência. Portanto, ao traçarmos como promover articulações teoria-prática e entre conhecimentos conceituais e pedagógicos, faz-se necessário que a PCC deva ser trabalhada em disciplinas que envolvam estes diferentes domínios.

Dessa forma, um ponto relevante a ser observado é como a implementação da PCC está refletida na matriz curricular de cada curso. O Quadro 3 descreve as disciplinas nas quais estão previstas horas dedicadas a PCC, conforme listado por ambas as Universidades em seus PP.

Quadro 3
Disciplinas que compõem a carga horária de PCC. Sublinhadas estão as disciplinas de conteúdo Químico que abordam PCC. Entre parênteses o número de horas da disciplina dedicada a PCC

Observando o Quadro 3 é possível notar que o curso da Universidade 1 considera a distribuição da carga horária da PCC em disciplinas de Química e em disciplinas de interface inseridas ao longo de todo o currículo do curso.

Cabe ressaltar que ao analisarmos a matriz curricular e, portanto, documentos oficiais que transmitem as intenções e normas, não é possível analisar como de fato a PCC está sendo desenvolvida. Questões relacionadas a como os docentes que ministram disciplinas de conteúdo específico articulam a PCC nas suas práticas, como a Universidade / coordenação tem trabalhado a questão e qual a compreensão da PCC pelo corpo docente não são possíveis de serem respondidas com base nessa análise.

No PP da Universidade 2, observa-se a implementação da PCC em disciplinas de interface e nos estágios. Dessa forma, nota-se que esses dois casos refletem o que tem sido destacado na literatura no que se relaciona à implementação da PCC.1919 Neto, S. D. S.; da Silva, V. P.; Revista Diálogo Educacional 2014, 14, 889.,2525 Passos, C. G.; Del Pino, J. C.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2014, 7, 209.,2828 Kasseboehmer, A. C.; de Farias, S. A.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2012, 5, 95. Algumas Universidades ainda justificam a segunda estrutura com base na flexibilização do currículo, no histórico de desistência em anos iniciais dos cursos de Licenciatura (ou pedidos de transferência para o Bacharelado) e ainda pela autonomia do discente em construir seu caminho formativo3838 Maximiano, F. A.; Estudos Avançados 2018, 32, 225.,3939 Dias da Silva, M. H. G. F.; Romanatto, M. C.; Sossolote, C. C.; Inforsato, E. C.; Chakur, C. R. S. L.; Cusinato, R.; Muzetti, L. R.; Oliveira, J. K.; Revista Diálogo Educacional 2008, 8, 15.

O que pode-se verificar é que a construção do PP fica sujeita à especificidades relacionadas a cada curso, podendo essas estarem ligadas a diferentes fatores tais como as linhas de atuação dos docentes e as características daqueles que são responsáveis pelo desenvolvimento da proposta, fatores que podem também permear aspectos relacionados à possibilidade de execução da proposta.

O que é possível afirmar referente a esses dois casos é que a implementação da PCC ainda apresenta divergência. Apesar de não ser possível estabelecer um modelo mais ou menos adequado para tal, na adoção da PCC exclusivamente dentro das disciplinas de interface há uma clara contribuição quanto à potencialidade da articulação do estudante com o ambiente e cultura escolar e temas do ensino. No entanto, não se evidencia de forma clara como os conteúdos específicos são articulados, como apontam alguns autores.3232 Calixto, V. D. S.; Kiouranis, N. M. M.; Vieira, R. M.; Investigações em Ensino Ciências 2019, 24, 181. Desse modo, nessa situação de adequação do currículo, corre-se o risco de retomar ao cenário do “paradigma perdido” descrito por Shulman,2222 Shulman, L. S.; Educational Researcher 1986, 15, 4. no qual os conteúdos específicos acabam se perdendo em relação às propostas de ensino. Assim, considera-se que a inserção de disciplinas de interface é uma proposta que promove potencialidades quanto à concepção da PCC, mas deve-se reiterar a importância do trabalho junto às disciplinas específicas, uma vez que esse pode mobilizar maiores contribuições ao processo formativo no âmbito do Conhecimento Pedagógico do Conteúdo.

