Resumo
A photochemical reaction mechanism for the description of air quality in Brazilian urban regions is described and evaluated by comparison with chamber experiments. The mechanism was developed for use in ozone modeling and application of control strategies. The oxidation of ethanol and methyl-ter-butyl-ether is also considered. Using this chemical model, a trajectory simulation of Brazil Avenue, Rio de Janeiro, was performed. The model predicts that ozone should reach a maximum of 22.4 ppb at 14:57 h. This value is in good agreement with the experimental measurements of 22.5 ppb for 14:00 h and 22.3 ppb for 15:00 h.
photochemical model; urban air pollution; trajectory modeling
photochemical model; urban air pollution; trajectory modeling
ARTIGO
Otimização de um mecanismo fotoquímico para a simulação da atmosfera urbana brasileira
Graciela Arbilla
Departamento de Físico-Química - Instituto de Química - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - RJ
Katia Maria Pinto Guedes de Oliveira
Departamento de Físico-Química - Instituto de Química - Universidade Federal Fluminense - Niterói - RJ
Recebido em 29/6/98; aceito em 30/6/99
Optimization of a photochemical mechanism for Brazilian urban air quality simulation. A photochemical reaction mechanism for the description of air quality in Brazilian urban regions is described and evaluated by comparison with chamber experiments. The mechanism was developed for use in ozone modeling and application of control strategies. The oxidation of ethanol and methyl-ter-butyl-ether is also considered. Using this chemical model, a trajectory simulation of Brazil Avenue, Rio de Janeiro, was performed. The model predicts that ozone should reach a maximum of 22.4 ppb at 14:57 h. This value is in good agreement with the experimental measurements of 22.5 ppb for 14:00 h and 22.3 ppb for 15:00 h.
Keywords: photochemical model; urban air pollution; trajectory modeling.
INTRODUÇÃO
Sabe-se que a formação de ozônio e outros oxidantes na troposfera é uma conseqüência das reações entre os óxidos de nitrogênio (NOx) e as espécies orgânicas presentes na atmosfera, devido às emissões naturais e antropogênicas. Um dos maiores desafios da química atmosférica é a identificação e previsão da concentração destes poluentes secundários, principalmente ozônio, O3, em função das condições meteorológicas e geográficas e das emissões em um determinado local. Os poluentes primários (óxidos de nitrogênio, hidrocarbonetos, etc.), em ambientes urbanos, são emitidos principalmente como conseqüência das atividades humanas associadas à produção e utilização de energia. Para uma descrição apropriada dos poluentes secundários, formados por reações químicas destes poluentes primários, é necessário considerar tanto os processos químicos como os processos físicos de emissão, transporte, diluição, deposição e mistura. O custo computacional envolvido na simulação deste tipo de processo é muito alto, de modo que a pesquisa de modelos mais simples, que forneçam resultados de boa qualidade com um custo computacional relativamente reduzido, se torna um grande desafio.
A descrição detalhada dos processos químicos requer a consideração de todas as espécies químicas e reações envolvidas. Estudos desenvolvidos pela U.S. EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA) em vinte e nove cidades, durante o período 1984 -1988, permitiram identificar mais de 200 compostos orgânicos voláteis (COVs) na atmosfera urbana1,2. A descrição das propriedades reais (reatividade, concentração, etc.) de cada composto participante do modelo obriga a consideração explícita de cada um deles e com isto os processos químicos que envolvem tais espécies precisam ser explicados de forma detalhada. O modelo proposto, portanto, torna-se complexo e, conseqüentemente, sua solução numérica, assim como a interpretação dos resultados, torna-se difícil. Muitos dos trabalhos de simulação têm como objetivo principal predizer os efeitos das emissões sobre a qualidade do ar. Nesses casos, é possível fornecer uma resposta apropriada usando modelos condensados, incluindo geralmente de 30 a 50 espécies e uma faixa de 100 a 150 reações químicas. Diferentes metodologias no agrupamento das espécies e reações são usadas nestes modelos, denominados de Modelos de Qualidade do Ar (MQA).
