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NEM POLÍTICA, NEM SOCIEDADE: QUESTIONANDO A JUSTIFICATIVA DE POLÍTICAS PÚBLICAS PRÓ-EMPREENDEDORISMO NO CHILE

RESUMO

A literatura sobre a relação entre estado e empreendedorismo mostra que o estado possui um papel positivo na configuração das condições para empreendedorismo e promoção do crescimento econômico por meio da atividade empresarial. No entanto, a questão de como a intervenção estatal é justificada no empreendedorismo em regimes neoliberais tem recebido pouca atenção, apesar de legitimar políticas públicas. No presente estudo, analisando entrevistas com autoridades estatais da Corporação de Desenvolvimento de Comércio e Produção Chilena (CORFO), declarações públicas e documentação oficial, examinamos o advento das políticas pró-empreendedorismo no neoliberal Chile e exploramos os princípios que justificam a política do estado nos governos pós-ditatoriais. Essa política estabelece uma dupla despolitização: i) despojar o empreendimento de filiação política e ii) difundir uma retórica meritocrática imbuída de desenvolvimento social, autorrealização e cega às desigualdades estruturais. Argumentamos que a intervenção no empreendedorismo se justifica como uma política para o bem comum.

PALAVRAS-CHAVE
Empreendedorismo; política pública empresarial liderada pelo Estado; intervenção do Estado; neoliberalismo chileno; análise do discurso

ABSTRACT

Studies show that the state plays a positive role in shaping conditions for entrepreneurship and promoting economic growth through entrepreneurial activity. However, the question of how state intervention in entrepreneurship is justified in neoliberal regimes has received scant attention, although it can legitimize public policies. We examine the entrepreneurial slant of the Production and Commerce Development Corporation of Chile (CORFO), which implements regulations and grants financial support to startups. Analyzing interviews with CORFO’s state officials, public statements, and official documentation, we review the advent of state-led entrepreneurial policy and explore the post-dictatorial government’s principles justifying current state policy. This policy relies on double de-politicization: i) divesting entrepreneurship from political affiliation and ii) propagating a meritocratic rhetoric of social and individual development, oblivious of structural inequalities. We argue that this is functional for this regime as long as it guarantees state intervention in entrepreneurship as a policy of common good.

KEYWORDS
Entrepreneurship; state-led Entrepreneurial public policy; State intervention; Chilean neoliberalism; discourse analysis

RESUMEN

La literatura indica que el estado desempeña un papel positivo en la configuración de las condiciones para el emprendimiento y la promoción del crecimiento económico a través de la actividad empresarial. Sin embargo, la cuestión de cómo es justificada la intervención estatal en el emprendimiento en los regímenes neoliberales ha recibido poca atención, a pesar de que legitima las políticas públicas. En el presente estudio, analizando entrevistas con funcionarios estatales de la Corporación de desarrollo de la producción y el comercio de Chile (CORFO), declaraciones públicas y documentación oficial, examinamos el advenimiento de las políticas pro-emprendimiento en el Chile neoliberal, y exploramos laos principios que justifican la política estatal en los gobiernos post-dictatoriales. Dicha política establece una doble despolitización: i) despojando al emprendimiento de afiliación política y ii) propagando una retórica meritocrática imbuida de desarrollo social y autorrealización y cegada hacia las inequidades estructurales. Argumentamos que así la intervención estatal en el emprendimiento se justifica como una política para el bien común.

PALABRAS CLAVE
Emprendimiento; polítioca pública pro-emprendimiento; intervención estatal; neoliberalismo chileno; analisis del discurso

INTRODUÇÃO

Várias pessoas estão envolvidas com empreendedorismo em todo o mundo, com aproximadamente 400 milhões de pessoas participando ativamente da implementação ou criação de um novo negócio (Monitor, 2018Monitor, G. E. (2018). Global Report 2017/18. London, UK: Global Entrepreneurship Research Association (GERA).). No Chile, esse frenesi empreendedor é alimentado não apenas pelas empresas que participam, mas também pelo Estado. O empreendedorismo tornou-se prioridade máxima nas políticas públicas de diversas áreas, desde a nova inovação econômica até a educação de crianças e adolescentes. Em 2013, 0,24% do orçamento anual de investimentos públicos do Chile foi gasto na promoção do empreendedorismo (Ministerio de Hacienda, 2012Ministerio de Hacienda. 2012. Ley de Presupuestos del Sector Público año 2012. Ley 20.557 publicada en el diario oficial del 15 de diciembre de 20111. Andros Impresores: Santiago.). Nas sociedades capitalistas contemporâneas, a fronteira entre os setores público e privado é sempre nebulosa (Duvall & Freeman, 1981Duvall, R. D., & Freeman, J. R. (1981). The state and dependent capitalism. International Studies Quarterly,25(1), 99-118. doi: 10.2307/2600212
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), na medida em que o setor público está envolvido em todos os processos de consumo e produção. No contexto do empreendedorismo, Adelman (2000) sustentou que o governo pode agir como pioneiro quando não há iniciativa privada ou que pode, ao menos, propiciar condições financeiras e outras condições estruturais para promoção da ação do setor privado, principalmente no âmbito do empreendedorismo. De fato, vários pesquisadores de políticas de empreendedorismo confirmaram os benefícios da intervenção estatal na atividade empreendedora (Lundstrom & Stevenson, 2005Lundstrom, A., & Stevenson, L. A. (2005). Entrepreneurship policy: Theory and practice. Boston, USA: Springer.) como meio de aumentar o crescimento de emprego (Birch, 1979Birch, D. L. (1979). The job generation process. Unpublished report prepared by the MIT Program on Neighborhood and Regional Change., 1981Birch, D. A. (1981). Who creates jobs? The Public Interest, 65, 3-14.) e competitividade nacional (Amorós, Fernández, & Tapia, 2012Amorós, J. E., Fernández, C., & Tapia, J. (2012). Quantifying the relationship between entrepreneurship and competitiveness development stages in Latin America. International Entrepreneurship and Management Journal, 8(3), 249-270. doi: 10.1007/s11365-010-0165-9
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).

No Chile, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico estudou os efeitos das atividades empreendedoras na produtividade e no crescimento nacional, apoiando a redução da “papelada” regulatória e a simplificação dos procedimentos de falência (Schwellnus, 2010Schwellnus, C. (2010). Chile: Boosting productivity growth by strengthening competition, entrepreneurship and innovation [Working Paper N° 785]. OECD.). Outro estudo quantitativo mediu mudanças no “ecossistema empreendedor” como efeito das políticas (Mandakovic, Cohen, & Amorós, 2015Mandakovic, V., Cohen, B., & Amorós, J. E. (2015). Entrepreneurship policy and its impact on the cultural legitimacy for entrepreneurship in a developing country context. In Marta Peris-Ortiz, José M. Merigó-Lindahl (Eds.), Entrepreneurship, Regional Development and Culture(pp. 109-125). Springer. doi: 10.1007/978-3-319-15111-3_7
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) examinando o caso da Corporação de Desenvolvimento da Produção e Comércio (Corporación de Fomento de la Producción y el Comercio - CORFO) - Programa Start-Up Chile, o principal programa empreendedor do país. Nesse estudo, os autores concluíram que “as políticas públicas podem desempenhar um papel significativo estabelecendo condições institucionais e regulatórias adequadas para apoiar o empreendedorismo, especialmente em países em desenvolvimento” (p. 122). Ao discutir o caso do Chile, Kantis (2004)Kantis, H. (2004). Nacimiento y desarrollo de empresas dinámicas en América Latina”, desarrollo emprendedor: América Latina y la experiencia internacional. Washington, USA: Banco Interamericano de Desarrollo (BID). sustentou que os empresários chilenos exploram a diferenciação de mercado mais do que outros países da América Latina, em vez de abraçar a inovação. Assim, o dinamismo e o crescimento potencial de base tecnológica não são bem desenvolvidos nas atividades empreendedoras no Chile e exigem mais apoio do Estado (ver também Benavente, 2003Benavente, J. (2003). Informe sobre el proceso emprendedor en Chile. Washington, USA: Banco Interamericano de Desarrollo.). Além disso, pesquisadores que partem do ponto de vista da economia do desenvolvimento, como Naudé (2011)Naudé, W. (2011). Is pro-active government support needed for entrepreneurship in developing countries. In W. Naudé (Ed.), Entrepreneurship and economic development (pp. 233-253). London, UK: Palgrave Macmillan. doi: 10.1057/9780230295
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, enfatizaram que menos barreiras e restrições para criação de startups são uma condição mínima para o desenvolvimento do setor privado.