Destaca-se que, sendo possível a implementação de projetos que realmente articulem a PCC dentro das diferentes disciplinas, tal fato poderia contribuir para equacionar uma problemática há tempos discutida dentro dos cursos de formação, a qual se refere ao distanciamento entre a área específica e a área pedagógica. Entretanto, faz-se necessário que as intencionalidades da implementação da PCC sejam claras sendo possível compreendê-la como proposta de reestruturação e não de adequação curricular.1919 Neto, S. D. S.; da Silva, V. P.; Revista Diálogo Educacional 2014, 14, 889. Tal clareza por parte de todo o corpo docente pode fomentar debates importantes na consolidação ou refutação de tal proposta.

Nesse sentido, e de modo a ampliar as discussões a respeito dos locais de desenvolvimento da PCC, investigações mais aprofundadas a respeito de como esse componente tem sido desenvolvido em disciplinas específicas e de interface em conjunto a compreensão das concepções dos docentes responsáveis podem ser fundamentais para ampliar o debate. Propostas nesse sentido têm sido reportadas mais recentemente, mostrando cenários de mobilização de uma parcela grande do corpo docente formador que atuam tanto em disciplinas específicas quanto de interface, apontando caminhos interessantes para práticas que potencializem os objetivos da PCC.2828 Kasseboehmer, A. C.; de Farias, S. A.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2012, 5, 95.

No entanto, nota-se que, de modo geral, os docentes responsáveis por disciplinas pedagógicas têm sua formação em pedagogia ou áreas correlatas e podem não apresentar o arcabouço teórico da disciplina específica para realizar essa articulação. Em contrapartida, muitas vezes, os docentes responsáveis por disciplinas conceituais não apresentam formação pedagógica e, portanto, não estão formalmente preparados para realizar tal articulação.4040 Viveiro, A. A.; Campos, L. M. L.; Actas do VIII ENPEC e I CIEC, Rio de Janeiro, Brasil, 2011. Com isso, mesmo não havendo o trabalho com a PCC dentro de disciplinas de Química, a opção da Universidade 2 pode justificar-se no sentido de que busca minimizar tal problemática, uma vez que as disciplinas de interface são ministradas por profissionais do instituto / departamento de Química que atuam com perspectivas de pesquisa na área de ensino.

Dessa forma, a escolha por essa estrutura pode ser influenciada pela formação inicial e continuada dos docentes que atuam nos cursos e especificamente nas disciplinas que envolvem a PCC. Com o intuito de compreender melhor este cenário nas Universidades investigadas buscamos traçar o perfil de formação dos docentes, em nível de graduação, pós-graduação e experiência/formação complementar, dados expressos nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Formação dos docentes dos departamentos/institutos nas duas Universidades
Tabela 2
Perfil de formação em pós-graduação e complementar dos docentes do departamento/instituto de Química das duas Universidades

Na Tabela 1 observa-se que o perfil de formação inicial dos docentes de ambas as Universidades é muito semelhante, sendo que a maioria significativa é formada na modalidade Bacharelado e cerca de 25% tem formação em Licenciatura, sendo uma parcela formado em ambas as modalidades. Quanto ao curso, a maior parcela é formada em Química e/ou Química Industrial e os docentes formados em outros cursos apresentam formação em áreas correlatas à Química.

Na Tabela 2 também é observada grande semelhança entre o perfil dos docentes de ambas as instituições no que se refere à formação em pós-graduação, sendo a grande maioria em Química, uma pequena parcela em outras áreas e apenas 1% (equivalente a 1 docente em ambos os casos) com formação específica em área de ensino de ciências/educação. Quanto à formação complementar, nota-se que cerca de 20% tem relação com a área de ensino, por meio da realização de cursos ou pela participação em programas de extensão e outras atividades.

Esses dados levantam uma questão bastante relevante no que concerne a formação dos formadores, uma vez que uma parcela pequena dos docentes tem formação em Licenciatura, uma parcela menor ainda dedica-se em sua pesquisa ao ensino de Química e poucos apresentam experiência na Educação Básica, a qual seria de grande valia para a maior compreensão da realidade escolar para a qual os futuros professores que estão sendo formados.

Compreende-se que, devido à estrutura de formação dos docentes, não é possível que todos tenham dedicação exclusiva à área de formação de professores, uma vez que a atuação ocorre para diferentes cursos e a formação em áreas específicas é necessária ao desenvolvimento da pesquisa. Essa é uma problemática marcante, como destaca Arroio e col.:4141 Arroio, A.; Rodrigues Filho, U. P.; da Silva, A. B. F.; Quim. Nov. 2006, 29, 1387.

