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Desenvolvimento de metodologia para avaliar remoção de estrogênios em estações de tratamento de esgotos

Development of methodology to determine estrogens in wastewater treatment plants

Resumo

The present research aimed to study the parameters that affect the determination of estrogens in sewage upon the use of SPE and determination by using gas chromatography mass spectrometry (GC/MS). The study evaluated the stabilization pond technology with regard to estrogens removal. The results showed that the methodology was able to identify and quantify the estrogens E1, E2, E2-17A and EE2 in sewage. Moreover, the estrogens sometimes were not removed in the stabilization pond, showing that even the high hydraulic retention time (HRT) and high sunlight intensity were not enough to degrade these compounds completely during load peaks.

estrogens; SPE; stabilization ponds


estrogens; SPE; stabilization ponds

ARTIGO

Desenvolvimento de metodologia para avaliar remoção de estrogênios em estações de tratamento de esgotos

Development of methodology to determine estrogens in wastewater treatment plants

Germana de Paiva PessoaI; André Bezerra dos SantosI,* * e-mail: andre23@ufc.br ; Neyliane Costa de SouzaI; Joana Angélica Correia AlvesI; Ronaldo Ferreira do NascimentoII

IDepartamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental, Universidade Federal do Ceará, Campus do Pici, 60455-900 Fortaleza – CE, Brasil

IIDepartamento de Química Analítica e Físico-Química, Universidade Federal do Ceará, Campus do Pici, CP 12200, 60455-760 Fortaleza – CE, Brasil

ABSTRACT

The present research aimed to study the parameters that affect the determination of estrogens in sewage upon the use of SPE and determination by using gas chromatography mass spectrometry (GC/MS). The study evaluated the stabilization pond technology with regard to estrogens removal. The results showed that the methodology was able to identify and quantify the estrogens E1, E2, E2-17A and EE2 in sewage. Moreover, the estrogens sometimes were not removed in the stabilization pond, showing that even the high hydraulic retention time (HRT) and high sunlight intensity were not enough to degrade these compounds completely during load peaks.

Keywords: estrogens; SPE; stabilization ponds.

INTRODUÇÃO

Compostos definidos como desreguladores endócrinos (DEs) são aqueles que mimetizam ou bloqueiam a ação dos hormônios naturais. Esses compostos exógenos ligam-se aos receptores celulares alterando suas respostas normais.1 Os DEs podem interferir no sistema endócrino de humanos e de outros animais, causando infertilidade e aumento da taxa de câncer nos órgãos reprodutores.2-4 O interesse científico na análise de DEs presentes em esgotos sanitários emergiu devido ao aumento na relação entre a detecção dessas anomalias na saúde humana e a presença desses micropoluentes em matrizes ambientais. Os principais DEs relatados na literatura podem ser substâncias naturais ou sintéticas, dentre os quais podem ser citados: pesticidas como atrazina; subprodutos da degradação de alquilfenóis polietoxilados como 4-nonilfenol (NP); hidrocarbonetos poliaromáticos (HPA); aditivos plastificantes como dietil-hexilftalato (DEHP); compostos industriais como bisfenol A (BPA); metais pesados como cádmio, mercúrio e chumbo; hormônios sintéticos como dietilestilbestrol (DES) e 17α-etinilestradiol (EE2); fitoestrogênios como genisteína e metaresinol e os hormônios naturais estrona (E1), 17β-estradiol (E2) e estriol (E3).5,6

Os principais compostos que apresentam elevada atividade estrogênica são os hormônios naturais E1 e E2, e o hormônio sintético EE2, principal substância ativa do contraceptivo oral.7 Terapeuticamente, os estrogênios também são administrados no controle dos sintomas que envolvem a menopausa, os distúrbios fisiológicos e no tratamento de algumas doenças progressivas, como câncer de mama.8,9

