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Tarifa efetiva de proteção alfandegária

COMENTÁRIOS

Tarifa efetiva de proteção alfandegária

Eduardo Matarazzo Suplicy

Interessante notar que os recentes debates, documentos oficiais, comentários por especialistas ou não do Brasil, a respeito da exportação de produtos manufaturados ou semimanufaturados brasileiros para os países desenvolvidos têm deixado de mencionar um relevante aspecto dêste assunto. Trata-se da diferença existente entre a tarifa alfandegária nominal e a tarifa efetiva. No entanto, muitos economistas de outros países, principalmente os que trabalharam na II Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Comércio (UNCTAD, Nova Deli, 1968) consideram a tarifa efetiva o mais importante nôvo conceito dos últimos anos no campo de teoria econômica internacional.

Com referência ao estabelecimento de um regime de tarifas preferenciais para a importação de produtos manufaturados e semimanufaturados dos países em desenvolvimento, é preciso assinalar o seguinte: o importante para o comércio não são as tarifas alfandegárias incidentes sôbre as mercadorias, mas sim as tarifas efetivas de proteção ao valor adicionado implícito na estrutura tarifária. Estas tarifas efetivas tendem a ser altas sôbre as exportações reais e potenciais dos países subdesenvolvidos. A progressão de tarifas por estágio de produção faz com que as tarifas efetivas de proteção sejam maiores do que as tarifas nominais para bens com maiores graus de industrialização. As tarifas nominais em bens de interêsse para os países menos desenvolvidos tendem a ser excepcionalmente altas.1 1 Vide JOHNSON, Harry G. Economic Policies Toward Less Developed Countries, p. 96 a 104, publicado em 1967 pelo Brookings Institution (F. A. Praeger, Editôres).

Note-se, a êsse respeito, os resultados de um estudo em que o economista BELA BALASSA estima para diversos países, as médias de tarifas efetivas e as compara com as médias de tarifas nominais (estas últimas são aqui colocadas entre parênteses); EUA 20.0 (11.6); Reino Unido 27.8 (15.5); MCE 18.6 (11.9); Suécia 12.5 (6.8); Japão 29.5 (16.2). As tarifas efetivas sôbre o valor adicionado em processos industriais de especial interêsse para os países subdesenvolvidos variam principalmente ao redor de 35 % nos países acima citados.2 2 Vide BALASSA, Bela. Tariff Protection in Industrial Countries: An Avaluation, Journal of Political Economy, vol. 73, dezembro de 1965, p. 94 e 573.

Define-se tarifa efetiva de proteção considerando-se constante a taxa cambial, como o aumento percentual ao valor adicionado, por unidade, num processo industrial que se realiza em razão de uma estrutura tarifária - em relação ao que ocorreria na ausência de tarifas.3 3 Vide CORDEN, W. M. The Structure of the Tariff..., Part I, Jounal of Political Economy, junho de 1966.

A fórmula da, tarifa efetiva, ao supormos imobilidade internacional de fatores de produção, indica o grau de proteção ao valor adicionado no processo industrial. Se os coeficientes de insumo forem considerados constantes dentro de níveis relevantes de produção, a tarifa efetiva de proteção a qualquer mercadoria pode ser expressa no contexto de um sistema de insumo-produto.

Suponhamos que a tarifa aduaneira para tecidos de algodão no Mercado Comum Europeu seja de 20% , que a tarifa, aduaneira sôbre 0 algodão seja zero, e que o valor do algodão seja 50 % do valor do produto final, o tecido. Como o algodão é livre de direitos e pode ser importado pelos produtores de tecidos, a tarifa sôbre o tecido aplica-se meramente ao valor adicionado pelo industrial, isto é, à metade do valor total, e não ao preço de venda do tecido de algodão. A tarifa nominal de 20 % sôbre o valor total é, na verdade, uma tarifa eletiva, de 40 % sôbre o valor adicionado.4 4 Vide KINDLEBERGER, Charles P. International Economics, Richard D. Irwin Inc., 4.ª edição, 1968, p. 110 e 111.

A fórmula para a tarifa efetiva é: f =

onde

f =

tarifa efetiva sobre o bem final, o tecido de algodão.

t =

tarifa nominal sobre o bem final, o tecido de algodão.

q =

tarifa sobre componentes ou bens intermediários, a matéria-prima algodão.

r =

proporção do bem final, representada pelos componentes ou bens intermediários importados.

Quando os componentes são livres de direitos, a fórmula se reduz a:

No exemplo acima, do tecido de algodão, teríamos:

Se houvesse um aumento na tarifa aduaneira, sôbre o algodão, de zero para 5 %, teríamos

Portanto, um aumento na tarifa aduaneira sôbre a matéria-prima algodão irá diminuir a tarifa efetiva de proteção ao produtor de tecidos de algodão.