Nesse contexto, Naudé explica que é necessário estimular proativamente o empreendedorismo por oportunidade. O empreendedorismo por oportunidade é medido pela porcentagem de adultos em atividades empreendedoras de primeiro nível que estão explorando oportunidades de negócios. O empreendedorismo por oportunidade é um determinante significativo do crescimento econômico e é constituído por atividades que se desdobram em um empreendedorismo dinâmico, levando à criação de empresas inovadoras e a um estado de desenvolvimento (Lazonick, 2011Lazonick, W. (2011). Entrepreneurship and the developmental state. In W. Naudé (Ed.), Entrepreneurship and economic development(pp. 254-270). London, UK: Palgrave Macmillan.).

Por outro lado, uma visão contrastante levantada por outros pesquisadores é que essas abordagens de desenvolvimento econômico podem servir como justificativa para uma política pública em que o Estado atua ativamente para promover o empreendedorismo. O objetivo dessa literatura crítica sobre empreendedorismo é mostrar como ele está incorporado no discurso político sobre ideologias de mercado e como as atividades empreendedoras comandam a máquina econômica. Weiskopf e Steyaert (2009)Weiskopf, R., & Steyaert, C. (2009). Metamorphoses in entrepreneurship studies: Towards an affirmative politics of entrepreneuring. In D. Hjorth, & C. Steyaert (Eds.), The politics and aesthetics of entrepreneurship (pp. 183-201). Cheltenham, UK: Edward Elgar., por exemplo, chamaram a atenção para conceitos disseminados por meio do discurso empreendedor, como o de empreendedor forte, o qual pressupõe uma elaboração de políticas otimistas, com base na tradição neopositivista e fundamentada no discurso do sucesso econômico neoliberal. Tais conceitos parecem representar "a santa Trindade do empreendedor". Perren e Jenings (2005)Perren, L., & Jennings, P. L. (2005). Government discourses on entrepreneurship: Issues of legitimization, subjugation, and power. Entrepreneurship Theory and Practice,29(2), 173-184. doi: 10.1111/j.1540-6520.2005.00075.x
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, por sua vez, avaliaram criticamente a agenda do Estado envolvida no apoio a empreendedores no seu estudo sobre o discurso empreendedor do governo do Reino Unido. Nesse estudo, diversos atores - agências, bancos, consultores e empresários, entre outros - fornecem evidências do potencial de um “discurso colonizador de subjugação” (p. 181), em que os empresários se tornam um “dente da engrenagem” em um modelo capitalista neoliberal.

Nesse ponto, como sustentou Foucault (2008)Foucault M., (2008). The birth of biopolitics: Lectures at the Collége de France 1978-1979. London, UK: Palgrave Macmillan., é importante distinguir entre a promoção de uma cultura empreendedora dentro de um sistema econômico e a hegemonia cultural do empreendedorismo como um projeto social. Enquanto a pesquisa tradicional sobre empreendedorismo (Casson, 1990Casson, M. (1990). Entrepreneurship. international library of critical writings in economics. London, UK: Edward Elgar Publishing Ltd.; Kirzner, 1973Kirzner, I. M. (1973). Competition and entrepreneurship. New York, USA: The University of Chicago Press.), assim como Schumpeter (2014)Schumpeter, J. A. (2014).Capitalism, socialism and democracy(2nd ed.). Floyd, USA: Impact Books. (Publicado originalmente em 1942), Sombart (1913)Sombart, W. (1913).Die deutsche Volkswirtschaft im neunzehnten Jahrhundert. Berlin, Germany: Georg Bondi. e Weber (1975)Weber, M. (1975). La ética protestante y el espíritu del capitalismo. Barcelona, España: Ediciones Península. (Publicado originalmente em 1905), entende a justificativa do empreendedorismo no sistema econômico de produção em termos de promoção de “inovações”, “destruição criativa” e “abertura de novos mercados ”, Marttila (2018)Marttila, T. (2018). Neoliberalism, Knowledge-Based Economy and Metaphorization of the Entrepreneur to the Subject of Creativity. In Damien Cahill, Melinda Cooper, Martijn Konings and David Primrose (Eds.)The Sage Handbook of Neoliberalism (Chp. 42). London, UK: Sage sugere que a legitimidade do empreendedorismo como projeto social envolve a dissolução da distinção entre racionalidades econômicas e não econômicas da ação social. Segundo Marttila (2018)Marttila, T. (2018). Neoliberalism, Knowledge-Based Economy and Metaphorization of the Entrepreneur to the Subject of Creativity. In Damien Cahill, Melinda Cooper, Martijn Konings and David Primrose (Eds.)The Sage Handbook of Neoliberalism (Chp. 42). London, UK: Sage, a falta de clareza nessa distinção envolve dois fatores; um é a "desdiferenciação", onde a cultura da empresa “é dissociada de sua conotação econômica anterior"; e o outro é a “universalização”, onde a cultura empreendedora “é aplicada a uma série de objetos de referência sem precedentes, como pessoas físicas, setor público, escolas, estados, universidades, vida profissional e similares” (pp. 4-5).

O presente artigo endossa a linha de pensamento de Marttila (2018)Marttila, T. (2018). Neoliberalism, Knowledge-Based Economy and Metaphorization of the Entrepreneur to the Subject of Creativity. In Damien Cahill, Melinda Cooper, Martijn Konings and David Primrose (Eds.)The Sage Handbook of Neoliberalism (Chp. 42). London, UK: Sage. Fazemos isso examinando a tendência empreendedora da política estatal no Chile neoliberal nos últimos 25 anos. Apesar da posição crítica que o Estado pode assumir no desenvolvimento do empreendedorismo que vai além do sistema econômico, a justificativa histórica e discursiva do Chile para sua política de empreendedorismo recebeu pouca atenção acadêmica. Investigamos isso por meio de um estudo de caso da principal agência estatal do Chile na promoção da atividade econômica, a CORFO. Em sequência à implementação de um modelo intervencionista estatal, essa agência estatal foi fundada em 1939, no contexto da Grande Depressão da década de 1930 e do grande terremoto que devastou o sul do Chile naquele ano. Ao estimular a industrialização nacional e um papel ativo do Estado, a CORFO surgiu para “promover uma sociedade com mais e melhores oportunidades para todos e contribuir para o desenvolvimento econômico do país” (CORFO, 2014bCorporación de Fomento de la Producción. (2014b). Fundamentos administrativos para la operación de incubadoras. Santiago, Chile: CORFO., p. 1). No entanto, no Chile pós-ditatorial (1990-2010), e após as reformas neoliberais implementadas nas décadas de 1970 e 1980 pela ditadura militar, aCORFO passou a ser uma agência para a promoção de oportunidades e empreendedorismo dinâmico (Audretsch, Kuratko, & Link, 2016Audretsch, D. B., Kuratko, D. F., & Link, A. N. (2016). Dynamic entrepreneurship and technology-based innovation.Journal of Evolutionary Economics, 26(3), 603-620. doi: 10.1007/s00191-016-0458-4
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; Sengupta, 2014Sengupta, H. (2014). Recasting India: How Entrepreneurship is Revolutionizing the World's Largest Democracy. Nova York, EUA: St. Martin's Press.), ou seja, aquelas iniciativas que exploram oportunidades de negócios - em oposição às motivadas por necessidade e ao empreendedorismo “descalço” (Imas, Wilson, & Weston, 2012Imas, J. M., Wilson, N., & Weston, A. (2012). Barefoot entrepreneurs.Organization, 19(5), 563-585. doi: 10.1177/1350508412459996
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; Naudé, 2011Naudé, W. (2011). Is pro-active government support needed for entrepreneurship in developing countries. In W. Naudé (Ed.), Entrepreneurship and economic development (pp. 233-253). London, UK: Palgrave Macmillan. doi: 10.1057/9780230295
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). Assim, entendemos que, no Chile, a Corfo representa o principal ator desencadeador do que Mazzucatto (2011)Mazzucato, M. (2011). The entrepreneurial state.Soundings, 49(49), 131-142. doi: 10.3898/136266211798411183
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chama de “estado empreendedor”.