Devido à concentração em nível traço dos estrogênios em esgotos sanitários, na ordem de microgramas por litro (µg L-1) ou nanograma por litro (ng L-1), faz-se necessária a realização da etapa de pré-concentração da amostra, sendo a extração em fase sólida (SPE) umas das técnicas mais utilizadas. Vários pesquisadores utilizaram com sucesso essa técnica para a determinação de micropoluentes em diversas matrizes ambientais complexas.10-14 Alguns interferentes são a presença de matéria orgânica, substâncias húmicas e outras substâncias, que diminuem a disponibilidade dos sítios ativos no material dos cartuchos de SPE, reduzindo assim a eficiência de extração de micropoluentes e tornando a detecção de DEs e outros micropoluentes em esgoto sanitário um desafio analítico. Para a eluição dos analitos do material da fase sólida, diversos solventes podem ser utilizados, sendo os mais comuns o metanol, a acetona, a acetonitrila, o hexano ou ainda uma mistura deles.

Tradicionalmente, a identificação dos micropoluentes é feita pela técnica de cromatografia gasosa acoplada a espectrômetro de massas (GC/MS). No entanto, são necessárias várias etapas para a preparação da amostra.15 O pré-requisito dessa técnica é que o analito de interesse seja volátil e termicamente estável. Entretanto, a maioria dos compostos orgânicos apresenta baixa volatilidade, incluindo os estrogênios, sendo necessária a realização de derivatização anterior à separação cromatográfica.16

A derivatização é uma reação química utilizada para alterar compostos que gera novos produtos com melhores propriedades cromatográficas, sendo uma ferramenta muito utilizada para detecção de compostos orgânicos em amostras complexas.17 Essa etapa é geralmente realizada por reações de substituição no grupo polar do composto, onde podem ocorrer reações de alquilação, acetilação e sililação, sendo esta última provavelmente a técnica mais utilizada. Nas reações de sililação, o hidrogênio mais instável de ácidos, alcoóis, aminas, amidas ou cetonas e aldeídos é substituído pelo grupo trimetilsilil (TMS).17

O reagente utilizado na etapa de derivatização deve ser escolhido de acordo com o grupo funcional do analito de interesse, influenciando a análise cromatográfica, a resposta do detector, assim como a estabilidade da amostra.18 Os reagentes mais utilizados para derivatização de estrogênios são a N,O-bis-(trimetilsilil) trifluoracetamida (BSTFA) e a N-(t-butildimetilsilil)-N-metiltrifluoroacetamida (MTBSTFA), já que bons resultados foram obtidos com o uso desses compostos.18,19

Outro parâmetro a ser discutido durante a análise de estrogênios é a acidificação da amostra. Vários pesquisadores realizam essa etapa anterior à SPE. No entanto, há divergências sobre a real necessidade desse procedimento.20-23

A principal fonte de contaminação de águas superficiais por DEs é o lançamento de esgotos sanitários tratados ou in natura, uma vez que esses compostos podem não ser completamente removidos pelos atuais sistemas de tratamentos de esgoto.24 Alguns estudos realizados no Brasil reforçam a ocorrência de estrogênios em águas superficiais, cujos resultados de monitoramento mostram a presença descontínua de estrogênios nos mananciais, sugerindo que fontes difusas, dentre elas esgoto não tratado, contribuem para o aporte destes compostos nos mananciais analisados.25-28 Ghiselli29 e Raimundo30 detectaram a presença de E2 e EE2 em rios no estado de São Paulo em concentrações de até 6,8 e 4,39 µg L-1, respectivamente.

A remoção de estrogênios em sistemas de tratamento de esgoto é muito complexa, e poucos estudos contemplam a análise da tecnologia de lagoas de estabilização. A maioria dos estudos realizados mundialmente refere-se ao sistema de tratamento por lodos ativados.11 Porém, as lagoas de estabilização representam uma das principais tecnologias de tratamento de esgotos do Brasil, sendo, portanto, importante a avaliação da eficiência de remoção desses compostos nesses sistemas de tratamento.

