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A Regulamentação da Nova Lei de Licitações: Definição da Lógica Institucional Prevalente em um Campo

RESUMO

Objetivo:

a presente pesquisa analisa como ocorrem as definições regulatórias em um campo com participantes que defendem lógicas múltiplas nas aquisições públicas de obras e serviços de engenharia de grande vulto, com foco no seguro-garantia, além de discutir a inclusão de cláusula de retomada e do percentual em relação ao valor do contrato.

Marco teórico:

este trabalho está inserido na discussão sobre como é constituída uma lógica institucional, que orienta a ação e a estruturação organizacional do campo, dada a competição entre múltiplas lógicas.

Método:

a pesquisa está focada nas discussões pertinentes ao campo. A coleta de dados foi feita por meio de levantamento documental da análise de discursos na Câmara dos Deputados, bem como entrevistas com atores relevantes do campo por meio de roteiro semiestruturado.

Resultados:

os conflitos entre lógicas são resolvidos por meio de combinações com outras lógicas do campo, enfatizando o poder de coalizões de atores para definir temas de regulamentação. O estudo apontou a forma como os participantes conseguiram reduzir a influência da lógica defendida pelo mercado de seguros, em favor do interesse de construtoras na redação do projeto, mostrando que lógicas de mercado podem também entrar em contradição entre si. Finalmente, constatou-se que elementos exógenos à lógica em construção são fundamentais na sua formulação.

Conclusões:

o estudo indica que a lógica institucional que se torna prevalente em um campo complexo resulta da imposição de uma coalizão de atores, combinando elementos de diferentes lógicas. Entretanto, as coalizões podem ser distintas para cada questão examinada.

Palavras-chave:
lógica institucional; poder; regulamentação; licitação

ABSTRACT

Objective:

the present research analyzes how regulatory definitions occur in a field, in which participants defend multiple logics in the public procurement of large-scale engineering works and services, with a focus on the requisition of guarantee insurance. It also discusses a take-back clause and the percentage of the contract value to be insured.

Theoretical approach:

this work is part of the discussion about how an institutional logic is constituted, given the competition between multiple logics in a field.

Method:

the research is focused on discussions relevant to the field. Data collection was carried out through a documentary survey of the analysis of speeches in Congress, as well as interviews with relevant actors in the field using a semi-structured script.

Results:

the conflicts between logics are resolved through combinations with elements from other field logics. They emphasize the power of actors’ coalitions to define regulatory issues. The study, thus, pointed out how the participants managed to reduce the influence of the logic defended by the insurance market, in favor of the interest of construction companies in the drafting of the project, showing that different market logics can contradict one another. Finally, elements exogenous to the logic under construction are fundamental in its formulation.

Conclusions:

the theoretical contribution of the study indicates that the institutional logic that becomes prevalent in a complex field is the result of the imposition of a coalition of actors combining elements from distinct logics. However, the coalitions may be different for each of the questions examined.

Keywords:
institutional logic; power; regulation; bidding

INTRODUÇÃO

Um dos principais focos de estudo da administração contemporânea está relacionado com os discursos que embasam mudanças no contexto social, em que atuam organizações públicas e privadas, que, por vezes, não deixam claro quais grupos de interesse podem se beneficiar das mudanças propostas. O trabalho a seguir examina as lógicas utilizadas pelos atores envolvidos com a Lei de Licitações n.º 8.666, de 1993, e que propuseram um conjunto de alterações abrangentes a ela, mediante o Projeto de Lei n.º 1.292, de 1995 (1995a), que resultou na nova Lei de Licitações n.º 14.133, de 2021. Em 2018, foi instalada a comissão especial na Câmara dos Deputados, destinada a proferir parecer ao PL, com o objetivo de substituir a Lei de Licitações vigente.

Dentre seus atributos, menciona-se o seguro-garantia, que tem como fim garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado junto à Administração Pública, o que inclui as multas, os prejuízos, as indenizações decorrentes de inadimplemento, e que continua em vigor mesmo se o contratado não tiver pago o prêmio nas datas convencionadas. Portanto, “ao contrário de outros seguros, que são cancelados ou suspensos em caso de não pagamento do prêmio, o seguro-garantia não perde a sua eficácia” (Buranello, 2006Buranello, R. M. (2006). Do contrato de seguro: O seguro garantia de obrigações contratuais. Quartier Latin., p. 179-180).

A auditoria do Tribunal de Contas da União apresentou um diagnóstico das obras paralisadas no país, financiadas com recursos federais, com base em um levantamento realizado entre abril e maio de 2018. Dentre mais de 38 mil contratos analisados, foram identificadas 14.403 obras paralisadas, representando um investimento inicialmente previsto de mais de R$ 144 bilhões, dos quais R$ 10 bilhões já haviam sido aplicados (Tribunal de Contas da União [TCU], 2019), o que justifica a preocupação com o seguro.

No caso de obras públicas, a seguradora garante ao Estado (segurado) que a empreiteira licitante (tomadora) honrará as cláusulas de sua proposta. O beneficiário da apólice do seguro é o Estado, mas quem assume a obrigação sobre o serviço segurado é a empreiteira contratada. As seguradoras precisarão assumir o empreendimento sempre que ocorrer inadimplemento pela contratada. A Administração Pública passa a compartilhar com a seguradora a pré-qualificação das empresas e os riscos de inadimplência. Estudos na área por Fiuza e Medeiros (2014Fiuza, E. P. S. & Medeiros, B. (2014). A agenda perdida das compras públicas: Rumo a uma reforma abrangente da lei de licitações e do arcabouço institucional. In Textos para Discussão. Ipea.) citam que a seguradora é responsável sempre que a empreiteira falhar na construção, de acordo com os planos e especificações, seja em tempestividade, seja em qualidade ou preço. Conforme Jacoby (2017Jacoby, M. (2017). Seguro vai garantir conclusão das obras na nova Lei de Licitações. https://jacobyfernandesadvogados.jusbrasil.com.br/noticias/419819897/seguro-vai-garantir-conclusao-das-obras-na-nova-lei-de-licitacoes
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), este seguro, dependendo de sua regulação, poderá encarecer as licitações, mas apresenta como contrapartida a redução do número de obras paradas.