Abordamos este estudo de caso por meio da investigação de um repertório de justificativas no centro da institucionalização das políticas de empreendedorismo estatais no Chile neoliberal. Seguindo os pensamentos de Weber (1975)Weber, M. (1975). La ética protestante y el espíritu del capitalismo. Barcelona, España: Ediciones Península. (Publicado originalmente em 1905) e Boltanski e Chiapello (1999)Boltanski, L., & Chiapello, E. (1999). El nuevo espíritu del capitalismo. Madrid, España: Akal., entendemos a justificativa da atividade econômica como intimamente associada à autoperpetuação do capitalismo na atual era neoliberal. Além disso, sugerimos que a análise da disseminação de ideias em torno do bem comum precisa considerar os processos históricos que sustentam mudanças no âmbito social de uma determinada sociedade; a saber, como a história afeta a maneira como falamos nas interações sociais e, particularmente, o papel central do discurso empreendedor estatal no estabelecimento da cultura empreendedora. Nossa análise diacrônica do repertório de justificativas da CORFO fornece evidências de uma dupla despolitização da sociedade chilena, com base no processo de “desdiferenciação" e universalização da cultura empreendedora como forma geral de ação. Primeiramente, demonstramos como, em um estágio seminal, a CORFO desenvolveu um rótulo ideológico explícito para o empreendedorismo, colocando-o como uma estratégia de terceira via para promover a iniciativa privada. Tal movimento representou um gesto político crítico em uma sociedade que permanecia profundamente dividida logo após ter passado por uma ditadura militar que durou 17 anos. Em seguida, passamos para uma segunda fase, quando a CORFO incutiu no empreendedorismo os valores de interesses individuais, tecnocracia, otimismo e outros intimamente relacionados ao modelo neoliberal implementado durante os anos da ditadura, justificando o empreendedorismo com uma infinidade de argumentos - indo desde taxas de emprego à dignidade humana; de inovação e criatividade à realização e emancipação do eu. Argumentamos que essa manobra retórica ajuda a ocultar a acumulação e a exploração capitalista em uma sociedade altamente desigual, ao mesmo tempo que vincula ações sociais econômicas e não econômicas à racionalidade empreendedora. Em outras palavras, a institucionalização da política pública de empreendedorismo estatal se assenta em duas operações altamente ideológicas de “desdiferenciação”: uma pela qual o empreendedorismo é despojado de afiliação política, e outra que se baseia em ignorar as desigualdades sociais exorbitantes da sociedade chilena. Essas operações abrem caminho à universalização da cultura empreendedora por meio de um discurso meritocrático, no qual o empreendedorismo é disseminado como uma panaceia para todos. Argumentamos que esses processos permitem ao Estado tratar a atividade empreendedora como uma questão de bem comum.

A estrutura restante do artigo começa com um quadro conceitual, seguida pela descrição do estudo de caso e do conjunto de dados que examinamos. A seguir, apresentamos uma breve narrativa histórica a respeito da mudança neoliberal no Chile como um prelúdio para a seção em que analisamos o crescente repertório de valores da CORFO embutidos na atividade empreendedora ao longo dos anos. Em seguida, discutimos essas descobertas para argumentar que a justificativa do empreendedorismo pelo Estado vai além dos objetivos econômicos e se baseia em uma dupla despolitização da sociedade, o que é útil para a autoperpetuação do regime neoliberal no Chile. Finalmente, na conclusão, mostramos que a justificativa do empreendedorismo pelo Estado nos leva a uma melhor compreensão de suas políticas, não somente como instrumentos que estimulam as atividades empreendedoras, mas também como uma visão que molda a sociedade chilena. Nessa sociedade, o empreendedorismo é despolitizado da ideologia histórica da direita e da esquerda e é culturalmente “desdiferenciado”, levando à incorporação de qualquer valor à sociedade do empreendedorismo.

JUSTIFICANDO O EMPREENDEDORISMO

O pensamento social clássico (Weber, 1975Weber, M. (1975). La ética protestante y el espíritu del capitalismo. Barcelona, España: Ediciones Península. (Publicado originalmente em 1905)) e contemporâneo (Boltanski & Chiapello, 1999Boltanski, L., & Chiapello, E. (1999). El nuevo espíritu del capitalismo. Madrid, España: Akal.) concebe a promoção da atividade econômica como um esforço que não se baseia exclusivamente na acumulação de capital, mas também na adesão a valores gerais que apresentam o capitalismo como uma ordem aceitável e desejável. Justificar uma política pró-empreendedora implica estar equipado com um repertório moral que pode ser aplicado a atividades concretas (Boltanski & Thèvenot, 2006Boltanski, L., & Thèvenot, L. (2006). On justification: The economies of worth. Princeton, USA: Princeton University Press.). Young (2004)Young, A. (2004). The minds of marginalized black men: Making sense of mobility, opportunity, and future life chances. Princeton, USA: Princeton University Press., Harding (2007)Harding, D. (2007). Cultural context, sexual behavior, and romantic relationships in disadvantaged neighborhoods. American Sociological Review, 72(3), 341-364. doi: 10.1177/000312240707200302
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, Lamont (1994)Lamont, M. (1994). Money, morals and manners: The culture of the French and American upper-middle class. Chicago, USA: The University of Chicago Press., Lamont e Small (2008)Lamont, M., & Small, M. (2008). How culture matters: Enriching our understanding of poverty. In D. Harris, & A. Lin (Eds.), The colors of poverty: Why racial disparities persist (pp. 76-102). New York, USA: Russell Sage Foundation., Colonomos (2005)Colonomos, A. (2005). The morality of belief in the profits of virtue. International Social Science Journal, 57(185), 457-467. doi: 10.1111/j.1468-2451.2005.00563.x
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e Finnemore e Sikkink (1998)Finnemore, M., & Sikkink, K. (1998). International norm dynamics and political change. International Organization, 52(4), 887-917. doi: 10.2307/2600212
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, entre outros, expandiram essa visão da moralidade, definindo-a como um “conjunto de ferramentas culturais” (Swidler, 1986Swidler, A. (1986). Culture in action: Symbols and strategies. American Sociological Review, 51, 273-286.) usado, por exemplo, para produzir fronteiras entre grupos sociais; a chamada “moralização do capitalismo” (Colonomos, 2005Colonomos, A. (2005). The morality of belief in the profits of virtue. International Social Science Journal, 57(185), 457-467. doi: 10.1111/j.1468-2451.2005.00563.x
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). Nesse sentido, pressupomos que o Estado, por meio de suas políticas públicas, possa buscar a intervenção cultural, promovendo um discurso sobre o valor do empreendedorismo com uma pretensão da verdade. Nesse sentido, os argumentos do Estado não apenas “devem levar em consideração seu contexto”, mas também “devem ser específicos e relevantes” (Keith & Rehg, 2007Keith, William & Rehg, William. (2007). Argumentation in Science and Technology Studies. In O. Amsterdamska, E. Hackett, M. Lynch and J. Wajcman (Eds.), The Science Studies Handbook (pp. 211-239). Massachusetts, EUA: MIT Press, p. 215); isto é, plausíveis, viáveis e aceitáveis para a situação em que são usados.

No entanto, ideias sobre o bem comum não surgem do nada. Surgem de processos históricos que propiciam mudanças na esfera social onde as pessoas vivem e se envolvem em relações sociais e econômicas. Trabalhando a partir de diferentes pontos de vista, Foucault (2008)Foucault M., (2008). The birth of biopolitics: Lectures at the Collége de France 1978-1979. London, UK: Palgrave Macmillan., McNay (2009)McNay, L. 2009. Self as Enterprise. Dilemmas of Control and Resistance in Foucault’s The Birth of Biopolitics. Theory, Culture & Society 26(6): 55-77. doi: 10.1177/0263276409347697
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e Bröckling (2015)Bröckling, U. (2015). El self emprendedor: Sociología de una forma de subjetivación. Santiago, Chile: Ediciones Universidad Alberto Hurtado. demonstraram que uma retórica discursiva consistente com a moralidade e a política do neoliberalismo permeia a economia social de mercado. Da mesma forma, precisamos considerar que o discurso do Estado tem raízes históricas. Como Goodwin (2018)Goodwin, C. (2018).Co-operative action. Boston, USA: Cambridge University Press. indicou, o histórico de qualquer atividade está intrinsecamente relacionado à forma em que a comunicação ocorre. Portanto, a história não é externa à promulgação de políticas públicas; está viva nas interações associadas e, no nosso caso, em como os atores usam dispositivos diferentes para implementar políticas de empreendedorismo. Além disso, de acordo com estudos recentes, entendemos que as políticas do Estado e os discursos que os comunicam e divulgam não são meramente instrumentos que promovem a atividade empreendedora. Esses discursos que justificam políticas públicas de empreendedorismo são avenidas que enquadram e constroem os próprios fenômenos que estão abordando, como Örge (2013)Örge, Ö. (2013). Entrepreneurship policy as discourse: Appropriation of entrepreneurial agency. In F. Welter, R. Blackburn, E. Ljunggren, & B. W. Amo (Eds.), Entrepreneurial business and society (pp. 37-57). Cheltenham, UK: Edward Elgard. demonstrou por meio de um estudo da política de empreendedorismo do governo turco. Seguindo essa linha de pensamento, nos inspiramos no tratamento do discurso de Foucault, que se concentra no que a fala faz ou no que o discurso institui (Holstein & Gubrium, 2013Holstein, James and Gubrium, Jaber. 2013. Práctica Interpretativa y Acción Social. In Norman Denzin and Ivonna Lincoln (eds). Manual de Investigación Cualitativa Vol III (pp. 228-269). Barcelona, Espanha: Gedisa.). Também entendemos o discurso como um processo ativo de composição (Brown, 2001Brown, S. D. (2001). Psychology and the art of living. Theory & Psychology,11(2), 171-192. doi: 10.1177/0959354301112002
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, p. 180), organização, designação e aceitação de uma determinada entidade.