Assim, o presente trabalho teve como objetivo desenvolver uma metodologia analítica para concentração de estrogênios presentes em esgotos sanitários por meio da extração em fase sólida (SPE) e detecção por meio de GC/MS. Estudou-se o efeito da presença do meio reacional durante a etapa de derivatização, tipo de reagente derivatizante empregado, tipo de eluente usado na SPE e o efeito da acidificação da matriz ambiental na etapa de concentração. Por fim, foi avaliada a eficiência de remoção de estrogênios em ETEs que utilizam a tecnologia de lagoas de estabilização.

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais e métodos

Os padrões dos estrogênios utilizados na pesquisa foram estrona (E1), 17β-estradiol (E2), 17β-estradiol-17-acetato (E2-17A) e 17α-etinilestradiol (EE2), adquiridos da Sigma-Aldrich. Como derivatizantes foram utilizados o BSTFA (N-O-Bis(trimetilsilil)trifluoracetamida) de fórmula molecular C8H18F3NOSi2, e o MTBSTFA+1% TBDMCS (N-Terc-Butildimetilsilil-N-metilfluoracetamida) de fórmula molecular C9H18F3NOSi, adquiridos também da Sigma-Aldrich. Os reagentes utilizados foram de grau de pureza HPLC (Vetec).

A identificação e quantificação dos compostos foram realizadas utilizando-se um cromatógrafo gasoso acoplado a um espectrômetro de massa CG/MS (modelo QP-2010 Plus; marca Shimadzu), coluna capilar apolar RTX-5MS (5%difenil/95%dimetilpolisiloxano - Supelco), com dimensões 30 m x 0,25 mm x 0,25 µm. As condições utilizadas para o CG/MS foram fluxo de gás (He): 1,43 mL min-1; modo de injeção: split (1:50); temperatura do injetor: 290 ºC; temperatura de interface: 290 ºC; temperatura da fonte de íons: 200 ºC; programa de temperatura:150 ºC, taxa de 40 ºC/min até 250 ºC, taxa de 20 ºC/min até 280 ºC por 4 min, taxa de 10 ºC/min até 290 ºC por 5 min. O espectro de massa foi obtido por método de ionização com impacto de elétrons (EI+), 70 eV, modo Full Scan (m/z 40-460 com 0,50 s/scan).

Para a extração das amostras concentradas na SPE, foram usados cartuchos C-18 (500 mg/6 mL) (DSC-18, Supelco) e um sistema Vacuum Manifold (Supelco).

Coleta e preparo das amostras ambientais

A coleta das amostras ambientais foi realizada em uma ETE localizada na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), sendo realizada uma coleta em maio e uma nova coleta em dezembro de 2010, que utiliza um sistema de lagoa facultativa seguida de duas lagoas de maturação. Foram coletadas amostras ambientais na entrada da lagoa facultativa e na saída da última lagoa de maturação, com o objetivo de avaliar a eficiência de remoção de estrogênios nessa tecnologia de tratamento.

As amostras ambientais foram armazenadas em frascos âmbar, sendo adicionado metanol (5 mL L-1) para impedir a biodegradação dos analitos de interesse e evitar que os compostos ficassem adsorvidos no material plástico do cartucho de SPE. As amostras ambientais foram transportadas e preservadas a 4 ºC até o momento da extração e concentração dos analitos. As análises foram realizadas em no máximo 48 h após a coleta.

