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A empresa latino-americana na próxima década

COMENTÁRIOS

A empresa latino-americana na próxima década* * Algumas observações apresentadas na reunião continental de CICYP em Buenos Aires - 27/28 de maio de 1975. - Traduzido do original em espanhol por Geni Goldschimidt.

Andre van Dam

Economista e planejador de empresas

O redator de The Economist escreveu certa vez em sua revista: "Quando varios dos primeiros fabricantes de automóveis se defrontaram com a falência naqueles dias eduardianos, The Economist ganhou muitos aplausos da então aita sociedade, ao publicar um artigo incisivo que se intitulou: O Triunfo do cavalo." Com esta simples frase, o redator quis demonstrar quão curta vida têm os prognósticos mais convencionais, ou aqueles que estão em voga.

Acontece que os prognósticos convencionais se alimentam mutuamente e se reforçam, até que continuam sendo repetidos sem nenhuma análise crítica. Por exemplo, em 1974 abundavam as previsões de um severo deficit de petróleo na década de 80, à raiz da quadruplicação do seu preço no Golfo Pérsico. Esses mesmos prognósticos causaram a aceleração no processo de conservar a energia e de explorar novos depósitos petrolíferos e outras fontes de energia. Tanto assim que se prevê que antes de 1980 haverá um superavit de petróleo, prognosticando-se a queda da OPEC e de seu preço. Tão pouco isso acontecerá porque, no prognóstico nào-convencional, antecipa-se um ressurgimento económico nos Estados Unidos que junto com uma renovada inflação, terá a capacidade adequada de absorver o petróleo e seu preço.

Cabe perguntar se é realmente possivei prever o futuro. Dizem os ascéticos que todos os prognósticos são inúteis especialmente aqueles que se referem ao futuro. Prefiro, no entanto, escutar o laureado prêmio Nobel, o futurólogo e físico húngaro-britànico Dennis Gabor: "O homem não pode predizer seu futuro, deve inventá-lo." Se o futuro fosse tão independente da vontade do homem, como o pôr-do-sol, por exemplo, então seria possível predizè-lo. No entanto, o futuro é fruto do homem, da coletividade e dos conflitos que nascem entre as grandes e pequenas minorias que constituem a sociedade moderna.

A capacidade do ser humano - qualquer que seja sua nacionalidade, vocação e idade - de olhar para diante, è freqüentemente tão reduzida como sua capacidade de memória. Provaram isso as multidões que com júbilo esperaram, iá pelo ano 1938, o regresso triunfal de Daladier e Chamberlain, da cidade de Munique, é que o ser humano, até o mais consciente, se atém a sua vizinhança imediata tanto no tempo como no espaço geográfico. Por outro lado, lhe è mais fácil aventurar-se fora de seu âmbito geográfico do que fora de sua época. Se nesta reunião por acaso predominasse o prognóstico convencional, o que está em moda, como seria difícil analisar as opções da empresa latino-americana na próxima década!

É por isso que as observações seguintes baseiam-se em alguns conceitos não-convencionais que, como os prognósticos convencionais, são especulativos.

1. AS GRANDES MUDANÇAS GLOBAIS

A América Latina representa 7% da produção global de bens e serviços - comparados com 4% no ano de 1875. Prevê-se uma ampliação para 10%, pelo menos, no ano 2000, quando a produção mundial chegará a uns US$10 trilhões, em valores atuais. Isso implicaria um aumento anual do produto bruto de uns 5,5%, o que parece razoável, ainda que projetado para 25 anos. A América Latina possui recursos estratégicos como o petróleo, minerais, proteínas e matas em abundância, assim como uma crescente população e espaços livres. Sem dúvida, a futura posição da América Latina no mundo ultrapassa consideravelmente sua participação numérica na produção de bens e serviços.

É através das grandes mudanças que se perfilam na cena global que poderemos compreender a América Latina da próxima década. Numa época em que o ser humano viaja com a velocidade do som (os astronautas) e se comunica com a rapidez da luz (os computadores), os empresários não podem limitar seus interesses a sua vizinhança imediata e sim a sua mais ampla vizinhança: o mundo.