Geralmente, a química inorgânica é descrita de forma detalhada em todos eles. Já os compostos orgânicos são representados através de uma série de generalizações, que incluem agrupamento e exclusão de espécies. Existem vários modelos propostos e validados para as condições atmosféricas do Hemisfério Norte: O modelo CBIV3 usa nove espécies para representar todos os compostos orgânicos, que são classificados usando critérios de estrutura química. Outros modelos, como o RADM4, o LCC5 e o SAPRC6, usam o critério de reatividade química para o agrupamento das espécies orgânicas voláteis.De todos eles, o CBIV e o SAPRC são os modelos de maior aceitação nos meios científicos e os mais utilizados pela U.S. EPA. Contudo, o modelo SAPRC permite uma melhor interpretação dos resultados, podendo ser modificado, ampliado e otimizado para outras condições ou cenários, diferentes daquele para que foi inicialmente desenvolvido. Por esta razão, foi o modelo escolhido como base para a implementação e otimização do mecanismo fotoquímico adaptado às condições das regiões urbanas brasileiras. A partir de agora, o novo modelo será chamado de SAPRC-BR e difere basicamente do SAPRC original nos seguintes aspetos: (a) inclusão de reações que descrevem a química do etanol, éter metil-terc-butílico (MTBE) e metanol, (b) coeficientes estequiométricos das reações que envolvem compostos orgânicos voláteis, (c) constantes de velocidade dessas reações e, (d) percentagem dos COVs participantes de cada grupo de reatividade. Todos estes parâmetros foram ajustados para duas cidades brasileiras: Porto Alegre, onde os combustíveis utilizados são etanol, gasolina com 15% de MTBE e diesel e Rio de Janeiro, onde são utilizados etanol, gasool (gasolina com 24% de etanol) e diesel.
Os outros modelos químicos foram também testados num estudo preliminar, fornecendo resultados para os níveis de ozônio que diferem em torno de 15% dos calculados com o SAPRC-BR.
DESCRIÇÃO DO MODELO QUÍMICO
O conjunto das equações cinéticas do modelo químico pode ser representado matematicamente por um conjunto de equações diferenciais ordinárias acopladas (EDO) dependentes do tempo, que podem ser resolvidas numericamente usando algum dos métodos convencionais para a solução de EDOs (por exemplo Runge-Kutta-4-semi-implícito ou Gear)7.
O mecanismo ou o modelo químico constitui o módulo cinético do modelo atmosférico. O mesmo mecanismo pode ser utilizado com diferentes modelos atmosféricos, desde que o módulo cinético seja implementado conforme os requerimentos do modelo atmosférico, isto é com a estrutura e linguagem computacional apropriadas. Neste trabalho será descrito o mecanismo. No Apêndice 1 Apêndice 1 é mostrado o módulo cinético para o modelo atmosférico de trajetórias OZIPR (U.S. EPA), 8 que é o recomendado quando o número de dados experimentais disponíveis é relativamente reduzido. O OZIPR é descrito brevemente no Apêndice 2 Apêndice 2 .
O modelo químico considera 66 espécies químicas (Tabela 1). O modelo químico original permite diferentes classificações dos compostos orgânicos. Neste trabalho os alcanos, alquenos e compostos aromáticos foram classificados e agrupados segundo um critério de reatividade (Tabela 2). As espécies mais relevantes para uma descrição detalhada da atmosfera urbana das cidades brasileiras (isto é, etanol, MTBE, acetaldeído e formaldeído) foram tratadas de forma independente. Outras espécies, como etano, propano, etileno, benzeno, acetileno e isopreno, não foram incluídas em nenhum grupo, pois suas reatividades são bastante diferentes. Compostos orgânicos que não foram detectados em concentrações apreciáveis nos trabalhos experimentais disponíveis, assim como alguns poluentes secundários, não foram incluídos explicitamente na Tabela 2. Caso haja necessidade, devem ser incluídos no grupo NR (pouco ou não reativos, por exemplo, fenol, glioxal, metil-glioxal, cresol, PAN - nitrato de peroxi-acetila, análogos do PAN, etc.).