[...] Tendo o conhecimento específico de sua área de atuação como instrumento de mediação na relação entre a universidade e a sociedade, o professor necessita possuir um domínio aprofundado deste conhecimento específico para que possa introduzir o aluno no domínio dos métodos da ciência.

Em conjunto ao domínio do conhecimento específico de sua área, é primordial, também, que o professor do ensino superior tenha profunda competência pedagógica, como sendo um requisito importante para trabalhar a formação de seus alunos. (p.1387)4141 Arroio, A.; Rodrigues Filho, U. P.; da Silva, A. B. F.; Quim. Nov. 2006, 29, 1387.

Nesse sentido, podemos discriminar duas grandes tensões ainda existentes. Por um lado, há a exigência que se impõe aos docentes de utilizar de seus conhecimentos profissionais específicos, que deveriam ser amplos, para mediar a interação da Universidade com a sociedade, tudo isso em consonância com a competência pedagógica necessária à profissão, o que nem sempre ocorre. Por outro lado, ainda há a pressão colossal de se produzir cientificamente para que haja progresso efetivo na carreira, fato que demanda dedicação específica às áreas em que os docentes desenvolvem suas pesquisas.

Em uma perspectiva a longo prazo, há ações que buscam articular aspectos pedagógicos à formação de futuros docentes. Dentre essas, destaca-se a criação do “estágio docência”, voltado para estudantes de pós-graduação stricto sensu, o qual assentou-se em definitivo nas Universidades brasileiras com a obrigatoriedade de sua realização por bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),4242 Brasil, Portaria CAPES 76/2010, Brasília, 2010. visando à redução do impacto causado pela deficiência de programas formativos voltados para o Ensino Superior.

Uma outra discussão se faz necessária, quando voltamos nosso olhar para a elaboração/construção desse currículo. Ao concordarmos com Moreira e Tadeu4343 Moreira, A. F.; Tadeu, T.; Currículo, cultura e sociedade, 6º ed., Cortez Editora: São Paulo, 2002. quando relatam a existência de uma ligação íntima entre a política e a cultura na educação, compreendemos que o currículo não se estabelece somente como junção de conteúdos e conhecimentos, mas esse será sempre parte de uma seleção realizada por alguém, da visão de algum grupo de um conhecimento legítimo e, portanto, um produto de tensões, conflitos e concessões, trazendo à tona parcialidades, estabelecidas quando uma seleção é feita em detrimento a outras.

Entender quem são esses protagonistas na elaboração/construção dos currículos das Licenciaturas nos ajuda a compreender quais as concepções desse grupo e como essas influenciam seu estabelecimento, pois, como define Sacristán,4444 Sacristán, J. G.; O currículo: uma reflexão sobre a prática, 3º ed., Artmed: Porto Alegre, 2000. o currículo é reflexo de um projeto educativo globalizador, no qual estão inseridos aspectos sociais, culturais e pessoais, bem como regulações econômicas políticas e administrativas.

No caso das Universidades aqui investigadas, observa-se que, apesar do corpo docente apresentar perfil de formação semelhante, as estruturas curriculares são distintas, tanto no que concerne à inserção da PCC quanto a distribuição da carga horária de disciplinas específicas à Licenciatura, indicando que, nesse caso, outros fatores influenciaram tais escolhas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No tocante às Licenciaturas em Química, é notório que há mudanças na formação que têm sido propostas, influenciadas pelas pesquisas no campo da formação de professores e que resultam em regulamentações em nível federal e estadual. Nota-se também que tais reestruturações vêm sendo implementadas por instituições formadoras, de modo consonante no que se refere a alguns aspectos e de modo diferente (mas não contraditórios) em relação a outros.

A implementação de um modelo de formação de professores que permita identidade própria aos cursos, o que pode refletir na característica do profissional formado, é bem clara tanto na legislação como na intencionalidade dos cursos analisados. No entanto, há ainda outros fatores que influenciam o modo como as Universidades se utilizam das estratégias formativas que podem refletir em estruturas com maior ou menor foco no modelo técnico ou prático de formação.

