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NINA RIBEIRO: O RALPH NADER BRASILEIRO - A COLONIALIDADE DO SER DE UM ATIVISTA DO MOVIMENTO CONSUMERISTA NO BRASIL

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar, a partir da perspectiva decolonial, com foco na teoria da Colonialidade do Ser, o comportamento copiado de Nina Ribeiro em relação a Ralph Nader, e como tal comportamento influenciou o movimento consumerista brasileiro. Para tanto, foi realizada uma pesquisa histórica, comparando os principais marcos das trajetórias de Nader e Ribeiro nos movimentos consumeristas. A análise mostrou o processo colonial que sustentou a construção do movimento consumerista brasileiro, em geral, e o ativismo de Ribeiro, em particular, que buscou sua legitimidade por meio da importação de ideias estrangeiras, especialmente de Nader. No entanto, tais ideias nem sempre corresponderam à lógica plural local do Brasil, nem atenderam às necessidades dos grupos marginalizados e vulneráveis.

Palavras-chave:
consumerismo; decolonialismo; colonialidade do ser; Ralph Nader; Nina Ribeiro

ABSTRACT

This study analyzes the behavior of Nina Ribeiro mirroring Ralph Nader, based on the decolonial perspective and focusing on the theory of coloniality of being. The research explores how such behavior influenced the Brazilian consumer movement. Historical research was conducted to compare the main milestones in Nader’s and Ribeiro’s histories in consumer movements. The analysis showed the colonial process that underpinned the construction of the Brazilian consumer movement, in general, and the activism of Ribeiro, in particular, who sought legitimacy by importing foreign ideas, especially those of Nader. However, such ideas did not always correspond to the Brazilian local plural logic or meet the needs of marginalized and vulnerable groups.

Keywords:
consumerism; decolonialism; coloniality of being; Ralph Nader; Nina Ribeiro

RESUMEN

El presente estudio tiene como objetivo analizar, desde una perspectiva decolonial, con especial énfasis en la teoría de la colonialidad del ser, el comportamiento de Nina Ribeiro copiado de Ralph Nader, y cómo tal comportamiento influyó en el movimiento consumerista brasileño. Para ello, se realizó una investigación histórica, comparando los principales hitos de las trayectorias de Nader y Ribeiro en los movimientos consumeristas. El análisis mostró el proceso colonial que apoyó la construcción del movimiento consumerista brasileño, en general, y el activismo de Ribeiro, en particular, que buscó su legitimidad a través de la importación de ideas extranjeras, especialmente de Nader. Sin embargo, tales ideas no siempre se corresponden con la lógica local plural de Brasil, ni satisfacen las necesidades de los grupos marginados y vulnerables.

Palabras clave:
consumerismo; decolonialismo; colonialidad del ser; Ralph Nader; Nina Ribeiro

INTRODUÇÃO

Em março de 1962, o presidente dos Estados Unidos (EUA), John F. Kennedy, fez um discurso ao congresso anunciando a Declaração de Direitos do Consumidor, documento que se tornou a base normativa e conceitual formal para regulamentar o consumerismo em todo o mundo com base nos princípios de mercado (Hilton, 2007aHilton, M. (2007a). Social activism in an age of consumption: The organized consumer movement. Social History, 32(2), 121-143. doi:10.1080/03071020701245751
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). O discurso também contribuiu para definir a narrativa dominante sobre os “consumidores” e seus direitos “básicos” (United States of America, 1962United States of America. (1962, March 15). President (1961-1963: John F. Kennedy): Special message to the Congress on protecting the consumer interest. UCSB. Retrieved from https://www.presidency.ucsb.edu/documents/special-message-the-congress-protecting-the-consumer-interest
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), influenciando as políticas de organizações internacionais de defesa do consumidor, como a Consumers International, a União Europeia e as Diretrizes das Nações Unidas para a Defesa do Consumidor (Hilton, 2008Hilton, M. (2008). The death of a consumer society. Transactions of the Royal Historical Society, 18, 211-236. doi:10.1017/S0080440108000716
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). Tais organizações desenvolveram o consumerismo em escala global tendo por base esses princípios e defendendo sua adoção universal, tanto em países do Norte quanto do Sul Global.

O apoio dessas instituições a esse modelo levou a uma maior aceitação das práticas de mercado em todo o mundo (Harland, 1987Harland, D. (1987). The United Nations guidelines for consumer protection. Journal of Consumer Policy, 10(3), 245-266. doi: 10.1007/BF00411533
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). Como explica Gisela Taschner, uma das primeiras pesquisadoras na área de negócios e administração a discutir o consumerismo no Brasil: “o desenvolvimento da defesa do consumidor está ligado à consolidação da produção e do consumo em massa próprios do capitalismo” (Taschner, 2000Taschner, G. (2000). Consumerism and consumers in Brazil. RAE Light, 7(2), 8-11. doi: 10.1590/S0034-75902000000200015
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, p. 9). Ao longo do século XX, a adoção de orientações de mercado abriu caminho para que as multinacionais do Norte Global se expandissem para o exterior, com foco principalmente nos países do Sul Global. Essa dinâmica foi legitimada por um discurso hegemônico prometendo que essas corporações trariam progresso e melhoria na qualidade de vida dos consumidores (Durand, 2003Durand, J. (2003). Formação e internacionalização da sociedade de consumo norte-americana 1870-1930. São Paulo, SP: FGV EAESP Pesquisa.). Na prática isso não se cumpriu e o que se viu foi a exploração corporativa dos trabalhadores locais (Escobar, 2004Escobar, A. (2004). Beyond the Third World: Imperial globality, global coloniality and anti-globalisation social movements. Third World Quarterly, 25(1), 207-230. doi: 10.1080/0143659042000185417
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) e o desrespeito aos consumidores (Nader, 1977Nader, R. (1977). Introdução. In B. Kucinski, & R. J. Ledogar (ed.), Fome de lucros (pp. 9-13). São Paulo, SP: Editora Brasiliense.), especialmente no caso de grupos marginalizados.

Em meados da década de 1970, durante a ditadura civil-militar brasileira, foi implantada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar situações de negligência empresarial por parte de multinacionais do Norte Global que atuavam no Brasil (Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). A CPI foi um marco nas discussões locais sobre consumerismo, uma vez que ajudou a abrir espaço para o movimento consumerista apenas iniciado no Brasil (Começa hoje a CPI, 1976Começa hoje a CPI do consumidor. (1976, May 5). Folha de S. Paulo, Economia 23.), inspirado no movimento estadunidense (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.). Nesse período, o deputado Emilio Antônio Sousa Aguiar Nina Ribeiro - popularmente conhecido como Nina Ribeiro - se tornaria uma figura protagonista, atuando segundo preceitos consumeristas baseados no capitalismo moderno (Aventuras etimológicas, 1976Aventuras etimológicas. (1976, April 21). Folha de S. Paulo, Opinião 02.; CPI constata abusos, 1976CPI constata abusos contra consumidores. (1976, May 19), Folha de S. Paulo, Economia 14.; Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.).

Assim como outros ativistas brasileiros, Ribeiro se espelhava em Ralph Nader (Beting, 1974Beting, J. (1974, April 13). O pão nosso... Folha de S. Paulo, Economia 13.; Cautela em demasia, 1977Cautela em demasia. (1977, March 18). Folha de S. Paulo, Opinião 03.), advogado e ativista líder do movimento consumerista dos EUA. A exemplo de Nader, Ribeiro defendeu a adoção de princípios relacionados a defesa do consumidor tendo por base o mesmo discurso capitalista no qual Nader se fundamentava, um discurso em prol da diminuição das assimetrias entre consumidores e corporações por meio dos mercados (Boddewyn, 1985Boddewyn, J. (1985). Advertising self-regulation: Private government and agent of public policy. Journal of Public Policy & Marketing, 4(1), 129-141. doi: 10.1177/074391568500400110
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; Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.), o que, consequentemente, excluía outras possíveis formas e construções de sentidos para o consumerismo (Hemais & Faria, 2018Hemais, M., & Faria, A. (2018). Highlighting the darker side of liberal internationalism for a counter-colonizing consumerism. Latin American Business Review, 19(3-4), 349-373. doi: 10.1080/10978526.2018.1547643
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). Esse discurso consumerista capitalista tinha como pano de fundo as aspirações geopolíticas e a necessidade dos EUA e da Europa fortalecerem o capitalismo durante a Guerra Fria. Portanto, o consumerismo eurocêntrico tentou alinhar os países, especialmente no Sul Global, com os princípios modernistas do livre mercado (Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.).