Entre as grandes inovações em escala global, figura a dependência reciproca entre os produtores e consumidores de recursos escassos e estratégicos - um novo eixo que se forja através dos eixos existentes de norte-sul e leste-oeste. Haverá novas alianças que basicamente provirão da propriedade e do consumo de tais recursos. Talvez o anunciado "sistema económico latinoamericano" obedeça a perspectiva de uma mútua dependência. As alianças, por serem economicamente frágeis, necessitarão de um forte respaldo politico para se firmarem. A mútua dependência relaciona-se com outra grande mudança que se pode descrever como a "troca" (tradução um tanto literal do trade off) entre, por exemplo, uma maior eficácia técnico-económica e uma melhor distribuição da renda. Uma legislação social justa requer uma forte expansão da produção para financiar-se, enquanto que uma forte expansão requer uma redistribuição da renda para que favoreça a todos. Este tipo de "troca" terá um nivel mundial; por exemplo, entre a maior produção e a menor contaminação ou entre a estabilidade monetária e o emprego total. Os exemplos dramáticos são numerosos.

Algumas das grandes tendências econômicas dos próximos 25 anos estarão, no prognóstico não convencional, sujeitas a reversão. Por exemplo: a) haverá menor ênfase na superurbanização em favor do desenvolvimento rural; b) haverá maior prioridade para poupança e investimentos às expensas do consumo supérfluo; c) haverá maior preferência para a satisfação de requisitos públicos às expensas de algumas demandas privadas, sobretudo nos países industriais; d) haverá uma maior exigência quanto ao mecanismo de mercado para computar aqueles custos sociais e ambientais que implicam nas decisões económicas assim como nas aplicações técnicas em matéria de recursos vitais; e, por último; e) haverá um reconhecimento maior dos problemas e das oportunidades do futuro às expensas do presente.

A noção de "troca" e sua lúcida perspectiva repercutirão com a mesma força tanto sobre a América Latina como sobre a empresa moderna que opera nela. Nem o empresário ousado, nem o técnico avançado, nem muito menos o politico moderno poderão deixar de reconhecer este fenómeno. A própria "troca" é, aqui, expressão máxima da dependência recíproca - que se manifesta com tanta força na ecologia e que o Dr. Barry Commoner define assim em sua primeira lei ecológica: "Tudo está relacionado com tudo o mais." Vale a pena examiná-la no contexto da América Latina e o papel da empresa nela.

2. A MÚTUA DEPENDENCIA-FENÔMENO NOVO

Na próxima década, quando o mundo conhecer um maior grau de dependência, a América Latina já não poderá sonhar com a tão desejada independência nem tampouco precisará padecer mais da tão criticada dependência. Mas se emerge uma interdependência entre as nações e continentes e, indiretamente, entre empresas e governos, é possível não visualizar uma semelhante interdependência entre empresas latinoamericanas? Aparentemente a própria competição no mercado e o caráter exclusivo das pesquisas tecnológicas, assim como as chamadas leis antitruste, excluem toda cooperação entre as empresas. Cooperação que seria fruto da mútua dependência. Cooperação que requer consenso político e vontade política para se manifestar. Este é o eixo crucial em nosso raciocínio sobre o futuro. Se se deseja inventar um futuro desejável e possível para a empresa latino-americana na próxima década, haverá algum sem mútua dependência e sem cooperação?

Para resolver este dilema crucial ê preciso que o empresário perceba o mundo - ou "seu" mundo - como uma só entidade orgânica e integrada, em vez de uma série de acontecimentos desconexos. Freqüentemente se usa, para ilustrar esta percepção um exemplo que aconteceu na chamada agroindústria e que envolve a dependência do fator meteorológico. Há três anos houve uma excepcional seca na Rússia que obrigou o governo a comprar 28 milhões de toneladas de cereais no exterior a fim de evitar racionamentos. Como as colheitas na Austrália e Argentina não foram propícias, a maior parte foi adquirida na América do Norte.

Mais ou menos ao mesmo tempo, desapareceram os enormes cardumes de anchovas ao longo das costas peruanas, fenômeno que causou uma excessiva demanda de soja em outros países, inclusive o Brasil. Foi então que ocorreram vários tornados nas Filipinas, enquanto que as, monções foram excepcionalmente baixas na Ásia Meridional. Em grande parte do mundo se reduziram drasticamente as reservas de alimentos e os preços começaram a subir consideravelmente. Isto desencadeou uma onda de compras especulativas que chegou até a cana-deaçúcar e ao cacau. Tão brusca foi a subida de preços dos alimentos que originou mais inflação mundial do que a crise do petróleo em 1973.