ESTUDO DE CASO

Nossa análise aqui é baseada em um projeto de pesquisa liderado por um dos autores. O objetivo do projeto era investigar como o empreendedorismo era praticado em um espectro socioeconômico - indo de credores solidários de microcrédito a empreendedores de alta tecnologia. Além disso, o projeto estudou as fases do desenvolvimento empreendedor; a inicialização, a distribuição e o gerenciamento contínuo dos negócios.

O projeto teve duas fases. A primeira envolveu uma exploração e descrição geral do sistema empreendedor, com o objetivo de identificar os atores, programas e políticas no Chile que promovem o empreendedorismo. Para isso, foram observados eventos de empreendedorismo públicos, e 24 atores diferentes foram entrevistados (alguns apenas uma vez e outros, duas ou três), incluindo profissionais de órgãos públicos e privados, empresários, mentores, investidores e coaches. A segunda fase, baseada em técnicas etnográficas (observações de campo, entrevistas, classificação e análise de documentos, revisão de páginas da web etc.), consistiu em uma investigação aprofundada de atividades empreendedoras concretas. Dez empreendimentos encontrados ou indicados por terceiros durante a pesquisa realizada em Santiago foram selecionados para traçar pontos em comum e diferenças na maneira como o empreendedorismo seria praticado nos três cenários principais identificados na fase anterior. Os cenários, definidos pelo público (ministérios, políticas públicas, fundos públicos) e atores privados (incubadoras, programas de treinamento, iniciativas intraorganizacionais), foram: i) trabalho autônomo para os pobres inativos; ii) pequenas empresas para trabalhadores técnicos, geralmente da classe média e iii) projetos de alta tecnologia, inovadores e escaláveis, geralmente liderados por profissionais da classe média alta. Os casos foram: quatro startups em diferentes estágios de desenvolvimento, para abranger a trajetória completa de um empreendimento em menos tempo, quatro organizações que trabalhavam diariamente com empreendedores (um centro de inovação, uma incubadora de empresas, um centro de promoção do empreendedorismo científico e uma instituição de microcrédito), a criação da associação comercial de empreendedores do Chile e o desenvolvimento e transformação das políticas públicas de empreendedorismo desde 1990. No total, o projeto realizou 66 entrevistas, 85 sessões de observação de campo e reuniu documentação de 25 organizações.

Este artigo baseia-se em dados de pesquisas sobre o desenvolvimento e transformação de políticas públicas de empreendedorismo. Especificamente, exploramos o discurso dos atores que promulgaram políticas de empreendedorismo estatais no Chile. Para isso, analisamos entrevistas e documentos relacionados à CORFO. O conjunto de dados foi composto por i) 59 documentos pertencentes aos programas de empreendedorismo da CORFO, ii) anotações e transcrições de um curso introdutório dois dias sobre os programas públicos da CORFO de um de seus funcionários e iii) entrevistas com três ex-vice-presidentes executivos da CORFO (entre 1997 e 2012), dois gerentes assistentes da CORFO e dois funcionários de nível intermediário da CORFO. Para complementar essas entrevistas, também analisamos discursos proferidos por funcionários públicos, como o Ministro da Economia na época. O conteúdo analisado incluiu justificativas para o empreendedorismo, espontâneas ou em resposta às nossas perguntas. Para analisar o discurso, aderimos às diretrizes gerais desenvolvidas pela Escola de Loughborough (Antaki, Billig, Wetherell, Edwards, & Potter, 2003Antaki, Ch., M. Billig, M. Wetherell, D. Edwards, & J. Potter. (2003). Discourse analysis means doing analysis: A critique of six analytic shortcomings. Discourse Analysis Online, 1. Retrieved from https://dspace.lboro.ac.uk/2134/633
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; Potter & Wetherell, 1987Potter, J., & Wetherell, M. (1987). Discourse and social psychology: Beyond attitudes and behaviour. London, UK: Sage.), que segue, entre outros, Michel Foucault e o pensamento pós-estruturalista. Nos concentramos particularmente nas dimensões retóricas do discurso empreendedor - isto é, na capacidade do texto de atingir seus objetivos (por exemplo, persuadir e obter legitimidade). Assim, a análise discursiva baseia-se principalmente em uma compreensão sutil e contextual do texto nesse contexto. A seguir, oferecemos uma breve revisão da história econômica chilena nas décadas de 1970 e 1980, como uma maneira de aprofundar a análise das justificativas dos formuladores de políticas da CORFO.

O ADVENTO DO NEOLIBERALISMO E DO EMPREENDEDORISMO

Imas (2010)Imas, J. M. (2010). Dirty management': The legacy of Chile and Argentina. In A. Guedes, & A. Faria (Eds.), International Management and International Relations a Critical Perspective from Latin America (pp. 185-200). London, UK: Routledge. explicou de modo convincente que a história recente do Chile representa uma construção "ideal" de uma sociedade sob os princípios do neoliberalismo. Esse neoliberalismo foi implementado durante a sangrenta ditadura militar liderada pelo general Augusto Pinochet (1973-1990). Como argumentou a historiadora chilena Verónica Valdivia Ortiz de Zárate (2010)Zárate, V. V. O. de. (2010). ¡Estamos en guerra, señores!: El régimen militar de Pinochet y el "pueblo", 1973-1980.Historia (Santiago), 43(1), 163-201. doi: 10.4067/S0717-71942010000100005
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, o desafio político durante a ditadura não foi apenas aniquilar a esquerda institucionalizada e desmobilizar a sociedade, mas também desmantelar a cultura política enraizada no país ao longo do século XX. Essa cultura política se baseava na hegemonia dos partidos políticos no Estado como defensores das demandas dos cidadãos e em um sistema de garantias constitucionais baseadas nas liberdades políticas e sociais. A ditadura substituiu os princípios de coletividade e solidariedade pelos de interesse individual; reduziu os poderes estatais e introduziu abordagens tecnocráticas nas decisões políticas (Imas, 2005Imas, J. M. (2005). Rational darkness: Voicing the unheard in the modern management discourse of Chile.Administrative Theory & Praxis, 27(1), 111-133. doi: 10.1080/10841806.2005.11029473
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).

Consequentemente, a Junta desmantelou a cultura política chilena e transferiu a regulamentação social para as pessoas e o mercado. De fato, a "lavagem cerebral" neoliberal envolveu não apenas a economia, mas a sociedade como um todo (Imas, 2005Imas, J. M. (2005). Rational darkness: Voicing the unheard in the modern management discourse of Chile.Administrative Theory & Praxis, 27(1), 111-133. doi: 10.1080/10841806.2005.11029473
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). Juan Andrés Fontaine (1993)Fontaine, J. A. (1993). Transición económica y política en Chile: 1970-1990.Estudios Públicos, 50, 229-279., economista treinado na Escola de Chicago na ideologia política de livre mercado e monetarismo, explicou que uma parte vital do projeto neoliberal do Chile era reverter radicalmente o regime intervencionista e remover quase todas as políticas redistributivas da economia chilena. Embora a nova junta militar tenha logo começado a suprimir o controle de preços e regulamentações para reformar o sistema tributário e devolver empresas nacionalizadas a mãos privadas, a transição para uma economia de livre mercado começou quando o Ministro das Finanças, Jorge Cauas, anunciou seu draconiano “Plano de Reconstrução Econômica”, em 1975. Esse plano envolvia políticas econômicas e reformas sociais garantidas com alterações legais aprovadas por comissões ad hoc nomeadas pela ditadura. Desde a década de 1990, o empreendedorismo patrocinado pelo Estado e suas políticas relacionadas renovaram o compromisso com o regime neoliberal no Chile. No entanto, políticas que abrangiam intervenções que promoviam atividades empreendedoras não mudaram o tipo fundamental de capitalismo implementado nas décadas de 1970 e 1980 no Chile. Esse fenômeno, em que as coisas mudam, mas ao mesmo tempo permanecem as mesmas, exige uma análise cuidadosa das estratégias de discurso. Na próxima seção, apresentamos essa manobra discursiva com base em nossa análise diacrônica de documentos de políticas estatais e entrevistas com funcionários da CORFO.