A literatura consumerista em geral tem se calado em relação a esses aspectos geopolíticos por trás do movimento (Faria & Hemais, 2018Faria, A., & Hemais, M. (2018). Historicizando o novo consumerismo global sob uma perspectiva de mundos emergentes. RAC, 22(4), 577-599. doi: 10.1590/1982-7849rac2018170257
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). Em vez disso, historicamente, tem enquadrado tal ativismo como uma disputa entre consumidores e empresas, que deve ser resolvida por intervenções governamentais sobre os mercados, como forma de garantir orientações ao mundo corporativo mais centradas no consumidor (Kotler, 1972Kotler, P. (1972). What consumerism means for marketers. Harvard Business Review, 50(3), 48-57., 2020Kotler, P. (2020). Where does consumerism stand today? Journal of Creating Value, 6(2), 144-148. doi: 10.1177/2394964320962868
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). O silenciamento sobre esses importantes aspectos geopolíticos levou a uma noção generalizada de que existe apenas uma forma global de defesa do consumidor, homogeneizando, portanto, o conceito de consumerismo (Hemais, 2019Hemais, M. (2019). Eurocentric Influence on the Brazilian Consumer Defense Code. Journal of Historical Research in Marketing, 11(2), 203-226. doi: 10.1108/JHRM-12-2017-0073
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; Santos, 2009Santos, B. S. (2009). Um discurso sobre as ciências. São Paulo, SP: Cortez.).

De uma perspectiva decolonial, no entanto, é possível perceber que abordagens universais do Norte Global - como o modelo consumerista que se expandiu globalmente - são problemáticas, uma vez que se apresentam como capazes de explicar todos os fenômenos globais quando na verdade não podem fazê-lo pois são criadas em um determinado contexto e só explicam de forma viável fenômenos de seu contexto particular (Castro-Goméz, 2010Castro-Gómez, S. (2010). La hybris del punto cero: Ciencia, raza e ilustración en la Nueva Granada (1750-1816). Bogotá, Colombia: Editorial Pontificia Universidad Javeriana.). No caso do consumerismo - conceito criado no Norte Global, que teve seus dias de glória na sociedade liberal norte-americana do pós-guerra (Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.) - a adoção de seus princípios no Brasil durante um período de ditadura civil-militar, é exemplar nesse sentido, dada distância entre os contextos brasileiro e dos EUA.

Durante as décadas de 1960 e 1970, o Brasil era um país ainda marcado por tradições rurais, onde a população tinha pouco acesso aos meios de comunicação, bem diferente da realidade estadunidense. No entanto, o desejo de consumir produtos e serviços de todas as naturezas estava mais presente do que nunca na mente dos consumidores locais, da mesma forma que nos EUA; a diferença é que os brasileiros tinham um conhecimento muito limitado de seus direitos de consumo (Zülzke, 1991Zülzke, M. L. (1991). Abrindo a empresa para o consumidor: A importância de um canal de atendimento. Rio de Janeiro, RJ: Qualitymark.), enquanto os consumidores dos EUA já possuíam uma estrutura consumerista que contava com organizações focadas em não apenas defendê-los por meio de ações judiciais, mas também informá-los por meio de revistas, com artigos sobre (boas e más) práticas de mercado de empresas daquele país (Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.). Somente a partir da década de 1990 os brasileiros passaram a contar com importantes organizações consumeristas para defendê-los, como o Procon e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) (Hemais, 2018Hemais, M. (2018). Uma perspectiva pós-colonial sobre organizações consumeristas no Brasil. Caderno EBAPE.BR, 16(4), 594-609. doi: 10.1590/1679-395172972
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), e um sólido código de defesa do consumidor (Hemais, 2019Hemais, M. (2019). Eurocentric Influence on the Brazilian Consumer Defense Code. Journal of Historical Research in Marketing, 11(2), 203-226. doi: 10.1108/JHRM-12-2017-0073
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). Portanto, era difícil adotar plenamente no Brasil o tipo de consumerismo dos EUA que estava em expansão para o país.

Assim, essas abordagens universalistas legitimam os interesses das classes dominantes em detrimento da imposição violenta de valores eurocêntricos sobre as sociedades colonizadas (Mignolo, 2011Mignolo, W. (2011). The darker side of western modernity: Global futures, decolonial options. Durham, USA: Duke University Press Books.). Tal processo faz parte de uma narrativa maior criada pelas nações imperialistas e relacionada ao “progresso” (Castro-Gómez, 2005Castro-Gómez, S. (2005). Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da invenção do outro. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 169-186,S. Duarte & J. da Silva., Trans.). Buenos Aires, Argentina: Clacso.), que naturaliza a importação de modelos estrangeiros para nações com realidades plurais e distintas, mesmo quando tais modelos não atendem às necessidades locais (Mignolo, 2011Mignolo, W. (2011). The darker side of western modernity: Global futures, decolonial options. Durham, USA: Duke University Press Books.). Portanto, é ignorada a aceitação de interpretações alternativas relacionadas a determinado fenômeno, como o consumerismo, dada a existência de apenas um entendimento considerado válido - o eurocêntrico - do que pode ser uma questão consumerista (Hemais & Faria, 2018Hemais, M., & Faria, A. (2018). Highlighting the darker side of liberal internationalism for a counter-colonizing consumerism. Latin American Business Review, 19(3-4), 349-373. doi: 10.1080/10978526.2018.1547643
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).

Portanto, o presente estudo visa analisar, com base na perspectiva decolonial e com foco na teoria da Colonialidade do Ser (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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), o comportamento de Nina Ribeiro ao espelhar-se em Ralph Nader, e como tal comportamento influenciou o movimento consumerista brasileiro. A teorização decolonial sobre a Colonialidade do Ser, originalmente desenvolvida pelo autor peruano Anibal Quijano (1992)Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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, e continuada pelo pesquisador colombiano Nelson Maldonado-Torres (2008)Maldonado-Torres, N. (2008). A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento: Modernidade, império e colonialidade. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, 71-114., explica que o controle social e cultural do colonizado, juntamente com a imposição de uma imagem mistificada dos colonizadores, resulta na deslocalização do ser colonizado e sua desumanização, levando-o a adotar padrões etnocêntricos como o principal (ou único) meio de acesso ao poder e de ser ouvido. Aplicando-se tal teorização ao presente caso, é possível problematizar a narrativa consumerista dominante de Ribeiro, mostrando como as influências eurocêntricas se materializaram durante o desenvolvimento do consumerismo brasileiro, com o objetivo maior de manter o controle do Norte sobre o Sul Global (Hemais, 2019Hemais, M. (2019). Eurocentric Influence on the Brazilian Consumer Defense Code. Journal of Historical Research in Marketing, 11(2), 203-226. doi: 10.1108/JHRM-12-2017-0073
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).

O restante do artigo está dividido em mais seis seções. A próxima analisa a perspectiva decolonial, em particular a Colonialidade do Ser. A terceira seção apresenta as escolhas metodológicas do estudo e a quarta dá um breve histórico da atuação de Ralph Nader no final dos anos 1960 e nos anos 1970. Na quinta seção, discute-se o comportamento de Nina Ribeiro ao espelhar-se em Ralph Nader e na sexta analisa-se o ativismo de Nina Ribeiro a partir de uma perspectiva decolonial, adotando dimensões presentes na teoria da Colonialidade do Ser. A sétima e última parte apresenta as considerações finais.

A PERSPECTIVA DECOLONIAL E A COLONIALIDADE DO SER

Enquanto o termo “colonialismo” se refere a uma relação de dominação formal política, territorial e econômica (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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), a colonialidade “refere-se a antigos padrões de poder que surgiram como resultado do colonialismo, mas que definem a cultura, o trabalho, relações e produção de conhecimento muito além dos limites estritos das administrações coloniais” (Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being. Cultural Studies, 21(2), 240-270., p. 243). A colonialidade sobreviveu ao colonialismo. Ela continua sendo a principal forma pela qual os colonizadores do Norte Global mantêm o controle sobre os colonizados do Sul Global e foi adaptando-se ao longo da história até ser apropriado pelos EUA, especialmente após a Segunda Guerra Mundial (Mignolo, 2011Mignolo, W. (2011). The darker side of western modernity: Global futures, decolonial options. Durham, USA: Duke University Press Books.).

A colonialidade ajudou a criar a classificação “racional” eurocêntrica entre evoluídos (europeus) e selvagens (não europeus) como parte da lógica de classificação e hierarquização racial estabelecida por aqueles que se veem como seres superiores (Mignolo, 2011Mignolo, W. (2011). The darker side of western modernity: Global futures, decolonial options. Durham, USA: Duke University Press Books.). Foi com base nessa classificação racional e racial que as sociedades europeias consolidaram sua posição de dominação sobre os que estão fora de seu núcleo territorial (Escobar, 2004Escobar, A. (2004). Beyond the Third World: Imperial globality, global coloniality and anti-globalisation social movements. Third World Quarterly, 25(1), 207-230. doi: 10.1080/0143659042000185417
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), justificando sua imposição modernista através da ideia de que possuíam saberes superiores e sociedades mais avançadas (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Rio de Janeiro, RJ: Clacso.).