Este exemplo indica a extrema complexidade do contexto, que está sujeito a mudanças bruscas e fortes, globalmente interconectadas. De tudo isto surge a convicção de que só uma ação de conjunto - a nível de pesquisa, planejamento, diálogo com governos ou operações - poderá permitir às empresas latino-americanas e geral, enfrentar a próxima década com serenidade. Não basta enfrentà-la, é preciso inventá-la!

A próxima década promete ser benévola para a América Latina. Tal prognóstico não toma em conta a possibilidade de um conflito nuclear - já que não se pode planejar para o caso. O que se prevê é que a América Latina terá uma maior expansão económica relativamente aos demais continentes. Se devemos colocar números neste prognóstico, pode-se supor que em termos do poder aquisitivo de 1975, o produto continental subirá de US$ 270 bilhões (hoje) para uma cifra que variará entre US$ 444 e 500 bilhões em 1985, a um ritmo de expansão anual que vai de 5 a 6%. Sem dúvida, as médias costumam ser ilusórias, tanto através dos anos como através dos continentes e dos ramos da indústria.

3. O CONTEXTO EMPRESARIAL: TURVO OU CRISTALINO?

Em fevereiro de 1972, sob os auspícios da Casa Branca reuniram-se em Washington D.C. 1 500 dirigentes da empresa privada com dirigentes de outras atividades privadas e públicas. Discutiram durante três dias o tema "O mundo industrial pela frente em 1990", isto é, o mundo industrial 18 anos depois. Muitíssimo se pode aprender dessa reunião, cujos debates se imprimiram num livro de 330 páginas. Ao lê-lo 40 meses depois, pode-se perceber em que medida existia então a tentação de extrapolar e quanta resistência prevalecia contra um modelo econômico e industrial diferente do conhecido.

Obviamente é fácil criticar com o auxilio da retrospecção. Sem dúvida, acreditamos que é mais útil analisar, para beneficio dos empresários da América Latina, quais foram os prognósticos que se deixaram de lado e porquê. Observa-se, então, entre outras coisas, a notória síndrome da ópera chinesa, na qual o mensageiro que traz más notícias ao imperador è decapitado por ele como se tivesse culpa da adversidade. O resultado è que, ou o mensageiro não levava notícias verdadeiras ao imperador ou que este último deixou de ouvi-las. Aparentemente é muito difícil perceber o contexto tal como realmente é, e não como se gostaria que fosse. Não se reconhecendo a tempo e com toda lucidez as mudanças no contexto, perde-se a oportunidade de se adiantar a elas e de tomar medidas para evitar ou suavizar o seu impacto. Watergate, inflação, desocupação, Indochina, crise do petróleo, queda do dólar - são todos temas candentes de uma sociedade em profunda transição, mas que então aparentemente não comoveram a maioria dos empresários reunidos em Washington D.C.

Alguns prognósticos sobre o contexto empresarial na América Latina da próxima década são fáceis de se fazer. Até 1985 haverá 444 milhões de latino-americanos. Sua renda per capita, em dólares de hoje, passará de US$1 000 - mas com quase a mesma desigualdade em sua distribuição que a que existe atualmente. O "super" mercado latino-americano de 1985 estará fortemente influenciado pela posse do petróleo e de terras aráveis e férteis, assim como também por outros fatores que analisaremos em seguida.

Até 1985 o mundo abrirá novas janelas sobre o Oceano Pacifico - o futuro centro do mapa¬ mundi. Isto favorecerá os vizinhos do Pacifico, o que não impedirá que outros países da América Latina estabeleçam cabeças de pontes econômicas ou comércio no Oceano Pacifico. Talvez para essa época não esteja inaugurado o túnel sob a Cordilheira dos Andes que unirá Mendoza a Valparaiso, nem tão pouco a auto-estrada entre São Paulo e Lima ou o segundo canal do Panamá. Estas deficiências não impedirão a existência de novas correntes de intercâmbio através da América Latina, principalmente entre o Atlântico e o Pacifico.