Essas amostras foram filtradas em membrana de fibra de vidro (Millipore) com 0,45 µm de diâmetro de poros. Após filtração, o pH da amostra ambiental foi ajustado para o melhor pH obtido, utilizando-se ácido clorídrico concentrado (Vetec). Na etapa de extração em fase sólida (SPE), 500 mL de amostra ambiental passavam pelo cartucho com fluxo médio de 8 mL min-1, condicionado anteriormente com 10 mL dos solventes na seguinte ordem: hexano, acetona, metanol e água ultrapura. Após a concentração, o cartucho permaneceu sob sistema de vácuo por 30 min para que pequenas quantidades de água fossem eliminadas. Os analitos foram eluidos com 4 mL da solução acetona:hexano (50:50, v/v), sendo o eluato secado em estufa a uma temperatura máxima de 45 ºC. Após a evaporação, foram adicionados 50 µL do reagente derivatizante BSTFA e levado ao banho-maria por 30 min a 60 ºC.

Limites de detecção e de quantificação e linearidade

Selecionou-se inicialmente o método visual, realizando-se várias injeções de soluções padrões em várias concentrações. Após chegar a um valor aproximado do limite de detecção, foi aplicado o procedimento analítico para calcular o LD e LQ, a partir do método de relação sinal-ruído.

Foi realizada a medida dos sinais da amostra fortificada com os estrogênios em baixas concentrações e do branco (matriz isenta do composto de interesse). A literatura relata a relação sinal-ruído de 3:1 para o limite de detecção e de 10:1 para limite de quantificação.31As Equações 1 e 2 foram utilizadas para o cálculo do LD e LQ:

A faixa linear foi obtida por padronização externa, sendo realizada a curva de calibração, para se calcular o coeficiente de correlação linear (R). As faixas de trabalho para os compostos E1, E2 e E2-17A variaram de 1 a 15 µg mL-1, e de 5 a 50 µg mL-1 para o EE2. Foram utilizados, no mínimo, cinco pontos para cada curva.

Estudo de derivatização

Inicialmente, foram analisados os tipos de meio reacional empregados durante a etapa de derivatização, em que os solventes avaliados foram o acetato de etila (EtOAC) e o metanol (MeOH). Também foi realizada a análise da ausência do meio reacional, em que o solvente foi completamente evaporado em estufa à temperatura de 45 ºC e, posteriormente, adicionado o reagente de derivatização. O reagente derivatizante utilizado nessa etapa foi o MTBSTFA+1% TBDMCS.

Após a investigação do efeito da presença ou ausência do meio reacional, foi realizado um estudo de comparação dos dois tipos de derivatizantes, BSTFA e MTBSTFA + 1% TBDMCS, em duas condições distintas: 100 µL, 75 ºC, 3 h (condição A) e 50 µL, 60 ºC, 30 min (condição B).

Estudo do eluente na SPE

Dois eluentes foram testados, eluente A (100% acetona) e eluente B (mistura de acetona e hexano, 50:50, v/v). Os estrogênios foram adicionados na amostra ambiental (esgoto sanitário tratado) previamente à extração na concentração de 50 µg L-1. Foi realizado o branco experimental, ou seja, amostras sem a adição dos estrogênios para determinação da presença dos mesmos.

Determinação do volume de quebra

O volume de quebra, definido na literatura como o volume de amostra que pode ser percolado através do cartucho de extração em fase sólida sem a perda dos analitos ou, ainda, o volume máximo da amostra que pode ser aplicada com a recuperação teórica de 100%,32 foi determinado para cada composto (E1, E2, E2-17 A e EE2).

Inicialmente os analitos (0,025 mg) foram dissolvidos em 500 mL de água ultrapura e o soluto foi percolado no cartucho em alíquotas de 20 mL. Posteriormente, a alíquota foi analisada para a determinação de sua recuperação. A curva do volume de quebra foi determinada plotando-se os valores do volume de alíquota versus as recuperações encontradas, podendo assim ser encontrado graficamente o parâmetro volume de quebra. A concentração da solução utilizada foi de 50 µg L-1.