Essa dominação foi possível porque a modernidade foi avançada como o único caminho para o desenvolvimento da sociedade. A sociedade liberal industrial é a atual metanarrativa universal que representa a convergência de todas as culturas e sociedades. Portanto, a evolução necessariamente leva a certos ideais dominantes, como o livre mercado, as formas eurocêntricas de democracia, os paradigmas econômicos neoliberais, entre outros. Como existe um padrão “natural” para o que significa desenvolvimento, conhecimento e evolução, as culturas que não seguem tais ideologias também são “naturalmente” inferiores (Lander, 2005Lander, E. (2005). Ciências sociais: Saberes coloniais e eurocêntricos. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 21-53). Buenos Aires, Argentina: Clacso.). Isso leva à legitimação do pensamento dualista e à simplificação de dinâmicas culturais complexas (tradicional x moderno, primitivo x civilizado, etc.), além da distorção temporal das diferenças culturais (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Rio de Janeiro, RJ: Clacso.).

No entanto, a existência de um padrão “natural” e a presunção de que culturas que não seguem tal padrão seriam inferiores não são mais que mitos, já que o conceito racional de emancipação da modernidade é, desde o início, uma justificativa que busca legitimar a violência e o genocídio - portanto, a colonialidade (Dussel, 1993Dussel, E. (1993). Eurocentrism and modernity (introduction to the Frankfurt Lectures). Boundary 2, 20(3), 65-76. doi: 10.2307/303341
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). Quando a modernidade é considerada não como uma forma de saber peculiar a uma determinada época (segundo uma perspectiva específica do que é a racionalidade) mas como um tipo de conhecimento hegemônico e superior aos demais, uma realidade local acaba por tornar-se universal, estabelecendo-se a colonialidade do poder (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Rio de Janeiro, RJ: Clacso.).

O conceito de colonialidade do poder criado por Quijano (1992)Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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comporta três elementos: poder, saber e ser. Enquanto essa colonialidade se concentra nas relações de poder dominantes que foram criadas - e legitimadas - pela modernidade, a colonialidade do saber se volta aos processos coloniais que produzem saberes supostamente superiores, neutros e universais. A colonialidade do ser, por sua vez, aborda especificamente a experiência da colonização pelo colonizado. Assim, a colonialidade do saber é entendida como a dimensão epistêmica da colonialidade do poder, enquanto a colonialidade do ser é sua dimensão ontológica (Lander, 2005Lander, E. (2005). Ciências sociais: Saberes coloniais e eurocêntricos. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 21-53). Buenos Aires, Argentina: Clacso.; Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being. Cultural Studies, 21(2), 240-270.; Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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).

Pela colonialidade do saber, o Norte Global universaliza o saber eurocêntrico (Lander, 2005Lander, E. (2005). Ciências sociais: Saberes coloniais e eurocêntricos. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 21-53). Buenos Aires, Argentina: Clacso.), e o impõe ao Sul Global (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Rio de Janeiro, RJ: Clacso.). Tal imposição é possível uma vez que esse saber se expande globalmente como se fosse universal, transformando o conhecimento em algo superficial e falsamente homogêneo (Santos, 2009Santos, B. S. (2009). Um discurso sobre as ciências. São Paulo, SP: Cortez.). O saber ocidental torna-se um saber abissal, pois, ao elevar o conhecimento produzido pelo colonizador como superior e universal, torna inexistente o saber produzido pelo colonizado (Santos, 2007Santos, B. S. (2007). Beyond abyssal thinking: From global lines to ecologies of knowledges. Review, 30(1), 45-89. doi: 10.4324/9781315634876-9
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).

A modernidade tem, assim, utilizado a colonialidade do saber para inferiorizar o saber local, resultando na perda de singularidades e na imposição de novas identidades sociais e paradigmas europeus a todos (Escobar, 2004Escobar, A. (2004). Beyond the Third World: Imperial globality, global coloniality and anti-globalisation social movements. Third World Quarterly, 25(1), 207-230. doi: 10.1080/0143659042000185417
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). A premissa da superioridade econômico-intelectual-cultural europeia legitimava a colonização de “selvagens” e “primitivos”, especialmente na África e na América Latina (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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). A marginalização dos saberes e grupos não dominantes do Sul Global sustentaram saberes hierarquizados segundo classificações raciais (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Rio de Janeiro, RJ: Clacso.).

A ideia de Colonialidade do Ser é composta por três aspectos principais, todos relacionados à classificação humana. Primeiro, há a ideia de classificação segundo o lócus de enunciação, colocando os povos do Norte Global em posição de superioridade e marginalizando aqueles que não fazem parte desse grupo (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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). Segundo, há classificações dos povos segundo outras características, como raça, gênero, orientação sexual e condições sociais e financeiras, colocando em um padrão mais elevado homens brancos, heterossexuais, de classes mais abastadas (Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being. Cultural Studies, 21(2), 240-270.). Por fim, há a autoimposição da colonialidade, que acontece quando grupos ou indivíduos colonizados adotam saberes e práticas coloniais porque acreditam ser a única maneira de obter reconhecimento e ser ouvido (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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).

Consequentemente, como explica Maldonado-Torres (2017)Maldonado-Torres, N. (2017). On the coloniality of human rights. Revista Crítica de Ciências Sociais, 114, 117-136. doi: 10.4000/rccs.6793
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, a universalidade de certos direitos em relação ao ser humano - como no caso da universalidade dos direitos do “consumidor” - é delimitado primeiramente pelo que se considera constituir efetivamente o estado de ser humano. Além de uma linha secular que separava o divino do humano, o conceito ocidental hegemônico moderno de humano surgiu em relação a uma linha colonial onto-maniqueísta que muitas vezes torna o discurso dos direitos humanos cúmplice do colonialismo moderno ou ineficiente para abordá-lo (pág. 117).

A legitimação das ideias produzidas pelo Norte Global e do Ser (composto pelos grupos elitistas da mesma região), têm seduzido grupos não dominantes em direção ao paradigma eurocêntrico, na expectativa que a adoção desses paradigmas represente acesso ao poder (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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). Consequentemente, estudiosos latino-americanos têm optado por adotar padrões etnocêntricos em um processo de colonialidade autoimposta (Ibarra-Colado, 2008Ibarra-Colado, E. (2008). Is there any future for critical management studies in Latin America? Moving from epistemic coloniality to “trans-discipline”. Organization: Speaking Out, 15(6), 932-935. doi: 10.1177/1350508408095822
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), porque veem tais padrões como a única maneira de ter “mais humanidade” (Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being. Cultural Studies, 21(2), 240-270.) e, como resultado, mais reconhecimento.

METODOLOGIA

Os estudos dominantes no campo do consumerismo favorecem principalmente a produção de conhecimento a partir dos “círculos” anglo-americanos, com a subalternização dos saberes originados em outros loci (Hemais, 2019Hemais, M. (2019). Eurocentric Influence on the Brazilian Consumer Defense Code. Journal of Historical Research in Marketing, 11(2), 203-226. doi: 10.1108/JHRM-12-2017-0073
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). Deve-se considerar a dificuldade de produzir conhecimento a partir de uma perspectiva não hegemônica, uma vez que se trata de promover a construção de “um mundo em que muitos mundos e saberes podem coexistir” (Faria, 2014Faria, A. (2014, August). Border thinking in action: Should critical management studies get anything done? In: V. Maplin, J. Murphy & M. Siltaoja, (Eds.), Getting Things Done (Dialogues in Critical Management Studies) (pp. 277-300). London UK: Emerald., p. 279). Assim, a opção por trabalhar o decolonial no presente trabalho é pertinente, uma vez que tal perspectiva não busca se impor ontológica e epistemologicamente. Ao contrário, visa reduzir as assimetrias entre os saberes dos colonizadores e os dos colonizados por meio do estímulo à criação de saberes plurais e racialmente não hierarquizados (Maldonado-Torres, 2008Maldonado-Torres, N. (2008). A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento: Modernidade, império e colonialidade. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, 71-114.).

O presente estudo consiste em uma pesquisa histórica sob a perspectiva decolonial, compreendendo que tal perspectiva consiste na exposição do lado colonialista de certos fenômenos, ignorado e subestimado pela modernidade (Mignolo, 2011Mignolo, W. (2011). The darker side of western modernity: Global futures, decolonial options. Durham, USA: Duke University Press Books.). A pesquisa questiona a legitimidade da aplicação de modelos criados pelo Norte Global (e a serviço de seus interesses) no contexto do Sul Global, uma vez que esse último tem necessidades e particularidades próprias. Esse questionamento se baseia em uma análise crítica da construção histórica moderna da superioridade ocidental e dos estudos dominantes sobre o consumerismo (Faria & Hemais, 2018Faria, A., & Hemais, M. (2018). Historicizando o novo consumerismo global sob uma perspectiva de mundos emergentes. RAC, 22(4), 577-599. doi: 10.1590/1982-7849rac2018170257
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).