Com estes exemplos queremos demonstrar que, na observação do contexto empresarial é preciso distinguir entre os fatores que abrangem toda a América Latina em geral e outros fatores mais específicos de cada pais ou de um grupo de paises. Por exemplo, um dos fatores mais importantes é a explosão demográfica que se manifesta em toda América Latina com exceção do Cono Sur. Onde acontece essa expansão demográfica de maneira acentuada as conseqüências para as empresas são múltiplas. Em tais paises, a metade do mercado é constituída por pessoas de menos de 18 anos de idade, e, em certos paises, a metade dos eleitores tem menos de 28anos! Dentro de um futuro previsível, a metade dos dirigentes e técnicos das empresas terá menos de 38 anos de idade. Existem muitas outras conseqüências, como por exemplo, a distribuição de demanda e a preferência juvenil de acordo com ela. Ao baixar a taxa de mortalidade muito mais rapidamente que a taxa de fertilidade, foram geradas tensões no ambiente social e politico. Naqueles paises ou regiões - a maioria da América Latina - onde a renda per capita é sumamente baixa, a explosão demográfica pode colocar-se contra o atual contexto empresarial. Este é, em minha opinião, o cerne do dilema.

4. O DRAMÁTICO CASO DO SETOR RURAL

Naquelas sociedades de grande expansão demográfica com uma economia que padece de um alto Índice de subemprego ou desemprego, è óbvio que a criação de fontes de trabalho seja a meta primordial dos governos - uma meta que afetará intimamente as empresas. Ninguém pode negar que existe um conflito básico entre dois objetivos opostos. Por um lado, è preciso que a indústria latino-americana se torne mais competitiva, mais eficaz e mais produtiva - o que requer maior densidade de capital de maquinaria e tecnologia. Por outro lado, è necessário que a indústria absorva maior quantidade de pessoas sem emprego ou padecendo subemprego. Esta "troca" (trade-off) as indústrias não podem fazer senão em conjunto com seus respectivos governos e dentro de um contexto setorial e/ou regional. É este o problema mais importante em que se defronta a América Latina, no que se refere à indústria. O acesso aos mercados mundiais, a seleção de tecnologia adequada, a criação de mercados internos de massa e outras prioridades giram em torno da "troca" entre produtividade e a criação de emprego. Em minha opinião pessoal, este dilema não poderá ser resolvido de forma satisfatória a não ser no âmbito do setor rural. Na maior parte da América Latina não se aproveita plenamente a generosidade de Nosso Senhor para com a terra latinoamericana. Nas décadas passadas, em muitos países, o setor agropecuário e até o setor florestal e de piscicultura, foram as vitimas de um processo acelerado de substituição de importações e de forte industrialização. Em muitos países o aumento anual da produção do campo tem sido inferior à taxa de expansão da economia em sua totalidade. Na perspectiva não-convencional, a maior reversão de tendências nos próximos 10 anos residirá precisamente neste aspecto. Haverá forçosamente uma maior atenção ao setor rural, da qual a indústria não terá outro remédio senão participar - por estranho que isso possa parecerá primeira vista. Quase todos os problemas da América Latina convergem para o setor rural: a) explosão demográfica; b) dieta inadequada; c) desemprego e subemprego; d) falta de educação e entretenimento; e) baixíssima renda per capita; f) falta de produção alimenticia e sua má distribuição; g) formação de megalópolis pelo êxodo rural, etc.

Não é fácil prognosticar um novo papel da empresa latino-americana na reversão desta tendência, com exceção da chamada agroindústria. Sem dúvida, è possível que uma excessiva preocupação do setor empresarial para urbanização produza problemas que tal magnitude e tal complexidade no setor rural que afetem adversamente a própria indústria talvez de forma agora pouco previsível. Dentro do conceito de inventar um futuro possível e desejável para a empresa latino-americana na próxima década, sem dúvida uma maior preocupação em conjunto, com o setor rural, è a primeiríssima prioridade.. Ê evidente que tal preocupação requer a colaboração dos governos. Mas não è menos evidente que a própria indústria está em condições de tomar a iniciativa em favor de sua futura prosperidade e sobrevivência.

5. NACIONALISMO VERSUS INTERNACIONALISMO

Como segunda prioridade vislumbra-se, a nível continental, uma antinomia entre nacionalismo e internacionalismo. Numa época em que muitos problemas são globais, interligados e urgentes, torna-se difícil captar as grandes ondas de nacionalismo que se originam em muitos países dentro e fora da América Latina. Este conceito de nacionalismo se estende continentalmente e se expressa em uma nascente solidariedade latinoamericana, ou sub-regional, frente a grandes mudanças na era mundial. O nacionalismo e o internacionalismo, apesar de suas aparências, não se excluem mutuamente. O nacionalismo é considerado como uma válvula de escape freqüentemente necessária para assegurar o equilíbrio interno entre forças contrárias.