Em seus artigos, Fiuza e Medeiros (2014Fiuza, E. P. S. & Medeiros, B. (2014). A agenda perdida das compras públicas: Rumo a uma reforma abrangente da lei de licitações e do arcabouço institucional. In Textos para Discussão. Ipea.), Galiza (2015Galiza, F. (2015). Uma análise comparativa do seguro garantia de obras públicas. ENS-CPES.), Gomes (2017Gomes, F. Y. C. (2017). Análise econômica da performance bond nos contratos de obras públicas. Governet. Boletim de Licitações e Contratos, 13(147), 621-639. https://www.academia.edu/30388405/AN%C3%81LISE_ECON%C3%94MICA_DA_PERFORMANCE_BOND_NOS_CONTRATOS_DE_OBRAS_P%C3%9ABLICAS
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) e Laan (2016Laan, C. R van der. (2016, setembro). Reformulação da Lei de Licitações e Contratações Públicas: Fragilidades na proposta de uso de seguro-garantia como instrumento anticorrupção. Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado (Texto para Discussão n.º 206). http://www.senado.leg.br/estudos
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) se voltaram para o estudo do seguro-garantia com o objetivo de entender como ele é praticado em outros países, se é viável economicamente, se traz maior segurança jurídica aos contratos administrativos, como funciona a relação tripartite na ferramenta, dentre outros temas. Porém, esta literatura deixa de cobrir os aspectos buscados por esta pesquisa, que consiste em identificar os fatores que concorreram para as definições do seguro-garantia com cláusula de retomada em obras públicas no Projeto de Lei n.º 1.292, de 1995 (1995a) para, ao mesmo tempo, entender o potencial desta ferramenta em impedir a ocorrência de paralisações em obras públicas.

A literatura das lógicas institucionais está aparelhada para examinar como se dão as definições em um campo institucional onde múltiplas lógicas estão ativas. Os entendimentos divergentes de atores de um campo acenam para uma possível competição entre uma multiplicidade de lógicas que constituem um campo institucional (Friedland & Alford, 1991Friedland, R. & Alford, R. (1991). Bringing society back in: Symbols, practices, and institutional contradictions. In W. Powell, P. Dimaggio. The new institutionalism in organizational analysis (pp. 232-263). University of Chicago Press.), no qual podem ocorrer contradições e conflitos (Silva & Crubellate, 2016Silva, F. R., & Crubellate, J. M. (2016). Complexidade institucional: Um estudo bibliométrico na publicação recente em teoria institucional. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 15(2), 116-132. https://doi.org/10.1177/0170840605050872
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). Estudos identificaram as contradições institucionais, tendo por base conflitos políticos importantes, sendo a partir deles que a estrutura institucional da sociedade se transforma, gerando desafios e tensões para as organizações (Friedland & Alford, 1991; Greenwood et al., 2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.; Thornton & Ocasio, 2008Thornton, P. H., & Ocasio, W. (2008) Institutional logics. In R. Greenwood, C. Oliver, T. B. Lawrence, R. E. Meyer, The Sage handbook of organizational institutionalism (pp. 99-128). Sage Publications.).

Outros estudos dedicaram-se a entender como as contradições entre as múltiplas lógicas podem ser resolvidas. Assim, alguns desenvolveram o conceito de coexistência em campos organizacionais (Waldorff et al., 2015Waldorff, S. B., Reay, T., & Goodrick, E. (2015) A tale of two countries: How different constellations of logics impact action. In Institutional Logics in Action, PART A (pp. 99-129). Emerald Group Publishing Limited.). Hoffman (1999Hoffman, A. J. (1999). Institutional evolution and change: Environmentalism and the U.S. chemical industry. Academy of Management Review, 42(4), 351-371. https://www.jstor.org/stable/257008
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) avançou a ideia de pluralidade identificando a coexistência de múltiplas lógicas durante a transição prolongada de uma lógica dominante para a seguinte. Além destes, estudos adicionais sugeriram lógicas concorrentes coexistindo por algum tempo, mas não se sustentando no longo prazo (Hensman, 2003Hensman, M. (2003). Social movement organizations: A metaphor for strategic actors in institutional field. Organization Studies, 24(3), 355-381. https://doi.org/10.1177/0170840603024003908
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; Reay & Hinings, 2005Reay, T., & Hinings, C. R. (2005) The recomposition of an organizational field: Health care in Alberta. Organization Studies, 26(3), 351-384. https://doi.org/10.1177/0170840605050872
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), devendo uma lógica finalmente vencer, tornando-se a nova lógica institucional dominante.

Desta forma, tomando por base os modelos que buscam explicar a resolução das contradições entre lógicas em um campo institucional, este trabalho analisou como ocorre a definição de uma lógica sendo disputada pela ação de distintos atores. Nesse contexto, apresenta-se a seguinte questão de pesquisa: como os elementos derivados das lógicas (práticas, recursos, valores, pressupostos, etc.) privilegiadas pelos atores do campo influenciaram a definição das regras do seguro-garantia com cláusula de retomada para as contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto?

O artigo discute na próxima seção como os modelos de lógicas institucionais entendem as mudanças de regras, considerando as múltiplas lógicas do campo. Em seguida, na seção de metodologia é apresentado o formato pelo qual foram levantadas e analisadas as informações. O estudo foi feito com base em pesquisa documental e entrevistas com especialistas em licitações de obras públicas e atores diretamente envolvidos na definição do Projeto de Lei n.º 1.292/1995 (1995a). A seção de resultados traz resumos dos entendimentos e posicionamentos dos vários atores do campo pesquisado. A discussão busca entender se os modelos teóricos explicam as alterações de regras, conforme explicitadas no caso empírico.

REVISÃO DA LITERATURA

As lógicas institucionais descrevem as práticas e crenças contraditórias inerentes às instituições das sociedades ocidentais modernas: o capitalismo, a burocracia estatal e a democracia política, dentre os principais, que moldam a forma como os indivíduos e organizações se engajam nas lutas políticas (Alford & Friedland, 1985Alford, R. R., & Friedland, R. (1985). Powers of theory: Capitalism, the state, and democracy. Cambridge University Press.). Thornton e Ocasio (2008Thornton, P. H., & Ocasio, W. (2008) Institutional logics. In R. Greenwood, C. Oliver, T. B. Lawrence, R. E. Meyer, The Sage handbook of organizational institutionalism (pp. 99-128). Sage Publications.), por seu lado, identificaram a atuação de lógicas profissionais nos campos institucionais, que se dedicam às boas práticas das várias especialidades. Outras lógicas importantes que tentam fazer prevalecer suas prescrições aos atores do campo incluem a lógica de mercado, que foca o desempenho econômico, como receita e lucro; a lógica pública ou de Estado, que se preocupa com a sustentabilidade e o bem-estar das empresas e dos cidadãos; e a lógica familiar, que se preocupa com o bem-estar de seus membros. A lógica comunitária foi sugerida mais adiante por Thornton et al. (2012), que citaram como exemplo a colaboração voluntária das pessoas no desenvolvimento dos softwares de código aberto.