Para desenvolver uma pesquisa histórica contemplando a perspectiva decolonial, foi criada uma narrativa ampla, dividida posteriormente em subnarrativas que problematizam os discursos dominantes do fenômeno em análise. Foram utilizadas diversas fontes de dados secundários para gerar complementaridade em relação às informações coletadas, entre elas fontes documentais, impressas, orais e fontes bibliográficas. O Quadro 1, a seguir, lista as principais fontes e sua origem:

Quadro 1
Principais fontes da pesquisa

Para oferecer uma melhor lógica de comparação entre a trajetória de Ralph Nader no movimento consumerista dominante nos Estados Unidos e a de Nina Ribeiro em sua contraparte brasileira, os temas abordados para analisar cada um são parecidos. As trajetórias de Nader e Ribeiro são divididas, cada qual, na (1) trajetória das personagens como ativistas; e nos (2) temas abordados pelos dois.

Os dados coletados foram analisados em duas etapas, considerando as narrativas principais e alternativas desenvolvidas sob a perspectiva decolonial. Primeiramente, os dados foram organizados para estabelecer eventos históricos associados às trajetórias de ativismo consumerista de Nader e Ribeiro. Esse processo também foi adotado para analisar aspectos coloniais relacionados aos principais movimentos consumeristas de uma forma mais geral, como mostra o Quadro 2:

Quadro 2
As três colonialidades e o consumerismo colonialError! Not a valid link.

Essa organização dos dados contribuiu para o mapeamento de informações faltantes, para que fossem encontradas em diferentes fontes e permitissem uma compreensão mais ampla dos fenômenos em análise.

A segunda etapa da análise dos dados consistiu na interpretação das informações organizadas, que começou por estabelecer semelhanças e diferenças entre os dados, de modo a permitir agrupá-los em categorias de análise. Nesse processo, foi possível estabelecer duas categorias principais (denominadas “Ralph Nader e o consumerismo americano dominante” e “O Ralph Nader brasileiro: o ativismo consumerista de Nina Ribeiro”). Elas foram subdivididas em duas subcategorias (denominadas “As origens de Ralph Nader (Nina Ribeiro) como ativista” e “Temas abordados por Ralph Nader (Nina Ribeiro)”). Esses achados foram então analisados com base na perspectiva decolonial da Colonialidade do Ser, e apresentados na seção intitulada “O Consumerismo Colonial e Nina Ribeiro”.

RALPH NADER E O CONSUMERISMO AMERICANO DOMINANTE

Em meio a uma disputa entre nações capitalistas e comunistas para ver qual se ergueria como a principal potência global, relacionar o conceito de bem-estar ao consumo, e não ao trabalho, era essencial (Hilton, 2007bHilton, M. (2007b). Consumers and the State since the Second World War. Annals of the American Academy of Political and Social Science, 611(1), 66-81. doi: 10.1177/0002716206298532
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). A exportação e internacionalização do consumerismo, portanto, foi realizada com esse objetivo, a fim de ajudar a consolidar a hegemonia socioeconômica e cultural dos EUA no mundo. A obra de Ralph Nader, nesse sentido, foi parte integrante desse processo.

O presente estudo não nega a relevância do ativismo de Ralph Nader para o avanço do consumerismo global. Reconhece-se que o ativista lutou pela redução das assimetrias entre consumidores e corporações - ainda que não tenha alcançado plenamente seus objetivos (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.). No entanto, busca-se oferecer uma análise crítica sobre a forma como suas crenças foram impostas globalmente como se fossem uma forma única de consumerismo, ofuscando visões alternativas em torno do surgimento do ativismo em defesa do consumidor.

As origens de Ralph Nader como ativista

Considerado um dos líderes do movimento consumerista nos EUA nas décadas de 1960 e 1970, Ralph Nader iniciou seu ativismo alguns anos após a Consumer Bill of Rights (lei dos direitos do consumidor) proposta pelo presidente Kennedy, com seu discurso liberal que marcaria o consumerismo dali em diante (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.). O consumerismo, na época, surgiu junto com outros movimentos sociais, como o movimento feminista, os movimentos operários e os movimentos pelos direitos civis, que eram populares e que transformaram ativistas como Nader (Hilton, 2007bHilton, M. (2007b). Consumers and the State since the Second World War. Annals of the American Academy of Political and Social Science, 611(1), 66-81. doi: 10.1177/0002716206298532
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) em figuras de destaque (Hilton, 2008Hilton, M. (2008). The death of a consumer society. Transactions of the Royal Historical Society, 18, 211-236. doi:10.1017/S0080440108000716
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).

Nader tornou-se conhecido do público estadunidense por seu papel na defesa dos consumidores com o lançamento de seu livro Unsafe at Any Speed (Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.), de 1965. Na obra, Nader fez duras críticas à companhia automobilística General Motors (GM), tornando-se muito popular no país (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.) e notado pela mídia (Lawyer charges autos, 1965Lawyer charges autos safety lag. (1965, November 30). New York Times, Business Financial 68.).

O lançamento do livro coincidiu com uma investigação sobre segurança nos veículos ocorrida no Senado dos Estados Unidos. Temendo perder lucros por causa das acusações feitas no livro (Klebanow & Jonas, 2003Klebanow, D., & Jonas, F. L. (2003). People’s lawyers: Crusaders for justice in American history. Armonk, USA: M. E. Sharpe.), a GM mergulhou na vida de Nader, o que gerou críticas da mídia e da população, e transformou Nader em herói nacional (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.; Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.). A empresa acabou pedindo desculpas publicamente a Nader (Rugaber, 1966Rugaber, W. (1966, March 22). GM apologizes for harassment of critic. New York Times, 1. Retrieved from https://www.nytimes.com/1966/03/23/archives/gm-apologizes-for-harassment-of-critic-gm-apologizes-for-harassment.html
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).

O ativista processou a GM por violar sua privacidade, venceu o processo e seu livro se tornou um marco para o movimento de defesa do consumidor da década de 1960 (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.; The Nader Settlement, 1970The Nader Settlement. (1970, August 17). New York Times, 26. Retrieved from https://www.nytimes.com/1970/08/17/archives/the-nader-settlement.html
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). O dinheiro recebido da ação foi investido em um escritório de advocacia destinado a investigar produtos nocivos ao consumidor (Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.). O trabalho de Nader é considerado fundamental para a adoção internacional de cintos de segurança e airbags nos veículos (Klebanow & Jonas, 2003Klebanow, D., & Jonas, F. L. (2003). People’s lawyers: Crusaders for justice in American history. Armonk, USA: M. E. Sharpe.).

Temas abordados por Ralph Nader

A popularidade de Nader aumentaria ao longo dos anos, gerando convites para participar de eventos até na Casa Branca (Klebanow & Jonas, 2003Klebanow, D., & Jonas, F. L. (2003). People’s lawyers: Crusaders for justice in American history. Armonk, USA: M. E. Sharpe.). Ao contrário do que o esperado pela GM, a investigação da empresa acabou promovendo a popularidade do ativista, revelando que Nader vivia uma vida modesta, não consumia em demasia e se dedicava a trabalhar em defesa do consumidor (Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.). Alguns anos após a publicação do livro de Nader - Unsafe at Any Speed - várias leis de amparo ao consumidor seriam introduzidas, além do fortalecimento das instituições de proteção e regulamentação do consumo (Hilton, 2008Hilton, M. (2008). The death of a consumer society. Transactions of the Royal Historical Society, 18, 211-236. doi:10.1017/S0080440108000716
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).

Ralph Nader ampliou seus debates e críticas para outras áreas além da indústria automobilística, como meio ambiente (Jovens denunciam poluidores do ar, 1970Jovens denunciam poluidores do ar. (1970, May 18). Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno 16.), alimentação (Kucinski & Ledogar, 1977Kucinski, B., & Ledogar R. (1977). Fome de lucros. São Paulo, SP: Editora Brasiliense.), bem-estar corporativo, liberdade de informação, previdência e energia nuclear. No entanto, seu foco principal nos anos seguintes foi lutar pela defesa do consumidor contra as grandes indústrias (Klebanow & Jonas, 2003Klebanow, D., & Jonas, F. L. (2003). People’s lawyers: Crusaders for justice in American history. Armonk, USA: M. E. Sharpe.), criticando seu poder e sua falta de responsabilidade para com os clientes (Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.). No entanto, continuou com um discurso liberal (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.), que limitava a compreensão do consumerismo e reduzia os consumidores a grupos privilegiados (Hemais, 2018Hemais, M. (2018). Uma perspectiva pós-colonial sobre organizações consumeristas no Brasil. Caderno EBAPE.BR, 16(4), 594-609. doi: 10.1590/1679-395172972
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), omitindo grupos normalmente marginalizados como afro-americanos, hispânicos e povos originários do que atualmente é território dos EUA (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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).