O uso de metanol, etanol e gasool determina que os motores dos veículos emitam álcool não queimado e os aldeídos correspondentes (formaldeído e acetaldeído). O principal processo de remoção de álcoois da atmosfera é a reação com radicais OH para formar os radicais hidroxialquilas correspondentes, por exemplo:
CH3CH2OH + OH ® CH3CH OH + H2O (1)
CH3CH2OH + OH ® CH2CH2 OH + H2O (2)
A principal via de reação é a primeira, seguida da reação dos radicais hidroxialquilas com oxigênio para formar acetaldeído:
CH3CH OH + O2® CH3CHO + HO2 (3)
O acetaldeído formado pode decompor-se fotoquimicamente ou reagir com radicais OH formando o radical CH3CO3 . A reação deste radical com NO leva à formação de formaldeído, enquanto a reação com NO2 leva à formação de PAN. O PAN é agente fitotóxico, irritante dos olhos, e decompõe-se termicamente com um tempo de vida de 22 minutos a 30oC e de 1,7 horas a 20oC9. As principais vias de reação do formaldeído são a decomposição fotoquímica e a reação com radicais OH, que, na presença de oxigênio, leva à formação de HO2. A cinética destas reações já foi discutida previamente na literatura7 . A influência destes compostos na formação de ozônio acontece através da modificação da relação NO / NO2 que, como será discutido mas adiante, determina as velocidades de formação e consumo de ozônio.
Já a oxidação do éter metil-terc-butílico (MTBE), usado como aditivo da gasolina no Estado de Rio Grande do Sul, procede a uma velocidade semelhante à do etanol 10-12, com tempos de vida média na atmosfera urbana de aproximadamente 2,5 dias:
CH3OC(CH3)3 + OH ® CH2OC(CH3)3 + HO2 (4)
CH3OC(CH3)3 + OH ® CH3OC(CH3)2CH 2 + HO2 (5)
A principal via de reação é a primeira, seguida das reações com oxigênio molecular e NO, formando formiato de terc-butila (HC(O)OC(CH3)3). A segunda via de reação dá lugar à formação de acetato de metila (CH3C(O)OCH3) e formaldeído. Destes produtos, o único que reage de forma apreciável é o formaldeído.
AVALIAÇÃO DO MODELO QUÍMICO
Para avaliar a resposta do modelo SAPRC-BR foram realizadas uma série de simulações de experiências de câmara de reação. Os dados experimentais foram obtidos por D. Grosjean e E. Grosjean em 10 de abril de 1996 na Região Metropolitana de Porto Alegre10,11. Os resultados obtidos nesse trabalho experimental são os mais completos e atuais disponíveis para cidades brasileiras, com informações das concentrações horárias de ozônio, monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio, distribuição de hidrocarbonetos e levantamento de dados meteorológicos10,11. O principal interesse destas simulações foi verificar a resposta do modelo em três grandezas experimentais:
perfil de concentrações de ozônio
perfil de concentrações de PAN
conversão NO-NO2 e quantidade total de NOx .
Uma das maiores dificuldades neste tipo de comparação é o efei to das chamadas "reações de parede", ou seja as reações heterogêneas de adsorção e liberação de espécies químicas pela parede da câmara de reação. No trabalho experimental10 foi utilizada uma câmara relativamente pequena e flexível (câmara inflável de 3 m3), na qual o efeito de parede é apreciável, não sendo constante durante a experiência. Especialmente nas últimas amostragens, quando o volume da câmara já ficou sensivelmente reduzido, é de se esperar um efeito bastante alto. A literatura cita este efeito (aumento sensível da relação S/V)12 e, também a possibilidade de perda de fluoro-hidrocarbonetos leves através da parede, assim como adsorção de compostos nitrogenados e orgânicos nas paredes13, dessorção posterior destas espécies13 e aumento da concentração de radicais OH em várias ordens de grandeza14. Este último efeito pode alterar em forma notória os resultados das simulações quando se torna necessária a modelagem durante várias horas (como é o caso neste trabalho). Já foram citadas na literatura12 velocidades de formação do OH de 2,45 10-4 ppm min-1 em câmaras maiores que as utilizadas nestes experimentos.