Assim, enquanto as instituições restringem a ação, elas também são impactadas pela ação independente dos agentes e suas ações por mudança. As contradições inerentes ao conjunto diferenciado de lógicas institucionais proporcionam aos indivíduos, grupos e organizações recursos culturais para transformar as identidades, as organizações e a sociedade (Friedland & Alford, 1991Friedland, R. & Alford, R. (1991). Bringing society back in: Symbols, practices, and institutional contradictions. In W. Powell, P. Dimaggio. The new institutionalism in organizational analysis (pp. 232-263). University of Chicago Press.). Holm (1995Holm, P. (1995). The dynamics of institutionalization: Transformation processes in Norwegian fisheries. Administrative Science Quarterly, 40(3), 398-422. https://www.jstor.org/stable/2393791
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) questionou como os atores podem mudar as instituições se suas ações, intenções e racionalidade são, em princípio, condicionadas pela própria instituição que desejam mudar. Com o tempo, atores do campo ou novos ingressantes podem propor novas ideias. Estas mudanças nas circunstâncias sociais podem permitir que os interesses subordinados mobilizem e instalem com sucesso uma nova lógica ou repriorizem as existentes (Lok, 2010Lok, J. (2010). Institutional logics as identity projects. Academy of Management Journal, 53(6), 1350-1385. https://www.jstor.org/stable/29780261
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). Assim, no longo prazo, a complexidade institucional se desdobra, se desenrola e se reforma, criando diferentes circunstâncias às quais as organizações devem responder (Scott, 2008Scott, R. W. (2008). Institutions and organizations: Ideas, interests, and identities. 3rd ed. Stanford University Sage.). Não apenas esta complexidade institucional está em fluxo contínuo, mas as organizações a experimentam de maneira diferente e em diferentes graus, sendo importante entender a relação entre complexidade institucional e respostas organizacionais (Greenwood et al., 2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.).

O estudo examinou os fatores associados às lógicas que influenciaram as mudanças nas regras do seguro-garantia. Tais fatores são constituintes das lógicas e incluem elementos culturais e materiais específicos, dentre eles, valores, entendimentos, identidades, recursos, estruturas e outros (Thornton et al., 2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012) The institutional logics perspective: A new approach to culture, structure, and process. Oxford University Press.). Um fator relevante a ser considerado é a noção de poder, que pode ser traduzido como a capacidade de diferentes grupos ocupacionais, além daqueles que exercem formalmente posições de controle dentro das organizações, de produzir e conseguir com que conjuntos de significados e normas venham a orientar as ações dentro de um campo (Greenwood et al., 2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.; Greenwood & Hinings, 1996).

Vários estudos buscaram compreender como se dá a tomada de decisão a respeito da lógica institucional orientadora do campo e, consequentemente, como são moldadas suas regras e regulamentos. Os estudos, que assumem a presença de múltiplas lógicas em um campo institucional, parecem se diferenciar, num primeiro aspecto, em relação à coexistência continuada das lógicas (Goodrick & Reay, 2011Goodrick, E. & Reay, T. (2011). Constellations of institutional logics: Changes in the professional work of pharmacists. Work and Occupations, 38(3), 404. https://doi.org/10.1177/0730888411406824
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; Waldorff et al., 2015Waldorff, S. B., Reay, T., & Goodrick, E. (2015) A tale of two countries: How different constellations of logics impact action. In Institutional Logics in Action, PART A (pp. 99-129). Emerald Group Publishing Limited.) ou a um período de coexistência seguido de dominação (Hoffman, 1999Hoffman, A. J. (1999). Institutional evolution and change: Environmentalism and the U.S. chemical industry. Academy of Management Review, 42(4), 351-371. https://www.jstor.org/stable/257008
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). Os fatores específicos formadores das lógicas ajudam nesse entendimento.

Múltiplas lógicas institucionais estão disponíveis, podendo interagir e competir por influência em todos os domínios da sociedade (Nigam & Ocasio, 2010Nigam, A., & Ocasio, W. (2010) Event attention, environmental sensemaking, and change in institutional logics: An inductive analysis of the effects of public attention to Clinton’s health care reform initiative. Organization Science, 21(4), 823-841. https://www.jstor.org/stable/40792477
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). A multiplicidade de lógicas (Greenwood et al., 2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.) pode gerar conflito. Seus respectivos sistemas de significado e compreensão, caracterizados por rituais e práticas, fornecem expectativas inconsistentes entre si, pois os participantes precisam decidir qual delas privilegiar, ou seja, decidir que práticas, regras, valores devem seguir. Waldorff, Reay e Goodrick (2015Waldorff, S. B., Reay, T., & Goodrick, E. (2015) A tale of two countries: How different constellations of logics impact action. In Institutional Logics in Action, PART A (pp. 99-129). Emerald Group Publishing Limited.) falam em seu estudo sobre a possibilidade da coexistência de múltiplas lógicas numa combinação de elementos de cada uma. Hoffman (1999Hoffman, A. J. (1999). Institutional evolution and change: Environmentalism and the U.S. chemical industry. Academy of Management Review, 42(4), 351-371. https://www.jstor.org/stable/257008
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), por sua vez, descreve a coexistência durante uma transição prolongada de uma lógica dominante para a seguinte.

Goodrick e Reay (2011Goodrick, E. & Reay, T. (2011). Constellations of institutional logics: Changes in the professional work of pharmacists. Work and Occupations, 38(3), 404. https://doi.org/10.1177/0730888411406824
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) identificaram e descreveram relações competitivas e cooperativas entre lógicas de um campo. No estudo realizado, as autoras mostraram que as relações competitivas e as cooperativas entre lógicas coexistentes permitem a influência simultânea de múltiplas lógicas. Os atores não possuem uma lógica de atuação exclusiva, mas priorizam determinadas lógicas em determinado momento, o que configura a coexistência de lógicas no campo institucional. Enquanto relações competitivas entre lógicas implicam que o fortalecimento de uma lógica necessariamente resulta no enfraquecimento de outra lógica, relações cooperativas implicam que lógicas alternativas podem influenciar conjuntamente as práticas e que o fortalecimento de uma lógica pode até resultar no fortalecimento de outra lógica. Uma relação cooperativa entre lógicas institucionais implica que ambas as lógicas se favoreçam. Assim, ganhos em uma lógica não significam necessariamente perdas em outra lógica (Goodrick & Reay, 2011). Esse processo se dá na medida em que fatores relevantes de cada lógica experimentam compatibilidades, como entendimentos, práticas, normas similares, por exemplo.

Greenwood et al. (2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.) ressaltam, por outro lado, que alguns atores se organizam em grupos e tornam-se mais poderosos do que outros dentro do campo. E que as decisões organizacionais não são simplesmente uma função de quem participa, mas que o grau relativo de influência de um grupo dentro da organização também é importante. Alguns grupos são mais poderosos que outros; como resultado, respostas organizacionais a múltiplas lógicas institucionais provavelmente refletem os interesses do grupo mais influente. Em outras palavras, a valorização e o reconhecimento de lógicas e a escolha de qual lógica priorizar e como fazê-lo serão ditados por quem tem poder (Greenwood et al., 2011). As lógicas institucionais moldam e criam as regras do jogo, as relações pelas quais poder e status são ganhos, mantidos e perdidos nas organizações e nos campos organizacionais (Thornton & Ocasio, 1999Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999) Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: Executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843. https://www.jstor.org/stable/10.1086/210361
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). Os atores sociais confiam em seus entendimentos na competição por poder e status e geram as condições para a reprodução das lógicas predominantes. Ao mesmo tempo, outros atores continuam a tentar impor suas próprias lógicas, podendo-se concluir que a competição ou a tensão entre múltiplas lógicas é contínua (Goodrick & Reay, 2011Goodrick, E. & Reay, T. (2011). Constellations of institutional logics: Changes in the professional work of pharmacists. Work and Occupations, 38(3), 404. https://doi.org/10.1177/0730888411406824
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).