Estudo da acidificação da matriz ambiental

A metodologia aplicada nas amostras ambientais coletadas foi avaliada sem a modificação do pH da amostra e acidificando-se a pH 3, com adição ácido clorídrico concentrado. Os estrogênios foram adicionados na amostra ambiental (esgoto sanitário tratado) previamente à extração na concentração de 2 µg L-1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estudo de derivatização

A partir dos resultados apresentados na Figura 1, pode-se observar que a presença do meio reacional para a realização da derivatização dos estrogênios prejudicou a reação, possivelmente, pela baixa solubilidade dos hormônios nos solventes utilizados no momento da sua redissolução ou devido à presença de água, a qual prejudica a etapa de derivatização.18 Uma outra possibilidade pode ser devida à presença de átomos de hidrogênios livres presentes nos solventes MeOH e EtOAC, os quais competiram com os hidrogênios dos estrogênios para reação com o grupo trimetilsilil TMS,33,34 uma vez que a reação de substituição ocorre no átomo de hidrogênio presente nas moléculas.


Os resultados da comparação dos reagentes derivatizantes BSTFA e MBSTFA nas condições A e B são apresentados na Figura 2.


Analisando a Figura 2, pode-se perceber que o derivatizante BSTFA apresentou, em geral, um melhor resultado em relação ao MTBSTFA, uma vez que o BSTFA obteve o produto derivatizado para todos os estrogênios analisados, enquanto o MTBSTFA não derivatizou o E2 na condição A nem o E2-17A na condição B, conforme pode ser observado nas representações das áreas dos picos obtidas para cada composto. Tal comportamento pode ser atribuído ao impedimento estérico ocasionado pelo MTBSTFA, pois sua estrutura molecular torna o reagente menos acessível à reação de derivatização quando comparado ao BSTFA, devido ao composto de transição formado durante a reação, o qual pode ser observado na Figura 1S, material suplementar.17


Portanto, em termos de resposta analítica, o reagente BSTFA na condição B (50 µL; 60 ºC por 30 min) foi o selecionado, uma vez que os resultados das áreas obtidas apresentaram maiores valores quando comparados à condição A.

Estudo do eluente na SPE

Durante a análise dos eluentes, observou-se que a mistura acetona:hexano (50:50, v/v) foi mais eficiente para todos os compostos quando comparada à acetona, como pode ser observado na Figura 3. Em processos de separação envolvendo adsorção de compostos moderadamente polares em fases sólidas deve-se empregar solventes com valores de εº (valor eluotrópico) inferiores a 0,4.35 Devido aos valores do coeficiente octanol-água (log Kow entre 3,5 e 5), os estrogênios analisados são considerados de média a baixa polaridade, sendo o E2-17A o composto de menor polaridade (log Kow 4,95) e, portanto, apresenta uma maior afinidade com a fase móvel acetona:hexano, a qual possui menor polaridade.


Na Tabela 1 são apresentados os resultados de recuperação obtidos na comparação dos solventes para eluição na etapa de SPE, os analitos analisados apresentaram resultados de recuperação dentro da faixa recomendada por Lanças,35 de 70-120%, apenas E2 apresentou um resultado inferior de 68,4%. O composto E2-17A apresentou uma recuperação de 115% quando se utilizou como eluente a mistura acetona: hexano (50:50, v/v).

Determinação do volume de quebra

Os volumes de quebra para os estrogênios são apresentados na Tabela 2. Os gráficos obtidos durante a análise são apresentados na Figura 2S, material suplementar. Os volumes de quebra para os compostos E1, E2, E2-17A e EE2 foram de 460, 480, 420 e 420 mL, respectivamente. Os altos valores de volumes de quebra podem ser justificados pela baixa polaridade dos compostos analisados.