Neste dilema se jogarão as grandes forças centrífugas e centrípetas que açoitam o mundo, inclusive a América Latina. E neste âmbito que convém analisar cada um dos países em separado, não em conjunto. Certos países terão tendência a se projetar como futuros fatores importantes na era mundial, de certa forma em aliança com os países plenamente industrializados.

Nesta opção entre uma projeção internacional e outra nacional, influenciará, sem dúvida, a seleção do modelo de consumo. Até aqui quase todos os países têm adotado um modelo que reflete a chamada sociedade de consumo que tanto caracterizou a América do Norte, Europa Ocidental e Japão nas últimas décadas, e que tem tido um dramático efeito de demonstração em muitos paises em vias de desenvolvimento. Em alguns países nasce uma preferência para um modelo alternativo, mas ele fica melhor em niveis conceptuais. Sem dúvida, è possível que na próxima década - sob influências estranhas - se delineie outro modelo em que se dará maior ênfase à satisfação de certas necessidades do consumo público à expensas, evidentemente, de alguns setores do consumo privado, principalmente os chamados suntuârios. Isto é parte do modelo de consumo que cada pais escolherá frente às pressões demográficas e outras e que serão expressão imediata do nacionalismo.

Por outro lado, a integração regional também será reflexo da luta entre nacionalismo e internacionalismo. Um mercado comum, uma zona livre de comércio e um pacto de programação industrial são expressões de certo desejo de internacionalismo. Ao fracassar alguns desses programas observa-se que o nacionalismo tem profundas raízes que se nutrem nos sacrifícios que inevitavelmente impõe todo acordo multinacional. Esta é outra ilustração dramática da "troca" que se forjará no contexto empresarial. Os obstáculos atuais à programação andina nos setores automotriz, petroquímico e metal-mecânlco exemplificam o cerne do dilema.

6. PARA UM "SCENÁRIO"1 1 Não traduzido, aqui, do inglês e significa, literalmente, esboço de um fiime dando sua história, cenas e direções para atores, etc. POSSÍVEL E DESEJÁVEL

Na "prospectiva" (arte e ciência de inventar um futuro) se usa como instrumento o chamado scenário. Será uma tarefa em conjunto das empresas latino-americanas planejar "sua" próxima década dentro do possível e desejável no contexto. Creio que os fios comuns através dos possíveis scenários podem ser definidos como: concentração, cooperação e integração, os quais não incluem outros denominadores comuns.

Por concentração se compreende a reversão de um processo existente de fragmentação, isto ê, um excessivo número de indústrias dentro do mesmo ramo. Por exemplo, a quantidade de indústrias alimentícias na América Latina é calculada em mais de dois mil. A concentração se fará tanto em nível setorial como em nível regional ou sub-reglonal. Se existir em fortíssimo conceito de concentração como resposta da indústria latino-americana às pressões da próxima década em seu contexto, sem dúvida a legislação poderá amoldar-se a tão premente mudança ou reversão de tendência.

A concentração é necessária não somente para permitir a cooperação como também para projetara indústria latino-americana em escala mundial. A frota grancolombiana ê um exemplo solitário. Na realidade, a concentração è uma reação a uma atitude paroquial que os que participam das reuniões setoriais da ALALC percebem freqüentemente e que, na opinião do autor, reflete o arraigamento das pessoas aos problemas do momento e de seu contexto geográfico mais imediato.

É de se esperar que a concentração (análoga ao que na física se chama "a massa critica") leva à cooperação. Ê possível, por exemplo, que empresas bancárias se concentrem colaborando no câmbio de títulos de propriedade, salvo num novo banco. A mesma idéia básica pode ser realizada mediante um maior intercâmbio industrial de peças e acessórios - não em nível comercial, somente, mas também em nivel industrial - em que certas indústrias se concentrem conjuntamente na produção de suas indústrias secundárias e até terciárias.