Renovando o compromisso com a acumulação capitalista no neoliberalismo

Uma sociogênese do empreendedorismo como política estatal

Para que uma atividade surja, ela deve gerar interesse. Dentro do chamado "sistema de empreendedorismo" chileno, vários marcos estimularam o interesse. Na década de 1990, a CORFO marcou o primeiro desses marcos quando mudou sua política para "o cuidado e a promoção da empresa privada" (ex-vice-presidente executivo da CORFO, comunicação pessoal, 28 de abril de 2012). O avanço do empreendedorismo e da inovação, visando aumentar a produtividade econômica, foi o meio encontrado para atingir esse fim. Primeiramente pelo Ministério da Economia e pela CORFO, e depois pelo Fundo de Solidariedade e Investimento Social (Fosis), sob o comando do Ministério do Desenvolvimento Social.

No início dos anos 1990, um governo democrático foi restabelecido após 17 anos de ditadura militar, e um profundo conjunto neoliberal de reformas foi implementado. Um grupo de profissionais de centro-esquerda, composto principalmente por economistas, advogados e engenheiros, entrou na administração política. Vários deles já haviam passado um tempo exilados na Europa e testemunharam a renovação do pensamento político da esquerda. Eles voltaram ao Chile inspirados e dispostos a deixar de ver o empreendedor através das lentes do conflito de classes marxista e adotar a visão schumpeteriana do empreendedor como inovador (ex-vice-presidente da CORFO, comunicação pessoal, 7 de maio de 2012). O argumento apresentado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950) era que a dinâmica do capitalismo depende da capacidade de inovar e que essas inovações são geradas por empreendedores, ou "espíritos selvagens" que desafiam o establishment. Um dos ex-vice-presidentes da CORFO explicou isso em uma entrevista.

O conceito moderno de empreendedor é uma maneira ideológica de recuperar a ideia do empresário privado como motor do desenvolvimento sem a carga que a ideia de acumulação capitalista tinha [...] Primeiramente, fomos para um caminho: socialismo. Depois, fomos para o outro caminho: neoliberalismo. E aí as pessoas disseram: “Ei, vamos cuidar do setor privado, principalmente do setor inovador, que está gerando novas atividades, chamaremos isso de empreendedorismo”. (Ex-vice-presidente executivo da CORFO, comunicação pessoal, 28 de abril de 2012)

Esse ex-executivo da CORFO situou o empreendedorismo no meio de duas alternativas consideradas modelos sociais mutuamente exclusivos - socialismo e capitalismo. Esses dois modelos foram testados nas três décadas anteriores, não apenas na sociedade chilena, e substituíram um ao outro por meio da força de um golpe de estado militar sangrento que praticou o terrorismo de Estado contra os apoiadores do regime anterior. No início da transição política da sociedade chilena, o empreendedorismo apareceu como um terceiro modelo. A construção dessa alternativa é necessária para entender o conceito mais ousado nessa declaração: despojar o empreendedorismo da “carga da acumulação capitalista” associado às ideologias de direita que apoiavam o golpe. Uma vez distanciado das duas principais ideologias da história contemporânea da sociedade chilena, o caminho do empreendedorismo estaria livre para se mostrar a todos que estão ou desejam se situar em algum lugar no meio. Com essa manobra, a CORFO produziu um terreno fértil para o apoio estatal ao empreendedorismo.

Junto a isso, o executivo também dá voz àqueles que entendem que um setor privado inovador gera atividade econômica. Por meio dessa abordagem, ele constrói uma realidade externa a si mesmo (Potter, 1996Potter, J. (1996). Representing reality: Discourse, rhetoric and social construction. London: UK: Sage.) que é separada de sua opinião. Os agentes de políticas públicas de transição chilenos concordaram em chamar essa iniciativa inovadora privada de "empreendedorismo". O empreendedorismo, então, pode renovar um compromisso geral com a acumulação capitalista. Esse discurso herda todo o gesto “ideológico” do regime neoliberal chileno no início dos anos 1990. No entanto, segundo o ex-vice-presidente, inicialmente, não havia consenso sobre o “impacto social” do empreendedorismo. Por um lado, os programas e políticas estatais emergentes que subsidiavam o empreendedorismo geravam controvérsia entre a elite de direita, especialmente entre “os tecnocratas que estavam preocupados com o retorno dos mecanismos de intervenção estatal na economia” (ex-vice-presidente executivo da CORFO, comunicação pessoal, 28 de abril de 2012). Esse funcionário nos lembrou um precedente recente a esse respeito. Na década de 1970, durante o governo popular do presidente socialista Salvador Allende, “a CORFO tinha sido o grande detentor de mais de 500 empresas nacionalizadas” que, mais tarde, durante o regime militar, foram privatizadas seguindo um plano econômico que defendia uma drástica redução da participação do estado na sociedade. Por outro lado, a nova política de incentivo a iniciativas privadas criou tensões para os economistas da esquerda ultrapassada. Esses economistas consideraram injustificável a alocação de dinheiro do estado para financiar os empresários do país. Nesse cenário, a mudança ideológica da década de 1990 foi reforçada por um fenômeno global que começou no final da década: a chamada “bolha da internet”. Esse fenômeno destacou a falta de ferramentas de apoio do Estado para novos negócios e startups. Outro ex-vice-presidente executivo da CORFO fez a seguinte declaração:

No Vale do Silício [...] um grupo de empresas começava a aparecer [...] Yahoo, Amazon [...] com um modelo de negócios que crescia muito rapidamente [...] um novo empreendedor se estabelecia e crescia muito rápido. Mas a estrutura de instrumentos e programas da CORFO [...] era destinada apenas a empresas existentes; quer dizer, não destinávamos nada para uma pessoa que queria iniciar uma empresa. (Gerente da CORFO, comunicação pessoal, 6 de fevereiro de 2012)

Essa declaração descreve uma realidade econômica internacional que evoluiu mais rápido do que qualquer ferramenta CORFO evoluiria para desenvolver a economia doméstica do Chile. Mais uma vez, essa realidade aparece como uma construção externa afetada por dois atores: empreendedores inovadores agindo rapidamente e o Estado (CORFO) se movendo lentamente. Um terceiro ator foi introduzido nesse cenário, o Vale do Silício, operando como um terreno comum para o empreendedorismo tecnológico inovador; isto é, a "referência" a ser imitada. A mensagem aqui era que os instrumentos e programas do país não estavam sintonizados com essa realidade internacional inevitável - uma economia baseada no empreendedorismo tecnológico inovador. Além disso, o discurso dos executivos expressava que as políticas nacionais deveriam acompanhar o ritmo dos desenvolvimentos globais, uma fórmula com uma longa tradição na literatura econômica do Cone Sul da América (ver Fleming, 1979Fleming, W. J. (1979). The cultural determinants of entrepreneurship and economic development: A case study of Mendoza Province, Argentina, 1861-1914. The Journal of Economic History,39(1), 211-224. doi: 10.1017/S0022050700096406
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; Germani, 1972Germani, G. (1972). Mass immigration and modernization in Argentina. In W. Petersen (Ed.), Readings in population (pp. 223-241). New York,USA: Macmillan.; Lipset, 1967Lipset, S. M. (1967).The first new nation: The United States in historical and comparative perspective. London, UK: Transaction Publishers.). Argumentamos que o objetivo dessa manobra discursiva foi, mais uma vez, despojar uma decisão estatal de elementos políticos.