Estudo do efeito do pH na matriz ambiental

Os resultados obtidos durante a avaliação do efeito do pH na matriz ambiental são apresentados na Figura 4. Observa-se que a matriz ambiental com pH 3 apresentou uma melhor eficiência na etapa de extração dos analitos em relação à amostra em seu pH original (pH 7). A acidificação da amostra é desejável para diminuir a dissociação de analitos fracamente ácidos, o que pode aumentar a eficiência de extração devido à interação mais forte dos íons não dissociados, ou seja, do estrogênio em sua forma molecular, com o material adsorvente contido no cartucho de SPE.21


Aplicação do método desenvolvido na determinação de estrogênios presentes em esgoto sanitário

Na Tabela 3 são apresentados os resultados de linearidade, limites de detecção e quantificação do método, assim como os resultados da análise de recuperação realizados durante a elaboração da curva de calibração. É importante observar que foi utilizado um fator de concentração de 10.000 vezes e que o volume final foi de 50 µL. O valor do coeficiente de correlação linear (R) obtido durante a realização das curvas de calibração dos estrogênios foi superior a 0,99. Os valores de recuperação dos estrogênios em esgoto sanitário tratado apresentaram valores satisfatórios de recuperação, na faixa de 52-105%.

Os resultados das concentrações de estrogênios afluentes e efluentes à ETE estudada, assim como os valores de eficiência de remoção, são apresentados na Tabela 4. O cromatograma obtido durante a primeira coleta (afluente) aplicando a metodologia otimizada é apresentado na Figura 5.


Analisando os resultados obtidos durante a primeira coleta, a tecnologia de lagoa facultativa seguida de duas lagoas de maturação forneceu, em geral, eficiências ótimas de remoção (100%) para os estrogênios analisados (Tabela 4). Os valores encontrados para E1 e E2 na ETE concordaram com valores encontrados por Servos et al.36 e Lishman et al.,37 que obtiveram em estudos realizados em lagoas facultativas eficiências de 46 a 95% (E1) e 80 a 98% (E2), 86% (E1) e 100% (E2), respectivamente.

Durante a segunda coleta realizada na ETE foram obtidos reduzidos valores de eficiência de remoção para os estrogênios naturais E1 (19,7%) e E2 (50,8%) (Tabela 3). As variações encontradas nas concentrações de estrogênios afluentes a ETEs podem ser atribuídas tanto à variação do uso de água, que dilui para mais ou menos os estrogênios naturais e sintéticos, quanto ao maior ou menor uso de estrogênios sintéticos, principalmente pelo uso de contraceptivos orais. Esse resultado obtido também pode ser atribuído ao período correspondente da coleta, sendo a primeira realizada na estação chuvosa (mês de maio) e a segunda, na estação seca (dezembro) no estado do Ceará. Tais variações afluentes de estrogênios também foram verificadas no presente estudo, conforme pode ser observado na Figura 3S, material suplementar. As concentrações afluentes para os estrogênios na ETE analisada variaram de 560-2570 ng L-1, valores menores do que os obtidos por Ghiselli,29 (4830-6690 ng L-1) no estado de São Paulo.


Os valores de eficiência de remoção de estrogênios e outros micropoluentes em ETEs apresentam dependência em relação à concentração afluente e à tecnologia de tratamento empregada.18,22,38

Leite et al.11 analisaram um sistema anaeróbio (UASB) – aeróbio (filtro percolador) na remoção de micropoluentes, sendo eles: Bisfenol A (BPA), dibutilftalato, bezafibrato, Nonilfenol (NP). A eficiência de remoção dos compostos foi de 92, 57 e 64%, respectivamente. Para o composto NP não houve remoção e sim um acréscimo na concentração de 127%, que os autores atribuíram à complexidade da amostra de esgoto sanitário bruto, que interferiu nas determinações.

A baixa eficiência de remoção do E2 (50,8%) mostrada na Tabela 3 concordou com a remoção de 47% encontrada por Ying et al.,39 sendo que a ETE utilizava tecnologia de lagoas anaeróbias seguida de aeróbias. Sim et al.22 encontraram uma baixa remoção para o estrogênio E1, de apenas 35%, e uma remoção de 100% para os compostos E2 e EE2 em uma avaliação feita em vários sistemas municipais de tratamento. Em uma das lagoas analisadas por Servos et al.36 a eficiência de remoção para a E1 foi de 46,4%.