Para avaliar este efeito foram realizadas uma série de simulações, mudando as velocidades das "reações de parede":
NO2 = Parede (6)
O3 = Parede (7)
NO = Parede (8)
Parede = NO + OH (9)
As reações propostas são características de cada câmara e os valores das suas constantes de velocidade são normalmente propostos empiricamente. Neste trabalho, as constantes de velocidade das reações 6-9 foram mudadas dentro de um intervalo razoável (duas ordens de grandeza) em comparação com resultados de outros laboratórios. As simulações foram iniciadas com os valores:
k6 = 1,0 x 10-7 s-1
k7 = 1,0 x 10-7 s-1
k8 = 1,0 x 10-7 s-1
k9 = 4,0 x 10-6 s-1
Observou-se que as reações 6, 7 e 8 (adsorção) quase não têm efeito nenhum nos resultados. Na Figura 1 são mostrados alguns dos resultados obtidos para as concentrações de ozônio, considerando as reações acima e, também, sem considerar o efeito da parede. Já a reação de liberação de OH, como esperado, muda sensivelmente os resultados da simulação, especialmente as concentrações de ozônio para tempos de reação superiores a três ou quatro horas. Existem evidências de que o processo de liberação de radicais OH é dependente da concentração de NO2 e acontece através da formação do HONO, que é liberado à fase gasosa e posteriormente decomposto fotoquimicamente. Por essa razão foi avaliado, também, um esquema mais complexo, considerando esses processos individuais. Contudo, o resultado foi muito semelhante, não representando nenhuma melhoria apreciável quanto ao ajuste dos dados experimentais.
O efeito da quantidade de radiação também foi analisado (Figura 2). Variando o mês da simulação, a quantidade de radiação que atinge a superfície terrestre também é mudada. As simulações da Figura 2 foram realizadas, mantendo a temperatura observada experimentalmente e usando as seguintes constantes de velocidade para os processos de parede:
k6 = 2,0 x 10-7 s-1
k7 = 2,0 x 10-7 s-1
k8 = 2,0 x 10-7 s-1
k9 = 8,0 x 10-6 s-1
As simulações foram feitas considerando os valores de radiação para a localização geográfica de Porto Alegre para o dia 10 de cada mês, considerando céu descoberto. O máximo de ozônio calculado para o mês de junho é aproximadamente a metade do valor obtido para os meses de dezembro-janeiro. Esses resultados permitem inferir que o efeito da redução de luminosidade por um aumento na quantidade de nuvens deve ser bastante significativo.
O efeito da umidade relativa é muito pequeno, obtendo-se um acréscimo nas concentrações de ozônio menor que 5% ao aumentar a umidade de 50% para 90%.
Na Figura 3 são mostradas as curvas de formação de ozônio, para a experiência de câmara do dia 10 de abril de 1996, obtidas usando o modelo SAPRC original e o modelo SAPRC-BR a fim de observar a influência das reações
MTBE + OH = produtos (10)
Etanol + OH = produtos (11)
As reações de parede foram consideradas da mesma forma que na Figura 2. Pode se observar que a diferença entre as curvas simuladas é muito pequena devido à baixa reatividade de ambos os compostos na formação de ozônio. Como já foi discutido, o MTBE, ao ser oxidado pelos radicais OH, forma formaldeído, enquanto o etanol forma acetaldeído. Dessa forma, a diferença entre as curvas simuladas com os modelos SAPRC e SAPRC-BR mostra, também, a influência das reações do acetaldeído e formaldeído na formação de ozônio.
A reatividade do etanol e do MTBE é semelhante. Ambos levam à formação de formaldeído: o MTBE em forma direta e o etanol em forma indireta, através das reações de acetaldeído. Os outros produtos formados são pouco reativos. Por todas estas razões, o mecanismo proposto é provavelmente apropriado para ambos os casos. Para realizar um ajuste melhor, seria necessário determinar experimentalmente a distribuição de hidrocarbonetos em cidades que usam etanol como aditivo da gasolina e comparar os resultados com os dados obtidos em Porto Alegre11 e realizar, também, um inventário detalhado de emissões. Esses estudos são extremadamente caros e demorados, especialmente o levantamento dos fatores de emissão, para elaborar um inventário de emissões. Atualmente, no nosso laboratório, estamos iniciando trabalhos para a caracterização dos hidrocarbonetos na atmosfera de Rio de Janeiro e para determinar em forma quantitativa a contribuição dos aldeídos à formação de ozônio.