Embora as práticas sejam guiadas pelas lógicas institucionais predominantes, à medida que as práticas existentes são alteradas ou novas são estabelecidas, estas irão desempenhar um papel fundamental na criação, reprodução e transformação das lógicas institucionais (Thornton et al., 2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012) The institutional logics perspective: A new approach to culture, structure, and process. Oxford University Press.). As práticas e identidades organizacionais não são estáticas, mas estão continuamente sujeitas a mudanças e alterações (Mohr, 1994Mohr, J. W. (1994). Soldiers, mothers, tramps and others: Discourse roles in the 1907 New York city charity directory. Poetics, 22(4), 327-357. https://doi.org/10.1016/0304-422X(94)90013-2
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; Mohr & Duquenne, 1997). Trabalhos mais recentes começaram a explorar como organizações específicas estabelecem ou alteram suas identidades e práticas centrais sob condições de lógicas institucionais conflitantes ou coexistentes (Battilana & Dorado, 2010Battilana, J., & Dorado, S. (2010). Building sustainable hybrid organizations: The case of commercial microfinance organizations. The Academy of Management Journal, 53(6), 1419-1440. https://www.jstor.org/stable/29780265
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). Os atores podem retrabalhar ou alterar suas identidades para dar sentido ou resolver as tensões que enfrentam de lógicas institucionais concorrentes Battilana & Dorado, 2010; Lok, 2010Lok, J. (2010). Institutional logics as identity projects. Academy of Management Journal, 53(6), 1350-1385. https://www.jstor.org/stable/29780261
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), mas podem também enfrentar resistências para fazê-lo.

Desta forma, as alterações nas práticas, entendimentos, identidades, poder ou regras serão distintas segundo cada modelo mencionado antes. Greenwood et al. (2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.) parecem não indicar qual direção esses elementos podem assumir, na medida em que reconhecem possível expectativa inconsistente entre os atores e a definição por parte dos atores mais poderosos. Waldorff et al. (2015Waldorff, S. B., Reay, T., & Goodrick, E. (2015) A tale of two countries: How different constellations of logics impact action. In Institutional Logics in Action, PART A (pp. 99-129). Emerald Group Publishing Limited.), ao falarem em coexistência de lógicas com combinação de elementos, sugerem que elementos de cada lógica terão de ser relegados para aceitar aqueles originários de outras. Além disso, pressupõem que, ainda assim, não haverá contradição entre eles. Goodrick e Reay (2011Goodrick, E. & Reay, T. (2011). Constellations of institutional logics: Changes in the professional work of pharmacists. Work and Occupations, 38(3), 404. https://doi.org/10.1177/0730888411406824
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), por sua vez, admitem maior flexibilidade da composição da lógica predominante a cada instante. Já Hoffman (1999Hoffman, A. J. (1999). Institutional evolution and change: Environmentalism and the U.S. chemical industry. Academy of Management Review, 42(4), 351-371. https://www.jstor.org/stable/257008
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) admite uma coexistência restrita no tempo, de modo que os elementos das lógicas assumiriam um caráter permanente após esse período. A pesquisa buscou, assim, contribuir para a explicação, com base nos elementos associados às múltiplas lógicas em jogo, examinando como se dá a definição sobre uma regulamentação.

METODOLOGIA

A fim de identificar como as lógicas institucionais concorrentes influenciaram a definição das regras do seguro-garantia com cláusula de retomada e quais foram os principais fatores para estas mudanças, foi utilizada uma estratégia de pesquisa explicativa, longitudinal, de caráter qualitativo, que buscou evidenciar como os atores do campo e suas lógicas institucionais participaram na definição das regras do seguro-garantia.

A abordagem temporal adotada no estudo considerou principalmente o período compreendido entre 2018 e 2019, quando ocorreram as reuniões da comissão especial da Câmara dos Deputados, as votações de todos os requerimentos do projeto de lei e sua remessa para o Senado Federal, em 10 de outubro de 2019.

A coleta de dados ocorreu em duas fases: a primeira fase consistiu principalmente em realizar uma revisão de documentos que tratavam da nova Lei de Licitações. A segunda fase consistiu em realizar entrevistas com atores do campo e análise dos discursos de atores-chave registrados em atas da comissão da Câmara dos Deputados.

Contexto empírico

O Projeto de Lei n.º 1.292, de 1995 (1995a), tem por objetivo substituir a atual Lei de Licitações. Este projeto de lei é o resultado de uma discussão intensa tanto no âmbito do Senado quanto no âmbito da Câmara dos Deputados. O Senado Federal elaborou o Projeto de Lei n.º 559, de 2013 (PLS n.º 559). Este foi encaminhado à Câmara dos Deputados em 3 de fevereiro de 2017 e recepcionado como Projeto de Lei n.º 6.814/2017. Um ano depois foi apensado ao Projeto de Lei n.º 1.292/1995 (1995a).

A partir das novas regras do Projeto de Lei n.º 1.292/1995 (1995a), preconiza-se a capacidade de impedir a ocorrência de novas paralisações de obras, de modernizar a gestão pública e de obter mais transparência nas contratações. Neste novo projeto, alguns aspectos da atual Lei de Licitações são mantidos. As modalidades de garantia nas contratações de obras, serviços e compras se mantêm: fiança bancária, seguro-garantia e caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública. De acordo com a Lei de Licitações n.º 8.666/1993, é possível exigir - a critério da autoridade competente e desde que prevista no instrumento convocatório - uma prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras, podendo ser feita de três maneiras alternativas, cabendo ao contratado optar por uma destas modalidades: (a) fiança bancária; (b) seguro-garantia; ou (c) caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública. O limite de garantia é de 5% do valor do contrato, podendo ser elevado para até 10%, quando se tratar de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, que envolvam complexidade técnica e riscos financeiros.

O seguro-garantia tem como fim garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado junto à Administração Pública, o que inclui as multas, os prejuízos, as indenizações decorrentes de inadimplemento, e continua em vigor mesmo se o contratado não tiver pagado o prêmio nas datas convencionadas.

Na proposta do novo projeto, o prazo de vigência da apólice será igual ou superior ao estabelecido no contrato principal, e irá acompanhar as modificações posteriores, mediante emissões de endossos pela seguradora. Quanto aos limites de garantia, eles deverão ser justificados conforme a análise da complexidade técnica e dos riscos envolvidos na contratação, podendo ser: (a) até 10% do valor do contrato, nas licitações cujos valores estimados sejam de até 100 milhões de reais; e (b) até 20% do valor do contrato, nas licitações cujos valores estimados sejam superiores a 100 milhões de reais. Já para as obras e serviços de engenharia de grande vulto (quando o valor estimado for superior a 200 milhões de reais), poderá ser exigida a prestação de garantia na modalidade seguro-garantia com cláusula de retomada a um percentual equivalente a até 30% do valor inicial do contrato.