Talvez o conceito mais difícil de visualizar seja o da colaboração - uma vez que a empresa privada se constituiu e prosperou graças à competição. Para imaginar um futuro em que a competição e a colaboração possam coexistir é necessário eliminar o maior obstáculo que não se encontra nem na topografia nem na inconversibilidade das moedas nem na constituição (ainda que todas elas sejam barreiras reais), mas na mente de todos aqueles ascéticos que costumam nostálgicamente olhar para trás. O "scenário" presente prevê a reunião de fundos e talentos para criar uma nova mentalidade empresarial latino-americana - através das universidades de administração de empresa e também através de colóquios e seminários, de publicações e concursos, de intercâmbio de pessoal e de técnicos - como para conscientizar todos os empresários, de todos os niveis gerenciais e técnicos, quanto ao fato de que a concentração e a colaboração são instrumentos vitais para um futuro possível e desejável na América Latina

A integração, como terceiro fio comum, deriva da concentração e da colaboração. Num mundo em que todos os grandes problemas são globais, interligados e urgentes, não causa surpresa que a integração vertical e horizontal faça parte do scenário. Quando estudamos a integração econômica européia, percebemos que os fenômenos de concentração, colaboração e integração se tornaram no velho mundo a raiz do famoso livro O desafio americano de Jean-Jacques Servan-Schreiber. Cada continente e cada setbr necessita de um "desafio" para reagir. Dentro do desafio que introduzo, cabem medidas, de nomenclatura de produtos e qualidades, e de elementos para expressar de forma pragmática a reversão das tendências atuais. O grau de cooperação que se vislumbra estende-se aos institutos de pesquisa econômica, tecnológica, agrícolas e até sociais. Existe dentro desses institutos, na América Latina, uma riqueza potencial para o empresariado que facilmente pode ser usada em beneficio de todos. Isto è um exemplo da projeção para o contexto que a empresa latinoamericana tanto necessitará na próxima década. Como expressão máxima de tal scenário, antecipa-se uma colaboração mais estreita entre empresas e governos - fator decisivo no papel da empresa moderna na sociedade do futuro. Num continente no qual a metade de seus habitantes terá menos que 18 anos, a metade do eleitorado menos de 28 e a metade dos dirigentes, técnicos e profissionais menos de 38 anos, caberão programas e conceitos jovens, capazes de não ter raízes na vizinhança mais imediata nem no tempo nem no espaço geográfico. Talvez seja aquela explosão demográfica que em suas últimas conseqüências constitua a maior oportunidade, assim como o maior perigo para os empresários. Suas múltiplas Implicações não podem ser esboçadas a não ser breve e incompletamente. A explosão demográfica influi na composição da família, em seus hábitos e gostos com reflexos remotos em quase todos os ramos da indústria. O mesmo fenômeno exigirá uma maior prioridade governamental para habitação, educação e outras atividades que se traduzem em oportunidades empresariais. Do mesmo modo, e de forma mais indireta, criará tensões sociais que obrigarão os governantes a incentivar muito mais o setor rural em geral e o agro-pecuãrio em particular, com profundas repercussões no setor privado.

Da mesma maneira, ampliar-se-à a base da pirâmide do mercado com taxas de expansão raramente vistas na manufaturação de certos produtos de primeira necessidade. Ao mesmo tempo, as tensões sociais exigirão benefícios sociais diretos e indiretos que talvez não tenham relação com a produtividade mais imediata mas que serão difíceis de serem ignorados. Tais benefícios afetarão, por sua vez, o padrão de consumo, assim como a participação operária e campesiana no produto nacional bruto. Todas essas mudanças constituirão desafios que os empresários poderão parcialmente prever por meio do planejamento e ação em conjunto e de uma colaboração mais estreita com o setor público. A urbanização, o transporte, as comunicações, a educação - são todos segmentos da economia que se convertem em oportunidades empresariais, ainda que muitas vezes, no final da cadeia de mudanças.

Tudo isso se traduz, por sua vez, em novos canais de captação de poupanças e investimentos e de prioridades industriais. Através de todo o scenário corre o fio mais comum, mais frágil e mais importante: o da mútua dependência e da colaboração requerida se a união faz a força, ela será um fio forte capaz de tecer o futuro para a empresa latino-americana na próxima década.

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    Algumas observações apresentadas na reunião continental de CICYP em Buenos Aires - 27/28 de maio de 1975. - Traduzido do original em espanhol por Geni Goldschimidt.
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    Não traduzido, aqui, do inglês e significa, literalmente, esboço de um fiime dando sua história, cenas e direções para atores, etc.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1975
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