Finalmente nas Figuras 4-7 são mostrados os perfis de concentração calculados para os produtos de maior interesse: ozônio, PAN, NO e NO2 . Estes resultados foram obtidos considerando que a velocidade das reações de parede aumenta durante a experiência. A velocidade de formação de radicais OH foi aumentada de 8 x 10-6 moléculas s-1 no início da simulação para 3 x 10-5 moléculas s-1 ao final da experiência. O acordo com os resultados experimentais é bastante satisfatório, especialmente para as primeiras horas da simulação.
APLICAÇÃO DO MODELO A UM CENÁRIO REAL
Finalmente o modelo químico foi avaliado para um cenário real. Como comparação foram utilizados dados experimentais obtidos pelo Laboratório móvel do Greenpeace (Brasil) no dia 27 de novembro de 1996 na Avenida Brasil (Rio de Janeiro) como parte da campanha de monitoramento realizada no Rio e São Paulo, entre outubro e novembro de 1996, com o apoio da Secretaria do Meio Ambiente do Rio de Janeiro e a colaboração de pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Rio de Janeiro15.
As condições iniciais e de contorno, dados meteorológicos e emissões de poluentes primários usados na simulação são apresentadas nas Tabelas 3 e 4. Os dados de temperatura, umidade e velocidade do vento foram medidos pelo Greenpeace15. Os valores de altura da camada de inversão foram estimados com base na experiência do Departamento de Meteorologia (Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro). As emissões veiculares foram estimadas16 a partir de dados de fluxo veicular da CET/Rio (Companhia de Engenharia de Trânsito)17, da distribuição da frota, do DETRAN/Rio (Departamento de Trânsito)18, de fatores de emissão medidos pela CETESB/São Paulo19 e pelo LEV/CENPES/Petrobras (Laboratório de Emissões Veiculares)20 e de consumo de combustíveis no Estado e na Cidade de Rio de Janeiro21,22. Os valores de emissões estão expressos em massa de poluente emitida por distância rodada para o total de veículos que circulam numa hora (kg/km). Considerou-se a dispersão horizontal (por diluição, ventos, etc.) na correção das emissões. As unidades dos valores finais da Tabela 3, de massa de poluente por área de superfície modelada, são mais usuais neste tipo de simulação.
As concentrações iniciais da Tabela 4 são os valores experimentais obtidos para esse cenário15 e a distribuição de compostos orgânicos voláteis é a mesma utilizada na simulação da experiência de câmara, com exceção dos valores para MTBE, álcool, formaldeído e acetaldeído. Neste caso, a fração de MTBE foi considerada igual a zero, já que Rio de Janeiro não utiliza esse aditivo na gasolina. Os valores para álcool, acetaldeído e formaldeído foram estimados com base nos dados experimentais obtidos previamente para o Rio de Janeiro23-26.
Os resultados da simulação realizada utilizando o modelo de trajetórias descrito no Apêndice 2 Apêndice 2 são mostrados na Figura 8 e estão de acordo com os dados experimentais. As concentrações de ozônio, relativamente baixas quando comparadas com as de outros grandes centros urbanos do mundo, podem ser atribuídas às altas concentrações de NOx . Em ambientes urbanos o ozônio é formado através da seqüência de reações:
COVs + OH (+O2) ® intermediários ® HO2 (12)
HO2 + NO ® NO2 + OH (13)
NO2 + hn ® NO + O(3P) (14)
O(3P) + O2® O3 (15)
O ozônio pode, além de decompor-se fotoquimicamente, reagir com NO:
O3 + NO ® NO2 + O2 (16)
Para altas concentrações de NO a reação (16) é extremadamente eficiente. Desta forma, alguns cenários urbanos, com grande tráfego e altas concentrações de óxidos de nitrogênio, apresentam valores de concentrações de ozônio bem inferiores aos limites de qualidade de ar (média horária de 100 ppb conforme as orientações da Organização Mundial da Saúde12 e de 80 ppb segundo a Resolução CONAMA 03/90 do Governo Federal 27). Este resultado deve ser interpretado cuidadosamente, já que é o efeito observado na região das emissões primárias (neste caso, a rua que está sendo medida e simulada). O efeito em regiões afastadas, que recebem a mistura de poluentes transportada pelos ventos e pelos movimentos de massas de ar, assim como a formação de outros poluentes secundários, como HONO, e os próprios efeitos nocivos à saúde dos óxidos de nitrogênio, também deverão ser levados em consideração na avaliação da qualidade do ar de um determinado local.