Se a taxa aduaneira fôr a mesma, tanto para o produto final como para os componentes ou o insumo, isto é, q = t, então a tarifa nominal será igual à tarifa, efetiva, isto é, t = f.

Pode-se então verificar a importância da diferença entre tarifa nominal e tarifa efetiva, nos países desenvolvidos, para todos aquêles que,

como brasileiros, gostariam de passar a exportar relativamente muito mais café solúvel do que café em grãos, muito mais tecidos do que algodão, muito mais chocolate do que cacau, muito mais óleo de mamona do que mamona, muito mais aço do que minério de ferro, muito mais veículos do que aço, e assim por diante. Vale acrescentar que diversos economistas americanos, como HARRY G. JOHNSON, da Universidade de Chicago, em seu livro Economic Policies Toward Less Developed Countries, já vêm procurando averiguar, com base em dados empíricos, quais seriam as conseqüências e preferências tarifárias nos Estados Unidos para os países menos desenvolvidos, levando-se em conta as tarifas efetivas.5 5 Vide também estudo de BELA BALASSA, da John Hopkins University, no qual êle assinala que do ponto de vista do empreendedor, no país subdesenvolvido, ao decidir transformar uma matéria-prima em produto semi-acabado ou produto acabado para exportação aos países desenvolvidos, a tarifa relevante é aquela que pesa sôbre o valor adicionado no processo de produção ao invés da tarifa aduaneira nominal. Trade Prospects for Developing Countries, Homewood, Ill.: R. D. Irwin Inc., 1964, p. 116. e6 6 Vide JOHNSON, Harry G. Taríffs and Economics Development: Some Theoretical Issues, Journal of Development Studies, outubro de 1964.

UM EXEMPLO NUMÉRICO

Vamos supor:

a) um certo produto final, j, com preço igual a Pj1 = $ 1,00

b) os materiais, i, utilizados como insumo, com preço no mercado mundial igual a Pi1 = $ 0,50

c) tarifa nominal sobre o produto final t = 10%

d) tarifa nominal sôbre a matéria-prima q = 10%

A tarifa efetiva que irá proteger os produtores nacionais será:

O coeficiente de insumo-produto é:

Temos,

O valor da tarifa efetiva também poderia ser obtido da seguinte forma:

Preço no mercado mundial de j: Pj1 = $ 1,00

Preço no mercado mundial de i: Pi1 = $ 0,50

Valor adicionado no país no caso de não existir tarifa alguma:

Vj1 = pj1- Pi = 1,00 - 0,50 = 0,50

Preço de j no país no caso de existir 10% de tarifa:

Pj2 = $ 1,10

Preço de i no país no caso de existir 10% de tarifa:

Pi2 = 0,55

Valor adicionado no país no caso de haver tais tarifas:

Vj2 = Pj2 - Pi2 = 1,10 - 0,55 = 0,55

Pela definição da tarifa efetiva ela será igual a:

Vamos supor agora que seja dada uma preferência de 100% a alguns produtores estrangeiros. Assim a tarifa nominal sôbre o produto final torna-se nula, t = O, e a tarifa sôbre os materiais continua a mesma, q = 10%.

A tarifa efetiva torna-se então

ou pela fórmula alternativa,

Uma tarifa negativa de proteção alfandegária, - 10%, será assim imposta aos produtores nacionais.

ILUSTRAÇÃO DA IMPORTANCIA DE PREFERÊNCIAS TARIFARIAS

Vamos mostrar a razão pela qual as preferências tarifárias em mercados de países desenvolvidos para exportações de produtos manufaturados e semimanufaturados de países subdesenvolvidos podem exercer uma poderosa influência na expansão das receitas de exportação dêstes últimos. Para tanto, basta mostrarmos a importância da tarifa efetiva mesmo no caso de uma tarifa nominal baixa sobre o produto final.

Vamos supor:

a) uma tarifa nominal sôbre o produto final igual à média das tarifas nominais sôbre produtos finais nos países desenvolvidos, ou seja, t = 12%

b) Uma tarifa nominal sôbre os materiais igual a um nível bastante comum ao existente para matérias-primas nos países desenvolvidos, ou seja, q = 2%

c) Pj1 = $ 1,00 Pi1 - 0,50

A tarifa efetiva será

Portanto, neste caso, a tarifa efetiva de 22% é bem maior do que a tarifa nominal de apenas 12%.

Suponhamos agora que uma preferência de 50% seja dada sòmente a alguns países. A tarifa nominal sôbre o produto final passa a ser t = 6%. A tarifa efetiva será:

Os países aos quais foi dada a vantagem tarifária levam agora uma vantagem de 12% em relação aos países aos quais não foi dada a preferência; e, em relação aos produtores nacionais, os países aos quais foi dada a preferência levam uma desvantagem de apenas 10%, em vez de 22%, como anteriormente.

