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Erros ingênuos ou grotescos nas relações interculturais

RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS

Erros ingênuos ou grotescos nas relações interculturais

Antonio Carlos Aidar Sauaia

(FEA/USP)

Blunders in International Business. David A. Ricks. University of Missouri, St. Louis: Editora Blackwell Publishing, 2006. 182 p. Fourth Editon. ISBN-13: 978-1-4051-3492-7. ISBN-10: 1-4051-3492-5.

Cacófatos, gafes, pronúncia incorreta de nomes próprios e de produtos específicos, grafia incorreta e outros enganos podem ser enumerados aos montes nos hábitos de todas as culturas cometidos no cotidiano de cada uma delas por cidadãos nativos e plenamente aculturados ao longo de suas vidas. Quando se examina os enganos cometidos por cidadãos estrangeiros no uso incorreto dos tempos de verbos e nas expressões idiomáticas, nas traduções sujeitas aos falsos cognatos que, por vezes, conduzem a frases sem sentido ou, ainda pior, a frases que têm sentido pejorativo ou oposto ao que pretendia o autor, as falhas são ainda maiores.

Talvez haja certa generosidade na maneira de as pessoas acolherem as falhas em situações informais, mas quando se trata de um negócio que envolva soma importante de recursos, um texto técnico contendo uma proposta ou científico que comunique os achados de pesquisadores em suas pesquisas laboratoriais, as conseqüências dos desvios podem tornar-se intoleráveis.

As culturas espalhadas pelos cinco continentes estabelecem um conjunto de regras dentro das quais os nativos operam para viver ou sobreviver. Por conta disso os estrangeiros que visitam um país a trabalho ou a lazer se denunciam mesmo antes de pronunciarem uma só palavra. Seus hábitos e comportamento, suas roupas e acessórios, seu ritmo e as distâncias físicas guardadas a sua volta sinalizam, de maneira não verbal, mensagens que podem ser nitidamente descodificadas por todos aqueles que estiverem treinados para reconhecê-las.

O texto sob exame apresenta de maneira descritiva uma variedade de situações, destacando que, em algumas culturas, são aceitáveis e usuais, enquanto em outras podem ser ofensivas, devendo ser conhecidas e evitadas. A comunicação entre pessoas e organizações é muito rica em mal-entendidos, dada a fragilidade a que está sujeita, mesmo entre os nativos de uma mesma cultura. Potenciam-se as falhas, quando representantes de duas ou mais culturas interagem. Os nomes das pessoas, das empresas e dos produtos têm aceitação mais fácil, já que caracterizam uma identidade, mas estão sujeitos aos significados dúbios e aos erros de pronúncia desagradáveis para quem os comete e pior para quem diante dele sorri e repete, em vão, a pronúncia correta que raramente será reproduzida com fidelidade. A estrutura organizacional e a hierarquia associada estabelecem premissas distintas nas várias culturas. As relações horizontais, diagonais e verticais caracterizam respeito e submissão em algumas delas e desafiam a criatividade e o intra-empreendedorismo em outras organizações. Homens reportando-se a mulheres é algo impensável em algumas e usual em outras. O tom de voz, as portas fechadas, o olhar direto e os tempos de espera compõem o conjunto de sinais que descrevem cada cultura.

Alguns exemplos citados não contribuem para dar unidade ao texto. Quando discute o tópico Produção, o autor equivoca-se ao citar algumas falhas gerenciais como se fossem decorrentes da interação cultural. Aponta problemas com embalagens inadequadas que revelam negligência gerencial no entendimento dos novos mercados, o que poderia ocorrer em mercados nacionais.

No final a obra oferece um capítulo denominado Lições Aprendidas que, apesar de triviais, podem ser úteis para alertar e mobilizar o leitor em busca de material complementar, em um mundo cada vez mais globalizado. Os erros devem aumentar com o crescimento das interações via Internet, por exemplo. Com o tempo e o conhecimento mútuo das diferenças culturais, os erros podem diminuir. Enquanto os erros são cometidos, novas oportunidades de negócios surgem nesta área do conhecimento de Administração e Negócios, decorrentes de diferenças culturais.

Blunders, segundo o Dictionary of Contemporary English (p. 153) da Longman, admite algumas traduções contextuais. A que melhor se ajusta à proposta do autor seria algo como " erros cometidos por descuido ou estupidez" . Trazido para nossa cultura brasileira, e para destacar as possíveis fontes de erros na interação cultural, fica a proposta de um título provocativo na eventualidade de o texto ser traduzido para o Português: Erros ingênuos ou grotescos nas relações interculturais. O termo internacional não é apropriado, visto que os exemplos não se limitam às relações entre países, mas podem ocorrer no escritório de uma organização internacional, ocupado por profissionais de diferentes culturas. Refere-se, portanto, a todas as conseqüências das interações culturais. O texto, algumas vezes, parece orientado para leigos ou principiantes na área de Administração e Negócios. Limita-se a descrever situações sem explicá-las sob a ótica das inúmeras teorias de Marketing, de Relações Internacionais, de Modelos de Negociação que sinalizam os cuidados na diversidade cultural. Apesar disso, pode ser estimulante sua leitura pois encerra certo humor baseado nas falhas cometidas por pessoas e organizações.

Finalizando, uma cultura é um livro aberto que pode ser estudado e entendido em sua expressão formal. Dificilmente será assimilado em sua expressão essencial, sem que a nova cultura seja vivida in loco. Os erros podem ser simples ou grosseiros e decorrer de ignorância ingênua, cometidos por indivíduos despreparados que se aventuram nos negócios interculturais. Trata-se de uma edição bem simples, sem sofisticação. A estrutura do Sumário (Contents) mostrou-se descuidada na escolha dos títulos, por repetir alguns deles várias vezes (ex: cultural differences, summary).

Mesmo assim a obra agrega uma prontidão que pode ser muito útil aos profissionais interlocutores de diferentes culturas, aos professores e pesquisadores que tratam do tema e, em particular, aos professores de Relações Internacionais, International Business, Negociação e aos administradores de Jogos de Empresas Multinacionais que podem inspirar-se neste texto para criar diversos exercícios e incidentes críticos em seus jogos e simulações educacionais.

A efetiva utilidade do texto foi bem captada na citação de autoria desconhecida (p. 2): " Learn from the mistakes of others. You can't live long enough to make them all yourself" .

Obs: O tema foi tratado em profundidade e amplitude no estudo de Geert Hofstede intitulado Cultural Dimensions in International Business que examinou 60 subsidiárias da IBM espalhadas pelo mundo e os aspectos relevantes de cada cultura local (http://www.geert-hofstede.com/).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Fev 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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