Consequentemente, os instrumentos da CORFO para promover atividades empreendedoras enquadraram e construíram esses temas aceitando e alinhando o Estado em direção a uma economia política global internacional (Örge, 2013Örge, Ö. (2013). Entrepreneurship policy as discourse: Appropriation of entrepreneurial agency. In F. Welter, R. Blackburn, E. Ljunggren, & B. W. Amo (Eds.), Entrepreneurial business and society (pp. 37-57). Cheltenham, UK: Edward Elgard.). A CORFO, então, assumiu a tarefa de elaborar “uma política pesada em investimentos voltada para novas empresas com maior potencial de crescimento” (ex-vice-presidente executivo da CORFO, comunicação pessoal, 28 de abril de 2012), criando“ instrumentos” para atingir esse objetivo - ou seja, programas que “procuram sistematicamente por empreendimentos comerciais” (gerente da agência de aceleração empreendedora, comunicação pessoal, 14 de maio de 2012). Assim, em 2005, surgiu o Innova-Chile, um componente da CORFO projetado para “apoiar o desenvolvimento de novos negócios e a criação de novos empreendimentos, bem como promover habilidades empreendedoras no país” (CORFO, 2014aCorporación de Fomento de la Producción. (2014a). Emprendimiento en Chile: Hacia un modelo de segmentación. Santiago, Chile: CORFO.).

Enquanto o empreendedorismo como política pública começou com o advento da Coalizão Concertación, a coalizão de partidos políticos de centro-esquerda que liderou a transição democrática após a derrota do regime militar em 1988 nas pesquisas, essa breve sociogênese da política de empreendedorismo liderada pelo Estado no Chile mostra que o regime de empreendedorismo emergiu de uma complexa rede de justificativas da política estatal que conecta o Chile neoliberal da década de 1990 com o da década de 1970. No entanto, a disseminação ideológica da empresa privada como uma atividade despojada politicamente não foi desencadeada pelos tecnocratas de direita do regime ditatorial, mas sim pelas ideologias de esquerda durante a transição democrática. Nesse contexto, o empreendedorismo surge como uma alternativa ao capitalismo tradicional das grandes corporações/empresas, já despojadas da carga decorrente dos processos de acumulação capitalista. Esse discurso da política de empreendedorismo despolitizou o empreendedorismo do neoliberalismo de direita e de sua herança de esquerda. A retórica da despolitização é promulgada em um novo espaço, onde os novos conceitos se relacionam ao empreendedorismo.

Inovação por meio da produtividade: garantia moral do empreendedorismo

A partir de 2012, a associação entre empreendedorismo e inovação ainda estava no centro da retórica de justificativa no Chile. Na entrevista conosco, o gerente do programa de empreendedorismo da CORFO na época trouxe essa questão nos seguintes termos.

A pergunta inicial é: por que os países decidem apoiar o empreendedorismo? Esse apoio é baseado na teoria econômica; há evidências de que as sociedades mais empreendedoras alcançam níveis de produtividade maiores do que aquelas que são menos; portanto, países que estão em um estágio econômico como o do Chile, que é um estágio de transição [...] entre subdesenvolvimento e desenvolvimento [...] devem considerar a questão da inovação como um elemento importante na política e, infelizmente, a nossa sociedade, devido às características que tinha antigamente, é uma sociedade que tem dificuldade de inovar, por questões culturais e também econômicas [...] Portanto, os estados precisam compensar isso de forma proativa por meio de políticas públicas. (Ex-vice-presidente executivo da CORFO, comunicação pessoal, 28 de abril de 2012)

Diagnóstico semelhante pode ser encontrado no relatório do governo chileno de 2006 do Conselho Nacional de Inovação para Competitividade, que serviu para justificar o "Subsídio de Capital para Alocação Flexível de Empreendedores", um dos principais programas de empreendedorismo da CORFO; e, no primeiro “relatório de antecedentes” do Conselho Nacional Chileno de Desenvolvimento e Inovação (CNID): "Se o Chile não avançar, brevemente e rapidamente, em termos de inovação e transferência tecnológica, o país começará a ficar para trás, a ponto de suas atuais vantagens competitivas estáticas estarem seriamente ameaçadas e deslocadas" (CNID, 2006Consejo Nacional de Innovación para el Desarrollo. (2006). El sistema chileno de innovación: Background report. Recuperado de http://www.cnid.cl/portfolio-items/el-sistema-chileno-de-innovacion-background-report
http://www.cnid.cl/portfolio-items/el-si...
, p. 11). Por meio dessa linha de argumentação, o empreendedorismo foi colocado na trajetória evolutiva do progresso econômico e social, enquanto o Chile foi colocado em um estágio intermediário, mas promissor, em uma escala global.

Conceitos de mudança e inovação são canalizados para a construção da imagem do Chile como uma sociedade empreendedora. Nessa estratégia discursiva, a mudança social é reduzida ao desenvolvimento, desenvolvimento é reduzido ao aumento da produtividade e a inovação (específica para vários campos, como arte, ciência, tecnologia, cultura e socialidade, entre outros) é reduzida à esfera dos negócios. Assim, uma sociedade inovadora e até mesmo desenvolvida torna-se uma sociedade empreendedora, o que justificaria políticas pró-empreendedorismo na medida em que elas têm como objetivo final o desenvolvimento social (já deixando de lado a acumulação ilimitada como objetivo). Em suma, se a justificativa para uma sociedade empreendedora se baseia em concentrar as ideias de mudança e inovação na área de negócios, a promessa de seus efeitos supera isso, abençoando a meta do "desenvolvimento social". A referência ao papel da cultura chilena nessa trajetória é outra manobra discursiva que visa desdiferenciar o contexto social em que o empreendedorismo atua. Em vez de exigir a integração do empreendedorismo na cultura nacional e na diversidade social, o discurso do Estado não apenas aponta a cultura chilena como um obstáculo para uma sociedade empreendedora, mas a identifica como uma das razões da intervenção pública no empreendedorismo. O diagnóstico é que o Chile precisa se adaptar rapidamente a uma cultura empreendedora; o mundo exige isso. Os empreendedores devem ter recursos que operem com a mesma velocidade do mercado e o Estado deve se alinhar a essa necessidade.

Em resumo, o discurso da política do Estado associa o empreendedorismo e a inovação tão intimamente que os torna indistinguíveis. Para citar um gerente da CORFO, "empreendedorismo é a concretização da inovação". De acordo com esse raciocínio, a "evidência" mostra que qualquer país que deseje alcançar um rápido desenvolvimento deve aumentar sua produtividade. O empreendedorismo é um meio para esse fim. O slogan da CORFO, "sonhar, arriscar, crescer", coloca o empreendedorismo em um papel mediador. É importante lembrar que, no momento de sua criação na década de 1990, o empreendedorismo também possuía essa posição intermediária entre dois polos políticos. Nesse caso, a “garantia moral” do empreendedorismo reside em sua capacidade de aumentar a produtividade econômica pela criação de inovação. O discurso da CORFO molda o empreendedorismo como a possibilidade de inovação e desenvolvimento social, algo que é sempre bom e aceitável para o país.

Empreendedorismo como um Hiperbem

Nos últimos anos, o discurso empreendedor adicionou novos conceitos e atores. De acordo com seus atuais propagadores, em conjunto com o “bem-estar” do crescimento (Taylor, 1989Taylor, C. (1989). Sources of the self: The making of the modern identity. Cambridge, USA: Harvard University Press.), o empreendedorismo traz consigo vários benefícios, um bem comum e “externalidades positivas”. Primeiro, ele desempenha um papel coeso e redistributivo. Em países como o Chile, onde a riqueza tende a se concentrar nas mãos de alguns atores econômicos, o desenvolvimento de uma tremenda capacidade empreendedora redistribui a riqueza entre um número mais significativo de proprietários de pequenas empresas. A integração do empreendedorismo permitiria a “homogeneização” e ofereceria “um guarda-chuva que reúne e ajuda a diminuir a diferença de desigualdade” (Gerente da CORFO, comunicação pessoal, 6 de fevereiro de 2012).

Para aqueles que não conseguem se integrar como empreendedores - ou seja, os mais pobres -, o sucesso daqueles que são capazes pode trazer benefícios na medida em que a expansão do empreendedorismo tornará o mercado mais eficiente, tornando-se uma ferramenta de inclusão e outro meio de suporte ao princípio ideológico neoliberal (Fontaine, 1993Fontaine, J. A. (1993). Transición económica y política en Chile: 1970-1990.Estudios Públicos, 50, 229-279.; Harvey, 2005Harvey, D. (2005). A brief history of neoliberalism. New York, USA: Oxford University Press.). No trecho a seguir, um gerente da CORFO faz alusão à famosa "teoria do gotejamento", defendida pelos propagadores do neoliberalismo chileno, e intimamente ligada à história do neoliberalismo (Harvey, 2005Harvey, D. (2005). A brief history of neoliberalism. New York, USA: Oxford University Press.).