O estrogênio sintético EE2 não foi detectado nas amostras afluentes, concordando com resultados reportados na literatura.40,41 O EE2 já foi detectado em concentrações de até 54 ng L-1 em águas superficiais no Brasil, valor que está abaixo do LQ obtido no método desenvolvido.27

Historicamente as ETEs não são projetadas para remoção de micropoluentes orgânicos, tendo como foco principal a remoção da carga orgânica.42 Ainda não existe um padrão claro associado ao processo ou às características do tipo de tratamento e eficiência de remoção dos DEs, tais como TDH (tempo de detenção hidráulica) utilizado, idade de lodo ideal, etc. Servos et al.36 observaram que as lagoas facultativas e anaeróbias aumentavam a eficiência de remoção de estrogenicidade com o aumento do TDH. No entanto, ressaltaram a necessidade de estudos em condições controladas, com o objetivo de estabelecer essa relação.

Um entendimento bastante premente é o estabelecimento do papel dos diferentes micro-organismos na remoção de estrogênios e outros micropoluentes em sistemas biológicos de tratamento secundário e terciário em ETEs situadas em países de clima quente, moderado e frio. Por exemplo, recentes estudos demonstraram excelente remoção dos micropoluentes E1, E2, 4- n- Nonilfenol (4-n-NP), Bisfenol A (BPA) com taxa de eficiência de >90% em sistemas de lodos ativados aeróbios durante as etapas de nitrificação e desnitrificação biológica.43,44 Entretanto, ainda é desconhecida qual a espécie de bactéria heterotrófica, nitrificante, desnitrificante e etc. mais importante na remoção dos diversos micropoluentes.

CONCLUSÕES

A metodologia otimizada utilizando extração em fase sólida (SPE) associada à cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa (GC/MS) possibilitou a identificação e quantificação dos desreguladores endócrinos E1, E2, E2-17A e EE2 em esgoto sanitário proveniente de estações de tratamento de efluente e viabilizou, portanto, a verificação da eficiência do sistema de tratamento para a remoção desses micropoluentes.

Com relação à etapa de otimização da derivatização, o reagente selecionado foi o BSTFA sem a presença do meio reacional, uma vez que os resultados obtidos comprovaram que a presença do meio reacional impedia a realização da reação. Em termos de resposta analítica, a derivatização com BSTFA apresentou áreas maiores dos estrogênios quando comparada ao reagente MTBSTFA.

Na etapa de extração em fase sólida (SPE) dos analitos a mistura acetona:hexano (50:50, v/v) foi considerada a mais indicada para análise dos estrogênios, com base nos valores de recuperação obtidos.

Foi possível detectar e quantificar os estrogênios em matrizes ambientais complexas como esgotos sanitários empregando a técnica de extração em fase sólida (SPE) e cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC/MS). Com relação à análise de eficiência da ETE utilizando tecnologia de lagoa de estabilização do tipo facultativa seguida de lagoa maturação apresentou variação na eficiência de remoção durante as coletas realizadas, evidenciando que mesmo sistemas naturais com elevado tempo de detenção hidráulica (TDH) e elevadas taxas de radiação solar são sensíveis a alterações da carga afluente dos micropoluentes analisados.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Está disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq (Processo nº. 577000/2008-2); à Companhia de Água e Esgotos do Ceará (CAGECE) pelo apoio financeiro para realização da pesquisa; à FUNCAP e CAPES pela concessão das bolsas de doutorado; ao LABOSAN (Laboratório de saneamento) e ao LAT (Laboratório de análise traço) da UFC pela disponibilidade de equipamentos para a realização da pesquisa.

Recebido em 8/8/11

Aceito em 5/12/11

Publicado na web em 31/1/12

Material Suplementar

O material suplementar está disponível em pdf: [Material suplementar]

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Ago 2011
    • Aceito
      05 Dez 2011
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