Fontes de informação

Dados secundários

Na primeira fase da coleta de dados, foi realizada uma pesquisa documental sobre trabalhos a respeito das alterações previstas na Lei de Licitações, bem como a transcrição de áudios contendo os principais debates realizados no Congresso, publicações de órgãos governamentais e não governamentais, seminários e congressos documentados em mídia com especialistas, artigos acadêmicos, dissertações e teses, e reportagens e entrevistas sobre seguro-garantia, publicadas em sites especializados. Foram realizadas consultas à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, à lei n.º 8.666/1993 ao Projeto de Lei do Senado Federal n.º 559/2013 e ao próprio Projeto de Lei n.º 1.292/1995 (1995a).

A partir desta revisão, uma vez evidenciada a participação dos principais atores na definição das regras do seguro, foi gerada uma base de argumentos com o fim de fundamentar um roteiro semiestruturado para as entrevistas e as proposições deste trabalho.

Para a análise dos discursos dos atores-chave que participaram das reuniões da comissão, foram, inicialmente, selecionadas 23 atas das reuniões ocorridas no período de 6 de março de 2018 a 5 de dezembro de 2018. Conforme já mencionado, as atas contêm os depoimentos dos atores, os debates ocorridos entre eles e os dados da colaboração de cada especialista convidado na construção da nova Lei de Licitações. A partir da leitura destas 23 atas, foram selecionadas 12, as quais continham conteúdo mais relevante em relação ao seguro-garantia com cláusula de retomada. A partir de uma leitura atenta destas 12 atas, foram selecionados os discursos de 32 participantes, entre palestrantes convidados e parlamentares da comissão. Foram analisados os seus depoimentos, as notas técnicas apresentadas ao projeto, o material utilizado nas apresentações à comissão e as principais propostas de emendas parlamentares.

Do total de 32 participantes, foram citados nesta pesquisa 22 participantes, conforme apresentado na Tabela 1. Para cada participante, foi informado o cargo, o nome da instituição que representou e o número e a data da reunião da comissão.

Tabela 1
Pesquisa documental - participantes da comissão.

Dados primários

Entre os procedimentos adotados para assegurar a validade interna da pesquisa, foram utilizadas fontes múltiplas de evidência e a consequente triangulação de dados. Para isso, foram realizadas entrevistas com atores de cada segmento do campo, além da análise dos discursos dos atores-chave que participaram das reuniões da comissão do Congresso.

Portanto, além de considerar sua expertise na área específica, buscou-se também selecionar o ator que tivesse participado diretamente no processo de formulação da nova Lei de Licitações nas reuniões da comissão na Câmara dos Deputados. Considerando a totalidade da coleta, destaca-se que os seguintes segmentos foram representados: tribunais de contas, procuradorias, advocacia e consultoria jurídica em seguros, engenharia de infraestrutura e parlamento.

Na Tabela 2, encontram-se elencados os 16 atores entrevistados. Cada ator foi nomeado com uma sigla, de acordo com a área principal em que atua.

Tabela 2
Atores selecionados para a pesquisa.

As siglas indicam um profissional representante de cada ator do campo. O número de anos em que o entrevistado está na atividade foi indicado na coluna ‘tempo’.

Análise dos dados

Com base nas propostas teóricas, pelas quais a definição de regras se dá a partir das condições de inter-relacionamento das lógicas e sua competição a fim de conseguir prescrever as condições do campo, o trabalho buscou identificar a presença das lógicas centrais da sociedade: a lógica pública (ou de Estado), a lógica de mercado, a lógica de família e a lógica profissional. Considerando que as lógicas são constituídas por práticas materiais e elementos culturais, descrevem-se essas características para cada uma das lógicas.

Assim, segundo Friedland e Alford (1991Friedland, R. & Alford, R. (1991). Bringing society back in: Symbols, practices, and institutional contradictions. In W. Powell, P. Dimaggio. The new institutionalism in organizational analysis (pp. 232-263). University of Chicago Press.) e Thornton et al. (2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012) The institutional logics perspective: A new approach to culture, structure, and process. Oxford University Press.), a lógica pública, ou de Estado, que se preocupa com a sustentabilidade e o bem-estar das empresas e dos cidadãos, foi identificada sobretudo na fala dos atores que, de maneira contundente, demonstraram suas preocupações com a finalização ou a retomada de obras paralisadas no país.

A lógica de mercado, que foca o desempenho econômico, presumiu-se presente nas menções sobre endividamento das empresas do setor. A lógica de mercado se presumiu também presente na fala dos atores que defenderam valores de garantia (Friedland & Alford, 1991Friedland, R. & Alford, R. (1991). Bringing society back in: Symbols, practices, and institutional contradictions. In W. Powell, P. Dimaggio. The new institutionalism in organizational analysis (pp. 232-263). University of Chicago Press.; Thornton et al., 2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012) The institutional logics perspective: A new approach to culture, structure, and process. Oxford University Press.).

A lógica de família, que se preocupa com o bem-estar de seus membros, foi buscada nos discursos de atores que defenderam condições para completar as obras, referindo-se às obras envolvendo a construção de hospitais, escolas, creches, esgotamentos sanitários, obras de grande interesse da população. Para esses atores, o seguro-garantia existe para dar salvaguarda ao contribuinte, principalmente, e não para o Estado, que precisa se assegurar de questões que podem, no limite, interromper uma obra (Friedland & Alford, 1991Friedland, R. & Alford, R. (1991). Bringing society back in: Symbols, practices, and institutional contradictions. In W. Powell, P. Dimaggio. The new institutionalism in organizational analysis (pp. 232-263). University of Chicago Press.; Thornton et al., 2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012) The institutional logics perspective: A new approach to culture, structure, and process. Oxford University Press.).

A lógica profissional, cuja ênfase é se voltar às boas práticas em cada área de especialização, também foi aventada. Aqui, seria o caso de atrelar as condições do seguro às atividades de construção propriamente.

RESULTADOS

Dada a complexidade dos fatores envolvidos, e seguindo a narrativa das entrevistas, são apresentados os principais posicionamentos dos atores com participação relevante para a construção da nova Lei de Licitações, o que foi distribuído segundo a discussão a respeito de três temas principais e interligados: a cláusula de retomada, as coberturas do seguro-garantia com cláusula de retomada e o porte das obras que podem ser contratadas com a cláusula de retomada.

Cláusula de retomada

Pode-se dizer que o posicionamento dos entrevistados e da literatura quanto à cláusula de retomada é embasado numa lógica pública, devido à preocupação em entregar as obras planejadas à população, mas com ressalvas robustecidas por elementos de outras lógicas, como o alerta para a previsão de aumento de custos e a devida alocação orçamentária, estes alinhados a uma lógica de mercado, pois trata-se de prevenção adicional às atividades regulares da lógica pública. E, em relação às deficiências de projetos pela Administração Pública, derivadas de preocupação da lógica profissional, todos estes identificados como fatores fundamentais para a definição das regras do seguro-garantia. evidencia-se uma lógica pública, dada a preocupação com a paralisação das obras e a capacidade de seu custeio, que se expressa em paralelo com a lógica de mercado, que visa a ganhar com a obra, e com a lógica familiar, que deseja que as obras sejam concluídas.