A influência de Nader não se limitou aos EUA. Ele se expandiu para outros países (Kucinski & Ledogar, 1977Kucinski, B., & Ledogar R. (1977). Fome de lucros. São Paulo, SP: Editora Brasiliense.) e o “naderismo” se tornou uma “marca” para ativistas e movimentos consumeristas de outras regiões (Hilton, 2007bHilton, M. (2007b). Consumers and the State since the Second World War. Annals of the American Academy of Political and Social Science, 611(1), 66-81. doi: 10.1177/0002716206298532
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). Na década de 1970, o ativista passou a criticar o papel das multinacionais estadunidenses nos países em desenvolvimento (Ralph Nader critica as multinacionais, 1973Ralph Nader critica as multinacionais. (1973, September 14). Folha de S. Paulo, 25.), incluindo os casos de multinacionais atuando na América Latina (Nader, 1977Nader, R. (1977). Introdução. In B. Kucinski, & R. J. Ledogar (ed.), Fome de lucros (pp. 9-13). São Paulo, SP: Editora Brasiliense.) e, mais especificamente, no Brasil (Câmara dos Deputados, 1976Câmara dos Deputados. (1976, October 6). Projeto de Lei n. 2.961. Dispõe sobre a propaganda e a publicidade nas entidades executantes dos serviços de radiodifusão, e determina outras providências. Diário do Congresso Nacional, Brasília, DF, Section I, 10010-10012.; Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.).

Em 1970, o jornal brasileiro A Folha de S. Paulo faria sua primeira reportagem sobre Ralph Nader (Jovens denunciam poluidores do ar, 1970Jovens denunciam poluidores do ar. (1970, May 18). Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno 16.) e, a partir de então, ele se tornaria um símbolo do movimento consumerista no Brasil (Beting, 1973Beting, J. (1973 September 18). O “naderismo” hoje. Folha de S. Paulo, Economia 19.; Em defesa dos consumidores, 1975Em defesa do consumidor. (1975, December 30). Folha de S. Paulo, Economia 18.; IstoÉ, 1976IstoÉ: chegou uma revista que dá o que pensar. (1976, May 18). Folha de S. Paulo, 9.). Seus críticos importaram as opiniões do movimento da Nova Direita Estadunidense (Beting, 1973Beting, J. (1973 September 18). O “naderismo” hoje. Folha de S. Paulo, Economia 19.; Cavaleiro para os consumidores, 1972Cavaleiro para os consumidores. (1972, November 25). Folha de S. Paulo, Folha Ilustrada 35.), assim como os ativistas brasileiros importaram os argumentos de Nader (Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.; Zülzke, 1991Zülzke, M. L. (1991). Abrindo a empresa para o consumidor: A importância de um canal de atendimento. Rio de Janeiro, RJ: Qualitymark.). Foi o caso, por exemplo, do projeto de lei sobre informações a respeito do uso de medicamentos. Seu autor, Nina Ribeiro, justificou a elaboração do projeto a partir de um livro de Ralph Nader, que tratava da exploração das multinacionais farmacêuticas na América Latina (Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). Essa foi uma das muitas vezes que Ribeiro “usou” Nader para justificar sua abordagem consumerista, como mostraremos a seguir.

O RALPH NADER BRASILEIRO: O ATIVISMO CONSUMERISTA DE NINA RIBEIRO

O tema do consumerismo veio à tona definitivamente no Brasil na década de 1970, impulsionado pela influência externa (Cavalcanti, 2008Cavalcanti, A. R. (2008). Congressos Brasileiros de Publicidade I, II e III: Versão compilada. São Paulo, SP: ABAP. Retrieved from http://www.abapnacional.com.br/images/publicacoes/123_congressos.pdf
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) do crescimento do movimento liderado por Ralph Nader nos EUA e internacionalmente (Hilton, 2008Hilton, M. (2008). The death of a consumer society. Transactions of the Royal Historical Society, 18, 211-236. doi:10.1017/S0080440108000716
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) e por mudanças internas envolvendo o desenvolvimento da indústria de bens de consumo no país (Durand, 2008Durand, J. (2008). Formação do campo publicitário brasileiro 1930-1970. São Paulo, SP: FGV EAESP Pesquisa.). Acrescentam-se ainda os problemas observados na relação entre consumidores e multinacionais estrangeiras atuando no Brasil (Kucinski & Ledogar, 1977Kucinski, B., & Ledogar R. (1977). Fome de lucros. São Paulo, SP: Editora Brasiliense.).

Entre as décadas de 1960 e 1970, houve um aumento nas discussões sobre temas relacionados à defesa do consumidor no Brasil em jornais, conferências (Zülzke, 1991Zülzke, M. L. (1991). Abrindo a empresa para o consumidor: A importância de um canal de atendimento. Rio de Janeiro, RJ: Qualitymark.), e também no Congresso Nacional. Os temas e as discussões foram pautados e incentivados pelo que estava acontecendo no movimento consumerista liderado por Nader nos EUA (Jovens denunciam poluidores do ar, 1970Jovens denunciam poluidores do ar. (1970, May 18). Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno 16.). No entanto, assim como a Nova Direita combateu o consumerismo de Nader naquele país (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.), houve também uma reação das elites corporativas conservadoras brasileiras (Beting, 1971Beting, J. (1971, July 18). A culpa de todos. Folha de S. Paulo, 3º Caderno 24.; Pereira, 1976Pereira, O. (1976, January 12). A defesa do consumidor. Folha de S. Paulo, Opinião 2.).

Os debates consumeristas no Brasil foram travados por grupos privilegiados, silenciando grupos marginalizados. Assim como nos EUA, o movimento consumerista brasileiro dos anos 1970 teve como base constitutiva o modelo econômico capitalista, e foi dominado pela elite branca (política e empresarial), especialmente diante dos problemas enfrentados pela atuação - quando considerada inadequada - das empresas multinacionais no Brasil (Kucinski & Ledogar, 1977Kucinski, B., & Ledogar R. (1977). Fome de lucros. São Paulo, SP: Editora Brasiliense.; Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.; Zülzke, 1991Zülzke, M. L. (1991). Abrindo a empresa para o consumidor: A importância de um canal de atendimento. Rio de Janeiro, RJ: Qualitymark.). Embora a discussão consumerista dominante fosse limitada pela agenda capitalista estadunidense, os ativistas do movimento brasileiro receberam críticas da mídia, de grupos empresariais e de políticos (Perigos da CPI, 1976Perigos da CPI de defesa do consumidor. (1976, May 30). Folha de S. Paulo, 8.; Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.).

No início da década de 1970, Nader passou a ser mencionado em reportagens no Brasil (Jovens denunciam poluidores do ar, 1970Jovens denunciam poluidores do ar. (1970, May 18). Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno 16.; Para ser do sindicato basta consumir, 1970Para ser do sindicato basta consumir. (1970, May 29). Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno 6.). Em pouco tempo, a imprensa nacional importou o termo “naderismo” (Beting, 1973Beting, J. (1973 September 18). O “naderismo” hoje. Folha de S. Paulo, Economia 19.), e observava o ativista com um misto de desconfiança e interesse (Beting, 1974Beting, J. (1974, April 13). O pão nosso... Folha de S. Paulo, Economia 13.). Apesar das controvérsias que o cercavam, iniciativas de consumo semelhantes às que ele desenvolveu nos Estados Unidos começaram a se espalhar no Brasil (Lei de proteção do consumidor, 1973Lei de proteção para consumidor. (1973, September 23). Folha de S. Paulo, 2º Caderno 25.; Leis que defendam mais o consumidor, 1973Leis que defendam mais o consumidor. (1973, September 21). Folha de S. Paulo, Local 8.; Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.).

Não demorou para que os defensores do consumidor brasileiro começassem a aparecer e a buscar uma posição de liderança (IstoÉ, 1976IstoÉ: chegou uma revista que dá o que pensar. (1976, May 18). Folha de S. Paulo, 9.), com ideais que se espelhavam nos do consumerismo dos EUA (Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). Assim, a vertente colonial e geopolítica do consumerismo esteve na base do movimento (Hemais, 2018Hemais, M. (2018). Uma perspectiva pós-colonial sobre organizações consumeristas no Brasil. Caderno EBAPE.BR, 16(4), 594-609. doi: 10.1590/1679-395172972
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) e de sua liderança. A naturalização da tendência à importação de saberes de grupos dominantes levou à adoção de valores neoliberais como sinônimo de progresso (Lander, 2005Lander, E. (2005). Ciências sociais: Saberes coloniais e eurocêntricos. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 21-53). Buenos Aires, Argentina: Clacso.) e, com isso, a importação de uma ideia reducionista de consumerismo que cobria apenas questões elitistas de consumo em consonância com a lógica capitalista modernista (Hemais & Faria, 2018Hemais, M., & Faria, A. (2018). Highlighting the darker side of liberal internationalism for a counter-colonizing consumerism. Latin American Business Review, 19(3-4), 349-373. doi: 10.1080/10978526.2018.1547643
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).