Mediante a análise realizada, é possível conceber pelo menos três pontos de tensão que merecem um estudo mais aprofundado. O primeiro tem relação direta com o formato das disciplinas e sua distribuição ao longo do curso. O debate que se associa a esse primeiro ponto encontra elementos ao questionarmos se a identidade docente e a qualidade da formação do professor estão associadas à implementação mais cedo ou mais tardiamente de disciplinas de caráter pedagógico e disciplinas de interface. Permeando essa problemática, há ainda questões estruturais, como o impacto do ingresso nos cursos superiores e a necessidade da escolha precoce da profissão.

Uma segunda questão, que se apresenta vinculada e emerge nesse contexto, refere-se a como a proposta da PCC tem sido interpretada e implementada. A opção por trabalhar com tal componente apenas em disciplinas de interface ou procurar articular este componente a disciplinas específicas é ainda bastante dúbia e merece claramente estudos que busquem compreender melhores caminhos ou que tragam resultados de ambos os cenários. Um olhar mais específico a respeito do contexto de construção do currículo dos cursos e de como as atividades e conteúdos são desenvolvidos pode fornecer subsídios para a estruturação de propostas formativas mais condizentes com as diferentes realidades.

Ao mesmo tempo que estruturar a PCC apenas nos moldes de disciplinas de interface traz contribuições, essa postura pode tolher aprendizados profissionais que articulem conhecimentos específicos e pedagógicos e em alguns casos reforçar a ideia da formação específica seguida da formação pedagógica. Por mais que existam argumentos que ainda caminhem nesse sentido, a pesquisa a respeito da formação inicial de professores tem claramente apontado prejuízos em termos do desenvolvimento de conhecimentos profissionais e da criação da identidade docente.

Ainda, é possível pensar se existe relação entre esse segundo ponto com a última questão que julgamos importante para a discussão, a qual se refere à formação dos formadores e os impactos dela na construção e consolidação da PP nos diferentes cenários formativos. Considera-se que ainda se faz necessária uma análise mais detalhada de como esses currículos são colocados em prática, assim como a análise de como os docentes universitários, licenciados ou não, compreendem a PCC e como a executam em suas disciplinas.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