Em sua maioria, os atores consideraram a proposta apresentada um avanço significativo, por dar uma garantia de que a obra será concluída e também por propiciar um ambiente de rápida solução em caso de paralisação de obras públicas. Mas, ao mesmo tempo, os atores fizeram diversas ressalvas às regras definidas para o seguro. Citaram prováveis consequências do uso da modalidade do seguro: o aumento de custos nas obras públicas e possível interferência das seguradoras nas futuras contratações. Aqui, evidencia-se mais uma vez a lógica de mercado, preocupada com o aumento dos custos incorridos pelas construtoras com a adoção do seguro-garantia, que se contrapõe à lógica de mercado das seguradoras, que por sua vez compete para agregar o custo do seguro.

… o que vai mudar mais, na verdade, não é nem para a construtora, nem para o poder público. Vai ser para a seguradora, porque a construtora, hoje, contrata até 10% de garantia. Então, essa relação vai aumentar de 10 para 30. Mas daqui para frente, caso ocorra uma paralisação, a seguradora será obrigada a assumir a obra. Ela vai ter de contratar uma outra empresa. (E2)

Foram identificados posicionamentos divergentes quando se trata da implementação da cláusula de retomada no seguro-garantia. Entre o total de 27 apresentados, 23 são a favor da implementação da cláusula de retomada, e quatro atores são contra a implementação. Entretanto, 17 atores, mesmo sendo a favor da implementação, defendem que o seguro-garantia apenas não irá resolver todas as questões que envolvem a paralisação de obras.

Não acredito que o seguro-garantia seja o Santo Graal na resolução dos problemas da persistente solução de continuidade das obras públicas, porquanto a integral solução desse problema demanda a observância, por parte dos gestores públicos, de um plexo de regras e princípios que é reiteradamente desconsiderado, mas que, infelizmente, é também desconhecido ou tratado como de somenos importância pelos agentes dos órgãos de controle, como, por exemplo, o planejamento. (R1)

Também foram vistos os posicionamentos tanto a favor (14) quanto contrários (9) à discricionariedade do agente público. O discurso dos atores contra a discricionariedade explica que a garantia deve ser uma obrigação e não uma faculdade do agente público. Entre outros, os entrevistados de seguradoras apoiaram esse posicionamento na maioria. Os que defendem a discricionariedade explicam a necessidade de que a garantia seja analisada caso a caso e que seja previamente motivada. Foi citada também a dificuldade de que a legislação possa prever todas as situações possíveis. Assim, pode-se dizer que, nessa questão, a lógica pública se alia a elementos da lógica de mercado das construtoras.

Coberturas do seguro-garantia com cláusula de retomada

Em relação a esta questão, qualquer um dos discursos do campo embute elementos da lógica de mercado, uma vez que se está lidando com garantias de retomada de obras e custos de prêmios. Os entendimentos dos atores que geram discordância são função da crença na efetividade da retomada ou da sobrecarga de custos, em função dos percentuais considerados.

Diversos posicionamentos foram manifestados em relação ao percentual de garantia mais adequado para a cláusula de retomada. Atores da indústria da construção civil eram a favor de que os valores praticados na legislação em vigor se mantivessem, pois as causas mais recorrentes de paralisações eram por conta de falhas na própria Administração Pública. Já os atores do mercado de seguros, principalmente, procuraram mostrar que não era possível manter esses percentuais, pois, muitas vezes, não são suficientes sequer para pagar as multas pela rescisão contratual, ou para permitir uma retomada segura da obra. Houve também discursos a favor de uma garantia integral, o que traria maior respaldo à Administração Pública, e os que defenderam que o percentual deveria ser de acordo com os riscos do projeto. Nota-se, portanto, o embate das distintas lógicas de mercado (pressupostos e proposições distintas) em relação à definição dos percentuais de cobertura. Temos as perspectivas de construtoras de diferentes portes, sendo que as menores se preocupam com os custos envolvendo percentuais elevados e os possíveis reflexos na diminuição de competitividade, devido à concentração de mercado pelas empresas com maior capacidade econômico-financeira. As seguradoras, que em sua maioria indicaram o percentual de 30%, argumentam que percentuais baixos podem inviabilizar rescisões e sobretudo a retomada das obras.

Nós precisamos é ter formas de garantia mais efetivas. Não é possível nós continuarmos a contar com garantias de valores irrisórios, de 5% do valor do contrato na sua esmagadora maioria, que são insuficientes para cobrir até mesmo as penalidades definidas no processo administrativo. (S1)

A isso, acresce-se uma perspectiva que toma por base uma lógica de família, em que o mais relevante é a conclusão das obras. O perito (P1) defende que o parâmetro para determinar o uso da cláusula de retomada deveria ser a urgência da demanda da população. Para ele, quanto maior a necessidade da população pela obra pública, menor deverá ser o risco assumido pelo gestor.

Sob a óptica da sociedade, a questão central não reside no menor desembolso pelo benefício, mas nas consequências em não ter sua necessidade atendida (em tempo oportuno e adequado). (P1)

Porte das obras a serem contratadas com cláusula de retomada

A proposta do Projeto de Lei n.º 1.292/1995 (1995a), inciso XXII do art. 6º, inclui um aumento do valor de referência para obras consideradas de grande vulto, aquelas para as quais o seguro-garantia poderá atingir um percentual de até 30% do valor do contrato. A alteração do valor das obras para efeito de seguro privilegiou principalmente as empresas de médio porte da construção civil em detrimento do mercado de seguros, que passa, dessa forma, a contar com um menor número de contratações de seguros-garantia com cláusula de retomada. Para as construtoras, a vantagem se dará por um menor comprometimento de sua capacidade econômico-financeira com o seguro, pois para obras de menor porte, quando a garantia for exigida, serão aplicados menores percentuais (até R$ 100 milhões, até 10%; acima de R$ 100, até 20%; acima de R$ 200, até 30%, podendo ser exigida cláusula de retomada).

Constatou-se um entendimento inequívoco contra a cláusula de retomada, restrita apenas a obras de grande vulto, devido à ocorrência de paralisações em um grande número de obras de pequeno e médio porte em função, entre outras causas, do custo do seguro. Ao mesmo tempo, o posicionamento em favor do aumento do valor de obra de grande vulto não foi unânime. É possível afirmar aqui uma combinação de lógica pública e de mercado, na medida em que há uma preocupação de resultados e sustentabilidade das empresas de menor porte.