Origens de Nina Ribeiro como ativista

Os princípios do movimento consumerista estadunidense se consolidaram no Brasil, e seus modelos de liderança também inspiraram os brasileiros. Um dos ativistas de maior destaque no Brasil na década de 1970 foi o deputado federal Emilio Antônio Sousa Aguiar Nina Ribeiro - Nina Ribeiro - conhecido como o “Ralph Nader brasileiro” (Cautela em demasia, 1977Cautela em demasia. (1977, March 18). Folha de S. Paulo, Opinião 03.). Inspirado por uma viagem que fizera aos Estados Unidos, Ribeiro coletou material relacionado às investigações de empresas multinacionais realizadas por Nader e usou-o como inspiração para fazer algo semelhante no Brasil (Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.).

O deputado apresentou na Câmara dos Deputados um projeto de lei que visava aumentar a segurança dos veículos, incorporando a legislação dos EUA e dos países europeus (Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). O projeto de lei foi elaborado para obrigar as empresas a incluir equipamentos de segurança nos veículos (Projeto pede maior segurança, 1976). Nesse mesmo ano, foi solicitada a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com o objetivo de investigar a segurança dos veículos fabricados no Brasil. A justificativa para o projeto era que “(...) os veículos automotores fabricados no Brasil são, em comparação com os similares estrangeiros, marcadamente menos qualificados, refletindo-se tal inferioridade nos mínimos detalhes, desde os pneus à fuselagem” (Câmara dos Deputados, 1976Câmara dos Deputados. (1976, October 6). Projeto de Lei n. 2.961. Dispõe sobre a propaganda e a publicidade nas entidades executantes dos serviços de radiodifusão, e determina outras providências. Diário do Congresso Nacional, Brasília, DF, Section I, 10010-10012., p. 3279).

O tema também foi um dos mais discutidos na CPI do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Em seu depoimento, Ribeiro lamentou a necessidade de fazer uma campanha tão extensa para exigir, para o consumidor brasileiro, recursos de segurança que as montadoras já haviam implementado nos EUA e na Europa (Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). O presidente da CPI, deputado Sebastião Rodrigues, manifestou preocupação com a declaração de Ribeiro. Segundo Rodrigues, aumentar as características de segurança dos automóveis e criar exigências no Brasil semelhantes às do Norte Global podem impedir que montadoras estrangeiras produzam veículos no Brasil (Rodrigues, 1977). Sua afirmação se alinhava com a ideia de “progresso” relacionada ao modelo econômico norte-americano (Hemais & Faria, 2018Hemais, M., & Faria, A. (2018). Highlighting the darker side of liberal internationalism for a counter-colonizing consumerism. Latin American Business Review, 19(3-4), 349-373. doi: 10.1080/10978526.2018.1547643
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), que relacionava o “avanço” das nações subdesenvolvidas com os investimentos dessas empresas estrangeiras (Kucinski & Ledogar, 1977Kucinski, B., & Ledogar R. (1977). Fome de lucros. São Paulo, SP: Editora Brasiliense.).

Temas abordados por Nina Ribeiro

Nina Ribeiro construiu seu ativismo espelhado nos resultados do movimento consumerista dos EUA e nas atividades de Ralph Nader (Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). Por exemplo, o ativista brasileiro reclamou da falta de uma publicação equivalente ao Consumer’s Guide, publicado pela Consumers Union - importante organização de defesa do consumidor estadunidense -, que visava informar os consumidores sobre produtos e serviços por meio de testes de qualidade. Também importou uma das críticas de Nader ao uso da obsolescência programada pelas empresas de lâmpadas, e apresentou um projeto de lei abordando o padrão de qualidade e durabilidade das lâmpadas (Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.).

Os temas levantados por Ribeiro, que imitavam as reclamações dos consumidores nos EUA, principalmente as reclamações expressas por Nader, incluíam diversos setores com influência político-econômica, como as companhias farmacêuticas, automobilísticas e de alimentos e bebidas (Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). Assim como Nader havia se tornado um símbolo de ameaça às corporações e defensores do mercado (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.), Ribeiro foi considerado uma ameaça às multinacionais que atuavam no Brasil, principalmente quando passou a criticar empresas como GM, Standard Oil e Coca-Cola (Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.).

Apesar do apoio do empresariado à queda do presidente brasileiro João Goulart (Spohr, 2016SPHOR, M. G. (2016) American Way of Business: empresariado brasileiro e norte-americano no caminho do golpe empresarial-militar de 1964. (doctoral dissertation). Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro.) e seu apoio contínuo à ditadura civil-militar (Cartoce, 2017Cartoce, R. (2017). A capa dourada dos anos de chumbo: Apontamentos sobre as relações entre o setor publicitário e a ditadura militar brasileira. Angelus Novus, 11, 33-52. Retrieved from http://www.revistas.usp.br/ran/article/view/98307
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), nem sempre as autoridades políticas estiveram ao lado dessa elite. Algumas autoridades políticas demonstravam atitudes pró-mercado, enquanto outras buscavam atender as solicitações pró-consumidor. Em 1976, por exemplo, o deputado José Bonifácio apoiou a proposta de Ribeiro de criar uma CPI para investigar práticas abusivas de preços. No entanto, diferentemente de Ribeiro, que queria investigar corporações, Bonifácio defendia a verificação dos preços estabelecidos por comerciantes, mercearias e lojistas (Bonifácio apoia CPI, 1976Bonifácio apoia CPI sobre preços. (1976, March 23). Folha de S. Paulo, Política 3.). Assim como a Nova Direita nos EUA, Bonifácio desconstruiu o discurso dominante do movimento consumerista sem criticar diretamente os direitos propostos em nome dos consumidores (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.).

Na mesma época, Ribeiro apresentou um pedido de instauração de uma CPI para investigar a Coca-Cola, empresa que também foi alvo de críticas de Nader (Nader, 1977Nader, R. (1977). Introdução. In B. Kucinski, & R. J. Ledogar (ed.), Fome de lucros (pp. 9-13). São Paulo, SP: Editora Brasiliense.). Havia suspeitas de que a empresa havia suspendido as investigações policiais sobre a morte de dois funcionários no tanque de xarope de uma de suas fábricas. A reação dos parlamentares pró-mercado foi adiar várias vezes a votação do pedido, sem, no entanto, se opor abertamente à iniciativa (Será requerida CPI, 1976Será requerida CPI para o caso Coca-Cola. (1976, March 26). Folha de S. Paulo, Nacional 6.). Apesar de não necessariamente ser sempre bem-sucedido, o comportamento de Ribeiro em espelhar-se no naderismo estadunidense foi uma constante em sua vida.

CONSUMERISMO COLONIAL E NINA RIBEIRO

Essa seção discute o processo colonial observado na história de Nina Ribeiro, especialmente aquela que se compara a trajetória de Ralph Nader. Na primeira subseção, apresenta-se uma análise da Colonialidade do Ser na “construção” do ativista brasileiro Nina Ribeiro, enquanto a segunda discute como os processos imperialistas que levaram ao colonialidade do ativismo de Nina Ribeiro também estão presentes nas principais discussões sobre o consumerismo como um todo.

Nader, Ribeiro e a Colonialidade do Ser

Ao importar um modelo estrangeiro de consumerismo, desenvolvido por grupos dominantes e elitistas (neste caso, liderados por Ralph Nader), o ativismo de Nina Ribeiro não cobriu várias questões relacionadas às realidades locais ou questões complexas de grupos marginalizados. É possível observar alguns pontos da trajetória de Nina Ribeiro que indicam as classificações presentes na noção de Colonialidade do Ser.

Ralph Nader, sendo um consumerista de uma nação dominante, transformou-se em um ativista superior aos do Sul Global (Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being. Cultural Studies, 21(2), 240-270.). A legitimidade de Nader para impor seus pensamentos etnocêntricos ao resto do mundo também é “natural”, pois somente o Ser do Norte Global é racional e, portanto, capaz de produzir conhecimento verdadeiro (Lander, 2005Lander, E. (2005). Ciências sociais: Saberes coloniais e eurocêntricos. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 21-53). Buenos Aires, Argentina: Clacso.).

A estrutura de proteção ao consumidor defendida por Nader e pelo movimento consumerista dominante na década de 1970 concentraram seus esforços na redução das assimetrias entre empresas e consumidores (Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.). No entanto, tais esforços não contemplaram as necessidades de grupos marginalizados, pois a ideia defendida pelos consumeristas dominantes levava em consideração apenas a proteção de um consumidor de origem elitista, branca, privilegiada, masculina (Hemais, 2019Hemais, M. (2019). Eurocentric Influence on the Brazilian Consumer Defense Code. Journal of Historical Research in Marketing, 11(2), 203-226. doi: 10.1108/JHRM-12-2017-0073
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; Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being. Cultural Studies, 21(2), 240-270.).