CONCLUSÕES
O modelo SAPRC-BR dá uma resposta satisfatória para as espécies de maior interesse nos estudos de qualidade do ar (ozônio, PAN, NO e NO2). Nas simulações de câmara de reação, o efeito das reações de parede é particularmente crítico, já que a liberação dos radicais OH aumenta durante a experiência à medida que o volume da câmara diminui com as amostragens. Este é um fenômeno conhecido na literatura. As simulações das três primeiras horas de experiência foram muito satisfatórias quando foram usadas constantes de velocidade extraídas da literatura. Isto indica que o modelo prediz satisfatoriamente a formação de ozônio e de PAN, assim como a conversão NO-NO2 . Já que estas reações de parede não acontecem na atmosfera aberta, as simulações de cenários reais e hipotéticos não serão afetadas. Pela mesma razão os valores de ozônio relativamente altos da experiência de câmara10,11 não podem ser extrapolados e considerados válidos para experiências de campo, onde as condições são diferentes; não existem reações de parede e as emissões alteram significativamente os níveis de NOx e hidrocarbonetos voláteis. O perfil das curvas experimentais e calculadas e os valores de concentração são semelhantes aos obtidos em outras experiências similares12.
Como a quantidade de radiação solar que atinge o solo altera os processos fotoquímicos, as concentrações dos oxidantes fotoquímicos, ozônio e PAN, são menores no inverno que no verão. A influência da umidade é pequena, como já foi observado em outros trabalhos7.
Devido à baixa reatividade do álcool e MTBE comparada com outros COVs, a inclusão destes dois compostos no modelo SAPRC original pouco modificou o resultado final. A modificação mais importante está relacionada com a distribuição correta dos hidrocarbonetos em seus devidos grupos. No modelo, essa distribuição afeta os coeficientes estequiométricos das reações químicas e as constantes de velocidade. Nas condições da simulação, modifica a distribuição inicial de espécies orgânicas e a distribuição de espécies nas emissões horárias. Por esta razão, essa correção é importante na interpretação dos resultados e permite ter um modelo específico e o mais detalhado possível para regiões urbanas brasileiras.
Finalmente, os resultados simulados para a Avenida Brasil (Rio de Janeiro) são satisfatórios, especialmente se for levado em consideração que o modelo de trajetórias utilizado é bastante simples em comparação com modelos tri-dimensionais. Os valores relativamente baixos de ozônio são característicos das cidades brasileiras e são uma conseqüência das altas concentrações de óxidos de nitrogênio, NOx, o que por sua vez é o resultado do uso de etanol e gasool (gasolina com 24% de etanol) nos veículos leves e do uso extensivo de veículos diesel nas ruas de Rio de Janeiro. O modelo de trajetórias, mesmo que relativamente simples, permite uma interpretação química das principais características de um determinado cenário e dos efeitos de mudanças nas condições ambientais.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a ajuda financeira da FAPERJ e a colaboração da Eng. Andréa Moreira (CENPES/Petrobras), Eng. Isabel B. Campos (DFQ/IQ/UFRJ), Prof. Luiz Maia (IGEO/UFRJ), Délcio Rodriguez (Greenpeace, São Paulo), CET (Rio), CENPES/Petrobras e REFAP/Petrobras. Agradecem, também, ao CENPES/Petrobras e a D. Grosjean e E. Grosjean por terem disponibilizado os dados experimentais de câmara de reação antes de sua publicação.
27. a) Resolução CONAMA 03/90 de 28/06/90. b) Conforme a Resolução CONAMA 03/90, os padrões primários (médias horárias) são: CO: 35 ppm; O3: 80 ppb e NO2: 170 ppb.
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Apêndice 1
Apêndice 2
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Out 2000 -
Data do Fascículo
Dez 1999
Histórico
-
Aceito
30 Jun 1999 -
Recebido
29 Jun 1998