Tem muitas obras com valores de até 100 milhões de reais, 150 milhões de reais. Mas obras acima de 200 milhões de reais são em quantidade menor. Eu penso que foi uma forma que se encontrou para acomodar interesses das partes envolvidas, as que representam as entidades de menor porte junto às que representam as entidades de maior porte. (S3)

Texto finalizado do projeto de lei

Com a finalização do processo de debates e a redação do texto da lei, verificou-se que nas regras para o seguro-garantia deu-se a prevalência dos posicionamentos de parlamentares, de representantes da indústria da construção civil e de representantes de órgãos públicos. Para obras de grande vulto, permaneceu definido o valor de 200 milhões de reais, algo principalmente defendido por Arruda. Quanto a manter o seguro-garantia como cláusula facultativa, isso foi defendido por Florence, de forma mais intensa, seguido por Jardim, mas também pela maioria dos representantes de órgãos públicos e de representantes da indústria da construção civil.

A prevalência sobretudo do interesse das construtoras e órgãos da Administração Pública em muitos dos tópicos incluídos no tema do seguro-garantia dá a medida do poder de alguns atores para definir a lógica institucional. Assim, em relação à cláusula de retomada, a lógica pública, a qual prevê equidade licitatória, precisou ser complementada com elementos de outras lógicas, como a atenção ao aumento de custos, à devida alocação orçamentária e às deficiências de projetos pela Administração Pública. A questão da cobertura considerou fatores como construtoras de diferentes portes e sua capacidade econômica, e, por outro lado, a viabilidade de as seguradoras arcarem com retomadas dependendo dos percentuais estabelecidos para as obras.

A Tabela 3 contrasta os diferentes posicionamentos dos atores com o texto finalizado do PL, para a partir daí extrair a lógica que prevaleceu em relação a cada tópico.

Tabela 3
Resultados da pesquisa comparados ao texto proposto para o PL.

DISCUSSÃO

Este trabalho reviu modelos que consideram a multiplicidade de lógicas em um campo organizacional para explicar a mudança institucional, com o propósito de entender como determinados fatores influenciam a definição da lógica que irá orientar este campo. Para isso, o trabalho examinou o caso da discussão do projeto de lei a respeito da definição das regras do seguro-garantia com cláusula de retomada, uma nova modalidade na Lei de Licitações a ser utilizada nas contratações de obras públicas.

Os fatores associados às lógicas são as práticas materiais e os elementos simbólicos que dão significado aos elementos e práticas de um contexto (Thornton et al., 2012Thornton, P. H., Ocasio, W., & Lounsbury, M. (2012) The institutional logics perspective: A new approach to culture, structure, and process. Oxford University Press.). A Tabela 3, acima, contrasta as declarações e a documentação pesquisada com a redação proposta do seguro-garantia no PL das licitações. Os posicionamentos declarados constituem as práticas (derivadas das regras da lei) que os atores gostariam que viessem a vigorar para as questões que definem o seguro-garantia. A partir desses posicionamentos, induzem-se os conflitos de lógicas e aquilo que prevaleceu na redação final do PL, que por sua vez indica qual lógica preponderou e qual ator ou coalizão a defendeu. Os fatores associados às lógicas que determinaram a regulamentação do seguro-garantia, definidos seja de forma negociada, seja por imposição de grupos com poder, tanto elementos culturais (e.g., entendimentos quanto às dificuldades na consecução das obras) quanto materiais (e.g., porte das obras) resultaram da combinação de distintas lógicas.

Greenwood et al. (2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.) destacam a coalizão de atores que se tornam poderosos em determinada questão ou evento dentro do campo, conforme acontece com a coalizão formada pela Administração Pública com as construtoras, a respeito do percentual do seguro. A lógica de mercado amparada pelas construtoras prevaleceu na definição dos percentuais do seguro, sobretudo em relação ao que as seguradoras propuseram. O caso estudado traz uma outra questão em que a Administração Pública tem sucesso em determinar sua discricionariedade para estabelecer o percentual do seguro a cada obra, em que a lógica das construtoras preponderou. Ou seja, daqui se depreende que em um mesmo campo é possível ter-se distintos atores com poder, dependendo da questão em debate. As empresas de construção de maior tamanho exibiram seu poder nas discussões em torno da legislação e, apesar de verem majorado o percentual a ser segurado de uma obra, obtiveram na redação do projeto de lei a possibilidade de negociar o montante, já que este não é taxativo, mas estabelece limites máximos. Por outro lado, sobretudo as empresas seguradoras não veem atendidas suas sugestões de que o montante segurado seja maior. Discursos de representantes do mercado de seguros reforçaram a importância do valor de 30% de garantia que, uma vez aliado ao saldo contratual, proporcionaria a retomada da obra. No entanto, não foram suficientes para determinar o percentual fixo.

Além de indicar que uma coalizão com poder é capaz de definir regras de operação, é preciso explorar a razão para uma coalizão ter se organizado para formatar uma lógica como resultado de elementos oriundos das lógicas valorizadas pelos atores da coalizão. O modelo de Waldorff et al. (2015Waldorff, S. B., Reay, T., & Goodrick, E. (2015) A tale of two countries: How different constellations of logics impact action. In Institutional Logics in Action, PART A (pp. 99-129). Emerald Group Publishing Limited.) busca explicar em que circunstâncias lógicas conseguem coexistir, sugerindo que elementos de cada uma das lógicas são selecionados para compor uma lógica para orientar os significados e ações de determinada questão. A lógica pública que se preocupa em concluir as obras precisa levar em consideração elementos de outras lógicas, como o alerta para o aumento dos custos de materiais.

O modelo de Goodrick e Reay (2011Goodrick, E. & Reay, T. (2011). Constellations of institutional logics: Changes in the professional work of pharmacists. Work and Occupations, 38(3), 404. https://doi.org/10.1177/0730888411406824
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) afirma que o fortalecimento de uma lógica necessariamente resulta no enfraquecimento de outra lógica, no caso de relações conflitantes entre as lógicas. De fato, o caso estudado aponta para o enfraquecimento de uma lógica em determinadas questões. Por exemplo, obras de menor porte contarão com seguro facultativo, sem cláusula de retomada, o que sugere uma combinação da lógica pública com elementos das distintas lógicas de mercado e da família. O caso do projeto de Lei de Licitações mostra uma coalizão de atores que privilegia uma lógica que combina elementos das diferentes lógicas, produzindo o enfraquecimento de outra lógica, aquela defendida pelas seguradoras.

O caso estudado também chama atenção para lógicas de mesma ordem privilegiadas por atores em confronto no campo: as lógicas de mercado opondo construtoras de grande porte e seguradoras, e entre construtoras de pequeno porte e seguradoras. Essas distintas lógicas de mercado confrontam diferentes entendimentos, no que se refere às práticas que levam aos ganhos das empresas, para a regulamentação do seguro-garantia. Destacamos, desse modo, lógicas de mercado que entram em contradição em função de distintos objetivos (Lounsbury & Crumley, 2007Lounsbury, M., & Crumley, E. T. (2007). New practice creation: An Institutional Perspective on Innovation. Organization Studies, 28(7), 993-1012. https://doi.org/10.1177/0170840607078111
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).