Ralph Nader conseguiu se tornar uma voz ressonante no movimento consumerista norte-americano (Glickman, 2009Glickman, L. (2009). Buying power: A history of consumer activism in America. Chicago, USA, and London, UK: University of Chicago Press.; Lawyer charges autos, 1965Lawyer charges autos safety lag. (1965, November 30). New York Times, Business Financial 68.) por fazer parte desse grupo elitista (Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being. Cultural Studies, 21(2), 240-270.). Sua narrativa, portanto, refletia uma realidade com a qual estava acostumado, ou seja, teve como foco a proteção do consumidor em situações semelhantes à sua. As discussões sobre a realidade dos consumidores afro-americanos, pertencentes a povos originários, pessoas de baixa renda e imigrantes não estavam em seu radar (Faria & Hemais, 2018Faria, A., & Hemais, M. (2018). Historicizando o novo consumerismo global sob uma perspectiva de mundos emergentes. RAC, 22(4), 577-599. doi: 10.1590/1982-7849rac2018170257
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; Hilton, 2009Hilton, M. (2009). Prosperity for all: Consumer activism in an Era of Globalization. Ithaca, USA: Cornell University Press.; Maldonado-Torres, 2007Maldonado-Torres, N. (2007). On the coloniality of being. Cultural Studies, 21(2), 240-270.).

Ribeiro, por outro lado, vem de uma nação “subdesenvolvida” e “selvagem”. Portanto, considera-se incapaz de produzir conhecimentos válidos e universais (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Decolonizar la universidad: La hybris del punto cero y el diálogo de saberes. In S. Castro-Gómez, & R. Grosfoguel (Org.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global (pp. 79-92). Bogotá, Colombia: Instituto Pensar.), mesmo fazendo parte de uma elite brasileira, dada sua formação como advogado, professor de direito e deputado federal (Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). Ribeiro, assim, teria que adotar o conhecimento das nações dominantes, os “verdadeiros” produtores de conhecimento válido (Lander, 2005Lander, E. (2005). Ciências sociais: Saberes coloniais e eurocêntricos. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 21-53). Buenos Aires, Argentina: Clacso.), e tal conhecimento e ativismo se distanciavam das necessidades dos grupos marginalizados, replicando a ideia de raça e consolidando a posição da hegemonia das nações do Norte Global (Mignolo, 2011Mignolo, W. (2011). The darker side of western modernity: Global futures, decolonial options. Durham, USA: Duke University Press Books.; Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Rio de Janeiro, RJ: Clacso.).

Ao adotar a narrativa consumerista estadunidense - que acabou se tornando a narrativa dominante do consumerismo no Brasil na década de 1970 (Beting, 1971Beting, J. (1971, July 18). A culpa de todos. Folha de S. Paulo, 3º Caderno 24., 1974Beting, J. (1974, April 13). O pão nosso... Folha de S. Paulo, Economia 13.; Folha de S. Paulo, 1973) - a discussão consumerista acabou se limitando às relações entre empresas e consumidores, além da própria compreensão do que é um consumidor (Hemais, 2019Hemais, M. (2019). Eurocentric Influence on the Brazilian Consumer Defense Code. Journal of Historical Research in Marketing, 11(2), 203-226. doi: 10.1108/JHRM-12-2017-0073
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; Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.; Zülzke, 1991Zülzke, M. L. (1991). Abrindo a empresa para o consumidor: A importância de um canal de atendimento. Rio de Janeiro, RJ: Qualitymark.).

Nina Ribeiro é um “Ser ativista” que imita um ativista do Norte Global, e adota uma narrativa baseada em um movimento consumerista com paradigmas etnocêntricos (Faria & Hemais, 2018Faria, A., & Hemais, M. (2018). Historicizando o novo consumerismo global sob uma perspectiva de mundos emergentes. RAC, 22(4), 577-599. doi: 10.1590/1982-7849rac2018170257
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). Ele autoimpõe a colonialidade, e seu ativismo consolida os processos coloniais, na crença de que essa é a única forma de ser reconhecido como uma voz legítima desse movimento (Ibarra-Colado, 2008Ibarra-Colado, E. (2008). Is there any future for critical management studies in Latin America? Moving from epistemic coloniality to “trans-discipline”. Organization: Speaking Out, 15(6), 932-935. doi: 10.1177/1350508408095822
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).

A autoimposição da colonialidade, como ocorreu com Nina Ribeiro, é a forma como os grupos não-dominantes ou colonizados encontram sua narrativa reconhecida como legítima por aquela narrativa dominante, dando-lhes acesso ao poder e a possibilidade de obter algum grau de relevância à luz dos contextos nacional e internacional (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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). Se alguém vem de um país marginalizado (externo à fronteira) e deseja ter voz dentro de um país dominante, esse alguém deve agir, argumentar e comportar-se de acordo com os princípios estabelecidos por aqueles que estão dentro da fronteira (Faria, 2014Faria, A. (2014, August). Border thinking in action: Should critical management studies get anything done? In: V. Maplin, J. Murphy & M. Siltaoja, (Eds.), Getting Things Done (Dialogues in Critical Management Studies) (pp. 277-300). London UK: Emerald.).

O consumerismo de Nader (e de Ribeiro) e seu processo colonial

A construção da modernidade converge com o surgimento e avanço do capitalismo como única opção para um sistema econômico civilizador. De acordo com as narrativas capitalistas, desenvolvimento e evolução levam necessariamente ao capitalismo, como aconteceu na Europa e nos EUA. O avanço das civilizações passou a se estabelecer unicamente a partir de um modelo econômico que favorecia determinadas nações (Dussel, 1993Dussel, E. (1993). Eurocentrism and modernity (introduction to the Frankfurt Lectures). Boundary 2, 20(3), 65-76. doi: 10.2307/303341
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; Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Rio de Janeiro, RJ: Clacso.) e as experiências do colonialismo e da colonialidade fundiram-se com as necessidades do capitalismo (Escobar, 2004Escobar, A. (2004). Beyond the Third World: Imperial globality, global coloniality and anti-globalisation social movements. Third World Quarterly, 25(1), 207-230. doi: 10.1080/0143659042000185417
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). O mesmo aconteceu com o consumerismo, fazendo surgir um consumerismo universal e um ativista de movimentos consumeristas também universal, de acordo com os paradigmas estabelecidos pelos EUA (Rodrigues & Hemais, 2021Rodrigues, L., & Hemais, M. W. (2021). The colonial side of advertising self-regulation: Imperialist consumerism in Latin America. Latin American Business Review, 23(2), 167-198. doi: 10.1080/10978526.2021.1942026
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).

Mesmo antes da influência do consumerismo eurocêntrico e estadunidense, os consumidores latino-americanos já eram dependentes do Norte Global (Durand, 2003Durand, J. (2003). Formação e internacionalização da sociedade de consumo norte-americana 1870-1930. São Paulo, SP: FGV EAESP Pesquisa.), pois a maioria das empresas multinacionais da região na época eram controladas por corporações daquela região (Kucinski & Ledogar, 1977Kucinski, B., & Ledogar R. (1977). Fome de lucros. São Paulo, SP: Editora Brasiliense.). Portanto, quando os ativistas dos movimentos consumeristas latino-americanos tentam defender os consumidores usando argumentos reproduzidos a partir daqueles observados no Norte Global (ex.: Ferrari, 1981Ferrari, Z. (1981). Defesa do consumidor (Série Comunicação). São Paulo, SP: Edições Loyola.), não conseguem reduzir a assimetria entre consumidores e empresas. Isso ocorre porque o consumerismo colonialista acaba tendo o efeito oposto, já que se alinha aos interesses das grandes corporações do Norte Global, aumentando assim o consumo (Hemais, 2019Hemais, M. (2019). Eurocentric Influence on the Brazilian Consumer Defense Code. Journal of Historical Research in Marketing, 11(2), 203-226. doi: 10.1108/JHRM-12-2017-0073
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).

Ribeiro conduzia seu ativismo pelo único caminho que via possível: o consumerismo baseado no capitalismo modernista, inspirado por um ativista estrangeiro (Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). Ele ignorou, ao fazer isso, que os paradigmas que o inspiraram não eram adequados para todas as realidades brasileiras, respondendo principalmente às necessidades de grupos elitistas (Hemais, 2019Hemais, M. (2019). Eurocentric Influence on the Brazilian Consumer Defense Code. Journal of Historical Research in Marketing, 11(2), 203-226. doi: 10.1108/JHRM-12-2017-0073
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). De fato, os povos latino-americanos precisam de sistemas que os protejam de condutas irregulares de corporações estrangeiras (e locais), porém, precisam de um sistema de acordo com suas próprias realidades, não de um sistema supostamente “universal” e colonialista que emergiu como reflexo de um outro contexto sócio-político-econômico local (Hemais, 2018Hemais, M. (2018). Uma perspectiva pós-colonial sobre organizações consumeristas no Brasil. Caderno EBAPE.BR, 16(4), 594-609. doi: 10.1590/1679-395172972
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).