Se alguém acredita nesse modelo econômico, todas as pessoas devem ser alcançadas, e o caminho do gotejamento leva muito tempo. Poderíamos incluir essas pessoas no modelo econômico e não as segmentar, não estigmatizar a base da pirâmide, que inclusive é um termo cruel [ele esclarece]. Segundo o Casen [levantamento nacional das características socioeconômicas da população], a base da pirâmide corresponde a 15% da população; são muitas pessoas que consomem, para começo de conversa. No entanto, elas pagam mais por açúcar, óleo. Existe um poder econômico oculto lá que pode ser aberto para dar dignidade a elas como compradoras, de uma perspectiva de política pública; é uma ferramenta inclusiva. (Gerente da CORFO, comunicação pessoal, 24 de abril de 2012)

O conceito de "base da pirâmide" vem da literatura sobre educação empresarial de primeiro mundo. Refere-se aos quatro milhões de pobres que são negligenciados em todo o mundo pelo setor privado organizado (Prahalad, 2006Prahalad, C. (2006). The fortune at the bottom of the pyramid. Pensylvania, USA: Wharton School Publishing.). De modo mais abrangente, e referindo-se especificamente ao Chile (CORFO, 2012Corporación de Fomento de la Producción. (2012). Generación neta de empleo. Santiago, Chile: CORFO., p. 3), entende-se a base da pirâmide como aqueles chilenos classificados no quintil de menor renda. Na lógica dos gestores da CORFO, uma sociedade empreendedora promove a coesão social porque integra até mesmo os pobres à demanda agregada (via consumo). Além disso, o gerente admite que “base da pirâmide” é um conceito “cruel”. Assim, um discurso que abrange os conceitos de dignidade, consumo, inclusão e o terrível/desumano é usado para criar um emparelhamento empreendedorismo-inclusão para tornar o empreendedorismo mais atraente, mesmo para aqueles que são incapazes de pertencer à classe empreendedora diretamente, mas podem se beneficiar do seu sucesso (os pobres).

Nesse estágio, os discursos de políticas entre as autoridades superiores colocam mais ênfase no benefício da criação de empregos resultante de novos empreendimentos e, portanto, na capacidade do empreendedorismo de gerar mudanças sociais. Em um trecho de um discurso proferido na inauguração da Semana Global do Empreendedorismo de 2011, o Ministro da Economia da antiga administração do presidente Sebastián Piñera (2010-2014) fez a seguinte declaração:

Queremos transformar empreendedores nas pessoas que mais contribuem para a mudança social no Chile; cada empreendedor talentoso que inicia uma jornada é alguém que cria empregos, cria empregabilidade e ajuda a melhorar a dignidade de todos os chilenos, não importa o que alguns digam, não há ninguém mais solidário do que os empreendedores, do que aqueles que ousam, aqueles que abraçam a aventura de desenvolver os talentos que cada um de nós possui (Longueria, 2012Longueira, P. (2012). Speech inaugurating the 2012 Global Entrepreneurial Week. Retrieved fromhttp://www.youtube.com/watch?v=by3yoTzguQA
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)

Nesse discurso, o conceito de "mudança social" é incorporado, sugerindo que não há área na sociedade para o qual o empreendedorismo não possa contribuir. O tema da qualidade dessa mudança não é considerado. Pelo contrário, é adotada uma estratégia que transfere os benefícios da mudança para seu efeito. O discurso idealiza o empreendedorismo e o associa a conceitos como dignidade, solidariedade e mudança social, ignorando as realidades igualmente possíveis de insegurança no trabalho e individualismo, que não apenas diferem, como também entram em conflito com os valores promovidos. Além disso, o discurso exclui aspectos centrais da economia, como a competição por recursos escassos, a destruição criativa necessária, conforme analisada por Schumpeter, e os inevitáveis ​​erros e falhas que esse empreendedorismo implica. Além disso, eleva o empreendedor à categoria de herói que sofre a "solidão" do ato "aventureiro", alinhando-o com a imagem do cowboy, conforme referenciado por Kaulingfreks, Lightfoot e Letiche (2009)Kaulingfreks, R., Lightfoot, G., & Letiche, H. (2009). The man in the black hat. Culture and Organization,15(2), 151-165. doi: 10.1080/14759550902925328
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.

Em suma, o empreendedorismo é mostrado como um meio de inclusão dos indivíduos no sistema econômico, seja por meio do consumo ou do trabalho. Seja na oferta ou na demanda, esse discurso político justificador concede aos seres humanos um senso moral de dignidade. Diferentemente de antes, o valor da dignidade não está mais ancorado em projetos coletivos, na solidariedade e nas necessidades humanas finitas (Max-Neef, Elizalde, & Hopenhayn, 1990Max-Neef, M., Elizalde, A., & Hopenhayn, M. (1990).Human scale development: an option for the future. Santiago, RM: Development Alternatives Centre [Centro de Alternativas de Desarrollo] (CEPAUR).), mas sim na inclusão de indivíduos na economia de mercado.

No final das contas, falamos sobre empreendedorismo porque acreditamos que é uma ferramenta muito poderosa para a mobilidade social, primeiro porque gera renda e segundo porque gera dignidade. Faz de você parte do sistema. (Gerente da CORFO, comunicação pessoal, 6 de fevereiro de 2012)

No entanto, a realidade construída exclui do seu discurso os efeitos inesperados das políticas que originam e disseminam a realidade. Por exemplo, a política é simplificada ao incentivar um tipo de empreendedorismo que aumentaria a coesão social, diminuiria o hiato de desigualdade e, mesmo entre os pobres, operaria por meio de um "gotejamento", atenuando o fenômeno da exclusão ao incorporar essa população como demanda agregada. Finalmente, esse discurso reconhece a dignidade humana como uma habilidade individual e recurso de autogeração. Esse conceito, conforme discutido pelo gerente da CORFO, é o que é genuinamente "cruel" sobre a maneira como esse regime se desenvolveu nas últimas décadas no Chile.

Discussão: a dupla despolitização do empreendedorismo

A tendência empreendedora do Estado chileno é um meio para a renovação do compromisso neoliberal do Chile com a acumulação capitalista na era pós-ditatorial. Discursivamente, o empreendedorismo emerge no Chile pela diferenciação das principais correntes ideológicas (não pertences à direita nem à esquerda) e com a promessa e urgência de se tornar o motor da mudança social e individual. Essa abordagem representa uma história épica e luminosa para uma sociedade em transição recém-saída de sua pior catástrofe política e moral. Vinte e cinco anos depois, o empreendedorismo está associado a outros valores que complementam essa retórica inicial, como criação de emprego e renda, inclusão e dignidade humana. Essa expansão gradual e sistemática das justificativas no repertório do empreendedorismo é um indicativo do crescimento da racionalidade econômica governamental neoliberal.

Subjacente à realização prática de projetos empreendedores e à concessão de sentido ao ato empreendedor, a política de empreendedorismo estatais apoia-se na produção de uma subjetividade precisa (Bröckling, 2015Bröckling, U. (2015). El self emprendedor: Sociología de una forma de subjetivación. Santiago, Chile: Ediciones Universidad Alberto Hurtado.). Nas palavras de um dos gerentes da CORFO,

O lado bom do empreendedorismo é que ele permite que você se descubra, cuide de si mesmo, seja dono de si mesmo, o autoempreendedorismo significa que você é quem você quer ser. Você ganha a vida com isso e opera como se fosse uma empresa, no sentido de planejar, criar estratégias. E, no nível pessoal, acho que isso é bom. Há um aprendizado no empreendedorismo que ajuda as pessoas a serem o que elas querem ser, parte do sistema. (Gerente da CORFO, comunicação pessoal, 6 de fevereiro de 2012)