Outro tópico ressalta elementos de lógicas que não estão ligados diretamente ao tema da regulamentação do seguro-garantia, mas cuja influência sobre a construção do tema será relevante. Dentre estes, pode-se mencionar, as lógicas relacionadas ao processo de elaboração de orçamento de investimentos e ao desenvolvimento de anteprojetos das obras que, segundo os depoimentos, muitas vezes têm participação na interrupção de obras. Melhor dizendo, as considerações sobre as características de um projeto e as ações que concretizam seu desenvolvimento deverão pesar a possibilidade de precisar incorrer em um custo. O percentual a ser atribuído ao seguro-garantia, por exemplo, está intimamente ligado às práticas das lógicas citadas.

Fenili (2019Fenili, R. (2019, Julho). Gestão pública, a nova lei de licitações e os lugares mais quentes do inferno. O Licitante. https://www.olicitante.com.br/gestao-publica-nova-lei-licitacoes-quentes/#:~:text=%C3%89%20creditado%20a%20John%20F,moral%2C%20mant%C3%AAm%20sua%20neutralidade%E2%80%9D
https://www.olicitante.com.br/gestao-pub...
) explica a difícil tarefa de se construir um diploma legal que estabeleça as regras sobre como o Estado deve despender valores que podem chegar próximos de 10% do PIB. Ele argumenta que, durante este processo, interesses antagônicos são representados: os de pequenas e de grandes empresas, os de controladores e os de controlados, os de empreiteiras e os de seguradoras, etc. Há a necessidade de conciliar as visões desses atores, pois alguns defenderam maior flexibilidade na gestão, e outros, maior controle. Alguns atores se dispõem a privilegiar o fornecimento local, enquanto outros, a ampla competitividade de mercado (Fenili, 2019) ou outra lei para tratar de situações específicas sobre contratações de obras e serviços de engenharia.

Afinal, a investigação indicou que, apesar do discurso da maioria dos atores em favor do seguro-garantia, havia nuances em seu posicionamento, o que acabou por se refletir nas lógicas que orientarão os diferentes tópicos a respeito. Os elementos das lógicas defendidas pelos atores que compuseram o PL incluíram práticas (e.g., alerta para previsão de aumento de custos), valores (e.g., lucrar com as obras; usufruir das obras) e entendimentos (e.g., efetividade da retomada de obra inconclusa).

CONCLUSÃO

O estudo abordou a resolução de conflitos entre múltiplas lógicas institucionais, quando suas prescrições geram contradições sobre como entender a realidade e como agir, em relação às quais os atores precisam decidir qual a configuração mais acertada que define uma lógica prevalecente, apropriada para cada tema ou evento.

O trabalho constatou diferentes abordagens para o tratamento da questão. Os estudos examinados se diferenciam, primeiramente, em relação à questão da coexistência continuada das lógicas (Goodrick & Reay, 2011Goodrick, E. & Reay, T. (2011). Constellations of institutional logics: Changes in the professional work of pharmacists. Work and Occupations, 38(3), 404. https://doi.org/10.1177/0730888411406824
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; Waldorff et al., 2015Waldorff, S. B., Reay, T., & Goodrick, E. (2015) A tale of two countries: How different constellations of logics impact action. In Institutional Logics in Action, PART A (pp. 99-129). Emerald Group Publishing Limited.) ou de um período de coexistência seguido de dominação (Hoffman, 1999Hoffman, A. J. (1999). Institutional evolution and change: Environmentalism and the U.S. chemical industry. Academy of Management Review, 42(4), 351-371. https://www.jstor.org/stable/257008
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). Um segundo ponto relevante destacado é a noção de poder, que permite a um grupo de indivíduos ou organizações fazer prevalecer sua lógica, presente em poucos modelos de lógicas institucionais (Greenwood et al., 2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.).

Foi pesquisado o campo da elaboração do projeto de Lei de Licitações na construção civil, mais especificamente relacionado ao seguro-garantia exigido como salvaguarda para a Administração Pública na consecução de obras civis. Para isso, foram pesquisados, dentre as principais fontes de dados, os debates no Congresso Nacional e entrevistas com executivos representativos dos principais atores do campo. Os resultados demonstraram haver entendimentos e propostas distintas entre os atores no que se refere às questões acerca da cláusula de retomada, das coberturas do seguro-garantia com cláusula de retomada e do porte das obras que podem ser contratadas com a cláusula de retomada.

A experiência empírica mostrou como as diferentes lógicas do campo, ao disputarem entre si a definição da lógica que irá prevalecer por um período no campo, combinam elementos de cada uma, a fim de obter uma configuração que satisfaça aos atores (Waldorff et al., 2015Waldorff, S. B., Reay, T., & Goodrick, E. (2015) A tale of two countries: How different constellations of logics impact action. In Institutional Logics in Action, PART A (pp. 99-129). Emerald Group Publishing Limited.). Ao mesmo tempo, o resultado reafirma a capacidade de imposição de uma coalizão de atores poderosos, que negociaram entre si a lógica prevalente do campo (Greenwood et al., 2011Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E. R., & Lounsbury, M. (2011). Institutional complexity and organizational responses. The Academy of Management Annals, 5(1), 317-371.; Thornton & Ocasio, 1999Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999) Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: Executive succession in the higher education publishing industry, 1958-1990. American Journal of Sociology, 105(3), 801-843. https://www.jstor.org/stable/10.1086/210361
https://www.jstor.org/stable/10.1086/210...
). Estas alianças se dão em torno de temas específicos, dando-lhes o poder para definir a questão. Para cada uma das questões é possível observar coalizões com distintos atores.

O estudo mostrou que em um campo complexo podemos ter várias lógicas de mesma ordem em contradição entre si - no caso, diferentes lógicas de mercado. Finalmente, também transpareceu que lógicas relacionadas a campos distintos são capazes de influenciar os entendimentos, significados e práticas em relação ao campo.

Assim, este trabalho estimula investigações futuras que possam abranger outros aspectos que acrescentem novos elementos à compreensão da nova Lei de Licitações e que possam replicar o estudo em torno dos conflitos entre múltiplas lógicas. Os programas de integridade e a gestão de riscos podem ser exemplos de perspectivas de estudo futuro.

REFERÊNCIAS

  • Alford, R. R., & Friedland, R. (1985). Powers of theory: Capitalism, the state, and democracy. Cambridge University Press.
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  • Classificação JEL:

    H570.
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    Cotrim, Rosana Ramos; Ryngelblum, Arnaldo L., 2022, "Replication Data for: "Regulation of the New Bidding Law: Definition of the Prevailing Institutional Logic in Field" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea", Harvard Dataverse, V1.
    https://doi.org/10.7910/DVN/UOQ3UE
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Editado por

Editor-chefe:

Marcelo de Souza Bispo (Universidade Federal da Paraíba, PPGA, Brasil)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2022
  • Revisado
    15 Set 2022
  • Aceito
    16 Set 2022
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