A presença de empresas estrangeiras no contexto sócio-político-econômico brasileiro, cujas atividades são defendidas como essenciais ao progresso do país (Kucinski & Ledogar, 1977Kucinski, B., & Ledogar R. (1977). Fome de lucros. São Paulo, SP: Editora Brasiliense.), traz consigo problemas semelhantes aos observados nos EUA, o que também estimula os consumidores nacionais a importar as “soluções” propostas para aquele país (Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). Assim como a América Latina importou os problemas trazidos pelas empresas multinacionais, a região também importou soluções estrangeiras que foram desenvolvidas de acordo com os interesses e necessidades do Norte Global e levando em consideração o consumidor masculino branco dessa região (Ribeiro, 1977Ribeiro, E. (1977). Meu depoimento perante a CPI do Consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.; Rodrigues & Hemais, 2021Rodrigues, L., & Hemais, M. W. (2021). The colonial side of advertising self-regulation: Imperialist consumerism in Latin America. Latin American Business Review, 23(2), 167-198. doi: 10.1080/10978526.2021.1942026
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).

Com base nos processos coloniais, consolidou-se uma ideia supostamente universal de consumerismo, tanto do ponto de vista epistemológico quanto ontológico (Faria & Hemais, 2018Faria, A., & Hemais, M. (2018). Historicizando o novo consumerismo global sob uma perspectiva de mundos emergentes. RAC, 22(4), 577-599. doi: 10.1590/1982-7849rac2018170257
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), impedindo a possibilidade de construção de um conhecimento consumerista pluralista e adequado aos seus respectivos locais de enunciação (Quijano, 1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13(29), 11-20. Retrieved from https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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). Especificamente em uma dimensão ontológica, ativistas estadunidenses-eurocêntricos defendem que existe um consumidor universal, que é, de fato, representado pelo homem branco do Norte Global, que segue a classificação racial da lógica mundial (Faria & Hemais, 2018Faria, A., & Hemais, M. (2018). Historicizando o novo consumerismo global sob uma perspectiva de mundos emergentes. RAC, 22(4), 577-599. doi: 10.1590/1982-7849rac2018170257
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; Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Rio de Janeiro, RJ: Clacso.).

Em vez de buscar, discutir e adotar temas e tópicos transdisciplinares para encontrar soluções diversificadas para realidades complexas e distintas, constrói-se uma lógica segundo uma perspectiva (a dos grupos dominantes no Norte Global) que se sobrepõe a todas as outras visões (Castro-Gómez, 2005Castro-Gómez, S. (2005). Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da invenção do outro. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 169-186,S. Duarte & J. da Silva., Trans.). Buenos Aires, Argentina: Clacso.). A narrativa de defesa do consumidor passa, assim, a fazer parte de uma narrativa universal que historiciza o próprio consumerismo (Faria & Hemais, 2018Faria, A., & Hemais, M. (2018). Historicizando o novo consumerismo global sob uma perspectiva de mundos emergentes. RAC, 22(4), 577-599. doi: 10.1590/1982-7849rac2018170257
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). Não apenas a história consumerista é limitada pela imposição de um país, mas também os temas que serão discutidos dentro dos movimentos consumeristas (ex.: Ribeiro, 1978Ribeiro, E. (1978). O que podemos fazer: Guia prático do consumidor. Brasília, DF: Câmara dos Deputados - Coordenação de Documentação e Informação.). Por meio da seleção dos temas considerados relevantes para sua teoria “universal” (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Decolonizar la universidad: La hybris del punto cero y el diálogo de saberes. In S. Castro-Gómez, & R. Grosfoguel (Org.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global (pp. 79-92). Bogotá, Colombia: Instituto Pensar.), o consumerismo dominante discute e busca lidar com fragmentos de realidades consumeristas, que correspondem a interesses de grupos elitistas, silenciando realidades marginalizadas e suas respectivas conexões (Hemais & Faria, 2018Hemais, M., & Faria, A. (2018). Highlighting the darker side of liberal internationalism for a counter-colonizing consumerism. Latin American Business Review, 19(3-4), 349-373. doi: 10.1080/10978526.2018.1547643
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).

O Quadro 3 a seguir resume os principais problemas encontrados nas narrativas de consumo dominantes à luz de uma perspectiva decolonial.

Quadro 3
As colonialidades do consumerismo

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou analisar, a partir de uma perspectiva decolonial e com base principalmente na teoria da Colonialidade do Ser, o comportamento de Nina Ribeiro ao espelhar-se em Ralph Nader, e como esse comportamento influenciou o movimento consumerista brasileiro. Nossa pesquisa histórica nos permitiu compreender que Ribeiro ajudou a consolidar no Brasil um consumerismo estadunidense desenvolvido por Nader, limitando, portanto, as possibilidades do que poderia ser tal ativismo no país. Ao adotar uma visão do consumerismo apenas relacionada às necessidades do consumidor e seu progresso material - em consonância com os princípios capitalistas - Ribeiro excluiu de tais discussões questões relacionadas a grupos marginalizados, que também deveriam ser constitutivas de tais debates. Ele reforçou, assim, uma visão do “consumidor” que considera apenas aqueles que são, em essência, de grupos elitistas do Norte Global. As necessidades reais dos indivíduos de grupos não elitistas do Sul Global, portanto, foram deixadas fora do escopo do consumerismo. Eles aparentemente não foram considerados dignos da atenção das organizações e estruturas que constituem tal sistema.

Assim, ao adotar uma perspectiva decolonial, é possível perceber que é preciso questionar conceitos dominantes de marketing e consumerismo, reconhecendo seus paradigmas coloniais-modernos, o que depende da abertura desse campo às perspectivas críticas, especialmente aquelas vindas de grupos marginalizados (Lander, 2005Lander, E. (2005). Ciências sociais: Saberes coloniais e eurocêntricos. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 21-53). Buenos Aires, Argentina: Clacso.). Isso significaria aceitar que essas disciplinas estão sujeitas à dominação eurocêntrica (Rodrigues & Hemais, 2021Rodrigues, L., & Hemais, M. W. (2021). The colonial side of advertising self-regulation: Imperialist consumerism in Latin America. Latin American Business Review, 23(2), 167-198. doi: 10.1080/10978526.2021.1942026
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), e que as discussões teóricas (mesmo as críticas) só são inclusivas quando não pretendem ser autouniversalizantes. O decolonialismo é uma perspectiva inclusiva e plural, pois não pretende se impor aos povos e sociedades, ao mesmo tempo em que inclui realidades, grupos e contextos marginalizados e silenciados pelas teorias dominantes (Maldonado-Torres, 2008Maldonado-Torres, N. (2008). A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento: Modernidade, império e colonialidade. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, 71-114.).

Para se adequar melhor às necessidades variadas e complexas das elites e grupos marginalizados, o marketing e o consumerismo devem estar abertos à transdisciplinaridade. Por meio dessa abordagem, a visão modernista/colonialista que analisa o mundo de forma simplista pode ser substituída por uma nova forma de pensar paradigmas (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Decolonizar la universidad: La hybris del punto cero y el diálogo de saberes. In S. Castro-Gómez, & R. Grosfoguel (Org.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global (pp. 79-92). Bogotá, Colombia: Instituto Pensar.), que permita a promoção de perspectivas diferentes e complementares, muito além da essência excludente de ciência ocidental. Dessa forma, a parte da academia ocupada com os estudos no campo do marketing poderia se expor a discussões plurais, como a decolonial que apresentada aqui, permitindo a compreensão de que essa área também faz parte da colonialidade (Varman, 2019Varman, R. (2019). Postcolonialism, subalternity and critical marketing. In M. Tadajewski, M. Higgins, J. Denegri-Knott, & R. Varman (Eds.), The Routledge Companion to critical marketing (pp.49-63). New York, USA: Routledge.). No entanto, para que isso ocorra, mais pesquisadores de marketing precisam se engajar nas discussões decoloniais, principalmente os estudiosos oriundos do Sul Global (mas, também, aqueles do Norte Global), para que a área reconheça suas limitações e que o marketing possa realmente avançar em tornar-se mais inclusivo das minorias subalternizadas e suas epistemologias.

Esperamos, portanto, que futuros estudos sobre consumerismo, em particular, e as pesquisas em marketing, em geral, também questionem processos coloniais históricos que ajudaram a controlar tipos de saberes e conceitos, e avançar a colonialidade. Uma possível contribuição futura seria analisar, com mais detalhes, os movimentos não dominantes ocorridos no Brasil no período aqui estudado, a fim de contribuir ainda mais para uma compreensão pluralista do consumerismo. Também seria importante explorar outras figuras-chave brasileiras que ajudaram a moldar o consumerismo e o marketing localmente e analisar se eles também perpetuam a colonialidade por meio de um processo de autocolonização do saber e dos modos de ser eurocêntricos. Em um sentido mais amplo, estudos futuros podem focar em importantes atores mercadológicos e consumeristas de outros contextos do Sul Global, a fim de analisar se a colonialidade que está sendo discutida aqui também está presente em suas realidades.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2021
  • Aceito
    12 Fev 2022
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