Nesse nível intrapessoal, o empreendedorismo é descrito por meio da própria experiência do empreendedor, independentemente da consecução de qualquer objetivo econômico. De fato, o empreendedorismo se torna um meio de autorrealização individual. Por fim, o discurso empreendedor estatal trata de uma demanda por uma transformação substantiva do indivíduo em um ativo que, por sua vez, leva à intensificação da sociedade empreendedora neoliberal. Além disso, essa estratégia promove o empreendedorismo como uma “habilidade” ou “talento” individual que qualquer pessoa pode desenvolver independentemente da posição ou competência socioeconômica. Na medida em que o empreendedorismo requer “talentos” que qualquer pessoa pode desenvolver, a atividade se espalha de maneira meritocrática (depende apenas de mim), sem reconhecer distinções de classe, etnia, origem, sexo ou capital. Essa estratégia ignora os arranjos estruturais existentes e as grandes desigualdades na população chilena, em que a renda dos cidadãos mais ricos é 26,5 vezes maior que a renda dos mais pobres (em que, segundo dados de 2012, a proporção é de 9,5% se comparada com a média dos países da OECD [1996]Organisation for Economic Co-operation and Development. (1996). Lifelong learning for all. Paris, France: OECD.) (obtido em http://www2.compareyourcountry.org/crisis-impact). Aí reside, em parte, a fertilidade discursiva do léxico pró-empreendedor. Por um lado, como destaca Beckert (2013)Beckert, J. (2013). Capitalism as a system of expectations toward a sociological microfoundation of political economy. Politics and Society, 41(3), 323-350. doi: 10.1177/0032329213493750
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, a característica da meritocracia empreendedora tenta proteger o empreendedorismo dos efeitos das barreiras estruturais de sociedades estratificadas e desiguais, como a do Chile, o que pode dificultar a mobilidade ascendente prometida pela atividade empreendedora. Por outro lado, o discurso exclui questões-chave, como se os chilenos possuíssem a mesma capacidade de inovar ou criar redes para montar as equipes certas e garantir financiamento em um estágio inicial, como é exigido na maioria dos programas de subsídios de capital. De acordo com Tirado e Domenèch (2009)Tirado, F., & Domènech, M. (2009). El problema de la agencia en psicología social: Retos y perspectivas. In J. Loredo, T. Sánchez-Criado, & D. López (Eds.), ¿Dónde reside la acción? Agencia, constructivismo y psicología (pp. 237-290). Murcia, Spain: UNED., a tarefa do discurso meritocrático é justamente fazer com que as habilidades pareçam recursos emergindo de seres isolados que não são mais dependentes de uma rede mais ampla de alianças, posições e apoio (p. 252). Esse discurso é atraente para um público geral e amplo.

A segunda manobra discursiva da política de empreendedorismo estatal baseia-se na promulgação de um tecido social homogêneo e suave (Deleuze & Guattari, 1980Deleuze, G., & Guattari, F. (1980). Capitalisme et schizophrénie (vol. 2, p. 645). Paris, France.), onde o empreendedorismo pode ser diferenciado (Marttila, 2018Marttila, T. (2018). Neoliberalism, Knowledge-Based Economy and Metaphorization of the Entrepreneur to the Subject of Creativity. In Damien Cahill, Melinda Cooper, Martijn Konings and David Primrose (Eds.)The Sage Handbook of Neoliberalism (Chp. 42). London, UK: Sage), dissociando o conceito de aspectos econômicos e ideológicos anteriores relacionado à cultura da empresa. Ao mesmo tempo, essa manobra separa o empreendedorismo de qualquer distribuição desigual em relação a capacidades, ideologias e lutas pelo poder. De igual modo, como todos os recursos necessários para essa atividade são conceituados dentro da semântica das “habilidades individuais”, nenhuma noção de socialidade parece necessária além da rede de benefício mútuo em que o empreendedorismo é sustentado. Esse é um segundo conceito central que apoia essa estrutura discursiva: presumir que o empreendedorismo não requer sociedade, ou, mais estritamente, que ele não requer outra empresa além da "sociedade empreendedora". Nas palavras do gerente da CORFO, uma "sociedade mais empreendedora seria uma sociedade mais autossuficiente, possuindo mais das coisas que acontecem conosco, [com] mais propriedade" (comunicação pessoal, 6 de fevereiro de 2012).

Colocando essas duas manobras em perspectiva histórica, aparece uma terceira. Na revisão de 25 anos, detectamos que o discurso do estado pró-empreendedor no Chile se repetiu e exibiu uma dupla despolitização do empreendedorismo: 1) no momento de seu surgimento, onde a afiliação política do empreendedorismo é desfeita (não pertence nem à direita nem à esquerda) e 2) hoje, em que o discurso do Estado evita falar sobre o papel dos jogos de poder e das desigualdades estruturais na formação da atividade empreendedora no Chile. Desse modo, a justificativa de políticas públicas pró-empreendedoras no Chile exclui o papel da sociedade e o da política e, dessa maneira, contribui para a “desdiferenciação” e universalização da cultura empreendedora.

CONCLUSÕES

Tentamos neste artigo contribuir com a literatura sobre políticas de empreendedorismo, preenchendo a lacuna da pesquisa sobre a justificativa de empreendedorismo de políticas públicas do Chile. Nossa análise considerou os discursos oficiais de políticas públicas da CORFO, sua agência governamental de empreendedorismo de mais alto escalão. Nesse caso, mudamos a análise da avaliação empreendedora de políticas públicas para um estudo da justificativa das políticas estatais de empreendedorismo. Nossa análise diacrônica sensível à trajetória histórica dessa sociedade nos permitiu entender melhor os processos culturais, políticos e econômicos com os quais o desenvolvimento do empreendedorismo se entrelaça.

O sistema neoliberal chileno utiliza o discurso da universalização do empreendedorismo em prol de sua perpetuação. As contradições surgem porque, paradoxalmente, promover ativamente o empreendedorismo leva a certos princípios da ideologia neoliberal, como a não intervenção nos mercados e na economia. Contudo, a contradição é apenas aparente porque os discursos estatais sobre empreendedorismo dissociados da ideologia econômica anterior criam um lugar em que o empreendedorismo incorpora qualquer mensagem e significado cultural, universalizando o empreendedorismo. A investigação da justificativa do empreendedorismo pelo Estado nos faz entender essas políticas não apenas como instrumentos que estimulam atividades empreendedoras, mas como um meio de moldar a sociedade chilena. A retórica da CORFO intensifica os valores do individualismo, da tecnocracia, do interesse pessoal e do otimismo. Nesse sentido, a justificativa do empreendedorismo patrocinado pelo Estado lança uma nova luz sobre como os sujeitos empreendedores podem aceitar permanentemente a incerteza que a sociedade neoliberal impõe.

O apoio ao empreendedorismo se torna apenas propaganda para sustentar ideias que têm uma longa tradição histórica relacionada aos tempos da ditadura. Essa propaganda não é inofensiva e cria uma dupla despolitização, em que a afiliação ideológica do empreendedorismo é arrancada das raízes neoliberais históricas de direita. Além disso, a política de empreendedorismo estatal evita reconhecer o papel dos jogos de poder e das desigualdades estruturais na formação da atividade empreendedora no Chile, produzindo uma nova cultura empreendedora biopsicológica generalizada. Essa cultura é baseada na queda dos valores da comunidade, no aumento do talento pessoal e na oclusão de qualquer referência ao privilégio. A "sociedade empreendedora" concebida pela estratégia discursiva de justificativa do Estado chileno lembra a crença de Margaret Thatcher de que a sociedade era uma mera ilusão, uma vez que "não existe sociedade, há apenas famílias" (Thatcher, 1996Thatcher, M. (1996).Liberty and limited government. Speech presented at Centre for Policy Studies Keith Joseph Memorial Lecture. London, UK. Retrieved from https://www.margaretthatcher.org/document/108353
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).

São necessárias mais pesquisas sobre políticas públicas de empreendedorismo. Por exemplo, um estudo poderia investigar detalhadamente a retórica da justificativa da política de empreendedorismo, que pode traçar vínculos entre o discurso do Estado sobre empreendedorismo nos níveis local, nacional e regional. Uma análise mais detalhada da justificativa do empreendedorismo requer a inclusão de fatores históricos, políticos e culturais. No geral, agora está claro que são necessárias pesquisas culturalmente mais sensíveis para entender a atividade empreendedora e seus efeitos. Os pesquisadores precisam desenvolver estudos culturais comparativos para avaliar de modo abrangente os princípios nos quais a institucionalização do Estado se torna uma ferramenta para a justificativa neoliberal e, portanto, para a autoperpetuação desse regime.

  • Avaliado pelo sistema double blind review.
  • Versão traduzida
  • ÉTICA E CONSENTIMENTO Os autores declaram que a pesquisa foi realizada de acordo com a declaração de Helsinque.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem os revisores pelos valiosos comentários e Max Tham e Felipe Mallea pela revisão teórica das contribuições e pelos fundos que possibilitaram a nossa pesquisa: Fondecyt nº 11110459, “Individuos y regímenes pragmáticos en Chile: hacían una sociología pragmática y moral del individuo” e Anillos SOC180039 “Knowledge production in contemporary Chile”, financiada pela Comissão Nacional de Ciência e Tecnologia do Chile.

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Editado por

Editores Científicos convidados: Diego Szlechter, Leonardo Solarte Pazos, Juliana Cristina Teixeira, Jorge Feregrino, Pablo Isla Madariaga e Rafael Alcadipani

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2019
  • Aceito
    09 Dez 2019
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