Alternativamente, suponhamos que seja dada uma preferência de 100% a alguns países. A tarifa nominal será então t = O, e continuamos com q = 0,02. A tarifa efetiva será:

Portanto, uma preferência de 100% a alguns produtores estrangeiros irá impor uma desvantagem de custo de 2% aos produtores nacionais. Isto ocorre em razão do custo mais alto da matéria-prima imposto ao produtor nacional, sem que haja alguma compensação a êste, através de tarifa sôbre produto final. Neste caso, é de 22% a margem de preferência tarifária, em relação ao outro produtor de um país que não obteve a preferência.

Um estudo realizado por G. L. REUBER7 7 REUBER, G. L. Canada's Interest in the Trade Problems of the Less Developed Countries, Montreal, The Canadian T. C. of the P.P.A.C., maio de 1964, p. 23-27. Citado por JOHNSON, H. J., op. cit., p. 170. concluiu que a eliminação de tarifas aplicáveis aos países subdesenvolvidos, combinada com a manutenção de tarifas aplicáveis aos países desenvolvidos, proporcionaria grandes benefícios aos países subdesenvolvidos. Usando uma tarifa média estimada de 12% nos países desenvolvidos e uma suposta elasticidade de 2, êle conclui que esta estratégia aumentaria as exportações dos países subdesenvolvidos dos bens em questão (manufaturas, correspondendo a 5% do total de suas exportações) de 25%, ou aproximadamente US$ 600 milhões por ano.

  • 1 Vide JOHNSON, Harry G. Economic Policies Toward Less Developed Countries, p. 96 a 104, publicado em 1967 pelo Brookings Institution (F. A. Praeger, Editôres).
  • 2 Vide BALASSA, Bela. Tariff Protection in Industrial Countries: An Avaluation, Journal of Political Economy, vol. 73, dezembro de 1965, p. 94 e 573.
  • 3 Vide CORDEN, W. M. The Structure of the Tariff..., Part I, Jounal of Political Economy, junho de 1966.
  • 4 Vide KINDLEBERGER, Charles P. International Economics, Richard D. Irwin Inc., 4.Ş edição, 1968, p. 110 e 111.
  • 5 Vide também estudo de BELA BALASSA, da John Hopkins University, no qual êle assinala que do ponto de vista do empreendedor, no país subdesenvolvido, ao decidir transformar uma matéria-prima em produto semi-acabado ou produto acabado para exportação aos países desenvolvidos, a tarifa relevante é aquela que pesa sôbre o valor adicionado no processo de produção ao invés da tarifa aduaneira nominal. Trade Prospects for Developing Countries, Homewood, Ill.: R. D. Irwin Inc., 1964, p. 116.
  • 6 Vide JOHNSON, Harry G. Taríffs and Economics Development: Some Theoretical Issues, Journal of Development Studies, outubro de 1964.
  • 1
    Vide JOHNSON, Harry G.
    Economic Policies Toward Less Developed Countries, p. 96 a 104, publicado em 1967 pelo Brookings Institution (F. A. Praeger, Editôres).
  • 2
    Vide BALASSA, Bela. Tariff Protection in Industrial Countries: An Avaluation,
    Journal of Political Economy, vol. 73, dezembro de 1965, p. 94 e 573.
  • 3
    Vide CORDEN, W. M. The Structure of the Tariff..., Part I,
    Jounal of Political Economy, junho de 1966.
  • 4
    Vide KINDLEBERGER, Charles P.
    International Economics, Richard D. Irwin Inc., 4.ª edição, 1968, p. 110 e 111.
  • 5
    Vide também estudo de BELA BALASSA, da John Hopkins University, no qual êle assinala que do ponto de vista do empreendedor, no país subdesenvolvido, ao decidir transformar uma matéria-prima em produto semi-acabado ou produto acabado para exportação aos países desenvolvidos, a tarifa relevante é aquela que pesa sôbre o valor adicionado no processo de produção ao invés da tarifa aduaneira nominal.
    Trade Prospects for Developing Countries, Homewood, Ill.: R. D. Irwin Inc., 1964, p. 116.
  • 6
    Vide JOHNSON, Harry G. Taríffs and Economics Development: Some Theoretical Issues,
    Journal of Development Studies, outubro de 1964.
  • 7
    REUBER, G. L.
    Canada's Interest in the Trade Problems of the Less Developed Countries, Montreal, The Canadian T. C. of the P.P.A.C., maio de 1964, p. 23-27. Citado por JOHNSON, H. J.,
    op. cit., p. 170.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1969
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