  • 1
    da Ponte, J. P.; Actas do Profmat 98, Lisboa, Portugal, 1998, pp.27-44; Maldaner, O. A.; A formação inicial e continuada de professores de química: professores/pesquisadores; Editora Unijuí: Ijuí, 2000; Bejarano, N. R. R.; de Carvalho, A. M. P.; Investigações em Ensino de Ciências 2003, 8, 257; Gatti, B. A.; Educação e Sociedade 2010, 31, 1355; Barolli, E.; Villani, A.; Revista Exitus 2015, 5, 72; Villegas-Reimers, E.; Teacher professional development: an international review of the literature, UNESCO-IIEP: Paris, 2003; Rosa, L. M. R.; Suart, R. de C.; Marcondes, M. E. R.; Ciência e Educação 2017, 23, 51.
  • 2
    Tardiff, M.; Saberes Docentes e Formação Profissional, 17a ed; Vozes: Petrópolis, 2014.
  • 3
    Mesquita, N. A. da S.; Cardoso, T. M. G.; Soares, M. H. F. B.; Quim. Nova 2013, 36, 195.
  • 4
    Brasil; Lei 5540/1968, Brasília, 1968.
  • 5
    Brasil; Lei 9394/1996, Brasília, 1996.
  • 6
    Macedo, A. R.; Trevisan, L. M. V.; Trevisan, P.; Macedo, C. S.; Ensino Avaliação e Políticas Públicas em Educação 2005, 13, 127.
  • 7
    Brasil; Resolução CFE 9/1969, Brasília, 1969.
  • 8
    Brasil; Parecer CNE/CES 1303/2001, Brasília, 2011; Zucco, C.; Pessine, F. B. T.; de Andrade, J. B.; Quim. Nova 1999, 22, 454.
  • 9
    Brasil; Resolução CNE/CES 8/2002, Brasília, 2002.
  • 10
    Brasil; Resolução CNE/CP 2/2002, Brasília, 2002.
  • 11
    Brasil; Parecer CNE/CP 9/2001, Brasília, 2001.
  • 12
    Brasil; Parecer CNE/CP 28/2001, Brasilia, 2002.
  • 13
    Brasil; Resolução CNE/CP 1/2002, Brasília, 2002.
  • 14
    Pimenta, S. G.; Lima, M. S. L.; Estágio e Docencia; Editora Cortez: São Paulo, 2004; Saviani, D.; Revista Brasileira de Educação 2009, 14, 143; Diniz-Pereira, J. E.; Educação 2011, 36, 203.
  • 15
    Schon, D. A.; Em Os professores e sua formação; Novoa, A., org.; Dom Quixote: Lisboa, 1992; pp.77-91.
  • 16
    Brasil; Resolução CNE/CP 2/2015, Brasília, 2015.
  • 17
    Brasil; Resolução CNE/CP 2/1997, Brasília, 1997.
  • 18
    Brasil; Resolução CNE/CP 1/2009, Brasil, 2009.
  • 19
    Neto, S. D. S.; da Silva, V. P.; Revista Diálogo Educacional 2014, 14, 889.
  • 20
    Mohr, A.; Cassiani, S.; Em Prática como componente curricular: que novidade é essa 15 anos depois?; Mohr, A., Wielewicki, H. G., orgs.;1ª ed., NUP/CED/UFSC: Florianópolis, 2017. cap.3.
  • 21
    São Paulo, Deliberação CEE/SP 154/2017, São Paulo, 2017.
  • 22
    Shulman, L. S.; Educational Researcher 1986, 15, 4.
  • 23
    Shulman, L. S.; Harvard Educational Review 1987, 57, 1.
  • 24
    Santos, A. J. S.; Mesquita, N. A. S.; Rev. Virtual Quim. 2018, 10, 487; da Costa, F. T.; de Alencar, F. L.; Beraldo, T. M. L.; Anais do XVI Encontro Nacional de Ensino de Química, Salvador, Brasil, 2012.
  • 25
    Passos, C. G.; Del Pino, J. C.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2014, 7, 209.
  • 26
    da Silva, P. J.; Guimarãoes, O. M.; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 2019, 19, 565.
  • 27
    de Almeida, S.; Mesquita, N. A. de S.; Acta Scientiae 2017, 19, 157.
  • 28
    Kasseboehmer, A. C.; de Farias, S. A.; Alexandria: Revista Educação em Ciência e Tecnologia 2012, 5, 95.
  • 29
    Real, G. C. M.; Educação e Fronteiras On-Line 2012, 2, 48;
  • 30
    Bego, A. M; Oliveira R. C; Corrêa R. G.; Quim. Nova Esc. 2017, 39, 250.
  • 31
    Calixto, V. S; Kiouranis, N. M. M; Vieira. R. M.; Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências 2019, 21, e 14931.
  • 32
    Calixto, V. D. S.; Kiouranis, N. M. M.; Vieira, R. M.; Investigações em Ensino Ciências 2019, 24, 181.
  • 33
    Brasil; Resolução CNE/CP 2/2019, Brasília, 2019.
  • 34
    Brasil; Resolução CNE/CP 4/2018, Brasília, 2018.
  • 35
    da Fonseca, J. J. S.; UECE - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2002.
  • 36
    Cellard, A. Em A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos; Poupart, J. e C., org.; Vozes: Petrópolis , 2012; pp.295-316.
  • 37
    Kasseboehmer, A. C.; Ferreira, L. H.; Quim. Nova 2008, 31, 694.
  • 38
    Maximiano, F. A.; Estudos Avançados 2018, 32, 225.
  • 39
    Dias da Silva, M. H. G. F.; Romanatto, M. C.; Sossolote, C. C.; Inforsato, E. C.; Chakur, C. R. S. L.; Cusinato, R.; Muzetti, L. R.; Oliveira, J. K.; Revista Diálogo Educacional 2008, 8, 15.
  • 40
    Viveiro, A. A.; Campos, L. M. L.; Actas do VIII ENPEC e I CIEC, Rio de Janeiro, Brasil, 2011.
  • 41
    Arroio, A.; Rodrigues Filho, U. P.; da Silva, A. B. F.; Quim. Nov. 2006, 29, 1387.
  • 42
    Brasil, Portaria CAPES 76/2010, Brasília, 2010.
  • 43
    Moreira, A. F.; Tadeu, T.; Currículo, cultura e sociedade, 6º ed., Cortez Editora: São Paulo, 2002.
  • 44
    Sacristán, J. G.; O currículo: uma reflexão sobre a prática, 3º ed., Artmed: Porto Alegre, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul 2020

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2019
  • Aceito
    20 Abr 2020
  • Publicado
    10 Jun 2020
Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: quimicanova@sbq.org.br